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O mundo muçulmano sob os Abássidas

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9 
O mundo muçulmano 
sob os Abássidas 
Aspectos políticos e territoriais (750-1055) 
A revolução abássida, que levou ao poder uma nova dinastia, tinha nascido do problema da inte-
gração no novo Império das populações não árabes. Rompendo com o período omíada, que observara 
um modelo de organização tribal, os califas elaboraram durante o primeiro século abássida (750-cerca 
de 850) um novo sistema político. Este define-se por um quadro institucional e uma nova capital, e 
mais ainda, como mostraram vários estudos anglo-saxónicos recentes, pelo estabelecimento de uma 
rede muito densa de relações pessoais e pela consideração das reivindicações autonomistas das regiões. 
Estudar a história do período abássida do ponto de vista do governo central e das suas instituições 
não deve fazer esquecer que se desenvolveu um processo de mobilização das forças das províncias, ori-
entais e ocidentais, pelo reconhecimento dos particularismos e pelo papel concedido às aristocracias 
locais. Dito de outro modo, o movimento de fragmentação do Império permitiu a emergência de novos 
conjuntos territoriais, que não romperam com as instituições arábico-muçulmanas, mas que adopta-
ram formas de organização próprias, por vezes referindo-se ao xiismo ou ao carijismo. 
1. O primeiro século abássida: 
o desenvolvimento do sunismo 
(750-cerca de 850) 
• As orientações do novo regime 
Os dois novos primeiros califas começaram por elimi-
nar, no seio do movimento compósito que os t inha levado 
ao poder, os extremistas e as tendências rivais. Abü Muslim, 
considerado poderoso de mais no Jurassã, foi afastado em 
755 e, sobretudo a partir de 762, teve início uma política 
de repressão contra os Alidas. Esta atitude tranqüilizou os 
moderados. Al-Mansur transferiu a capital para Bagdade, 
fundada em 762 no Iraque, não longe da antiga capital, 
Ctesifonte. Símbolo do poder, Madínat al-Salam - «a cidade 
da salvação» - , como Bagdade é designada pelas fontes ára-
bes - , atribuiu ao Iraque o papel que o regime omíada lhe 
recusara: o de centro de um vasto império. Aproximando-
-se das províncias orientais, o poder califal apoiava-se nas 
populações do antigo Império Sassânida, mas desviava-se 
do Mediterrâneo e renunciava, de facto, a exercer um con-
trolo sobre as províncias do Ocidente. Não é desproposi-
Cronologia dos dez primeiros 
califas abássidas 
al-Saffâh (750-754) 
al-Mansür (754-775) 
al-Mahdí (775-785) 
al-Hadi (785-786) 
Hârün al-Rachid (786-809) 
al-Amín (809-813) 
al-Mámün (813-833) 
al-Mu'tacim (833-842) 
al-Wâthiq (842-847) 
al-Mutawwakil (847-861) 
(Continuação da cronologia p. 155) 
Ver mapa p. 396 C. 
141 
tado fazer notai- que, exactamente na mesma época, a dinas-
tia carolíngia, que tomou o poder em 751, encontrava o 
seu centro de gravidade nas regiões setentrionais, longe 
das costas mediterrânicas. Somente Constantinopla manti-
nha uma fundada vocação marítima, ainda que a talasso-
cracia bizantina viesse a ser seriamente ameaçada. 
Wazir (vizir): literalmente, «o 
que ajuda a carregar u m far-
do». Originalmente honorífi-
co, o título de vizir designa, a 
partir do re inado de Harun 
al-Rachid, aquele que, ao la-
do do califa, exercia um pa-
pel de conselheiro e auxiliar, 
ao mesmo tempo que supe-
rintendia na administração pú-
blica. 
Imã: ver p. 107. 
Influência iraniana. Os princípios administrativos foram, 
portanto, pouco modificados, mas o estilo do governo evo-
luiu por influência de um pessoal essencialmente recrutado 
entre os mawâli iranianos. Os Árabes não foram eliminados 
do poder, mas deixaram de monopolizar as mais elevadas 
funções; os Iranianos convertidos acederam a todos os pos-
tos políticos, na Corte, nos diwâns, no exército, à custa dos 
Árabes que tinham sido o suporte dos Omíadas. Quando a 
administração central foi colocada sob a direcção do wazir, 
ou vizir, foi a membros da família iraniana dos Barmácidas 
que a função começou por ser confiada. Sob a influência 
dos mawâli iranianos, as velhas tradições sassânidas revive-
ram na etiqueta, no cerimonial, no modo de vida do califa. 
Longe da multidão, ele foi um soberano absoluto, em rup-
tura com a tradição do chefe de tribo árabe herdada dos 
tempos pré-islâmicos. As modificações introduzidas no exér-
cito traduzem bem esta evolução. Os seus membros passaram 
a ser recrutados entre os Jurassanianos, que se tornaram 
nos únicos e verdadeiros soldados, sobretudo encarregados 
de defender no Império a política do califa, e absolutamente 
distintos dos voluntários que ainda continuavam a bater-se 
nas fronteiras do mundo muçulmano. 
O califado, instituição religiosa. O princípio dinástico 
foi rapidamente estabelecido em benefício da família abás-
sida. Esta deixou de basear os seus direitos à direcção da 
umma no testamento de Abü Hâshim, que a ligava aos xi-
itas, e invocou uma designação de al-Abbâs por via do pró-
prio Maomé. Deste modo, o movimento abássida deixava 
de ter, pelas suas origens, um carácter heterodoxo; é que 
os califas decidiram cimentar a unidade do seu império, 
mais ni t idamente do que na época omíada, através da 
natureza religiosa da sua autoridade. 
De repente, tanto nas suas formas exteriores como nas 
suas tendências, o califado aparece como uma verdadeira 
instituição religiosa. O califa abássida já não se define ape-
nas como o sucessor, o lugar-tenente do profeta de Deus; 
assume também o título de imã - o que guia a comuni-
dade na obediência à Lei. O manto do profeta, a sua lança 
e o seu selo simbolizam o poder do que, assim, é o guia 
espiritual e temporal da comunidade. As manifestações 
exteriores de piedade desenvolvem-se: reconstrução de 
Meca e Medina, da Mesquita al-Aqsa de Jerusalém, orga-
142 
O m u n d o muçulmano sob os Abássidas 
nização regular de peregr inações , es tabe lec imento da 
inquisição face ao surto de diversos movimentos heréti-
cos - os zindiq. Os doutores em ciências religiosas passam 
a desempenhar u m papel na corte: assim, a ped ido de 
Hârún al-Rachid, o grande cádi de Bagdade, Abú Yüsuf, 
redigiu u m livro - O Livro do Imposto Predial - , para limi-
tar o arbitrário em matéria administrativa e fiscal. 
O desenvolvimento do sunismo I 
O sunismo. Os Abássidas apoiaram-se, efectivamente, 
n u m a cor ren te de pensamen to que aparecera nos pri-
meiros decênios do séc. viu e que começava a elaborar-se 
doutr inalmente: o sunismo, para o qual a obediência ao 
poder estabelecido era praticamente um dever. Rejeitando 
todas as formas de contestação e de rebelião, os doutores 
sunitas recomendavam que se seguissem as autoridades 
instaladas, na medida em que as suas ordens não envol-
vessem desobediência a Deus e ao seu Profeta. Baseavam-
-se, antes de mais, no Alcorão e na Sunna, mas insistiam 
também na impor tânc ia do consenso comuni tá r io - o 
idjmâ'. Assim preocupado com a paz comunitária, o sunismo 
opunha-se for temente ao legitimismo dos xiitas e ao par-
ticularismo insurreccional dos carijitas: a concepção do 
imã, como chefe supremo da comunidade , difere pro-
f u n d a m e n t e nestas três famílias do islão. Os sunitas ten-
diam a ver no califa apenas o que organizava a aplicação 
da Lei religiosa, deixando aos especialistas o cuidado da 
sua interpretação. 
