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DESENVOLVIMENTO HUMANO 
NA PRIMEIRA INFÂNCIA: 
PERSPECTIVA DE RENÉ 
SPITZ 
© Celeste Duque 
Psicóloga Clínica (docente UAlg-ESSAF 2003-2007); 
celeste.duque@gmail.com. 
 
René Spitz (1887-1974), nasceu em Viena, e faleceu em 
Colorado, Estados Unidos. Começou por exercer medicina, 
mas cedo se rendeu aos conhecimentos propostos pela 
recém-nascida Psicanálise e foi o primeiro a fazer investiga-
ção em Psicologia infantil. 
Spitz conheceu Sándor Ferenczi, psicanalista e hipnotizador, 
que fazia parte do círculo mais próximo de Sigmund Freud. 
Foi Ferenczi quem o apresentou ao criador da Psicanálise, e 
o levou até à Sociedade Psicanalítica de Viena, tendo inter-
cedido por ele, junto de Freud, para que este o aceitasse para fazer a sua análise didác-
tica (treino e tratamento analítico), que realizou entre 1910 a 1911, tendo-se formado 
como psicanalista. Praticou em Viena e Berlim, seguindo em 1932 para Paris. Em 1938 
viajou emigrou para os Estados Unidos, onde trabalhou durante 17 anos no Instituto de 
Psicanálise, em New York. 
Em 1956, foi convidado pela Universidade do Colorado para aí leccionar, tendo aceite o 
convite. A sua investigação teve como objecto de pesquisa as fases iniciais da constru-
ção do Ego. Na sequência dos seus estudos foi levado à necessidade de desenvolver 
novas técnicas de observação de crianças da primeira infância. 
Conquistou a admiração do meio científico americano com seu interesse e método de 
estudo aplicado as crianças abandonadas. Foram as suas observações pioneiras quanto 
ao efeito das manifestações de carinho em crianças mantidas em um berçário que o 
catapultaram para a ribalta. Tendo-se tornado um teórico de referência nos meios cientí-
ficos, da primeira metade do século XX. 
Demonstrou que uma criança muito nova necessita de carinho e carícias físicas reais 
para sobreviver. 
Com o propósito de isolar e investigar os factores responsáveis, ou desfavoráveis, liga-
dos ao desenvolvimento infantil em crianças internadas até aos dois anos e meio de ida-
de, escolheu como local de recolha de dados um excelente orfanato e o berçário de uma 
prisão. O excelente 
 
No Orfanato, organizado e limpo, as crianças mostravam um sensível atraso mental e 
progressiva debilidade física. Uma epidemia de sarampo matou 23 das 88 crianças com 
idade inferior a 2 anos e meio. Das sobreviventes, apenas 2 começaram a falar e apren-
deram a caminhar no espaço da pesquisa. Nenhuma aprendeu a comer sozinha e todas 
eram incontinentes. 
Contraditoriamente e em contraste, no berçário da prisão de mulheres, o seu desenvol-
vimento era tão acelerado e sadio que o problema era tentar saber como conter as mani-
festações de sua vitalidade e inteligência; aqui, as crianças eram a fascínio das mães 
reclusas e de todo o pessoal de serviço. 
Spitz utilizou testes de quociente de desenvolvimento e encontrou uma média de 105 
pontos para o segundo grupo, e apenas de 72 pontos para o primeiro. O que o levou a 
concluir que a falta de contacto materno era o factor/variável que impedia o desenvolvi-
mento das crianças do orfanato e afirmou que "O quadro contrastante dessas duas insti-
tuições mostra a importância da relação mãe e filho para o desenvolvimento da criança 
durante o primeiro ano. As privações em outras áreas, por exemplo, ao nível da dimen-
são da percepção ou locomoção podem todas ser compensadas por relações mãe e filho 
adequadas". 
Spitz vai, partir das concepções de Freud e elaborar a sua própria teoria sobre o desen-
volvimento precoce. E, à semelhança do que sucedeu com a esmagadora maioria dos 
psicanalistas daquela época, também ele atribui grande importância à prática clínica, nas 
suas investigações. 
