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Artigo. Guinada interpretativa. Gustavo Just

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destrui~ao das armas modernas e e alimentada
pelo temor das calamidades e das ruinas desas-
trosas que estas armas podem acarretar, por isso,
nao c mais possivel pensar que nesta nossa era
atomica a guerra seja urn meio apto para ressar-
cir direitos viol ados."
A aprecia~ao final que se pode fazer da doutrina ca-
t61ica da guerra justa e que desde a sua origem cia
procurou condenar uma serie de guerras que nao
preenchiam determinadas condi<;:oes. Esta doutrina
atendia de cerro modo ao pacifismo ao fazer a con-
dena<;:ao das guerras injustas. Ela procurava limitar
o poder dos r::stados e prfncipes que ate 0 perfodo
entre as duas guerras mundiais nao tinham neste
dominio ou limita<;:ao do Direito Internacional Pu-
blico positivo, vez que este nao se interessava pcla
justi<;:a da causa da guerra. Tanto assim era que a
doutrina da guerra justa no seculo XVIII era consi-
derada uma doutrina moral.
A inAuencia do pensamento cristao no tocante 11.
guerra foi sempre da maior imporcancia. Foi gra<;:as
a ele que surgiu a distin<;:ao clara entre bcligerante
e nao-beligerante (Paz de Deus - Idade Media) que
perdurou nitidamente ate a Primeira Guerra Mun-
diaJ, quando surgiu a concep<;:ao de guerra total que
come<;:ou por diminuir 0 seu alcance.
Dentro dessa orienta<;:ao de Jutar pcla paz e que os
ultimos papas tern colocado 0 problema da guerra.
o Direito Internacional Positivo ja oferece aos Es-
tados urn quadro institucional para que estes resol-
yam os seus litfgios de modo padfico.
Alualmente, parece-nos que s6 e guerra justa a de
legitima defesa, considerando-se a atual socieda-
de internacional. Entretanto, essa opiniao nao e
companilhada pelo Grupo de Friburgo que nega
a existencia de tJualquer guerra como sendo justa.
Dentro desta orienta<;:ao, alguns autores sustentam
que inclusive a guerra defensiva e ilfcita.
Arias, Luiz Garda. Sobrr fa licilfld dr fa C",rrra Modrrna y fa
Organizacion Intrrnacional, 1962. - . l.rI Emrignrmrnts
Pontijicaux. La Paix Internationalr, Paris, Desde.: & Cie. Edi-
leuls Ponrificaux, v.l, 1956. - Briere, Yves de La. Le Droit drjus-
te Gllrrrt, Palis, A. Pedone Edileur, 1938. - Epsrein, John. Tlu
Catholic Tradition of the lAw ofNatiom, Washington, Carnegie
Endowmenr for Inrernaliona! Peace, 1935. - Minai, Georges.
L'Eglis< rt fa Gumr, Paris, Fayard, 1994. - Rommen, Heinrich.
o Estado no prnsamrnto mtolico, 1967. - Vanderpol, Alfred. La
Domint Scolastiqur dll Droit dt Glltrrr, Paris, Pedone Edileur,
1919 (esla obra reproduz as rrahalhos sabre a guerra de: Samo
lomas, Viloria e Suarez). - . La lr%gia .f los Te%gos
- jllristm Espmio/rs mile In ronqlliJta do Amtrim, Escuela de Stu-
dios Panamericanos de la Uni\"ersidad de Sevilla, 2 vols., 1944.
Verbetes correlatos: Direito Natural; Suarez. Francisco; Vit6ria,
Francisco de.
A expressao guinada interpretativa (interpretive
tum, tOllmant interpritatiJ, interpretative wende),
cunhada no final dos anos 1970 para registrar 0 que
seria 0 advento de urn novo paradigma das ciencias
sociais, vem sendo utilizada com freqiiencia nos
ultimos vinte anos, tanto par auto res anglo-saxoes
como par te6ricos continentais, para aludir 11. evo-
lu<;:ao recente da teoria e da Filosofia do Dircito, e
ate mesmo para qualificar gJobaJmente 0 que cor-
responderia ao momento atual da cuJtura juddica
reAexiva.