A elaboração do direito. A Lei religiosa, ou shari'a, está, 
com efeito, na base quer da vida pública do islão, quer 
da vida privada do muçu lmano . A shari'a apresenta-se 
como o c o n j u n t o dos c o m a n d o s da Lei, con t idos n o 
Alcorão e na Suna. Ao lado desta lei, o fiqh, jur isprudên-
cia ou direito muçu lmano , é a in terpretação da shari'a 
pelos fuqahâ', ou juristas, do islão. Nos reinados dos pri-
meiros califas abássidas, o pensamento jur íd ico foi pro-
fundamen te influenciado pela lógica grega e precisou o 
sentido das disposições a aplicar tanto no domínio público 
como no domínioprivado. Esta elaboração do fiqh apoia-
va-se em quatro fontes, as únicas reconhecidas como legí-
timas: o Alcorão, a Sunna, o idjmâ'ou consenso dos sábios 
da umma, e o qiyâs ou raciocínio analógico que faz inter-
vir a reflexão lógica. Este esforço de interpretação, ou 
idjtihâd, envolveu uma grande efervescência intelectual. 
O recurso às hadiths levou à constituição de grandes colec-
tâneas, como a de al-Bukhâri (falecido em 870), a leitura 
do Alcorão foi definitivamente codificada, grandes obras 
de exegese coránica vieram a público, em especial a de 
Zindiq: termo de origem ira-
niana que designa em geral os 
que, pela sua atitude de espí-
rito ou o seu modo de vida, 
entram em confronto com a 
Lei revelada. No séc. vm, tra-
ta-se sobre tudo dos adeptos 
de doutrinas dualistas, influen-
ciados pelas tradições cultu-
rais persas. 
Sunna: ver p. 87. 
Idjmâ': acordo unânime da um-
ma ou, mais restritamente, dos 
teólogos reconhecidos numa 
certa época. 
143 
al-Tabari, também conhecido como historiador (falecido 
em 923). Desde o final do séc. VIU, apareceram quatro 
escolas jurídico-religiosas (muitas vezes impropr iamente 
qualificadas como ritos); ret iram as suas denominações 
dos respectivos fundadores e repartem-se em grandes con-
jun tos regionais: no Próximo Oriente , os hanafitas (de 
Abü Hanifa, mor to em 763) e os xafiitas (de al-Shâfi'i, 
falecido em 820); no Magrebe, os hanbalitas (de ibn Han-
bal, falecido em 855); e na Península Ibérica, os mali-
quitas (de Mâlik ibn Anas, que morreu em 795). Se estas 
escolas divergem em questões doutr inais e, sobre tudo, 
metodológicas , elas convergem nos pr inc íp ios f u n d a -
mentais. 
O mutazilismo. O desenvolvimento das ciências reli-
giosas e a influência da filosofia grega, conhecida através 
das traduções de Aristóteles, permitiram uma intensa refle-
xão doutrinai , designadamente com o aparecimento do 
mutazilismo. O recurso, pelos seus adeptos, à razão como 
meio para compreender o Alcorão e o desenvolvimento 
de concepções teológicas originais como a da criação do 
Alcorão, levantaram contra eles os sunitas. Al-Ma'mün ten-
tou, n o princípio do séc. IX, impor o mutazilismo como 
doutr ina oficial. As razões desta tentativa são ainda lar-
gamente discutidas. O tr iunfo do mutazilismo teria, no 
plano político, implicado provavelmente um papel mais 
autoritário do califa, conferindo-lhe um direito a guiar a 
umma não só mediante a execução da Lei, mas também 
através da sua compreensão, colocando-o assim acima dos 
especialistas. Esta tentativa fracassou e os fuqahâ' sunitas 
fizeram prevalecer a concepção de um califa apenas habi-
litado a fazer aplicar a Lei. 
Os imãs alidas 
1 Ali m. 661 
I I 
2 Hassan m. 669 3 Hussein m. 680 
4 Alt Z a m n T r i T 
5 Muhammad al-Bâqir m. 731 
6 Dia'far m. 765 r ™ ^ 1 
7 Ismá'íi m. 760 7 Müsâ m. 799 
8 Ali al-Rillâ m. 818 
9 Muhammad m. 835 
10 Ali a l -Hal i m. 868 
11 Hassan m. 874 
12 Muhammad al-Mahdi m. 878 
I Xiitas e carijitas 
Xiitas. Afastados pelos Abássidas, os xiitas agruparam-
-se então apenas em torno dos descendentes de Ali e de 
Fátima. Rejeitando o realismo político dos sunitas, que 
reconhec iam o califado dos Abássidas depois de terem 
reconhecido o dos Omíadas, os xiitas mantinham-se liga-
dos ao princípio de um poder detido por u m Alida, her-
deiro das prerrogativas do Profeta, imã detentor de luzes 
secretas. Duas revoltas conduzidas pelos descendentes de 
Hassan acabaram mal para eles: revolta de Muhammad e 
de Ibraim em 762 e rebelião de 786, abafada em Fakhkh, 
per to de Meca, com um massacre ao qual apenas escapou 
u m pr íncipe alida, Idris, que se re fugiou no Magrebe. 
Mais prudentes , os descendentes de Hussein atravessaram 
esse per íodo de perseguições sem se manifestarem, entre-
gando-se sobretudo a um esforço de reflexão doutrinária. 
144 
O mundo muçulmano sob os Abássidas 
Em diversas oportunidades o poder tentou, em vão, a con-
ciliação. Assim, al-Ma'mun admitiu a hipótese de aceitar 
como herdei ro o imã alida Ali al-Rida. Em geral, porém, 
foi a desconfiança, quando não a perseguição, que domi-
nou. Em 799, Müsâ foi executado e, após a rejeição defi-
nitiva da tentativa de abertura que o mutazilismo repre-
sentara, foi fixada residência a Ali al-Hâdí e destruído o 
mausoléu de Hussein em Querbela. Alargava-se, portanto, 
o fosso entre xiitas e Abássidas. A morte do imã Dja'far 
em 765 trouxe consigo a rup tura entre as duas principais 
correntes do xiismo. Se é verdade que todos reconheciam 
uma só l inhagem de imãs legítimos - embora, na reali-
dade, n e n h u m tenha exercido o poder - , alguns conside-
ravam que essa sucessão se tinha interrompido com Ismael, 
o sétimo - são os Ismaelianos outros com o décimo 
segundo - os Duodecimanos ou Imamitas. 
Carijitas. Com os califas abássidas, o movimento cari-
j i ta foi prat icamente extinto no Próximo Oriente: salvo 
algumas revoltas locais rapidamente abafadas, deixou de 
representar qualquer perigo sério para o poder central. 
No Nor te de África, pelo contrário, u m dos principais 
ramos dos carijitas, o dos ibaditas, desempenhou um papel 
político de grande importância. Os aspectos principais da 
dout r ina dos carijitas tinham-se esclarecido a part ir de 
Siffin: por oposição aos sunitas e aos xiitas, consideravam 
que o califado deveria caber ao melhor muçulmano, sem 
distinção de família nem de origem. Mas os traços defi-
nidores desse melhor muçulmano prestavam-se a discus-
são. E foram sobretudo os carijitas a dividir-se sobre a ati-
tude a adoptar para com os muçulmanos culpados de uma 
infracção à fé, ou seja, para com os muçulmanos julgados 
infiéis. A intransigência dos azraquitas, que os levava a 
considerar como terra de infiéis o país ocupado por outros 
muçulmanos, opôs-se a moderação dos sufritas e dos iba-
ditas, que admitiam a coexistência de várias tendências 
n u m mesmo território. 
