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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Juliane Tedeski ALIMENTOS GRAVÍDICOS CURITIBA 2011 ALIMENTOS GRAVÍDICOS CURITIBA 2011 Juliane Tedeski ALIMENTOS GRAVÍDICOS Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel. Orientador: Prof. Geórgia Sabbag Malucelli CURITIBA 2011 TERMO DE APROVAÇÃO Juliane Tedeski ALIMENTOS GRAVÍDICOS Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do grau de Bacharel no Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná. Curitiba, ___ de _____________ de 2011. ____________________________________________ Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite Coordenador do Núcleo de Monografia Universidade Tuiuti do Paraná Orientador: ____________________________________________ Prof. Geórgia Sabbag Malucelli Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito Supervisor: ____________________________________________ Prof. Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito Supervisor: ____________________________________________ Prof. Universidade Tuiuti do Paraná Curso de Direito RESUMO Versa o presente estudo a respeito da Lei n.º 11.804 de 05 de novembro de 2008, que estabelece o direito a alimentos gravídicos. Analisa os direitos do nascituro, bem como o direito a alimentos. Apresenta os aspectos processuais da referida lei, além de avaliar seus polêmicos artigos. A metodologia utilizada foi a pesquisa exploratória com levantamento bibliográfico em livros e artigos. O estudo é extremamente relevante, já que a Lei que regula o direito a alimentos gravídicos tem grande relevância social, por se referir às despesas que deverão ser custeadas pelo futuro pai, tanto ao filho que vem a nascer, quanto à gestante. Ressalta-se que desde seu projeto a norma em tela vem causando polêmicas, pois continha artigos que foram vetados, haja vista que contradiziam sua própria finalidade. Entretanto, não se pode negar que a Lei 11.804 permite uma melhor tutela das necessidades da mulher durante a gestação, bem como dos direitos do nascituro. Palavras-chave: alimentos; alimentos gravídicos; direitos do nascituro SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO.................................................................................................... 2 OS DIREITOS DO NASCITURO........................................................................ 2.1 CONCEITO DE NASCITURO.......................................................................... 2.2 OS DIREITOS DO NASCITURO NO CÓDIGO CIVIL DE 2002...................... 2.2.1 A Teoria Natalista.......................................................................................... 2.2.2 A Teoria da Personalidade Condicional........................................................ 2.2.3 A Teoria Concepcionista............................................................................... 3 ALIMENTOS....................................................................................................... 3.1 CONCEITO...................................................................................................... 3.2 FONTES DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR........................................................ 3.3 CARACTERÍSTICAS DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR..................................... 3.3.1 Direito Personalíssimo.................................................................................. 3.3.2 Solidariedade................................................................................................ 3.3.3 Reciprocidade............................................................................................... 3.3.4 Inalienabilidade............................................................................................. 3.3.5 Impenhorabilidade......................................................................................... 3.3.6 Irrepetibilidade............................................................................................... 3.3.7 Alternatividade.............................................................................................. 3.3.8 Transmissibilidade........................................................................................ 3.3.9 Irrenunciabilidade.......................................................................................... 3.3.10 Periodicidade.............................................................................................. 3.3.11 Anterioridade............................................................................................... 3.3.12 Atualidade................................................................................................... 