Ocorre que nem essa evolur;:ao nem esse momen-
to sac homogeneos: a primeira corresponde antes a
processos distintos, ora entrela<;:ados, ora indepen-
dentes, e 0 ultimo, que resulta desses processos, e
por is.~o mesmo marcado por uma acentuada plu"
ralidaue de posi<;:6es teoricas. Nessas condi<;:6es 0
sucesso cada vez maior daquela expressao se deve
exatal11ente 11. sua suficiente abenura semantica,
que permite preservar aquela heterogeneidade e
que remete, rnais especificarnente, a dois aspectos
centrais, conexos, mas relativamente autonomos,
daquela evolu<;:ao. Sao esses dois aspectos que cabe
aqui identificar e distinguir, por corresponderem as
duas ideias conotadas pela expressao gllinada inter-
pretativa e por suas variantes (virada ou viragem in-
terpretativa, virada hermeneutica, era interpretativa
etc.).
A primeira dessas ideias e a da proje<;:ao sobre 0
pensamento juddico contemporaneo, de urn inter-
pretativismo cultural geral, associado it ideia de prfs-
Modernidade filos6fica.
A segunda e a da adesao da Teoria do Direito a urn
paradigma epistemol6gico interpretativo (ou her-
menhttico) .
o emprego de rermos como interpretativo ou inter-
pretativismo rem as vezes uma inren~ao toralizauora,
desrinada a caracrerizar nao uma renuencia ou uma
orjenra~;;o do pensamenw, mas a pos-Modemiuade
filosofica e cultural em seu conjunto.
A sirua~ao presenre seria a de urn evidente reinado
da atividade inrerpretadora, das praticas inrerpreta-
tivas infinitas, do confliro e da pluralidade das in-
terpreta~6es nos mais diversos campos e disciplinas,
e a ideia da onipresen~a da interpreta~ao, e talvez
de seu carater ilimirado, seria urn credo comum as
constru~6es filosoficas predominanres e mcsmo ao
homem conremporaneo ordinario.
Analogamenre a essa visao de urn incerprctativismo
cultural geral, a arual Teoria do Direiro poderia ser
qualificada como interpretativa na medida em que
- esre e urn primeiro ponto - se reria tornado parti-
cularmence sensivel a importancia central da incer-
preta~ao na experiencia juridica, isro e, ao cararer
eminentemente interpretarivo do Direiro ou de sua
prarica.
o esplendor da problemarica da interprera~ao na
culrura contemporanea e paralelo ao processo es-
pecificamcnte juridico de precipita~ao da crise da
inderermina~ao do Direito, processo esse ligado a
uma serie de transforma~6es insritucionais e que
conduz progressivamente a urn deslocamento do
olhar do jurisra reo rico (conscienre do agravamenco
da pluralidade das ilHerprera~6cs e das praricas in-
rerprerarivas) em dire~ao ao momenro da aplica~ao,
e p0rtanto da interprera~ao, em detrimento da pri-
mazia antes concedida ao momento legislarivo.
Segue-se entao - e esre e um segundo pOnto - quc
a inrerprera~ao rende a se tomar um eixo central da
. reflexao juridico-reorica. Na medida em que se en-
t \Ifariza a interpreta~ao como urn momento ou uma
> I dimensao crucial do fenomeno juridico, nenhuma
, reflexao reo rica ou filosofica sobre 0 Direiro pode
conrorna-Ia.
£. nesse sencido que se evoca uma modificariio da
agenda por parte da reo ria jllridica conremporanea,
que com sua insisrencia nos problemas colocados
pela inderermina~ao rransfere 0 cenrro de suas aten-
~6es da legisla~ao para a decisao e a aplica~ao, pas-
sando entao 0 interprete e 0 juiz a ocuparem olugar
, ,antes reservado ao legislador como objeto de analise.,~ll(0 modelo do bom inttfrprete sllbsriruindo entao,.." Icomo observa Zaccaria, 0 modelo do bam Iq{islfltlor
que prevalecera durante rodo 0 seculo XiX e parte
do seculo XX).