Aspectos geográficos do poder califal • 
O poder do califa aplicava-se desigualmente no inte-
rior do Império. Xiitas e carijitas não o reconheciam, mas 
houve também, num espaço que não conheceu substan-
ciais alargamentos, secessões regionais, principalmente no 
Ocidente, que j á anunciavam a ulterior f ragmentação do 
m u n d o abássida. 
O Ocidente muçulmano. Para lá da Ifriqiya, Bagdade 
não t inha conseguido assegurar o seu controle sobre os 
Berberes do Magrebe e perdera-o totalmente na Hispânia. 
Sobre os Ismaelianos e os Duodecimanos 
ver pp. 153-154. 
145 
Ver mapa p. 390 A. 
Muladis: indígenas cristãos 
convertidos ao islão na Hispâ-
nia muçulmana. 
Moçárabes: indígenas que se 
mantiveram cristãos na Hispâ-
nia muçulmana. 
Ver p. 111. 
Ribât: ver p. 224. 
Aqui, com efeito, um omíada que escapara ao massacre 
de 750, Abd ar-Rahmân (Abderramão), conseguira fazer-
-se proclamar emir de al-Andalus. Os seus esforços e os 
dos seus primeiros sucessores foram dedicados a garantir 
a respectiva autoridade sobre essa província muçulmana 
tão diversificada: árabes, divididos em tribos do Norte e 
do Sul, berberes, muladis, defrontavam-se entre si e opu-
nham-se ao poder emiral instalado em Córdova. No en-
tanto, já se esboçava um Estado organizado segundo o 
modelo abássida e que uma eficaz política fiscal, causa prin-
cipal das revoltas moçárabes, dotou de importantes recur-
sos. Sem que tenha havido ruptura oficial, é evidente que 
a fundação de um emirado omíada significava uma ampu-
tação no território abássida. 
O Magrebe. A consolidação do emirado de Córdova 
foi facilitada pela evolução que então se produziu no 
Magrebe. Desde 776, ibn Rustum tinha conseguido fun-
dar em Tâhert um principado carijita de tendência iba-
dita, unido por laços de amizade a outro principado cari-
jita, mas sufrita, organizado em torno de Sidjilmâsa nos 
anos 770. No começo doséc. ix, Bagdade atribuiu a Ibrâhim 
ibn al-Aghlab, filho de um oficial jurassaniano, o emirado 
de Cairuão a título hereditário, mediante renda anual. 
Os Aglábidas organizaram a sua segurança restaurando 
fortalezas e construindo ribats, como o de Susa; com algum 
sucesso, tentaram manter o equilíbrio numa população 
em que se jus tapunham uma minoria árabe, sobretudo 
implantada em Cairuão, persas e numerosos berberes. 
Estes últimos, no Sul, deixavam-se seduzir de bom grado 
pelo carijismo, então em pleno desenvolvimento no 
Magrebe. Era, pois, todo um conjunto berbere e ibadita 
que envolvia o país aglábida, limitado à Ifriqiya. Finalmente, 
a Oeste, acentuando a fragmentação político-religiosa do 
Magrebe, um xiita escapado ao massacre de Fakhkh, Idris, 
tinha fundado em 788 um pequeno Estado, que se esbo-
roou numa série de principados, notabilizado pela cidade 
de Fez, fundada em 808. Os Idríssidas não controlavam 
nem o Rife nem a planície atlântica. 
O Magrebe, entre o litoral do Mediterrâneo e a África 
Negra, desempenhava um papel de grande importância 
pelas suas relações comerciais e culturais quer com o 
Ocidente quer com as regiões sub-sarianas. Como os 
Romanos, os Vândalos e os Bizantinos antes deles, os 
Aglábidas desenvolveram uma activa política marítima que 
os levou a empreender, a partir de 827, a conquista da 
Sicilia. Este dinamismo mediterrânico era sustentado por 
uma próspera economia. O resto do Magrebe voltava as 
costas ao mar. Através do Sara, Tâhert tinha estabelecido, 
via Uargla, contactos com o Sudão e Gao, no vale do Niger. 
146 
O mundo muçulmano sob os Abássidas 
Aqui organizara-se, talvez desde o início do séc. rv, o reino 
do Gana, primeiro império da África Negra Ocidental, 
rico em ouro vindo das florestas meridionais. Tâhert servia 
assim de intermediário entre o Sudão e a Ifriqiya. Para 
além da fragmentação político-religiosa, uma forma de 
equilíbrio tinha-se pois instalado entre a zona interior ber-
bere e ibadita, dominada pelo imã de Tâhert, e a Ifriqiya, 
fiel ao sunismo e ligada por mar à Sicilia e ao Oriente. 
O Ocidente muçulmano iniciava deste modo uma evo-
lução absolutamente original, fora de qualquer controlo 
efectivo de Bagdade, com os Aglábidas dispondo, na prá-
tica, de total independência. 
O mundo iraniano. Sobre o mundo iraniano, o cali-
fado mantinha toda a sua autoridade, a despeito de várias 
revoltas, como a de Bâbak, no Azerbaijão, entre 816 e 838, 
ou a de Mazyâr, no Tabaristão, pouco depois. Entretanto, 
no princípio do séc. IX, várias famílias começavam a adqui-
rir uma importância regional. Em 813, al-Ma'mün, para 
recompensar o seu general iraniano, Tâhir, nomeou-o 
governador do Jurassã onde, durante meio século, a famí-
lia deste gozou de uma total independência. Do mesmo 
modo, Bagdade favoreceu a ascensão de uma família da 
aristocracia iraniana convertida ao islão, os Sâmâ-Khüdat, 
atribuindo-lhes postos importantes na Transoxiana, base 
da futura dinastia dos Samânidas. 
A eliminação, por Hârún al-Rashid, em condições ainda 
controversas, dos Barmácidas iranianos, explica, sem dúvida, 
que uma fracção da aristocracia persa tenha dado provas, 
a partir de então, de uma certa reserva. Viu-se, por vezes, 
na guerra civil que opôs os dois filhos de Hârún al-Rashid, 
uma confrontação entre Árabes e Iranianos, com estes 
últimos a apoiarem al-Ma'mün que sairia vitorioso. Na rea-
lidade, foram as províncias orientais, nomeadamente o 
Jurassã, e não o Irão no seu todo, que alinharam por al-
-Ma'mun, em quem viam o defensor das suas aspirações, 
contra al-Amin que tentava reforçar a posição do poder 
central. O triunfo de al-Ma'mün explica-se pelo apoio des-
sas regiões que, desde a propaganda abássida no começo 
do séc. viu, eram zonas de intensa arabização e islamiza-
ção. 
Na periferia oriental do Império acentuava-se a atrac-
ção do mundo turco, onde o islão continuava a difundir-
-se, veiculado pelos mercadores e pelos ghâzis, esses com-
batentes voluntários da fé. Às portas da Transoxiana, as 
tribos carluques começavam a acolher a nova religião. 
Cada vez mais numerosos, os mercadores muçulmanos 
freqüentavam a capital dos Khazares, Itil, ao mesmo tempo 
que as conversões cresciam entre os Búlgaros do Volga. 
147 
Kuttab: ver p. 201. 
Awâsim: zona fronteiriça, apoia-
da nas cidades que garantiam 
a protecção do Império (lite-
ra lmente , «as protectoras»). 
No séc. X, a capital das Awâsim 
é Antioquia. 
Thughür: praças raianas, situa-
das na vanguarda das Awâsim, 
numa espécie de no marís land. 
Verp. 120. 
Mameluco: escravo branco. 
Samarra: residência dos cali-
fas abássidas de 836 a 883, si-
tuada nas margens do Tigre a 
uma centena de quilómetros 
a montante de Bagdade. 
As terras centrais. A base territorial do califado conti-
nuava a ser sobretudo a zona das primeiras conquistas, 
das terras centrais islâmicas - Iraque, Síria, Arábia, Egipto. 