3.4 OS ALIMENTOS DECORRENTES DO PODER FAMILIAR E A RESPONSABILIDADE SOBSIDIÁRIAS DOS AVÓS............................................. 3.4.1 Do Poder Familiar......................................................................................... 3.4.2 A Responsabilidade Subsidiária dos Avós.................................................... 3.5 O BINÔMIO NECESSIDADE/POSSIBILIDADE............................................... 4 ALIMENTOS GRAVÍDICOS............................................................................... 4.1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEI 11.804/2008.............................. 6 8 8 9 9 11 12 14 14 16 17 18 18 19 20 21 21 22 23 24 25 25 25 26 26 28 30 32 32 4.2 CONCEITO...................................................................................................... 4.3 FINALIDADE.................................................................................................... 4.4 A LEI 11.804 DE 2008: ASPECTOS PROCESSUAIS..................................... 4.4.1 Propositura da Ação...................................................................................... 4.4.2 Legitimidade Ativa......................................................................................... 4.4.3 Legitimidade Passiva.................................................................................... 4.4.4 Do Termo Inicial da Obrigação..................................................................... 4.4.5 Resposta do Requerido................................................................................ 4.4.6 Foro Competente.......................................................................................... 4.4.7 Ônus da Prova.............................................................................................. 4.4.8 Valor da pensão alimentícia a ser fixada...................................................... 4.5 OS ARTIGOS VETADOS DA LEI 11.804 DE 2008......................................... 4.5.1 Artigo 3º......................................................................................................... 4.5.2 Artigo 4º......................................................................................................... 4.5.3 Artigo 5º.........................................................................................................4.5.4 Artigo 8º......................................................................................................... 4.5.5 Artigo 9º......................................................................................................... 4.5.6 Artigo 10º....................................................................................................... 4.6 A RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DOS AVÓS...................................... 4.7 EXECUÇÃO DOS ALIMENTOS GRAVÍDICOS............................................... 4.8 EXTINÇÃO DOS ALIMENTOS GRAVÍDICOS................................................. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................ REFERÊNCIAS..................................................................................................... 33 35 36 37 37 38 39 40 40 40 42 44 44 45 47 48 49 50 52 53 54 56 58 1 INTRODUÇÃO Em uma conotação vulgar o termo alimentos pode ser entendido como tudo aquilo necessário para a subsistência do ser humano. O Código Civil de 2002, em seu capítulo específico sobre o tema, não se preocupou em definir o que se entende por alimentos. Entretanto, analisando o referido dispositivo legal podemos concluir que, na linguagem jurídica, alimentos significam mais do que o sentido comum, compreendendo, além da alimentação, o que for necessário para moradia, vestuário, assistência médica e lazer, bem como para prover as necessidades da vida. Todos têm direito de viver com dignidade, e em consequência surge o direito à alimentos. A obrigação alimentar não existe só no direito de família, pode também ter origem na prática de um ato ilícito, pode ser estabelecida contratualmente ou estipulada em testamento. No âmbito do direito familiar, decorre do poder familiar, do parentesco, da dissolução do casamento ou da união estável. Nos moldes da Lei 5.478, de 25 de julho de 19681 (Lei de Alimentos), é necessário que se prove o vínculo de parentesco para a concessão de alimentos, deixando assim uma lacuna no ordenamento jurídico quando se tratava de alimentos para o nascituro, que ficava desamparado. A ideia baseada no artigo 2º do Código Civil de 20022 era a de que os alimentos só poderiam ser pleiteados se o nascituro nascesse com vida, momento em que adquiria a personalidade civil. 