Foi dos primeiros a utilizar uma metodologia cientifica de investigação (Psicologia expe-
rimental) com crianças pequenas, desenvolveu técnicas de observação e registo inédi-
tas, tais como, filmes, testes, grelhas de observação... 
A teoria de Spitz é criada como tentativa de explicar a génese da relação de objecto e da 
comunicação humana, para tal vai propor que o desenvolvimento na primeira infância se 
processa em três estádios: 
• Estádio pré-objectal ou sem objecto; 
• Estádio precursor do objecto; 
• Estádio do objecto libidinal, propriamente dito. 
Tal como Freud, Melanie Klein, Bion, Winnicott, entre muitos outros, também Spitz vai 
considerar que estes estádios do desenvolvimento se alicerçam na (inter)relação 
mãe/filho e podem facilmente ser identificados através da manifestação de comporta-
mentos específicos na criança, que designou de “indicadores” (por exemplo, “resposta 
de sorriso”) 
Segundo ele são precisamente estes indicadores que vão revelar a existência de “orga-
nizadores do psiquismo”, sob o primado dos quais os processos de maturação e de 
desenvolvimento se reúnem numa “teia” facilitadora da evolução progressiva da criança, 
no sentido da construção/integração da personalidade. Há medida que a integração se 
vai efectuando o aparelho psíquico vai desencadear novos e diferentes mecanismos de 
funcionamento novos. 
Estádio não objectal 
Spitz, para definir este estádio, propõe o conceito de “não diferenciação”, que corres-
ponde grosso modo ao que Freud designa de Narcisismo Primário. 
O conceito é utilizado por Spitz para demonstrar que o recém-nascido ainda não se 
encontra “organizado” em diversas dimensões, tais como: percepção e actividade; o fun-
cionamento psíquico e somático ainda não estão separados; o meio circundante não é 
percebido. Como tal, as noções de interior e exterior não existem, as partes do corpo 
não são percebidas como diferentes, tal como não há separação entre pulsões e objecto. 
Ignorando o mundo que o rodeia, o bebé também não pode reconhecer o objecto libidi-
nal. 
Este autor considera que nesta fase do desenvolvimento não há actividade psíquica e 
mental e concebe que, no máximo, podem existir afectos indiferenciados e caóticos. 
O que se passa é que os estímulos (primeiras percepções) ao serem recebidos pelos 
sistemas proprioceptivos vão desencadear uma reacção por parte de uma barreira de 
protecção natural massiva cuja principal função é a de proteger o bebé dos numerosos 
estímulos (alguns deles bastante agressivos) que o bombardeiam, e que caso esta bar-
reira não existisse iriam sobrecarregar ainda mais o organismo/mente, levando-o a um 
excessivo desgaste, não lhe restando energia para se concentrar na progressiva integra-
ção/compreensão de todo o meio circundante, esta sim fundamental para o bom desen-
volvimento do sujeito. 
Quando os estímulos de origem interna (tais como: fome, sede, desconforto...) ou exter-
na (por exemplo, barulho, frio, luz...), ultrapassam um determinado limiar, a criança para 
reencontrar o estado de sossego, de quietude, tem de reagir a esta excitação negativa, 
interpretada como “desprazer”, através de um processo de descarga: choro, grito... 
Este processo é comparado ao Princípio de Nirvana, cujo processo natural segue a 
sequência: estímulo demasiado agressivo  descarga para reduzir o desprazer e forne-
cer a quietude. Quando a mãe é capaz de interpretar a “mensagem” do seu bebé (sufi-
cientemente contentora, de acordo com a linguagem de Bion) e lhe proporciona um 
ambiente calmo, protegendo a criança do excesso de estímulos externos e lhe satisfaz 
as necessidades básicas (manifestadas pelos estímulos internos) então ela está a con-
tribuir para que possa crescer em quietude, compreensão e confiança. 