£. sugestivo 0 faro de que essa mobiliza~ao em tor-
no da interpreta~ao seja comum tanto as diferentes
orienta~6es teoricas quanto as rradic;:6es continenral
e anglo-americana. A respeito desra ultima, que se-
gundo Bernard Jackson esraria hoje obcecada pelo
problema da inrerprera~ao, a simples consrara~ao
dos drulos dos livros e artigos publicados nos ul-
timos anos poderia bastar para confirmar 0 recente
diagnosrico de Andrei Marmor, que reconhece na
ilHerpretac;:ao urn dos principais paradigm as inte-
lecruais dos esrudos juridicos nos ultimos quinze
anos, em [()rno do qual se edificou boa parte da
reoriza~ao da ulrima decada, como ja ocorrera com
as normas na decada de 1%0 e com os prindpios
juridicos na de 1970.
E claro que 0 fasdnio dos juristas contemporaneos
pela inretpreta~ao assume as vezes ares de modismo
inrelecrual, enquanto tal passageiro, alem de COffer
o risco permanente de produzir diferentes formas
de reducionismo. Por isso, 0 aspecto filosoficamente
mais relevante e consisrente doredimensionamenro
do rema da interpreta~ao nao e 0 dado quantita-
tivo da freqtiencia com que aparece, ou do tama-
nho do espac;:o que ocupa. nos rexros dos juristas
reoricos - ja que isso pode significar tao-somenre
uma hipenrofia da problematica metockJ/Ogica, em
cujo ambito sempre residiu 0 problema da inter-
preta~ao -, e sim, qualirarivamente, a nova func;:ao
que desempenha (em muitos casos, pelo menos) na
col1templac;:ao reorica do Direito.
Essa nova func;:ao se configura a partir do momento
em que a inrerpretac;:ao deixa jusramenre de veicular
apenas uma reflexao sobre a apticariio, a decisiio ou 0
metodo, e passa a integrar, inclusive renovando-a, a
empreirada propriamence filosofica de simplesmen-
re pensar 0 Direito.
£. significativo que uma filosofia nesse sentido in-
terpretativa (ou hermeneutica) do Direito seja entao
obrida (assumindo form as variadas), mais ou menos
simultaneamente, no concexto de diferentes rradi-
c;:6esfilosoficas e juridico-insrirucionais.
Assim, na rradic;:ao analitica anglo-saxonica, 0 pon-
to decisivo Ja originalidade da Filosofia do Direito
de Dworkin nao esd. obviamenre na simples defi-
nic;:ao do Direiro como uma pratica interprerativa,
que por si so c aqucla altura ja nao expressava mais
do que uma banalidade, e sim no alcancc filosofico,
propriamcllte hcrmeneurico, que se agrega (com
c1areza apenas a partir de Laws Empire) a noc;:ao de
inrerpretas:ao pressuposra nessa definis:ao. Mais Jo
que remeter sirnple.~meme a discussao merodologi-
ca em torno Ja ap1icas:ao, essa nos:ao vem expressar
uma superas:ao Jo antagonismo entre convfIlcio-
IIfl!ismo e pmgmatismo (entenJidos como posis:6es
te6ricas tfpico-ideais Jemro do espectro inrelectual
anglo-americano).
Para 0 primeiro, que Dworkin associa ao positivis-
mo hartiano, dizer 0 que e direiro numa socieJade
significa lans:ar urn olhar retrospectivo, voltada as
decis6es politicas do passado, e relara-Ias como urn
dado de faro.
Para 0 segundo. derivado do utilitarismo e encarna-
do na escola realista norte-american a, os enunciados
juridicos consistem em programas instrumenrais
voltados exclusivamenre para 0 futuro.
Se a definis:ao das propos/roes juridicas como jufzos
interpretat/vos pode entao pretender se apresenrar
como altcrnativa a essas duas visoes e porquc 0 ter-
mo interpretac;;ao se reveste aqui de urn especffico
sentido his({)rico-hermencutico. Segundo 0 modelo
dworkiniano do direito como integridllde, 0 olhar Jo
juiz e inrerpretativo na medida em que, voltanda-se
tanto para 0 passado quanto para 0 futuro, se sabe
por urn lado precedido por uma pratica jurfdica
historicamenre construfda que e necessaria compre-
ender em func;;ao de urn esquema de pr/ncfp/os apto
a justifid.-Ia, e, par outro lado, responsavel pela
conrinuidade, cuja necessiclade tambem condicio-
na aqucla compreensaa dessa abra semprc aberta e
inacabada.
o juiz sc esforc;;a para dill' sentido a uma rcalidade
juridica a qual se submete e que de certo modo a
precede, mas que ao mesmo tempo ele constroi e
lega as futuras gerac;;6es - c precisamente por isso,
por estar preso a esse jogo circular e hermencutico
de lidar com 0 sentido de urn devir, a essa posic;;ao
intermediaria entre as gerac;;oes passadas e as furu-
ras, a partir do seu proprio ponto de vista presenre,
ele e urn interprete.