1 Art. 2º O credor, pessoalmente, ou por intermédio de advogado, dirigir-se-á ao juiz competente, qualificando-se, e exporá suas necessidades, provando, apenas, o parentesco ou a obrigação de alimentar do devedor, indicando seu nome e sobrenome, residência ou local de trabalho, profissão e naturalidade, quanto ganha aproximadamente ou os recursos de que dispõe. 2 Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. Diante disso, em 05 de novembro de 2008 foi promulgada a Lei 11.804, chamada de Lei de Alimentos Gravídicos, que legitimou a gestante para pleitear os alimentos em nome do nascituro. Referida norma possui grande relevância social, pois os alimentos decorrentes da Lei 11.804/08 são aqueles necessários para a manutenção da gestante, claramente destinados para que o período de gravidez transcorra de forma saudável, viabilizando que a criança nasça com vida. O presente trabalho busca analisar a Lei 11.804/2008, destacando seus aspectos polêmicos e trazendo reflexões importantes acerca do tema. 2 OS DIREITOS DO NASCITURO 2.1 CONCEITO DE NASCITURO O conceito de nascituro é citado por diversos doutrinadores. O significado de tal termo é pacífico entre os autores, não havendo controvérsia em afirmar que nascituro é aquele que foi concebido, mas ainda não nasceu. Segundo o dicionário Michaelis (2011), a palavra nascituro deriva do latim nasciturus e significa: “1 Que, ou aquele que há de nascer; 2 Diz-se dos, ou seres concebidos, mas ainda não dados à luz.” No direito pátrio, da mesma forma, vários são os autores que conceituam o termo em suas obras, a fim de se poder examinar os direitos do nascituro a partir de tal conceito. França (1998, citado por STOLZE, 2000, p. 82), define o termo nascituro como sendo “o que está por nascer, mas já concebido no ventre materno”. Para Miranda, nascituro é “o concebido ao tempo em que se apura se alguém é titular de um direito, pretensão, ação ou exceção, dependendo a existência de que nasça com vida” (1954, p. 166). Sendo assim, o termo nascituro, em outras palavras, trata daquele que já foi concebido, todavia, ainda não nasceu. Aqui há de se frisar que não se pode confundir o conceito de nascituro com o de natimorto. Aquele, como se viu, trata do indivíduo que há de vir ao mundo, do que foi concebido e está por nascer, enquanto que este trata do que nasce sem vida. Portanto, conclui-se que todo natimorto já foi um dia um nascituro e que já teve seus direitos resguardados pela lei. (PIRES, 2011, p. 1). 2.2 OS DIREITOS DO NASCITURO NO CÓDIGO CIVIL DE 2002 O artigo 2º do Código Civil de 20023, que é uma cópia quase que literal do artigo 4º do Código Civil de 19164, assevera que a personalidade jurídica do ser humano começa do nascimento com vida, entretanto, põe a salvo os direitos do nascituro desde a sua concepção (BRASIL, 2011, p. 1). A questão da personalidade jurídica do nascituro não é pacífica no direito nacional. Analisando os dois dispositivos, percebe-se que com a edição do novo Código Civil o legislador deixou de se aprofundar no conceito dos direitos do nascituro, bem como do início da personalidade jurídica da pessoa, deixando as dúvidas atuais sendo as mesmas que já existiam. A doutrina apresenta várias posições diferentes a respeito do tema, o que originou o surgimento de três correntes que balizam o direito nacional quando se trata de direitos do nascituro, quais sejam: a Teoria Natalista, a Teoria da Personalidade Condicional e a Teoria Concepcionista. 2.2.1 A Teoria Natalista A Teoria Natalista claramente exposta no artigo 2º do Código Civil de 2002 defende que a aquisição da personalidade jurídica se dá a partir do nascimento com vida. Dessa forma, na visão dessa corrente, o nascituro possui mera expectativa de direito desde a sua concepção, que se transformará em reais direitos subjetivos se o concebido nascer vivo. 3 Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. (BRASIL, 2011, p. 1, grifo meu). 4 Art. 4º A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. (BRASIL, 2011, p.1, grifo meu). Adotada por vários autores brasileiros, como Rodrigues (1997) e Miranda (1954), é a mesma teoria utilizada nos códigos civis de países como Espanha, França, Portugal e Itália. (PIRES, 2011, p. 1). Ressalta-se aqui que algumas críticas são feitas à redação do artigo 2º do Código Civil de 2002, haja vista que o mesmo, apesar de ser claro ao adotar a Teoria Natalista, põe a salvo os direitos do nascituro desde a concepção, o que geraria uma contradição. Nesse contexto Catalano (citado por PUSSI, 2005, p. 92) afirma que A formulação do artigo 4º do Código Civil Brasileiro (“A personalidade civil do homem começa do nascimento com vida), modificandoaquela do projeto de Clóvis Bevilácqua (art. 3º: “A personalidade civil do ser humano começa com a concepção, sob a condição de nascer com vida”) mostra-se contraditória (...). A contradição, devida a um