Seja qual for a sua natureza, os estímulos não são “reconhecidos” pelo bebé. Só com o 
acumular de experiências é que progressivamente e há medida que o tempo vai passan-
do, eles irão tomar o valor de sinal. O conjunto dos sinais memorizados irá, mais tarde, 
proporcionar “uma imagem coerente do mundo”, o que equivale a afirmar que são preci-
samente estas memórias que irão permitir ao sujeitoordenar o mundo à sua volta e 
reduzir o caos (grande quantidade de estímulos que chegam permanentemente aos 
diversos órgãos dos sentidos). 
A maturação desenvolve progressivamente esta capacidade mental de registo dos estí-
mulos. Partindo de uma fase de apercepção (apesar de a memória já guardar alguns tra-
ços), a criança, graças à relação de reciprocidade que estabelece com a mãe, uma per-
manente sequência que se repete – acção/reacção/acção – vai-lhe permitir realizar uma 
certa aprendizagem que conduz à coordenação/integração/sintetização das diferentes 
percepções. 
No que concerne aos primeiros dias de vida do bebé, Spitz utiliza o termo “recepção” 
para designar a faculdade/capacidade de sentir (visceral) e esta sensação pertence à 
organização cenestésica (centrado no Sistema Nervoso Autónomo, de onde partem as 
manifestações emocionais). Há medida que o tempo passa a criança vai 
progressivamente evoluir de um estado de recepção cenestésica para um estado de 
percepção diacrítica (em que a percepção se encontra devidamente circunscri-
ta/localizada, dotada de intensidade, e que mais tarde irá evoluir por intermédo dos 
órgãos sensoriais periféricos – córtex – que conduzem aos processos cognitivos 
(pensamento consciente). 
Num primeiro momento processa-se através da boca (região oral) que devido à sua fun-
ção anaclítica irá servir de intermediária entre a recepção interna e a percepção externa. 
Aliás, esta região é extremamente importante no estabelecimento da relação mãe/filho, 
nomeadamente, no durante o processo de amamentação (quer seja natural ou artificial). 
É através desta zona que a percepção de um estímulo (externo) como o mamilo ou a 
tetina ao ser gradualmente ser identificada/reconhecida pelo bebé, quando lhe é asso-
ciada a rápida satisfação da necessidade de alimento (de origem proprioceptiva). De 
referir ainda que, esta percepção só é possível se o desprazer e a descarga por ele 
desencadeada, forem interrompidos. 
A fase não objectal caracteriza-se por: os precursores dos afectos (ou afectos arcaicos) - 
excitação de qualidade negativa ou quietude - e a frustração que o bebé sente entre o 
momento em que experimenta uma necessidade e o momento em que a necessidade é 
satisfeita, exercem uma pressão repetida que impele à adaptação. Acredita-se que nesta 
fase o bebé ainda não é capaz de diferenciar o tipo de pulsão – libidinal e/ou agressiva. 
O Estádio do percursor do objecto 
As consequências, em termos de desenvolvimento, que advêm do estabelecimento do 
primeiro precursor do objecto são múltiplas. O bebé começa a ser capaz de: 
• Ultrapassar o estado de simples “recepção dos estímulos internos” em favor de 
um estado de “percepção dos estímulos externos”. 
• Adiar durante algum tempo o Princípio de Prazer em favor do Princípio de Reali-
dade. 
Baseando-se na 1ª Tópica1 de Freud, Spitz vai propor que, há medida que os traços 
mnésicos se vão formando, a criança começa a conseguir reconhecer o rosto humano, 
esta evolução origina o seguinte fenómeno, o bebé começa a ser capaz “de deslocar os 
seus investimentos pulsionais de uma função psíquica para outra, de um traço mnésico 
para outro”. 
 
1 Primeira Teoria Topográfica de Mente preconiza que o funcionamento da mente se processa através da 
existência de três instâncias: Inconsciente, Pré-Consciente e Consciente. 