Seria inteiramente inadequado considerar que essa
e uma reAexao metodo16g/ca sobre a decisao judicial.
Sua intenc;;ao e seu alcance filosoficos san obvios, na
medida em que pressup6em (como ja 0 deixa intuir
a analogia enrre 0 juiz e 0 escritor que participa da
redac;;ao de urn romance em cade/a) que a propria
expericncia juridica (na linguagem de Dworkin:
a 'prdt/ca jurid/ca) e uma narrarao poLft/ca em an-
darnento, em cujo ambito a decisao judicial e en-
tao destacada apenas por poder ser adotada como
momento emblematico: 0 Direito e uma pratica
interpretativa (essa a formulac;;ao aparentemente
an6Jina Je que se partiu), e nao UI11 conjunto de
imperativos como quis a rraJic;;ao positivista, por-
que inrerpretar significa assumir uma Jeterminada
forma de relas:ao com urn passaJo, com uma obra
passada 'jue se rrata parcm de cominuar, e que para
scr prosseguida precisa ser antes compreendida em
funs:ao daquilo que a pode justificar e Ja necessida-
de preseme de a prosseguir, isto c, de a fazer proje-
tar para 0 futuro. Mas, natural mente. Csobretudo a
tradis:ao culturalista e historicista continental que,
principal mente ap6s 0 aJvento da hennenerttica fi-
losa/fca de Gadamer, nao poderia deixar de cngen-
drar 0 esfc)rc;;ode pensar 0 Direito (e p0rtanro 0 seu
conceiro) a partir da sugestao filos6fica de encarar
a compreensao como uma estrutura fundamental da
existcncia nnita e inscrita na hist6ria.
~: cllrioso porcm que, por razoes que aqlli seria im-
possfyel resumir, e.~sa cmpreitaJa naolenha sido
levada adiante no ambito em que se produziu uma
inflllcncia direta e em certo semido hierdl'quica do
pensamenro gadameriano sobre a 'leoria do Direi-
to, sendo em comrapanida nitidamente reconhe-
dye I na obra de Nelson Saldanha, ligado aqucla
vasra rradic;;ao, mas esrranho a essa influencia mais
espedfica.
Toda tematiya de definirao do Direiro precisa estar
subordinada a uma compreemao geral (uma ima-
gem) Ja expericncia juridica que imegre 0 seu com-
pOllente hC/'menerttico, isto c, que reconhec;;a que 0 .
momemo imerpretativo nao e algo que se agrega,
vindo de fora. ao Direiro considerado como objeto
pronto e acabado, plenameme constituido enquan-
to forma de organizac;;ao, enquanto ordem, e sim
urn elemento constitutivo do Dirciro. E que as es-
trutllras daquilo que se chama ordem .it/rid/ca, por
serem estruturas simb6licas. so existem enquanto
tcm sentido, urn semido que Ihes e dado por urn
pensarnento que a clas se referc, e esse pensamenro
e a hermencutica: por isso a ordem e indissociavel
daquilo que Ihe confere inteligibilidade.
E~se momento interpretativo corresponde assim ao
esforc;;o global de rornar a ordem inteligfvel, indo
portanto muito alem, embora nao deixe de a en-
globar. da praxis interpretatiya juridica em sentido
recnico. 0 que co-constitui a expericncia juridica e
o conjunto do pensamento que se refere a ordem (0
que inclui a cultura juridica em seus diversos mo-
mentos), que pode ter concebido a ordem ou as suas
transformac;;6es, ou que, encontrando-a em alguma
medida consriruida, quer sistematiza-Ia para a con-
solidar e (()rnar eficaz. que a legitima (e ponanto a
estima) ou que a contesta (e portamo a desestima),
,f:~ ~r.