parcial desvio concernente a tradição brasileira, refere-se também à relação entre o conceito de “pessoa” e o reconhecimento de “direitos”. Entretanto, Miranda (citado por PUSSI, 2005, p. 93) assevera que a contradição é apenas aparente, e afirma que A aparente contradição do Código Civil, arts. 4º e 1.718, apaga-se se pomos o problema no mundo fáctico (biológico) em que pode ser grande a probalidade de nascer vivo o conceptus, em cada caso: a personalidade começaria com a prova da existência futura; todo produto gravídico da mulher, que tem coração e tem grande probabilidade de nascer vivo e capaz de direito. Mas essa solução confundiria dois mundos, o fáctico e o jurídico: ou se admite que o feto vivo já entre no mundo jurídico, ou não se admite. Se a probabilidade tivesse de ser atendida, o não-advento reporia o problema, no mundo jurídico. Diante do exposto conclui-se que, a Teoria Natalista foi adotada por grande parte de nossos doutrinadores, bem como pelo sistema jurídico brasileiro, e que depende de duas condições: primeiramente é preciso que o feto nasça vivo, e depois, é necessário que se prove que tal fato ocorreu para que o mesmo possa ser reconhecido como sujeito de direitos. 2.2.2 A Teoria da Personalidade Condicional A corrente da Personalidade Condicional defende que o início da personalidade do nascituro começa a partir de sua concepção, contudo, impõe a condição suspensiva de que o mesmo nasça com vida. Em outras palavras, na visão dos adeptos de tal teoria, o nascituro é sujeito passível de direitos a partir de sua concepção, desde que o mesmo nasça vivo. No caso de o feto não chegar a viver, a personalidade condicional se extingue. Tal teoria foi adotada por Bevilácqua (1902, citado, por PUSSI, 2005, p. 94) em seu Projeto de Código Civil de 1899. O artigo 3º do referido projeto estabelecia que “A personalidade civil do ser humano começa com a concepção, sob a condição de nascer com vida” Lopes (2000, p. 288), um dos doutrinadores nacionais adeptos dessa corrente, afirma que Bevilácqua seguiu a Teoria da Personalidade Condicionada pelas seguintes razões: a) desde a concepção o ser humano é protegido pelo Direito, tanto que o aborto constitui um crime; b) a gravidez autoriza a posse em nome do ventre e a nomeação de um curador especial, sempre que competir à pessoa por nascer algum direito; c) considerar-se o nascituro como nascido, desde que se trate dos seus interesses; d) admissibilidade de seu conhecimento. Como não poderia deixar de ser, muitos doutrinadores fazem críticas a esta teoria. Miranda (citado por PUSSI, 2005, p. 97 e 97) a repele por completo e afirma que “não há condição nas situações jurídicas do nascituro [...] o sistema jurídico ressalva, desde a concepção os direitos do nascituro.” 2.2.3 A Teoria Concepcionista A Teoria Concepcionista é uma tendência entre os autores mais modernos. Segundo ela, a personalidade jurídica do ser humano começa com sua concepção, sendo o nascituro considerado pessoa. Aqui não há nenhuma condição suspensiva, apenas ressalvas a alguns direitos. Essa corrente de pensamento é seguida pelos códigos de países como Argentina, México, Paraguai, Áustria e Peru. (PIRES, 2011, p. 1) Tal corrente é igualmente adotada por vários doutrinadores brasileiros, como Diniz (1993), Chinelato (2000) e Gagliano (2009). Sob a perspectiva dos adeptos a essa tese, o nascituro é considerado sujeito de direitos, entretanto ele adquire titularidade apenas dos direitos da personalidade, sendo que os direitos de ordem patrimonial ficam ressalvados. Neste sentido Diniz aduz que tem o nascituro personalidade jurídica formal, no que se refere aos direitos personalíssimos, passando a ter personalidade jurídica material, adquirindo os direitos patrimoniais, somente, quando do nascimento com vida. Portanto, se nascer com vida, adquire personalidade jurídica material, mas, se tal não ocorrer, nenhum direito patrimonial terá (1994, p. 205). Ainda, não se pode deixar de citar Almeida (2000, p. 160), defensora da tese concepcionista que afirma que juridicamente, entram em perplexidade total aqueles que tentam afirmar a impossibilidade de atribuir capacidade ao nascituro ‘por este não ser pessoa’. A legislação de todos os povos civilizados é a primeira a desmenti- lo. Não há nação que se preze (até a China) onde não se reconheça a necessidade de proteger os direitos do nascituro (Código Chinês, artigo 1º). Ora, quem diz direitos, afirma capacidade. Quem afirma capacidade, reconhece personalidade. Atualmente, com o avanço da medicina no que diz respeito a embriões e à genética, bem como nos estudos referentes aos direitos fundamentais das pessoas, verifica-se um aumento na aceitação da Teoria Concepcionista pelos doutrinadores como sendo a mais adequada, haja vista que é a corrente que mais dá proteção aos direitos do nascituro. 