Suportando-se na 2ª Tópica2, Spitz vai afirmar que uma vez adquirida a separação entre 
o Ego e o Id e construído um Ego rudimentar (o Ego corporal de Freud, 1923), o bebé 
começa a funcionar, e a mãe joga aqui um papel fundamental ela vai durante algum 
tempo desempenhar o papel de Ego auxiliar. 
Spitz considera que esta estruturação somatopsíquica (passagem do somático ao psí-
quico) se processa de forma contínua, o que equivale a afirmar que “os protótipos dos 
núcleos do Ego psíquico têm de ser procurados nas funções fisiológicas e no comporta-
mento somático”. 
A partir deste momento, o Ego passa a organizar, coordenar e integrar, substituindo o 
limiar primário de protecção contra os estímulos por um processo superior, mais flexível 
e selectivo. 
É ainda neste estádio a criança evolui de um estado passivo para um estado activo, 
adquirindo a capacidade de efectuar acções dirigidas, em que ao ser capaz de utilizar o 
“sorriso” como resposta, ele vai estar a formar o protótipo de base de todas as relações 
sociais posteriores. O sorriso, enquanto resposta constitui-se num esquema do compor-
tamento (fenómeno específico). 
Spitz coloca a ênfase na comunicação que existe na díade mãe/filho a qual vai permitir 
o estabelecimento de um tipo de inter-relação que Freud, em 1921, designou de “Foule à 
deux”, que facilita o aparecimento deste índice (sorriso resposta). 
Neste quadro as acções conscientes da mãe, bem como as suas atitudes inconscientes, 
vão constituir-se como “reforço primário” sobre a criança. Estes processos de formação, 
são designados por Spitz de ”processos de modelagem”, escrevendo a propósito disso 
que se verifica “uma série de trocas entre dois parceiros, a mãe e o filho, que se influen-
ciam reciprocamente de forma circular”. Obviamente, que num primeiro momento, e por 
razões óbvias, o bebé se encontre em desvantagem em termos de capacidade de 
comunicação e eficiência da mesma. 
A comunicação faz-se por intermédio de sinais cinestésicos no quadro do “clima afecti-
vo3” que se estabeleceu entre eles. 
É precisamente esta repetição de experiências de prazer e desprazer e a consequente 
satisfação ou frustração em situações interiores idênticas, quotidianas, que irá fazer 
nascer, no bebé, os primeiros afectos de prazer manifestados através do sorriso ou os 
afectos de desprazer traduzidos em episódios de choro. 
Conclui-se, deste modo que, para que as experiências recebidas pelo bebé possam ser 
investidas afectivamente, é preciso que os traços mnésicos já sejam possíveis e é neste 
quadro que o fenómeno da resposta de sorriso se constitui, não só o indicador de um 
 
2 Na Segunda Teoria Topográfica de Mente, Freud vai afirmar que o aparelho psíquico é formado por três 
instâncias o Id, Super-Ego e Ego, estes conceitos levam a uma teorização metapsicanalítica, a totalidade 
do sujeito é abarcada em toda a sua complexidade. 
3 Nomenclatura utilizada por Spitz, para designar “a totalidade das forças que influenciam o desenvolvimento 
da criança”. 
afecto (ele próprio a manifestação da actividade pulsional subjacente), como a modali-
dade de operar dos primeiros processos de pensamento. 
Este afecto de prazer, é de extrema importância no processo de estabelecimento do 
objecto (interiorização do objecto), no entanto, não deve ter uma intensidade demasiado 
intensa que leve o bebé a esquecer o afecto de desprazer, devido à frustração, já que 
este último também é muito importante, por exemplo, representa um papel fundamental 
como catalisador no desenvolvimento da criança. 