Mas a calma estava longe de reinar aí. Revoltas xiitas per-
turbavam o Irão e alastravam à Síria e à Arábia; mistura-
vam-se com as confrontações entre tribos árabes, sempre 
graves na Síria, e com o conflito entre Árabes e Iranianos 
nos círculos que rodeavam o califa. No entanto, era lá que 
se encontrava o coração da vida económica e se forjava 
uma sociedade nova, urbana, dominada já não pela aris-
tocracia beduína, mas pelos grandes mercadores e os kuttâb, 
portadores de uma nova cultura. 
Por aí também continuava a dar-se o encontro entre 
mundo muçulmano e mundo bizantino. De 775 a 809, 
foram retomadas as ofensivas muçulmanas - após o abran-
damento que se seguiu à revolução abássida - , que se 
desenvolveram da Síria Setentrional à Armênia. Entretanto, 
já Hârün al-Rashid se preocupava menos com conquistas 
definitivas do que com o reforço da fronteira, que foi 
organizada em unidades autónomas: do Norte da Síria ao 
Eufrates, cidades fronteiriças protectoras constituíram a 
região dos Awâsim, precedida pela região dos Thughür con-
tinuamente disputada. Esta consolidação mostrava-se tanto 
mais útil quanto a aliança dos Bizantinos com os Khazares 
alargava então as zonas de combate às regiões caucasia-
nas. Entre estas, a Armênia era pouco segura: mantivera-
-se profundamente cristã, apesar da presença de postos 
muçulmanos, mas retalhada em pequenos principados 
armênios rivais. Alcançaram-se êxitos notáveis, como a 
tomada de Amórion em 838, mas não tiveram seqüência. 
A grave derrota de um exército muçulmano na Ásia Menor 
em 863 já testemunha a eficácia da reorganização bizan-
tina. Nesse mesmo período, embora independentemente 
de Bagdade, muçulmanos conseguiram, em 827, apoderar-
-se de Creta, agravando a ameaça marítima contra Bizâncio. 
Foi nessas terras centrais que se manifestaram os pri-
meiros elementos da crise que, em breve, iria abalar o 
poder. No decurso da guerra civil entre al-Ma'mün e al-
-Amin, os dois filhos de Hârün al-Rashid, manifestara-se 
a necessidade de o califa dispor de uma força armada leal, 
que se mantivesse afastada das querelas religiosas. Osjuras-
sanianos t inham demasiada consciência de terem sido os 
elementos determinantes da vitória para estarem segu-
ros; homens do interior do Império eram muitas vezes 
parte interessada nos acontecimentos que aí se desenro-
lavam, além de que os governadores taíridas começavam 
a monopolizar o seu recrutamento. O califa al-Mu'tasim 
(833-842) decidiu rodear-se de uma guarda mais segura, 
que escolheu entre os mamelucos, capturados em jovens 
na Ásia Central e nas estepes, e cuidadosamente educa-
148 
O mundo muçulmano sob os Abássidas 
dos n u m a ortodoxia simples. Esta introdução dos Turcos 
nos meios do poder abriu, pelas suas conseqüências, uma 
nova etapa na historia do califado. A partir de 836, aliás, 
o califa, inquieto com a agitação em Bagdade, hostil a 
esses novos pretorianos,fez construir uma nova capital -
Samarra. 
Assim, o ideal político islâmico de uma umma garan-
t indo por si própr ia a defesa e a extensão do dâr al-islâm 
t inha fracassado, embora as tropas vindas do Jurassã tives-
sem, durante os primeiros tempos da dinastia abássida, 
assegurado a substituição das forças sírias omíadas. Os mu-
çulmanos acabaram por entregar essa tarefa a tropas recru-
tadas fora do islão, mantidas nos limites da escravatura, 
fáceis de comprar e modelar . Mas o recurso ao recruta-
mento servil significava a prazo a rup tura entre a socie-
dade civil, forças militares e poder político. E nesta evo-
lução, bem mais do que na emancipação das províncias, 
que se devem procurar as causas da derrocada do poder 
califal. Assim se explica o papel assumido, desde os anos 
936-945, pelo comandante-chefe do exército. 
2. O estilhaçar do Império 
e do poder califal (c. 850-c. 950) 
Além das múlt iplas per ipécias políticas, dois traços 
d o m i n a m este pe r íodo . Meio século após o Oc iden te 
muçulmano, o m u n d o iraniano inicia, por sua vez, a eman-
cipação política. Entretanto, no coração do Império, desor-
dens e crise económica provocadas pelo papel crescente 
dos Turcos conjugam-se para enfraquecer o califado abás-
sida. Em meados do séc. x, não há um mas três califas no 
m u n d o muçu lmano e o poder do de Bagdade está sin-
gularmente limitado pela presença, a seu lado, de um emir 
al-umarâ'. 
Emir al-umará: emir dos emi-
res, título que designa o co-
mandante-em-chefe do exér-
cito. A partir de 936, os emir 
al-umará deixam de ser ex-
clusivamente chefes militares 
para se tornarem chefes da ad-
ministração civil e exercerem 
o poder efectivo. Ver pp. 155-
-156. 
Fragmentação territorial do Império • 
O Magrebe. No Ocidente, prosseguiu inicialmente a 
evolução iniciada no primeiro século abássida. Os Aglábidas 
acentuaram os seus esforços no Mediterrâneo, j u n t a n d o 
às operações de conquista da Sicilia a assinatura de acor-
dos comerc ia is com Amalfi e Gaeta . Os senhores de 
Sidjilmâsa voltavam-se para o Sudão e esboçavam uma par-
t ic ipação n o comérc io t ransar iano . Só o emi rado de 
Ver m a p a p . 3 9 0 B . 
Mahdi: ver p. 106. 
Córdova se debatía com graves dificuldades, face ao desen-
volvimento de forças centrífugas. Os pequenos Estados 
cristãos do Norte da Hispânia aproveitavam para se refor-
çar e mesmo para se expandirem. 
Esta evolução foi bruscamente perturbada no inicio, do 
séc. X, pela instalação em Ifriqiya de uma dinastía xiita, 
cuja política imperialista afectou a maior parte do mundo 
muçulmano. 
Depois de ter derrubado, em poucos anos, os Aglábidas 
e os Rustémidas de Tâhert, Ubayd Allâh instalou-se em 
910 em Ifriqiya com os títulos de emir al-mu'minin e de 
mahdi Fundava assim a dinastia e o califado dos Fatímidas 
- Ubayd pretendia, com efeito, descender de Ali e de 
Fátima. Ao mesmo tempo, os Fatímidas manifestam pre-
tensões que ultrapassavam largamente o quadro do 
Magrebe Oriental, não passando a Ifriqiya da base de pre-
paração de uma empresa mais vasta, que consistia em des-
tronar os Omíadas de Córdova, os Abássidas de Bagdade 
e os imperadores de Constantinopla. Mas defrontaram-se 
com a hostilidade dos fuqahâ' de Cairuão, defensores do 
sunismo maliquita, e de toda uma parte do mundo ber-
bere. Efectivamente, depois de terem falhado as primei-
ras tentativas para conquistarem o Egipto, os Fatímidas 
decidiram conduzir primeiro a sua ofensiva contra Córdova, 
o que fizeram entre 915 e 920, uma vez assegurado o 
controlo sobre o essencial do Magrebe, graças à aliança 
com os Berberes Cutamas. A Sicilia foi igualmente ocu-
pada. Mas a sua pesada política fiscal levantou contra 
eles uma parte do mundo berbere, sobretudo os Zanatas 
Ibaditas. Entre 943 e 947 estalou uma grande revolta, 
dirigida por Abü Yazid, à qual se j u n t o u Cairuão. Os 
Fatímidas triunfaram, mas as conseqüências foram impor-
tantes. A leste, os Zanatas, que se mantiveram hostis após 
a der ro ta , passaram a constituir uma cort ina en t re a 
Ifriqiya e o resto da África. Os Fatímidas recuperaram o 
Magrebe Ocidental e uma nova actividade se desenvol-
veu nos itinerários de Sidjilmasa para o Gana, dando aos 
Fatímidas o ouro necessário à ofensiva que preparavam 
contra o Oriente. Aproveitando uma crise económica, 
al-Mü'izz apodera-se do Egipto em 969, aí se instalando 
em 971. Desconfiando, por experiência, da Ifriqiya, entre-
gou o país a governadores berberes, os Ziridas. Com 
Abderramão III (912-961), a Hispânia conheceu um perí-
odo de apogeu. O emir, após ter conseguido unificar o 
país e rechaçar os perigosos avanços dos cristãos, assu-
miu, por seu turno, o título califal em 929, em resposta 
às pretensões fatímidas. 
