Buscar

Civilização industrial e antropocentrismo moderno

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 4 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Civilização industrial e antropocentrismo moderno: características e crise
	Civilização industrial: caracterização
	Muitas causas já foram aduzidas na tentativa de encontrar explicação adequada para o surgimento do mundo moderno. Dependendo da sua pré-compreensão, uns sublinham a importância determinante das transformações no modo de produção e na vida econômica, em geral; outros defendem a prioridade a ser concedida à nova visão de homem e de mundo, enquanto outros julgam ser o mais acertado falar de intercausalidade: uma causa reforçando a outra.
	Há uma causa, no entanto, que merece destaque especial: o aparecimento da ciência experimental, tornado possível pela aplicação e desenvolvimento do método experimental. Muda radicalmente o objeto da ciência: do mundo das essências, conhecido mediante abstração formal, passa-se ao mundo científico-técnico que, a partir da experimentação repetível, analisa e mesura matematicamente o objeto físico.
	Obviamente, o método e a ciência experimental provocam modificações na imagem que o homem tem do mundo e na maneira como se vê a si próprio. O método e o conhecimento experimental medeiam o aparecimento de uma nova visão de mundo e de homem. O mundo não é mais para ser contemplado e imitado (mundo antigo e medieval), mas para ser enfrentado e dominado pelo homem com o instrumental propiciado pela ciência experimental. O homem com a sua racionalidade matemática constrói o mundo e o transforma com sua racionalidade técnica. O homem desprende-se do mundo, destaca-se nitidamente dele. E sua racionalidade o enfrenta, domina e transforma, em proveito próprio.
	O método e a ciência experimental levaram à invenção da máquina e contribuíram poderosamente para o nascimento e desenvolvimento acelerado da Civilização industrial. Impossível entender o homem moderno, sem aprofundar previamente o significado desta.
	A Revolução Industrial realiza-se m confronto direto com a sociedade que podemos chamar de tradicional ou, segundo outros, sociedade agrícola. Neste tipo de sociedade, não existe um processo econômico dinâmico. Mediante a repetição do mesmo processo produtivo, a atividade econômica visa simplesmente a obtenção dos produtos necessários para que a sociedade continue a existir. Certamente há mudanças, mas muito lentas e não são realizadas de maneira metódica nem obedecem a uma programação assumida conscientemente. O caráter prevalecentemente estático da estrutura de produção é reforçado pela visão “religioso-mítica” dos mesmos meios de produção. Na época antiga, Prometeu seria o melhor símbolo da alienação do homem, que deve permanecer passivo diante do que já existe, do que é “dado” e do que, por isso mesmo, assim deve permanecer. Na época medieval, profissões e atividades econômicas revelam também um certo caráter de sacralização, conectadas que são com determinados santos, recebendo uma valoração religiosa. Esta ausência de mobilidade – ou precária mobilidade – está presente em todos os domínios da sociedade tradicional ou agrícola. Evidentemente, também o poder e as instituições políticas são consideradas realidades dadas, procedentes do mundo divino e que simplesmente devem ser aceitas. A própria ética é vista nesta perspectiva: uma ética centrada (em conexão com o “cosmos” helênico) na ordem que deve ser preservada.
	Contra essa sociedade se desenvolve e luta diretamente a sociedade industrial. Nesta, as mudanças são realizadas metodicamente, tendo como resultado um extraordinário acréscimo na produção-distribuição de bens de consumo. Abre-se uma perspectiva de crescimento econômico supostamente ilimitado. Um futuro melhor intramundano para a humanidade parece perfeitamente atingível. A serviço da dinâmica do processo criador do futuro melhor para todos, a sociedade toda deverá ser reestruturada, o que de fato aconteceu, primeiro sob a condução dos donos do capital, mais tarde sob o comando dos tecnoburocratas.
	No campo básico da utilização da energia, a grande novidade introduzida pala Revolução Industrial foi a total prioridade concedida às fontes não renováveis de energia (carvão, petróleo...). É sabido que a utilização intensa desses combustíveis fósseis tem propiciado um gigantesco avanço tecnológico, bem como um enorme crescimento econômico. Aparecem a fábrica e a produção em massa; esta última tornada possível pela introdução da linha de montagem. A produção em massa exige a criação e o desenvolvimento de uma rede de distribuição também em massa bem como do correspondente sistema massificado de informação. Quer dizer, o novo sistema de utilização de energia trouxe consigo a criação de novos sistemas de produção, distribuição e informação.