3 ALIMENTOS 3.1 CONCEITO Em uma conotação vulgar, o termo “alimentos” pode ser entendido como tudo aquilo que é necessário para a subsistência do ser humano. O Código Civil de 2002, em seu capítulo específico sobre o tema5, não se preocupou em definir o que se entende por alimentos. Entretanto, analisando o referido dispositivo legal podemos concluir que, na linguagem jurídica, alimentos significam mais do que o sentido comum, compreendendo, além da alimentação, o que for necessário para moradia, vestuário, assistência médica e lazer, bem como para prover as necessidades da vida. Restou aos doutrinadores pátrios uma tentativa conceitual desse termo tão complexo. Bevilácqua (1905, citado por CAHALI, 2006, p. 16) define que, a “palavra alimentos tem, em direito, uma acepção técnica, de mais larga extensão do que na linguagem comum, pois compreende tudo o que é necessário à vida: sustento, habitação, roupas e tratamento de moléstias.”. Da mesma forma pensam os demais autores que escrevem sobre o tema. Porto afirma que “devemos considerar não só os alimentos necessários para o sustento, mas também os demais meios indispensáveis para as necessidades da vida no contexto social de cada um.” (1993, p. 11). A doutrina é clara ao afirmar que o termo alimentos, no âmbito do direito, engloba muito mais do que apenas a alimentação necessária para sobrevivência. Louzada (2008, p. 1 e 2) assevera que 5 Código Civil de 2002, Parte Especial, Livro IV, Título II, Subtítulo III. Arts. 1694 a 1710. alimentos, em sua acepção jurídico legal, podem significar não só o montante indispensável à sobrevivência do alimentando, mas também o valor que importa na mantença de seu padrão de vida, subsidiando inclusive seu lazer. Diante do exposto, restou claro que a doutrina é pacífica quanto à conceituação da palavra “alimentos” em seu significado jurídico: não diz respeito apenas ao “que serve à subsistência animal”, como afirma Miranda (citado por CAHALI, 2006, p. 15), mas engloba o necessário para que se tenha uma vida digna, com alimentação, saúde, educação e lazer, além da necessidade da mantença do padrão de vida. No mais, a doutrina brasileira subdivide os alimentos em duas classificações: naturais e civis (ou côngruos e necessários).Ressalta-se que, tal distinção vem sendo cada vez mais utilizada pela jurisprudência pátria, como bem ensina Dias Essa distinção, agora trazida à esfera legal, de há muito era sustentada pela doutrina. De conformidade com a origem da obrigação, a jurisprudência quantificava de forma diferenciada os alimentos destinados a filhos ex cônjuges ou ex companheiros. À prole eram deferidos alimentos civis, assegurando compatibilidade com a condição social do alimentante, concedendo aos filhos a mesma condição de vida dos pais. Os consortes e companheiros percebiam alimentos naturais: o indispensável à sobrevivência com dignidade (2009, p. 460). Ante o exposto, conceitua-se os alimentos naturais (côngruos) conmo os que são os indispensáveis à subsistência, como alimentação, moradia, saúde, educação, entre outros. Já os alimentos civis (necessários) são aqueles destinados a manter a qualidade de vida do alimentante. 3.2 FONTES DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR Os alimentos podem ter diferentes origens. A doutrina classificou as fontes da obrigação alimentar em algumas espécies distintas, quais sejam: decorrentes da vontade das partes; do parentesco; do poder familiar; do casamento ou da união estável; e da prática de ato ilícito (LEITE, 2005, p. 387). Quando decorridos em virtude da vontade das partes, os alimentos materializam-se em casos de separação amigável. Nesse caso, um dos cônjuges se compromete a prestar alimentos ao outro por vontade própria. No mais, também pode ser instituída em testamento, nos termos do artigo 1920 do Código Civil6. Alimentos derivados da vontade das partes são regulados pelo Direito das Obrigações ou pelo Direito das Sucessões. Já os alimentos que provém de relação de parentesco são impostos por lei e estão previstos no artigo 1694 do Código Civil7. Os pais, em decorrência do poder familiar, têm o encargo de sustentar os filhos. O artigo 229 da Constituição Federal8 estabelece que é dever dos pais sustentar os filhos menores. No mais, o referido dispositivo também impõe que é dever dos filhos maiores amparar os pais na velhice. Vale ressaltar que quando se trata de alimentos entre parentes de linha reta, essa obrigação se estende infinitamente. Já na linha colateral é válida até o quarto grau de parentesco. Essa obrigação está inserida no Direito das Famílias. Da mesma forma, os alimentos provenientes do casamento ou da união estável são regulados pelo direito familiar. Estão previstos no artigo 1694 do Código 6 Art. 1920 O legado de alimentos abrange o sustento, a cura o vestuário e a casa, enquanto o legatário viver, além da educação, se ele for menor (BRASIL, 2011, p.132). 