Desde então, é todo o conjunto do Ocidente muçul-
mano que deixa de pertencer ao Império Abássida. 
150 
O mundo iraniano. No Irão, as forças separatistas desen-
volviam-se igualmente. Os Taíridas foram eliminados do 
Jurassã em 873 pelos Safáridas, enquanto os Samânidas, 
sólidamente implantados na Transoxiana, se desenvolviam 
com plena autonomia, acabando, por sua vez, por suplan-
tar os Safáridas. A diferença das dinastías ocidentais, os 
Samânidas não romperam com Bagdade e, por respeito 
ao título califal, contentaram-se em ser emires. As institu-
ições abássidas foram conservadas, com uma nova termi-
nologia. A possibilidade de utilizarem localmente os ren-
dimentos da província favoreceu a sua expansão. O período 
samânida, que se prolongaria até ao fim do séc. X, foi o 
de um brilhante renascimento iraniano e de um grande 
incremento comercial. Sem hostilizarem o Iraque, os 
Samânidas preocuparam-se, de facto, com a tecedura de 
laços mais estreitos com o m u n d o turco envolvente: 
Carluques e Ghuz, que acabavam de aparecer junto ao mar 
de Arai, Khazares e Búlgaros do Volga. Penetração reli-
giosa e expansão comercial caminhavam a par, e Bagdade 
não deixou de se preocupar com isso. Todavia, a pro-
gressiva conversão dos nómadas turcos interditava, a longo 
prazo, qualquer guerra. Muitos foram então recrutados 
pelos Samânidas cujo exército, a princípio composto essen-
cialmente de indígenas, foi assim infiltrado por esses mer-
cenários turcos cuja docilidade nada tinha de exemplar. 
Expansão comercial, notável desenvolvimento de Bucara 
e acrescida pressão turca caracterizam, pois, o domínio 
dos Samânidas. Mas, a pouco e pouco, interpõe-se uma 
cortina entre eles e Bagdade com o desenvolvimento no 
Irão Ocidental de outro autonomismo - o dos Buidas. 
Descendentes de populações habitantes das montanhas 
do Daylam ganhas para o islão xiita, os Buidas tinham 
começado por se instalar no Irão Central, tendo um deles 
assumido em 940 o governo do Fars. Alargaram, depois, 
a respectiva autoridade para sudoeste, depressa se encon-
trando em contacto com o Iraque, onde o califa era, há 
alguns anos, presa dos chefes militares. 
O centro do califado. No começo do séc. x, a autori-
dade directa dos califas abássidas não se exercia senão no 
Iraque e na Mesopotâmia. Com efeito, também o Egipto 
saíra do controlo directo de Bagdade. De 868 a 905, foi 
dirigido pela dinastia dos Tulúnidas, nascida de um ofi-
cial turco, que se tornara praticamente independente . 
Pouco depois, em 939, o país cai nas mãos de outro ofi-
cial, conhecido pelo título turco de Ikhshid. Tulúnidas e 
Ikhshididas deram à sua província segurança e prosperi-
dade, até à conquista dos Fatímidas. 
O abandono pelo califado do controle directo sobre 
o Egipto explica-se pelo desenvolvimento, no própr io 
O mundo muçulmano sob os Abássidas 
Ver mapa p. 387 D. 
151 
Iraque, de graves dificuldades ligadas, em grande parte, ao 
novo exército turco. A sua manutenção custava muito caro. 
Qatá'i: ver p. 105. Restavam poucas terras para conceder em qatai. Assim, diver-sas soluções foram adoptadas, como a nomeação de um chefe 
militar para a direcção de uma província - foi o caso de ibn 
Tülün no Egipto - , cujos rendimentos eram afectados em 
prioridade ao exército. Houve também a atribuição a ofici-
ais, em regime de arrendamento, do imposto de uma região. 
Com efeito, se o Estado garantia geralmente por si próprio 
a cobrança dos tributos, noutros casos adquirira o hábito de 
recorrer a um rendeiro, que se encarregava de todas as ope-
rações de colecta após ter entregue ao Estado a soma acor-
dada. Vê-se, assim, aparecer uma nova forma de concessão: 
atribuiu-se a oficiais o imposto pago pelas terras de kharâdj 
de um distrito, ficando eles com o encargo de pagar os sol-
dos das suas tropas. Esta concessão foi designada com o nome 
Sobre o iqtâ, verp. 180. de iqtâ'. Com ela eram transferidos para particulares os direi-
tos anteriores do Estado. E certo que a terra não mudava de 
propriedade, mas os oficiais preocupavam-se mais com o 
aumento dos seus rendimentos do que em desenvolver a 
produção e não hesitavam em mudar de iqtâ'regularmente. 
As conseqüências sobre a vida rural foram graves e desen-
volveram-se sobretudo a pardr do séc. XI. Os Turcos, forta-
lecidos, intervieram cada vez mais na vida política, provo-
cando inevitáveis conflitos com as populações indígenas, 
fazendo e desfazendo califas. Pela mesma época, desordens 
económicas abalaram o Irão. De 869 a 878, os Zandj, escra-
vos negros utilizados nas plantações de cana-de-açúcar, revol-
taram-se e, durante vários anos, perturbaram todas as rela-
ções entre Bagdade e o golfo Pérsico. No final do séc. ix, 
outra revolta - a dos Carmatas de natureza religiosa, afec-
tou, por sua vez, o Iraque e mesmo a Síria e a Mesopotâmia. 
Os Carmatas transferiram, em seguida, a sua actividade para 
o Bahrein, de onde continuaram a ameaçar as artérias vitais 
do califado. As repercussões sobre o comércio e a vida rural 
não podiam deixar de enfraquecer Bagdade. 
Os Bizantinos procuraram explorar estas dificuldades. 
Ver p. 120. Em 867, o imperador Basilio I começou a grande recon-
quista, tentando controlar sistematicamente as rotas das 
invasões e alargar as suas f ronte i ras . Travado po r u m 
momento , no fim do séc. ix, pelas ameaças búlgaras e rus-
sas que pesaram sobre Constantinopla, o movimento ofen-
sivo amplificou-se a partir de 897 com uma tripla acção 
na Cilícia, Mesopotâmia e Armênia, onde os muçulmanos 
t inham organizado um reino autónomo em Ani. Melitene 
foi re tomada em 935. 
A ameaça bizantina facilitou o desenvolvimento na Síria 
do Norte e na Mesopotâmia de dinastias árabes. Assim 
cresceu a tribo dos Taghlibidas, de implantação pré-islâ-
mica, dominada pelos Hamdânidas: na primeira metade 
152 
O m u n d o muçulmano sob os Abássidas 
do séc. x, controlavam toda a região de Mossul e cobiça-
ram mesmo Bagdade. Um membro dessa família, Saif ad-
Dawla, conquistou em 944 Alepo e .Homs, tendo o prin-
cipado que f u n d o u bri lhado com u m vivo fulgor até à sua 
mor te em 967. 