J i !
mas que, em rodo C1SO, Ihe dJ lIl11 selHido e com
isso Ihe confere uma existencia ClJncreta,
A no<;ao de inrerprera<;ao so pode desempenhar 0
pape! que Ihe cabe nessa visao do Direiro como
resu!tado de lImJ. iIHerac;ao ell(re {)Idem e henne-
nhttica por ser el1(endida no sell(ido OJ1(ologico e
exisrencial da hermeneurica heideggo-gadameria-
na: d()(ada de uma estrurura pratica, e nao pura-
mell(e teorctica, a ill(erpreta<;ao e uma forma de
rela<;ao radical e existencial, e nao simplesmenre
contemplativa, com 0 mundo, no caso com a or-
dem, fazendo assim pane de "um esf<Jr(;:o frag-
mell(ario e hererogcneo - 0 do espiriro humano
siruando-se como inrerpretador das coisas" (Or-
dem e hermenhttica).
Ao lado disso, a obra de Saldanha em seu conjunro
ilusrra a vocac;ao de lima Filosofia hermeneurica do
Direiro a se associar radicalmenre ao P0Il(O de vis-
ta hist6rico - 0 que rodavia geralmenre nao ocorre
com as vers6es da hermencutica de filia<;ao analiti-
ca, como a de Dworkin -, 0 que Ihe permite por lIm
lado inseri-Ia no ambiro de uma medita<;ao geral
(inclusive hisroricamenre prajetada) sobre as rela-
c;6es enrre as formas de organiza<;ao e 0 pensamento
inrerpretativo e, por omra, preservar uma lucidez
reflexiva e re!ativista que rorna possive! pensar a
pane de conringencia de uma witl/I'll juridica inrer-
pretativa (isro e, do propriointerpretl/tivismo), na
medida em que a impllnancia do Cllmponenre her-
meneutico e da mesma uma variJvel hist6rica, no
senrido em que a complexidade de sua arriculac;ao,
e sobrerudo a consciencia que tem de si p[()prio 0
pensamento inrerpretativo (a consciencia hammel/-
tica) saD UIl1produro da seculariz.a<;ao da cultura no
Ocidenre ll1oderno.
Ate mesmo a teoria juridica de linhagem positivista
veio reccnremenre produzir uma ideia em ultima
analise inrerpretativa do Direiro (embora aqui ja
seja inreiramenre inadequado falar de uma rilosofia
hermencurica do Direiro).
o realismo inrerpretativo de Michel Troper. obtido
em pane por meio de uma revalorizac;ao c de un13.
releitura reso!utamell(e cetica da teoria da intcrpre-
tac;ao de Kelsen, rorna-se 0 eixo principal dc um
pensamenro que em seu plano mais teorico prop6e
entender 0 Direito como um objeto que nao exis-
te independenremenre das represenrac;6es que dele
tem aqueles que aruam no ambito do proprio siste-
ma juridico - represelHa<;6es que sao inrerpretativas
e por isso mesmo nao deJcritivaJ de algo dorado de
uma existcncia objetiva.
() Direiro e algo construido pelas proprias reorias e
conceiros empregados a seu respeito, e conhecer 0
Direiro significa conhecer essas teorias e esses con-
ceiros e explid-los a partir dos diversos faro res que
determinam sua'forma<;ao e sua evolu<;ao.
Uma acel1ruada tendcncia a aproximar a inrerpreta-
<;ao do centro da concepc;ao, pressupOsta ou cons-
cienremenre articulada, do Direiro e uma agenda
tematica organizada em rorno da interpreta<;ao se-
riam assim os dois componenres de uma guinada
interpretativa enrendida em senrido muiro amplo,
presumidameme apta a caracterizar a orienra<;ao
global do pensamenro juridico arua!.
Mas a ideia de uma guinada ilHcrpretativa tambem
faz refercncia a um aspecto mais espedfico da evo-
luc;ao recenre da Teoria do Direiro: a presen<;a de
um paradigma cpistemologico-hermeneurico.