7 Art. 1694 Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitam para viver de modo compatível com sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação (BRASIL, 2011, p. 117). 8 Art. 229 Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade (BRASIL, 2011, p. 89). Civil9 e basta que, após o rompimento do vínculo, um dos cônjuges ou companheiros “não consiga prover a própria subsistência e o outro tenha condições de lhe prestar auxílio.” (DIAS, 2009, p. 459). Por fim, a obrigação dos alimentos originários da prática de ato ilícito ocorre quando o causador de um dano fica obrigado a repará-lo mediante o pagamento de uma indenização, no caso, a pensão alimentícia. Nessa hipótese a obrigação decorre da responsabilidade civil do devedor, como exposto no artigo 948, II do Código Civil10. Estão inseridos no Direito Obrigacional. 3.3 CARACTERÍSTICAS DA OBRIGAÇÃO ALIMENTAR Muitas são as características da obrigação alimentar elencadas pela doutrina. Cada autor tem uma opinião sobre o assunto, e em suas obras explicita as que considera mais importantes. Neste capítulo é demonstrado uma junção de vários doutrinadores, explicando as características mais relevantes no que tange ao tema alimentos. 3.3.1 Direito Personalíssimo Considerando que a finalidade dos alimentos é preservar a vida e assegurar a subsistência e o sustento de quem não o dispõe por seus próprios meios, a doutrina é pacífica em afirmar o caráter personalíssimo da obrigação alimentar. 9 Art. 1694 Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitam para viver de modo compatível com sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação (BRASIL, 2011, p. 117). 10 Art. 948 No caso de homicídio, a indenização consiste, sem excluir outras reparações: [...)]II – na prestação de alimentos ás pessoas a quem o morto os devia, levando-se em conta a duração provável da vida humana (BRASIL, 2011, p. 57). Segundo Cahali, os alimentos representam “um direito inato tendente a assegurar a subsistência e integridade física do ser humano.” (2006. p. 45). Ainda, significa dizer que os alimentos só podem ser requeridos em nome da pessoa que deles precise, não podendo ter sua titularidade transferida, bem como não podendo ser objeto de cessão ou compensação de crédito. 3.3.2 Solidariedade Diante do silêncio da lei, no que diz respeito à natureza da obrigação alimentar, doutrina e jurisprudência pacificaram o entendimento de que o dever de prestar alimentos não era solidário, haja vista que a solidariedade não se presume, tem que ser prevista em lei. Entretanto, isso sempre gera controvérsia. Cahali (2006, p. 118) afirma que, “a obrigação alimentar não é solidária”. Porém, Dias (2009, p. 461 e 462) em seu Manual de Direito das Famílias assevera que, após a afirmação do Estatuto do Idoso (Art. 12 da Lei n.º 10.741 de 01 de outubro de 2003) de que “a obrigação alimentar é solidária, podendo o idoso optar entre os prestadores”, faz-se claro que o legislador define a natureza do encargo alimentar, em favor de quem merece especial atenção do Estado. Nesse ponto, a autora equipara crianças e adolescentes aos idosos e aduz que, deve se reconhecer a solidariedade também em favor dos mesmos, tendo em vista que, assim como os idosos, menores de idade não têm meios de prover sua própria subsistência, bem como também são alvo de proteção integral 3.3.3 Reciprocidade O dever de prestar alimentos é recíproco entre cônjuges, companheiros e parentes. Tal característica está prevista nos artigos 1694 e 169611 do Código Civil. Dias explica que “é mútuo o dever de assistência, a depender das necessidades de um e das possibilidades do outro.” (2009, p. 462). Entretanto, isso não significa que duas pessoas devam alimentos entre si ao mesmo tempo, mas sim que o credor de hoje pode ser o devedor do futuro, dependendo de suas condições. Ainda segundo Dias, enquanto os alimentos são decorrentes do poder familiar não há que se falar em reciprocidade, todavia, quando os filhos completam a maioridade a obrigação alimentar torna-se recíproca em decorrência do vínculo de parentesco (2009, p. 462 e 463). Assim, os pais que, na velhice ou enfermidade, necessitem de ajuda, poderão solicitar que os filhos maiores lhe paguem alimentos. Ainda que a obrigação alimentar seja baseada no dever de solidariedade, um pai que deixou de cumprir sua obrigação para com os filhos não pode invocar a reciprocidade para pedir alimentos aos mesmos quando estes atingirem a maioridade (DIAS, 2009, p. 463). Essa é uma questão lógica. Um pai que deixa seu filho menor desamparado nãopode ter o direito de exigir que esse filho lhe pague alimentos, haja vista que não cumpriu com sua obrigação quando deveria. 