Aspectos doutrinais I 
A fragmentação territorial do Impér io era reforçada 
no plano doutrinai por uma diferenciação acrescida entre 
sunismo e xiismo; o carijismo, por seu lado, deixava de 
desempenhar , fora do Magrebe, u m papel importante na 
evolução do m u n d o árabe. 
Os xiitas. O xiismo tinha começado por ser um movi-
mento de contestação política dos califas n o poder e de 
reivindicação do imanado em exclusivo benefício dos des-
cendentes de Ali. Foi a pouco e pouco explicitado como 
teoria ao mesmo tempo política e religiosa do poder . Mas 
as divergências genealógicas quanto à l inhagem dos imãs 
legítimos cristalizaram em três concepções do xiismo e do 
seu papel face às autoridades sunitas. 
Os Duodecimanos. As perseguições tinham contribuído 
para desenvolver, mais ou menos p ro fundamente , aspec-
tos secretos, quando não esotéricos, acerca do tema do 
imã oculto, cujo regresso se esperava. Tais aspectos eram 
já claramente detectáveis entre os Alidas que, após a morte 
de Dja'far em 765, t inham admitido a sucessão dos imãs 
por Musa. Houvera, para eles, um imã até 878, data em 
que mor reu mister iosamente o décimo segundo desses 
guias, Muhammad. Os Alidas admitiram que a desapari-
ção era temporária: o imã oculto voltaria no fim dos tem-
pos para restabelecer a verdade e a justiça. Foi o início 
da «ocultação». Esta favoreceu uma certa passividade entre 
os que mais tarde viriam a ser chamados os Duodecimanos 
ou Imanitas: sem imã, na incerteza quanto à data do seu 
regresso, eles abstiveram-se desde então de qualquer acção 
violenta. A admissão do princípio da takiya permitiu-lhes 
tomarem parte na vida política e religiosa do m u n d o abás-
sida, dado que o imanismo estava mui to espalhado n o 
Iraque, onde ganhou numerosos adeptos nos meios indis-
pensáveis ao func ionamento do aparelho governamental . 
Conquis tou t ambém o Irão Ocidental : os Buidas e ram 
duodecimanos, à semelhança de certos meios árabes da 
Síria, como os Hamdânidas . 
Os Ismaelianos. A moderação, assente na expectativa 
e na prudência, dos Duodecimanos não se encontrava nos 
Ismaelianos. Para estes, o último imã visível e legítimo era 
Verp. 144. 
Takiya: para os xiitas, dissi-
mulação, por prudência, das 
respectivas crenças. 
153 
Da'i (pl. du'át): «o que ape-
la». Designa os propagandis-
tas duma doutrina. 
Verfi. 143. 
Ismael, bruscamente subtraído ao mundo. Mas enquanto 
se aguardava o seu regresso como mahdi, podiam revelar-
l e imãs - de ascendência, por vezes, pouco clara - a alguns 
iniciados, mantendo assim pequenos agrupamentos. Mal 
conhecido nos seus primeiros desenvolvimentos e muito 
complexo na sua doutrina, o movimento ismaeliano era 
sustentado por organizações secretas de missionários ou 
du 'ât, que asseguravam uma propaganda freqüentemente 
eficaz. Assim, no final do séc. ix a doutrina ismaeliana 
encarnou-se em dois movimentos: os Carmatas, que per-
turbavam a vida do Iraque, e, sobretudo, os Fatímidas de 
Ifriqiya. Ubayd Allah fora precedido no Magrebe por um 
da'i e os califas, que se instalaram numa residência signi-
ficativamente chamada al-Mahdiya, consideravam-se os 
esperados mahdís. 
Os Zaiditas. Sejam Duodecimanos ou Ismaelianos, os 
xiitas caracterizam-se pelo lugar concedido ao imã. 
Efectivamente, para eles, a missão profética de Maomé 
prolonga-se no imanado, cujos titulares, depositários da 
Lei, são os únicos capazes de a interpretar. Mas uma ter-
ceira corrente afasta-se desta teoria. Os Zaiditas - do nome 
de dois descendentes de Ali que se chamavam Zaid (o filho 
de Hassan e o neto de Hussein) - recusam-se a reconhe-
cer uma única linha hereditária de imãs impecáveis e infa-
líveis. Para eles, qualquer descendente de Ali e dos seus 
filhos se pode tornar imã, contanto que se imponha pelas 
suas qualidades. Próximo da mentalidade e da doutrina 
sunita, o zaidismo serviu de quadro a movimentos de auto-
nomia regional ou a revoltas sociais. Em 864, um grupo 
conseguiu implantar-se no Tabaristão à volta de um imã 
descendente de Hassan. Em 901, um segundo grupo enrai-
zava-se no Iémen, onde uma dinastia local, que invocava 
uma descendência hassânida, se manteve até 1962. 
O sunismo. O sunismo esforçou-se por resistir ao xiismo, 
rejeitando na medida do possível qualquer inovação, a 
priori susceptível de heterodoxia. 
No domínio jurídico, o sunismo definiu-se pela adop-
ção dos quatro sistemas que tinham sido elaborados no 
séc. viu. Assim chegava ao termo o esforço de reflexão que 
até então caracterizara o islão. Perante a multiplicação de 
idéias, por vezes divergentes, que resultavam da prática do 
idjtihâd, começou a impor-se a concepção de que as ques-
tões essenciais estavam colocadas e já tinham recebido res-
postas e soluções definitivas. Toda a actividade no domínio 
jurídico serestringiu à explicação e à aplicação da doutrina 
estabelecida de uma vez por todas, com as suas quatro vari-
antes possíveis. Divulgaram-se tratados para conciliar a pres-
crição do direito e a prática efectiva e, nos casos difíceis, 
154 
consultavam-se jurisconsultos: os muftis. Esta atitude cul-
minaria, no séc. XI, no «fecho das portas do idjtihâd», segundo 
a expressão tradicional: a prática da interpretação pessoal 
é então substituída pela imitação dos antigos. 
No domínio doutrinai , o sunismo definiu-se pela ade-
são a um certo n ú m e r o de teses teológicas entre tanto for-
muladas. Ao lado das posições bastante fideístas de Ibn 
Hanbal, que se t inha mostrado hostil ao uso de todo o 
raciocínio dialéctico, Ash'ari (874-955) lançou as bases de 
uma teologia quase oficial do sunismo, admitindo o recurso 
à discussão e ao raciocínio para convencer o adversário. 
A mesma inquietação face ao mais pequeno risco de 
he terodoxia conduziu os meios sunitas a considerarem 
com suspeição correntes religiosas mais originais que então 
se revelavam. Tendências ascéticas manifestavam-se desde 
o séc. VIII em certos meios muçulmanos, combinando-se 
com formas de misticismo; os sufis caracterizavam-se então, 
sobretudo, por u m ideal de vida. O exame de consciên-
cia, a medi tação pro longada , as práticas ascéticas não 
t inham ainda nada que fosse susceptível de chocar. Mas 
nos sécs. IX e x os sufis começaram a ter u m a linguagem 
nova, abr indo caminho à busca do amor divino. Os pro-
pósitos quase extáticos de homens como al-Hallâdj inquie-
taram os meios oficiais. A condenação de al-Hallâdj e a 
sua crucificação em 922 t es temunham essa inquietação 
do sunismo peran te as inovações e mostram como, no 
islão, a vida espiritual estava ligada à vida política e social. 
O mundo muçulmano sob os Abássidas 
Sufis: místicos (de suf: lã) 
Instabilidade política • 
Os elementos de crise eram, portanto, múltiplos: eman-
cipação das províncias, desordens económicas, progresso 
do xiismo explicam a instabilidade que caracteriza este 
s egundo século abássida. Em 861, o assassínio de al-
-Mutawwakil marcou o início de um per íodo de anarquia, 
durante o qual os guardas turcos que controlavam Samarra 
ergueram e derrubaram califas a seu bel-prazer, ao mesmo 
t e m p o que os Zand j se revoltavam, e que Safáridas e 
Tulúnidas se emancipavam. 