	Em torno das novas formas de produção e de consumo estruturou-se a sociedade toda. Toffler ressalta, de maneira especial, a importância da fábrica na estrutura global criada pela sociedade industrial. De fato, a fábrica impera sobre as outras instituições da sociedade, servindo a elas freqüentemente de modelo: o esquema da fábrica aplicou-se, com efeito, a hospitais, prisões, escolas, veículos de comunicação de massa, etc...
	Não há dúvida de que, até certo ponto, a sociedade industrial conseguiu realizar uma organização social fortemente articulada e funcional. Mas, não é menos certo, acrescenta Tofller, que se instaurou uma forte dicotomia na área propriamente econômica (justamente aquela em cujo nome se realizou a articulação da sociedade total), com profundas repercussões na ruptura da unidade social. Vejamos: nas sociedades agrícolas, como é bem notório, as pessoas produziam para o próprio consumo. Bem pouco era produzido visando ao comércio. Para a imensa maioria das pessoas, produção-consumo constituía uma forte unidade vital. Já na economia da Civilização industrial, acontece precisamente o contrário: a grande maioria das pessoas passa a produzir para o mercado, enquanto são bem poucos os que continuam a produzir para uso próprio. Uma conseqüência salta em seguida à vista: uma economia voltada prioritariamente para o mercado, para o intercâmbio, acabou criando um conflito permanente entre consumidores (pleiteando preços mais baixos) e produtores (exigindo salários mais altos pelo seu trabalho ou uma maior participação nos lucros obtidos pela produção-distribuição). Abre-se um profundo fosso entre produção e consumo. O mercado terá precisamente como missão salvar esse fosso.
	O Sistema desenvolvido pela Civilização industrial é complexo: forte articulação global e grande funcionalidade por uma parte, profunda dicotomia entre produtores e consumidores por outra; a economia de mercado como tentativa de superação da dicotomia e ponte de união entre uns e outros. Um sistema tão complexo precisa, e muito, de integradores. Se admitirmos que é prioritário o princípio: a máquina deve funcionar, é óbvio que os que sabem como ela funciona deverão possuir o poder real. Convém notar aqui como se verifica uma transposição da visão platônica do poder ideal em A República para o poder tecnocrático. O sistema não pode funcionar sem os especialistas e técnicos. De fato, a elite tecnocrática assumiu mesmo o poder no mundo industrializado, é ela a detentora real do poder.
	Notemos igualmente que a urgente necessidade de integração está presente, e de forma decisiva, na origem das nações modernas bem como do imperialismo por elas desenvolvido. No que se refere à formação da nação moderna, a integração política foi considerada indispensável para que funcionasse adequadamente a integração econômica. Em realidade, as integrações políticas e econômicas reforçam-se mutuamente, dando origem ao que conhecemos como sendo a nação moderna. E não resulta nada difícil perceber que o imperialismo das nações industrializadas constitui uma extensão do crescente movimento de integração que visa a incorporação, para benefício próprio, de países e continentes, na economia de mercado e no sistema monetário. Certamente, houve outras causas que contribuíram para explicar o fenômeno do imperialismo moderno, mas não hádúvida de que a motivação econômica foi determinante. A Civilização Industrial precisava de matérias-primas baratas. Faltando estas no interior dos países industrializados, era necessário buscá-las fora, no exterior. E assim, o mundo colonizado ou neo-colonizado ficou encarregado, na divisão internacional do trabalho, de fornecer esses recursos. Por certo, os termos de troca eram e continuam sendo muito desiguais. O poderio da Civilização industrial impôs os termos das transações comerciais. A dependência econômica – e junto com ela a dependência política, cultural e até religiosa – vai sendo erigida em sistema bem estruturado e integrado. Uma pequena elite de países controlava – e controla – o mundo, de maneira semelhante a como no interior de cada nação moderna a elite de poder domina a maioria da população.
	Trata-se de fenômeno tipicamente capitalista? Não. A URSS viu-se obrigada também, pelo seu processo de industrialização, a desenvolver seu próprio imperialismo. A necessidade de recursos externos baratos pressionou tanto o mundo capitalista quanto o socialista. Uns e outros precisavam de matérias-primas externas para alimentar a própria indústria e de mercados para colocar os produtos manufaturados.
	Civilização industrial: primeiras conseqüências antropológicas.
	Podemos já levantar a pergunta mais importante para nosso objetivo: qual o impacto causado pelo gigantesco processo civilizatório industrial sobre o humano, incluindo aqui sua maneira de viver, sua autocompreensão e sua visão de mundo? O mesmo A. Toffler indica algumas das conseqüências antropológicas da Civilização industrial e sublinha de passagem a ambigüidade das mesmas:
	1)O império do mercado reflete-se na crescente comercialização das relações humanas. É um dos pontos mais criticados da civilização moderna. Esta comercialização desemboca num dualismo antropológico que traz consigo um fenômeno de dupla personalidade: conflito no próprio homem entre o papel de produtor e o de consumidor.