De facto, é ao viver frustrações repetidas seguidas de satisfação que a criança vai adqui-
rindo níveis de autonomia cada vez maiores. Por volta dos seis meses a integração dos 
traços mnésicos sob a influência do Ego permite a fusão das imagens dos pré-objectos, 
bons e maus, para construir uma imagem materna única no sentido da qual as Pulsões 
agressivas e libidinais se vão organizar e dirigir. É a partir do entrecruzar destas duas 
pulsões que leva a criança ao dirigir-se à pessoa mais fortemente investida afectivamen-
te e que leva a que o objecto libidinal, propriamente dito, surja. Pode-se afirmar que este 
é o momento em que se iniciam a verdadeiras relações de objecto. 
Estádio do objecto libidinal 
No terceiro trimestre de vida, mais precisamente no “oitavo mês”, “as capacidades para 
uma diferenciação perceptiva diacrítica estãobem desenvolvidas” o que se pode facil-
mente observar na prática já que quando o bebé se encontra perante um desconhecido, 
compara o seu rosto com os traços mnésicos do rosto familiar da mãe e vai reagir mani-
festando um comportamento de recusa de contacto e/ou mesmo choro, acompanhado 
de maior ou menor angústia. Aliás, esta é mesmo a primeira manifestação de angústia 
que os teóricos consensualmente designam de “angústia do oitavo mês”, que é uma 
angústia de perda de objecto. O bebé vai reagir desta forma quando um estranho (um 
rosto estranho) se aproxima e face ao contacto eminente vai sentir que a mãe o abando-
nou. 
A “angústia do 8º mês” constitui-se como um indicador do segundo organizador psíquico, 
o qual revela o estabelecimento de uma verdadeira relação de objecto: a mãe já se 
encontra interiorizada e transformou-se no objecto libidinal. É o objecto privilegiado, não 
apenas em termos visuais e, muito mais importante que isso, em termos afectivos. 
Esta evolução no desenvolvimento do bebé aponta para importantes transformações: 
• Em termos somáticos, o aparelho sensorial necessário à percepção diacrítica é claramen-
te enriquecido graças à multiplicação dos feixes nervosos; 
• Ao nível do aparelho mental, a multiplicação dos traços mnésicos permite operações mais 
completas e sequências de acção dirigidas; 
• Na organização psíquica, estas possibilidades de acção permitem descargas de tensão 
afectiva de forma dirigida e desejada. 
• O Ego estrutura-se e clarifica as suas fronteiras com o Id e com o mundo exterior por 
outro. 
Este segundo organizador, “a angústia do 8º mês” também conhecida como “medo do 
estranho”, revela que a criança já é capaz de discriminar a mãe dos outros, e que ela é o 
“objecto libidinal nascente”. 
De facto, a criança progride nos sectores perceptivo, motor e afectivo. A título de 
exemplo, podem referir-se: a capacidade crescente em discriminar as coisas inanimadas; 
uma crescente capacidade ideativa; surgem atitudes emocionais variadas, tais como 
ciúme, cólera, possessão, afeição, alegria... 
Estes progressos são acompanhados pela formação de mecanismos de defesa, dando 
Spitz principal realce ao mecanismo de identificação, de que a imitação pelo gesto é 
precursor. 
Esquemas de acção, imitação e identificação constituem os meios de uma autonomia 
crescente em relação à mãe, anunciando uma abertura da relação aos outros. A 
“aquisição do não” marca a passagem para a abertura social. 
Por volta do fim do primeiro ano a criança já anda, esta liberdade de movimentos, recen-
temente adquirida, permite-lhe multiplicar as suas actividades a uma distância cada vez 
maior da mãe e afastar-se do seu olhar e do seu campo de visão para regressar logo de 
seguida para confirmar que ela ali está, que não o abandonou. 
Esta nova autonomia modifica a forma de reagir e intervir da mãe que vai fixar os seus 
limites através de interdições, pelo gesto e pela voz: aceno negativo da cabeça e “não”. 