No califado de al-Mu'tamid, seu i rmão al-Muwaffaq, 
ac tuando d u r a n t e vinte anos como verdade i ro regente , 
manteve a au to r idade do califa que, em 892, se reins-
talou em Bagdade. En t re t an to , acentuava-se o esgota-
m e n t o do Tesouro , os Carmatas agravavam a situação e 
os militares assumiam crescente importância . A situação 
geral p io rou a par t i r de 908. Os Hamdân idas dificulta-
vam o abas tec imento da capital. Insti tuíram-se os cali-
fados de Ifriqiya e da Hispânia. 
Os califas abássidas 
(cont. da p. 162) 
al-Muntasir (861-862) 
al-Musta'in (862-866) 
al-Mu'tazz (866-869) 
al-Muhtadi (869-870) 
al-Mu'tamid (870-892) 
al-Mu'tadid (892-902) 
al-Muktafil (902-908) 
al-Muqtadir (908-932) 
al-Qâhir (932-934) 
al-Râdi (934-940) 
al-Muttaqi (940-944) 
al-Mustakfi (944-946) 
A explicação de texto proposta pp. 17-19 
uma boa ilustração desta evolução. 
155 
Emir al-umará: ver p. 149. 
Em 936, o governador do Iraque, Ibn Rá'iq, recebeu, 
com o cargo de emir al-umarâ' (comandante-chefe do exér-
cito) , a responsabilidade pela administração financeira e 
a manutenção da o rdem n o conjunto do Império. Este 
facto é novo. Assinala ni t idamente o poder do elemento 
militar na corte e sublinha a decadência do califado, desde 
então limitado a funções religiosas e representativas. 
Durante uma dezena de anos, diversos governadores 
ocuparam esse posto, n u m a desordem crescente. Mas, em 
945, o título de emir al-umarâ'foi assumido por um buida 
que t inha conseguido entrar em Bagdade. A situação, em 
si, não parecia nova, com a diferença, importante, de que 
os Buidas eram xiitas e que o seu poder se estendia não 
só sobre o Iraque mas também sobre o Irão Ocidental. 
U m novo conjunto territorial era assim criado. 
3. Novos conjuntos territoriais 
e preponderância xiita 
(cerca de 950-1050) 
Em meados do séc. x j á não existia um verdadei ro 
Império Abássida. Os vários territórios que o compunham 
tinham-se emancipado em graus diversos. O próprio califa 
estava sob tutela e o seu poder era negado por dois rivais. 
Mas a preponderância xiita e as divisões do m u n d o muçul-
mano suscitavam a pouco e pouco uma aspiração à uni-
dade e ao restabelecimento da ortodoxia. 
• Os Buidas 
Organização. A entrada dos Buidas em Bagdade marca 
o princípio de u m regime que durou até 1055. Não ten-
taram perseguir os sunitas nem estabelecer um califado 
alida, tanto por doutr ina - o último imã t inha desapare-
cido - como por realismo: as regiões que controlavam 
eram ni t idamente de dominante sunita. Uma espécie de 
condomínio foi assim estabelecido entre Abássidas e Buidas, 
que de t inham a realidade do poder . 
Todos os órgãos governamentais ficaram na depen-
dência do emir, a começar pelo vizir. O califa apenas man-
teve um papel representativo, controlando mais ou menos 
a vida religiosa e jurídica. O emir ficou com a responsa-
bilidade dos soldos e vencimentos, tornando-se a outorga 
156 
do iqtâ' sistemática no Iraque. Entretanto, qualquer que 
tenha então sido a importância do exército, os Buidas sou-
beram conservar toda a sua autor idade sobre os chefes 
militares. Preocuparam-se em recuperar os sistemas de 
irrigação, as estradas, as pontes, gravemente danificadas 
na época p receden te , construí ram palacios, acolheram 
liberalmente homens de letras e de ciência. 
Fraquezas. Mas o seu regime apresentava demasiadas 
fraquezas. O contexto da época j á não era favorável ao 
Iraque, de onde se desviavam a pouco e pouco os gran-
des itinerários comerciais: o comércio do oceano índico 
passava cada vez mais pelo mar Vermelho - tendência que 
os Fatímidas encorajavam - e as relações entre a Meso-
potâmia e a Síria e ram afectadas pelas guerras que se 
desenrolavam na Siria entre Bizantinos e Fatímidas. Estas 
modificações económicas afectaram os mercadores, mas 
também as receitas do Estado. 
O exército, base do regime, contribuiu igualmente para 
o enfraquecer . Consciente da sua posição, abusou dela. 
Por out ro lado, a t ropa compreendia , a par dos daylami-
tas, turcos em número crescente. As oposições étnicas jun-
taram-se oposições religiosas, j á que os Turcos eram suni-
tas. O encorajamento dado pelos Buidas a práticas culturais 
xiitas, a celebração de festas, a construção de mausoléus 
provocaram tensões com os sunitas. Além disso, o poder 
buida per tenceu inicialmente a três irmãos cuja sucessão 
implicou numerosas lutas intestinas. A concepção fami-
liar do poder própr ia do regime buida era favorável ao 
desenvolvimento de tumultos, numerosos em Bagdade, 
onde se manifestavam os ayyârün. 
O declínio do poder io buida e o clima de insegurança 
possibilitaram u m a ligeira recuperação do poder califal 
no começo do séc. xi. Esta tentativa manifestou-se desig-
nadamen te pela restauração do sunismo em Bagdade e 
achou a sua expressão na redacção, pelo grande cádi al-
-Mawardi (falecido em 1058), dos Estatutos Governamentais, 
nos quais definiu com precisão os diferentes aspectos da 
função califal. Se é indubitável que o califa não dispunha, 
no começo do séc. xi, dos meios materiais para readqui-
rir o seu poder , ele podia ao menos aspirar a um novo 
protector mais or todoxo e também mais eficaz em rela-
ção aos Fatímidas. 
O mundo muçulmano sob os Abássidas 
Sobre o sistema do iqtâ', ver p. 152. 
Ayyârun: ver p. 203. 
Os Fatímidas ü 
Eles fizeram do Egipto a verdadeira potência do mundo 
arábico-muçulmano. Logoa seguir à conquista, fundaram 
uma nova capital, al-Qâhira (o Cairo), e a Mesquita de al-
157 
Geniza: te rmo hebraico, de-
signando um lugar onde es-
tavam depositados os escritos 
em hebreu susceptíveis de con-
ter o nome de Deus. Trata-se, 
neste caso, do arquivo de uma 
sinagoga. 
Ver p. 119. 
-Azhar. O seu objectivo era o estabelecimento do xiismo 
no mundo muçulmano pela eliminação do califado abás-
sida de Bagdade, o que determinou neles um verdadeiro 
imperialismo. Embora xiitas, os Buidas não reconhece-
ram as suas pretensões. 
Procedente do Cairo, um verdadeiro exército de mis-
sionários, dirigidos por um dâ'i al-du'ât, esforçou-se, no 
mundo abássida, por convencer os sunitas e unir os xii-
tas. No próprio Egipto, os Fatímidas deram, entretanto, 
provas de realismo. A sua atitude para com os sunitas osci-
lou entre a tolerância e a perseguição. Os cristãos parti-
cipavam na vida económica do país e ocupavam altas fun-
ções. O mesmo se passava com os judeus, como o atestam, 
no que respeita às suas actividades bancárias, os documen-
tos encontrados na Geniza do Cairo. 