11 Art. 1696 O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outro (BRASIL, 2011, p. 117). 3.3.4 Inalienabilidade Dizer que os alimentos são inalienáveis quer dizer que, os mesmos não podem ser transacionados. Todavia, quando se fala em alimentos pretéritos, as transações são lícitas, e ainda assim, quando há interesse de menor, a transação deve ser homologada pelo judiciário com prévia manifestação do Ministério Público. Diante disso, para Porto, “quando se afirma que os alimentos são inalienáveis se está a afirmar que o direito a alimentos é que não pode ser transacionado [...]” (1993, p. 19). Em outras palavras, dizer que a inalienabilidade é uma característica dos alimentos, quer dizer que não se pode transacionar o direito a eles, mas, em se tratando de prestações anteriores, nada impede que haja um acordo entre as partes para que a dívida seja quitada, desde que homologado pelo magistrado e com prévio parecer do Ministério Público. 3.3.5 Impenhorabilidade O artigo 170712 do Código Civil é claro ao estabelecer que os alimentos não podem ser penhorados. Cahali sustenta que Tratando-se de direito personalíssimo, destinado o respectivo crédito à subsistência da pessoa alimentada, que não dispõe de recursos para viver, nem pode prover às suas necessidades pelo próprio trabalho, não se compreende possam ser as prestações alimentícias penhoradas; inadmissível, assim, que qualquer credor do alimentando possa privá-lo do que é estritamente necessário à sua subsistência (2006, p. 84 e 85). 12 Art. 1707 Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora (BRASIL, 2011, p. 118). Evidente que, diante do caráter personalíssimo, a penhorabilidade dos alimentos é proibida, haja vista que o alimentado dele depende para sua sobrevivência com dignidade. 3.3.6 Irrepetibilidade Os valores pagos a título de alimentos não podem ser restituídos. Isso ocorre, porque a verba alimentar destina-se a assegurar a sobrevivência do alimentado. Trata-se de uma das características mais evidentes do tema alimentos. Aqui, mais uma vez o legislador não se preocupou em inseri-la na lei, a doutrina e a jurisprudência consolidaram esse entendimento. Entretanto, nada impede que as partes possam ingressar com uma ação de revisão ou exoneração de alimentos. A Revisão de Alimentos tem o fim de aumentar ou diminuir o valor da prestação alimentícia, conforme as necessidades do alimentado e a possibilidade do alimentante, que podem mudar com o tempo. Já a exoneração de alimentos pode ser intentada com o fim de desobrigar o alimentante da obrigação do dever alimentar. Dias (2009, p. 464) ressalta que os efeitos da exclusão ou da alteração dos valores da obrigação alimentar, não possuem efeito retroativo, o que acontece para desestimular o inadimplemento. Atualmente, a doutrina e a jurisprudência vêm admitindo a relatividade da restituição nos casos em que a má fé é comprovada. Isso quer dizer que, comprovada a má fé do alimentado ou a postura maliciosa do credor, este pode ser obrigado a devolver os valores que recebeu a título de alimentos. Caso contrário, essa regra daria ensejo ao enriquecimento ilícito, o que seria inadmissível (DIAS, 2009, p. 464). Diante do exposto restou claro que, diante da irrepetibilidade, os valores que foram pagos a título de alimentos não poderão ser devolvidos ao alimentante, a não ser que seja comprovada a má fé do alimentado. 3.3.7 Alternatividade A característica da alternatividade está prevista no artigo 170113 do Código Civil, dispositivo este que corresponde ao artigo 403 do revogado Código. Com isso, observa-se que a obrigação alimentar pode ser cumprida com uma pensão em dinheiro (em pecúnia) ou, o alimentando pode receber e manter o alimentado em sua casa, sem prejuízo do direito à educação (in natura). . Caso as circunstâncias exigirem, o parágrafo primeiro do artigo 1701 estabelece que caberá ao juiz estipular a maneira de cumprimento da obrigação. Entretanto, o artigo 25 da Lei n.º 5478 de 25 de julho de 1968 (Lei de Alimentos)14 condicionou essa escolha à anuência do alimentado capaz (CAHALI, 2006, p. 111). Assim, se o alimentado for maior de idade, caberá ao mesmo decidir se quer que a prestação alimentícia seja paga em pecúnia ou in natura. 13 Art. 1701 A pessoa obrigada a suprir alimentos poderá pensionar o alimentando, ou dar-lhe hospedagem e sustento, sem prejuízo do dever de prestar o necessário a sua educação, quando menor. Parágrafo único Compete ao juiz, se as circunstâncias o exigirem, fixar a forma do cumprimento da prestação (BRASIL, 2011, p. 117). 