Quando se fala de teoria juridica inrerprerativa nes-
se segundo senrido, nao se tem em mente nem a ca-
rater interpretativo que eta atribui ao Direiro, nem
a sua organiza<;ao tematica, mas a sua concep<;ao do
conhecimento do Direito como um saber inrerpre-
rativo. Nao se trata mais simpJesmenre de caracte-
rizar a ciencia juridica como um conhecimenro do
inrerpretativo (ou daquilo que e, de um modo cen-
tral e significativo, da ordem do inrerpretativo, a
ponro de inspirar a mcronimia), mas de a conceber
como um conhecimento inrcrprctativo.
Esse paradigma episremol6gica podcria scr resu-
mido, como 0 sugere por exemplo Zaccaria, nos
seguinres posrulados: (a) 0 conhecimento (0 das
cicncias humanas, em todo caso) c inscpadvcl da
inrerprcta<;ao. (b) a inrcrprctac;ao e inscpadvel da
aplica<;ao e (c) inrerfcre com a propria realidade in-
tcrpretada. A no<;ao de paradigma conota, nas solu-
<;6es rerminol6gicas marcadas, como era 0 casu das
primeiras refercncias a uma gllinada interpretativa
das ciencias sociais nos anos 1970, pe!a influencia
das iJcias de Kuhn, um senrido ou um efeiro de
normalizariio da pesquisa e de supera<;ao de suas
Cflses.
Mas e impossive! atribuir uma tal efidcia estabili-
zadora a ilHrodu<;ao de um paradigma inrerpreta-
tivo na Teoria do Dirciro. Em primeiro lugar, sua
presen<;a nao c de modo algum hegemonica. Ao
conrrario, em alguns casas a carater cientifico de
um possivel conhecimento juridico e definido exa-
tamente por oposi<;ao a no<;ao de inrerprera<;ao e ao
status epistemol6gico que se Ihe agrcga na esteira da
distinc;:ao entre explicac;:ao e compreensao.
Assim, uma epistemologia empfrico-analftica esta
presente em novas (e fecundas) versoes do realismo
juridico, para as quais a dogmatica, exatamente por
lidar com interpretac;:oes, nao pode ser 0 campo de
exerdcio daquela ciencia (mas poderia constituir 0
seu objeto), enquanto que, no extrema oposto, 0
combativo anti-hermeneutismo do norte-america-
no Michael Moore assume uma posic;:ao de antfte-
se global a uma teoria juddica pris-modema, para
defender urn cognitivismo interpretativo fundado
num realismo moral intransigente (realismo, aqui,
no senti do fllosMico do tcrmo).
Em segundo lugar, de um ponto de vista contextual
e panoramico, e na verdade muito mais importan-
te destacar os novos conflitos que a presenc;:a desse
paradigma instaura e as novas questiies que coloca
para a interrogac;:ao dos horizontes te6ricos contem-
poraneos.
De fato, ate mesmo no ambito da pr6pria tradic;:ao
diltheyana das Geisteswissenschafien, a adesao sem
reservas ao modelo hermeneurico conforme deflni-
do acima poderia ter-se tornado problematica. Para
se dar conta disso basta pensar na hermeneutica de
Betti, que nao acomodaria os do is ultimos poStu-
lados.
Se aqui uma cerra homogeneidade parece ter sido
ainda assim preservada, e sobretudo porque a evolu-
c;:aoda recepc;:ao da hermencuricapelo pensamento
juridico esra caracterizada por urn lado pela incon-
testa.vel predominancia da hermencurica onto16-
gica ou existencial de Gadamer, em detrirnento da
hermeneurica dita metridica de Betti, e por Olttro
lado pcla emergencia da virada interpretativa anglo-
saxonica, sendo essas duas orientac;:iies majoridrias
global mente compatfveis com aqueles postulados.
Mas 0 alinhamento da teoria juridica de tradic;:ao
analftica ao modelo hermeneutico nao esta livre de
hesitac;:6es. Sua adesao teria sido, segundo algumas
reconstituic;:6es, 0 resultado de urn processo iniciado
com Hart e dinamizado pel a influencia da filosofia
wittgensteiniana da linguagem.