Expansão. A expansão territorial foi igualmente uma 
preocupação dos Fatímidas. Entre 970-971 colocaram sob 
seu controle Meca e Medina. Mas a grande questão era 
sobretudo a dominação da Síria, que se interpunha entre 
eles e Bagdade. Em 970, conseguiram ocupar Damasco, 
mas defrontaram-se com a reconquista bizantina, ani-
mada especialmente por João Tzimístis, e com as divi-
sões árabes. Na África do Norte, t inham praticamente 
renunciado a qualquer expansão, deixando a Ifriqiya aos 
Ziridas que romperam com eles em 1051. Conseguiram 
estabelecer ind i rec tamente a sua au tor idade sobre o 
Iémen. Mas, em definitivo, os sucessos alcançados foram 
modestos. 
Desenvolvimento económico do Egipto. O Egipto, que 
constituiu, portanto, o essencial do seu domínio, conhe-
ceu então um desenvolvimento comercial absolutamente 
notável, j á esboçado no tempo dos Tulúnidas e dos 
Ikhshididas. Produções agrícolas abundantes e variadas, 
alimentares e industriais, permitiam a exportação. Desen-
volveram-se os diferentes sectores do artesanato e uma 
rede de relações comerciais uniu o Egipto à índia, à Sicilia 
e à Península Ibérica, e sobretudo às cidades marítimas 
de Itália, nomeadamente Pisa e Amalfi. Alexandria tor-
nou-se um dos maiores portos do Mediterrâneo. 
As circunstâncias exteriores eram favoráveis a esta 
expansão. O comércio pelas rotas caravaneiras das este-
pes e da Ásia Central começava a sofrer com as desloca-
ções dos povos turcos. O comércio oriental preferia, assim, 
os itinerários marítimos. A via do golfo Pérsico tornara-
-se menos segura, tanto na própria navegação, ameaçada 
pelos piratas, como nas estradas que dele partiam para o 
Iraque e a Mesopotâmia. Os Fatímidas souberam explo-
rar esta situação. 
158 
O m u n d o muçulmano sob os Abássidas 
Administração. No interior do pais, foi rapidamente 
instalada uma administração centralizada, hierarquizada, 
com um vizir que era, antes de mais, um agente executor 
da vontade do califa. A instabilidade é a grande caracte-
rística do vizirado fatímida. A sucessão califal resultava 
normalmente de uma designação expressa do predeces-
sor em favor de um dos seus parentes próximos - mas não 
necessariamente do filho mais velho - , tendo este sistema 
funcionado regularmente, sem levantar objecções sérias, 
até ao fim do séc. xi. 
O enfraquecimento. Um exército rodeava os califas. 
Compunham-no Berberes, aos quais se juntaram poste-
riormente Turcos, Daylamitas, Negros. A semelhança do 
exército dos Buidas, os conflitos internos assumiram o 
aspecto de verdadeiras rivalidades étnicas e foram larga-
mente responsáveis pelo enfraquecimento do poderio fatí-
mida. Insuficientes cheias do Nilo provocaram situações 
de penúria geradoras de convulsões sociais em 1024-1025, 
1054-1055 e em 1065-1072. Manifestaram-se também agi-
tações religiosas no califado de al-Hâkim, o único califa 
a seguir uma política de rigorosa ortodoxia xiita, acom-
panhada por uma perseguição dos cristãos. Ele esteve na 
origem da destruição da Igreja do Santo Sepulcro, em 
Jerusalém. Aquando da sua morte, alguns quiseram fazer 
admitir a sua divindade e estiveram na origem da seita 
dos Druzos. 
As dificuldades foram tais que, em 1073, o califa teve 
de fazer apelo ao comandante das tropas da Síria - Badr, 
um antigo escravo armênio - , ao qual concedeu o título 
de chefe dos exércitos, director dos missionários e vizir. 
A sua rigorosa política interna permitiu consolidar o regime 
fatímida. A partir dessa época, os vizires asseguraram a 
maior parte das funções de autoridade e de governo. Mas 
o califado fatímida encaminhava-se, por entre perturba-
ções várias, para o seu fim, apressado pela sua impotên-
cia na luta contra os Cruzados e, mais ainda, pelo resta-
belecimento da ortodoxia sunita no Próximo Oriente. 
Para aprofundar este capítulo 
Além dos manuais gerais citados nas págs. 13-14, deve-
rão ser utilizadas as indicações bibliográficas de C. CAHEN, 
Introduction..., pp. 131-132 (cit. pág. 12), e os artigos da 
E. I./2 (cit. pág. 12) referentes às diversas dinastias: Abás-
sidas, Buidas, Fatímidas, etc... 
159 
Sobre o califado abássida: os trabalhos recentes mais 
importantes são em inglês: M. A. SHABAN, citado na pág. 13; 
J. LASSNER, The Shaping of Abbâssid Rule, Princeton Univ. 
Press, 1980; R. MOTTAHEDEH, Loyalty and Leadership inEarly 
Islamic Society, Princeton Univ. Press, 1980; H. KENNEDY, 
The Early Abbâssid Caliphate. A Political History, Londres, 
1981; P. CRONE, M. HLNDS, God's Caliph. Religious Authority 
in the First Centuries of Islam, Cambridge Univ. Press, 1986. 
O mesmo se passa quanto ao estudo do exército e do 
seu papel político: P. CRONE, Slaves on Horses. The Evolution 
of the Islamic Polity, Cambridge, 1980; D. PIPES, Slaves Soldiers 
and Islam: the Genesis of a Military System, Yale Univ. Press, 
1 9 8 1 . 
Sobre a administração abássida: deverão consultar-se 
os numerosos artigos da E. I./2 (cit. pág. 12): Bayt al-mâl, 
Diwân, Iktâ, Kâtib, etc., assim como os trabalhos de D. SOUR-
DEL, Le Vizirat à l'époque abbâsside, 2 vols., Damasco, 1959-
-1960; e Gouvernement et administration dans 1'Orient islami-
que jusqu'au milieu du XIe siècle, Leyde, 1988. 
Sobre os aspectos regionais: a bibliografia é muito 
abundante. Refiram-se em primeiro lugar os artigos da E. 
I./2 (cit. pág. 12): Andalus, Ifriqiya, Irán, etc., e as obras 
citadas na pág. 14. Entre os trabalhos recentes, quanto ao 
Irão, E. L. DANIEL, The Political and Social History of Khurâsân 
under Abbâssid Rule: 748-829, Minneapolis-Chicago, 1979; 
R. W . BULLIET, The Patricians of Nishapur. A Study in medie-
val islamic social History, Cambridge, Mass., 1972; assim 
como os artigos, em francês, de M. REKAYA, sobre os movi-
mentos revoltosos (em Studia Iranica, 1973, Rivista degli 
Studi Orientali, 1973-1974, Studia Islamica, 1984). Quanto 
à Ifriqiya: M. TALBI, L'Emirat aghlabide, Paris, 1966. Quanto 
à Hispânia: P. GUICHARD, Structures orientales et occidentales 
dans 1'Espagne musulmane, Paris, 1977; R . BARRAI, Cristianos 
y Musulmanes en la España medieval (El enemigo en el espejo), 
Madrid, 1984; Th. GLICK, Islamic and Christian Spain in the 
Early Middle Ages, Princeton, 1979. Quanto ao Egipto: o 
estudo de Th. BlANQUIS sobre Al-Hâkim em Les Africains, 
t. XI, Paris, 1978, e vários artigos (em Annales Islamologiques, 
1972, Journal of the Economic and Social History of the Orient, 
1980, entre outros). Sobre a Síria: a tese de Th. BlANQUIS, 
cuja publicação está em curso no Instituto Francês de 
Damasco. 
Sobre as relações com Bizâncio: ver as indicações gerais 
da pág. 14 e, ainda, W. FÉLIX, Byzanz und die islamische Welt 
in fruheren 11 Jahrhundert, Viena, 1981, e Y. LEV, «The 
Fatimid Navy, Byzantiumand the Mediterranean Sea, 909-
-1036», Byzantion, 1984.

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