	2)Esta dicotomia produtor-consumidor constitui apenas um aspecto de ruptura mais radical que divide o homem moderno. A antiga unidade entre o homem e a natureza, própria da Civilização agrícola, é destruída pela Civilização Industrial. A vinculação homem-comunidade humana é igualmente despedaçada. Assim como a realidade constitutiva do mundo é dividida pela ciência moderna em partes cada vez menores, dotadas de relativa independência (visão atomizada da realidade material), de modo semelhante o ser humano é visto preferentemente como indivíduo autônomo e também atomizado. A conexão com o individualismo e com o subjetivismo no campo filosófico moderno é fácil de ser percebida.
	No que se refere à relação homem-natureza, os sistemas econômicos surgidos da Civilização industrial coincidem na mesma visão de fundo. A natureza é considerada simplesmente como objeto de exploração por parte do ser humano. Este experimenta-se em conflito permanente com ela e, assim, para tornar realidade a humanização do homem, é indispensável que ele a domine. De fato, a ciência e a técnica da civilização industrial propiciavam, pela primeira vez na história da humanidade, um domínio eficaz sobre a natureza. Em contrapartida, o preço a ser pago está se revelando muito caro: a Civilização industrial devasta o meio ambiente de maneira extremamente grave.
	3)A sociedade industrial julga estar na linha avançada do caminhar otimista da humanidade na direção de um mundo cada vez melhor. A fé no progresso é outro dogma comum a capitalistas e socialistas. Hoje percebemos mais facilmente o caráter ambíbuo do progresso. Constatamos seus muitos valores a serviço do homem, mas temos igualmente consciência de que em nome da fé no progresso foi destruída a natureza e muitos povos foram dominados.
	4)As leis da seleção natural foram aplicadas às sociedades humanas e chegou-se logo à conclusão de que as nações industrializadas eram as mais aptas. Só elas teriam possibilidade de sobreviver. Logicamente, os povos não industrializados foram considerados inferiores e como tais tratados pelos povos “superiores”. Se o estado atual mais avançado da evolução da humanidade é constituído pelos povos industrializados desenvolvidos, temos ótima justificativa para o imperialismo. E acrescentemos que o imperialismo econômico – com todos os outros aspectos que o acompanham – teve efeitos devastadores sobre a vida, cultura e identidade de povos colonizados ou neocolonizados.
	5)A luta, crescentemente vitoriosa, contra a natureza, bem como a crença firme no progresso e na evolução supõe uma maneira linear de considerar o tempo. Não mais a eterna repetição, degradante, do tempo cíclico, mas um tempo sempre aberto a um futuro de maior bem-estar. Cada momento deste tempo linear foi sincronizado e padronizado, dado o seu grande valor de serviço à evolução, ao progresso e, definitivamente, ao crescimento econômico. Salta aos olhos a diversa valorização do tempo por parte do homem da Civilização industrial e por parte do homem da Civilização agrícola.
	6)A causalidade de tipo mecanicista passou a imperar na sociedade industrial, como influxo direto do predomínio da ciência experimental. Não só a realidade natural, mas igualmente a humano-social e humano-individual estão já programadas segundo leis estáveis. E o que não pode ser medido com estas leis é automaticamente desvalorizado ou simplesmente deixado de lado. Assim aconteceu com a imaginação, com o simbolismo e com a fé em Deus.
	7)A mobilidade exigida, como vimos, pela Civilização industrial repercute diretamente no homem na sua dimensão familiar. O novo modo de produção-distribuição de riquezas requer um novo tipo de família: não mais a grande família patriarcal da civilização rural, mas a família nuclear, de tamanho bem reduzido. Só esta pode estar dotada da grande mobilidade tão necessária aos interesses da produção em massa, da centralização da energia bem como da urbanização.
	8)Na sociedade industrial o homem é escolarizado. Também a escola deve estar a serviço do novo sistema de produção-distribuição. A escolaridade deve ser obrigatória para todos, sempre em função da Civilização industrial. E assim, com não pouca ironia, aponta A. Tofller, por trás do currículo oficial, para o “currículo encoberto”: compreende simplesmente a aprendizagem da pontualidade no trabalho, da obediência às ordens do capataz ou do gerente e da capacidade de executar ações às ações repetitivas. Justamente o que precisa o mundo industrial.
	Aos dados anteriormente apresentados devemos acrescentar um outro, particularmente relevante: a Civilização industrial modela o homem fazendo dele um “trabalhador”. O homem moderno é acima de tudo um trabalhador

Outros materiais