A imporrancia atribuida a conexao entre 0 conceito
de norma e 0 uso da norma teria produzido a ideia
de que a ciencia do Direito nao e uma descric;:ao de
fatos, e sim uma atribuic;:ao de sentido, de que 0 Di-
reito se comp6e de express6es simb61icas e de que
conhecer 0 Direito significa interpreta-Ias.
A guinada interpretativa seria assim vista como um
prolongamento da guinada lingiiistica. Mas ja na
reconstruc;:ao dessa evoluc;:ao se questiona se os seus
princqJais protagonistas estariam prontos a extrair
todas as conseqLicncias (especial mente no plano
epistemol()gico) do reconhecimento de que a ci-
cncia e a 'Icoria do Direito procedern segundo um
modclo comprccnsivo.
I.cnoble, por exemplo, considera assim que a cele-
bre crftica dc MacCormick a Dworkin revelaria 0
compromisso do primeiro com 0 ideal descritivis-
ta do conhccimcnto, um ideal incompativel com 0
paradigma hermcneutico ao qual ele teria aderido.
(E de fato nesse ponto aqucla critica nao difere em
nada daquela formulada pelos positivistas conrem-
poraneos, que acusam Dworkin dc nao distinguir
entre a descric;:ao do Direito existcnte c a prcscric;:ao
dc um Dircito idcal.) Como quer que seja, 0 movi-
mcnto tcndente a conformar a 'Icoria do Direito a
epistemologia hermeneutica estaria de todo modo
incolltcstavelmcnte consumado em Dworkin, cuja
obra parcce ter sido a principal inspiradora do dis-
curso cm torno de uma guinada intcrprctativa (ju-
ridica) anglo-sax<inica.
E verdade, por outro lado, que no ambito da nova
querela metodolrfgica alcrna, principal porta de entra-
da da hcrrnencutica fcnomcnol6gica na culrura ju-
ridica continental a partir dos anos 1960, 0 modelo
epistcmol6gico interprctativo pode ser considerado
como urn autentico paradigma no senti do forte do
tcrrno: clemento ao mesmo tempo desencadeador
e congrcgante de urna arnpla corrente te6rica que
nelc encontra as basesda renovac;:ao antiforrnalista
tao buscada naquele contexto. Ocorre que essa cor-
rcnte (associada aos norncs dc Josef Esser, Friedrich
Muller, Karl Laren? e outros) se desenvo[vcu em es-
treita imcrac;:ao com 0 proccsso dc consolidac;:ao do
constitucionalisrno juridista da Lei Fundamemal e,
portanto, sob a vigcncia de uma accntuada cxpccta-
tiva de controlabilidadc racional das interprctac;:iies,
ern nome do entao mais do que nunca dccisivo vetor
juridico-constitucional de legitimidadedemocrati-
ca, 0 que Ihc conferiu ullla tcndcncia metodologi-
camente construtivista rnais ou menos acentuada e
em todo caso geradora de conflitos com a filosofia
herrneneurica que a inspirava e que sustentava 0 seu
pr6prio paradigm a epistemol6gico. Em conseqii-
cncia, 0 advento da virada interpretativa e tambem
aqui marcado por uma shie de arnbigiiidades e he-
sitac;:6es.
Esta breve apresentac;:ao dos dois aspectos em que se
desdobra a ideia de uma guinada interpretativa da
1eoria do Direito conduz ja a uma questao funda-
mental para 0 csforc;:o dc identificar c compreender
os difcrentes hOl'izontes tc6ricos conrernporaneos: a
cia persistencia de um ponto de vista especificamen-
te hermencutico que n500se reduza a urn conjunto
de teses epistemologicas e que ao mesmo tempo n500
se dilua num ilHerpretativismo geral.
,. Dworkin, Ronald. L.JWJ Empire (1986). - Kr<:ss, Ken. "The
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dtl diriuo (1999).
,. Verbele5 corre1alos: Episcemologia Juridica; Hermeneutica Juri-
diu; 100erpreta~ao do DireilO; P6s-Modernismo.
Nascido em Bedim. estlidou Filosofia e Direito na
Universidade Johann Wolfgang Goethe em Frank-
fun am Main. Em 1 '.183. wrnou-se colaborador do
Instituw de Ciencias Criminais, tendo posterior-
mente trabalhado no projcto de pes<luisa em Teo-
ria do Direito, sob a dire~5oo de Jurgen Habermas,
financiado pclo Program a Leibniz da Comunidade
Alema de Pesquisa - DfG (Deutsche Forschungsgc-
meinschaft), do <jual resultou LJireito e DemlJCrllcia:
entre ftcticidade e villidade (1 '.1'.17).