A criança é apanhada no conflito entre a sua vinculação libidinal à mãe e o medo de lhe 
desagradar e de a perder transgredindo os seus interditos. A fim de enfrentar este confli-
to recorre a uma solução de compromisso: o processo de identificação com o objecto 
libidinal; ao incorporar estas interdições no Ego, já constituído e operante, a criança 
exprime desta forma a sua agressividade em relação à mãe4. 
Spitz opta por utilizar o termo identificação com o frustrador, já que a mãe, ao proibir 
uma acção à criança, num momento em que está apenas a emergir de um estado de 
profunda passividade, não lhe permite a satisfação, logo, impõe-lhe uma frustração, um 
desprazer “que provoca um investimento agressivo vindo do Id”, numa fase em que a 
criança se encontra a braços com um ímpeto de actividade significativo . 
A identificação com o agressor é um processo selectivo, a mãe impõe uma interdição 
que apresenta três níveis diferentes de expressão: o gesto e/ou a palavra; o pensamento 
consciente; e, o afecto. Se, por um lado, a criança incorpora o gesto, o mesmo não 
sucede relativamente ao pensamento consciente, nesta idade ele ainda não consegue 
compreender as razões ou as motivações do Não. 
Quando a criança já atribui ao gesto um conteúdo ideativo, semelhante ao sentido que 
possui para aqueles que a rodeiam, nesse momento este aceno de cabeça transforma-
se no indicador do terceiro organizador psíquico. 
Isto implica que o funcionamento do psiquismo se conforme com o Princípio de Realida-
de. 
O terceiro organizador revela-se por volta dos quinze meses de idade e indica que a 
criança conseguiu, através do gesto da cabeça, “realizar a abstracção de uma recusa ou 
de uma denegação”. 
 
4 Fenómeno estudado por Anna Freud e por ela designado de “identificação com o agressor”. 
Não existindo o “não” no inconsciente (Freud, 1925), “a negação” constitui-se como “uma 
criação do Ego colocada ao serviço da função do juízo”. 
O “não” é, simultaneamente, o primeiro conceito abstracto adquirido pela criança e a sua 
primeira expressão com símbolos semânticos de uma comunicação à distância por men-
sagens intencionais e dirigidas. O domínio do “não” pela criança é o sinal da formação 
do terceiro organizador psíquico, este mais não é, que o início da comunicação verbal 
marcada por um período de nítida obstinação, durante o segundo ano de vida da crian-
ça. 
Spitz dedicou a vida ao estudo do desenvolvimento da criança da primeira infância e 
propôs o que designou de “psicologia psicanalítica do primeiro ano”, baseada em dados 
recolhidos na prática pela observação das relações de objecto da criança com a mãe. 
Esta observação permitiu-lhe fazer descobertas fundamentais sobre os fenómenos pato-
lógicos da infância, ligados às perturbações da relação mãe/filho quando esta é 
insuficiente (qualitativa ou quantitativamente). 
Spitz concluiu que, quando há uma perturbação na relação mãe/filho esta vai influenciar 
o estabelecimento das relações de objecto, e podem ser observadas as afecções 
psicotóxicas, termo por ele utilizado para designar tais perturbações. Em consequência 
podem surgir manifestações tais como: coma do recém-nascido; cólica do terceiro mês; 
ou eczema infantil. Quando, no decurso do primeiro ano o bebé é submetido a uma 
privação afectiva parcial, surge a depressão anaclítica (actualmente considerada uma 
perturbação ao nível da vinculação), e quando se verifica uma privação completa surge o 
hospitalismo, o qual apresenta um prognóstico grave. 
Bibliografia 
Spitz, R. A. (1954). An Inquiry into the Genesis of Psychiatric Conditions in Early Childhood. The 
Psychoanalytic Study of the Child, 1, 53-74. 
Spitz, R. A. (1976). Le Non et le Oui (3ème edition). Paris: PUF. 
Spitz, R. A. (1979). De la naissance à la parole (6ème edition). Paris: PUF. 
Spitz, R. A. (1979). L'embryogénese du moi. Bruxelas: Editions Complexe. 
 
© Celeste Duque, 2008-08-17

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