No ver500 dc 1987. tornou-se doutor pela mesma
universidade, apos a apresenta~ao da tesc 7i:lJritlda
Argumentariio no Direito e na Moral: j/lStificariio e
aplicariilJ 2004, sua principal obra.
Em 1995/1996. foi Ji:llow na Faculdade de Ciencias
em Bedim, conseguindo sua habilita~5oo em 1997.
Em 2001, foi visiting Ji:llow na Faculdade Corpus
Christi, em Oxford. tendo concluido, no mesmo
ano, projeto de pesquisa sobre as rela~6es enrre Oi-
reiro, culrura e sociedade no processo de globaliza-
~ao juntO com 5halini Randeria, do qual resultou a
obra conjuma Recht, Kultttr lllld GeselLJhafi im Pro-
zefJ der GllJblllisieTllng (200 1).
Oesde 1998, e professor de Teoria do Direito, Direi-
to Penal e DireilO Processual Penal no lnsrimto de
Cicncias Criminais e Filosofia do Direiro da Un i-
versidade Johann Wolfgang Goethe. Arualmenre
e tambem co-redaror das revisras Kritische Justiz e
ConstellationJ e membro do conselho adjunro do
Instituro lndependenre para Direito e Polirica de
Bedim.
Dentro do contexto pos-positivista, sua principal
tese para a Filosofia do Direito e para a Teoria Geral
do Direito e a de que 0 senso de equidade neces-
sario a ser satisfeito nos casos de conflitos morais
e juridicos demanda n500 so mente seguir princi-
pios correros, mas tambem aplicd-los de maneira
imparcial. Por tal razao e que nao se pode abdicar
da estrurura normativa da ratio pratica. 50 assim
poder-se-a afirmar a corre~ao de um juizo norma-
tivo formulado c obedccer a pretensao de univcr-
salidade decorreme de sua prescrirividade, tal qual
evidcnciado por R. M. Hare ao analisar enunciados
morais. Moral e Direito, esclare~a-se logo que, na
proposta de Gumher, estao necessariamenre vincu-
lados, inclusive quanto a estrutura de racionalidade;
do tesre de validade de enunciados morais deduz-se
a validade de nOl'mas juridicas.
No enranto, ao contrario do que e sustenrado por
Hare, Guncher cre que ultrapassar 0 estagio de
fundamenca~ao de uma norma qualquer, juridica
ou moral, n500 implica resolver 0 problema de sua
aplica~ao in concreto. E isso da mesma forma faz da
obra de Glinther uma replica a conhecida tese do
caso especial de Robert Alexy, consoantc a qual 0
discurso juridico seria urn caso especial do discurso
pratico. Essa asserc;:ao tcarica 0 faz abandonar prin-
dpios de universaliza~ao dgidos, de acordo com os
quais a aferi~ao da validade de uma norma ja in-
c1uiria a analise previa de sua adequac;:ao a todas as
sirua~6es concretas em que a norma fosse incidence.
Em ourros meios, superado 0 tesre de j usrificac;:ao
da norma, seriam irrclcvanres as caracteristicas do
caso para a sua aplica~ao, porque ja teriam sido to-
das previstas em abstrato. A proposta de Gunther
visa exatamente a afastar-se desse ideal modelo de
perfei~5oo normativa. E 0 faz por dois modos: com-
plemencando 0 discurso de justificac;:ao pela intro-
duc;:ao de um discurso de aplica~5oo e explicando 0
raciocinio judicial como urn discurso de aplica~ao.
Rccorrcndo a etica do discurso, Gumher analisa e
descarta 0 principio moral "u" (Universalierungs-
grundsatz) tal qual formulado por Habermas - 0
qual chama de versiilJfOrte de "U" - como teste de
aferi~ao da validade de uma norma. Isso porque
nesta versao "uma norma e valida e, em qualquer
hipotcse, adequada, se em cada siruac;:ao especial as

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