14 Art. 25 A prestação não pecuniária estabelecida no artigo 403 do Código Civil, só pode ser autorizada pelo juiz se a ela anuir o alimentado capaz (BRASIL, 2011, p. 4). 3.3.8 Transmissibilidade Diferentemente do antigo Código Civil (1916), que se manifestava sobre a intransmissibilidade da obrigação alimentar, o Código de 2002 inovou e, em seu artigo 170015, estabelece que a obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor. Desta forma, Louzada lembra que O que se transmite é a obrigação alimentar e não o dever de prestar alimentos. Assim, para que haja essa transmissibilidade, reiteramos, necessário que anteriormente a morte do de cujus, já exista a obrigação alimentar fixada judicialmente (2008, p. 20). Entretanto, no tocante à essa característica há uma divergência doutrinária. Dias afirma que “não é necessário que o encargo tenha sido imposto judicialmente antes do falecimento do alimentante. A ação de alimentos pode ser proposta depois da morte do alimentante.” (2009, p. 465). Ademais, apesar de a lei falar em transmissão aos herdeiros, a obrigação é transmitida ao espólio. 3.3.9 Irrenunciabilidade Por tratar-se de direito inerente à personalidade, tutelado pelo Estado com normas de ordem pública, o direito a alimentos é irrenunciável. O artigo 170716 do Código Civil (correspondente ao artigo 404 do revogado Código Civil) é claro ao 15 Art. 1700 A obrigação de prestar alimentos transmite-se aos herdeiros do devedor, na forma do artigo 1694 (BRASIL, 2011, p. 117). 16 Art. 1707 Pode o credor não exercer, porém lhe é vedado renunciar o direito a alimentos, sendo o respectivo crédito insuscetível de cessão, compensação ou penhora (BRASIL, 2011, p.118). estabelecer que é vedado ao credor renunciar aos alimentos, entretanto pode o mesmo não exerce-lo. Leite explica que o credor pode dispensar os alimentos, por deles não necessitar, mas não pode renunciar o direito a alimentos. É o direito a alimentos futuros que é irrenunciável, já que ninguém pode prever o futuro e as eventuais necessidades de ordem econômica (2005, p. 386). Parte da doutrina entendia que, a característica da irrenunciabilidade exposta no artigo 1707 se referia apenas aos alimentos decorrentes do parentesco. Com isso a súmula 37917 do STF (Supremo Tribunal Federal) tentou por fim às divergências doutrinárias. Entretanto,Veloso (2003, citado por LEITE, 2005, p. 386 e 387) afirma que os Tribunais vêm aceitando e admitindo a validade da renúncia entre cônjuges e companheiros, sem direito a exigi-los posteriormente. Assim, no entendimento do autor supracitado, se os cônjuges ou companheiros renunciarem aos alimentos em um acordo de divórcio, por exemplo, não poderão exigi-los posteriormente. 3.3.10 Periodicidade A tendência do encargo alimentar é a de que, o mesmo se estenda no tempo, por isso é tão importante que seja estabelecida a periodicidade para seu adimplemento. Essa tendência parte do fato de que, a maioria das pessoas recebe seus salários mensalmente. Entretanto, para o cumprimento da obrigação alimentar, pode ser estabelecido outro lapso temporal, que deve ser acordado entre as partes, conforme suas necessidades e convenções. 17 STF Súmula 379 No acordo de desquite não se admite renúncia aos alimentos, que poderão ser pleiteados ulteriormente, verificados os pressupostos legais (BRASIL, 2011, p. 15). 3.3.11 Anterioridade Os alimentos devem ser pagos com antecedência, já que possuem o objetivo de garantir a subsistência do alimentado. Sendo assim, a partir do dia em que são fixados, já são devidos. O devedor deve ser intimado a pagar imediatamente o que deve, não sendo razoável que o alimentado tenha que esperar 30 dias para receber os alimentos. Dias lembra que essa regra está prevista no legado de alimentos, parágrafo único do artigo 192818 do Código Civil, que reza que as prestações alimentícias devem ser pagas no começo de cada período. Não seria, portanto, justificável que essa regra não fosse aplicada em qualquer obrigação alimentar, já que o caráter dos alimentos é o mesmo, qualquer que seja sua fonte (2009, p. 468). Diante do exposto, claro está que a pensão alimentícia deve ter seu vencimento antecipado, haja vista que o alimentado dela depende para sua subsistência. 3.3.12 Atualidade A característica da atualidade está prevista no artigo 171019 do Código Civil de 2002. Segundo tal dispositivo as prestações alimentícias, de qualquer natureza, devem ser atualizadas segundo índice oficial. Para ajustamento do valor dos alimentos podem ser utilizados índices como o IGP-M (Índice Gral de Preços do 18 Art. 1928 Sendo periódicas as prestações, só no termo de cada período se poderão exigir. Parágrafo único Se as prestações forem deixadas a título de alimentos, pagar-se-ão no começo de cada período, sempre que outra coisa não tenha disposto o testador (BRASIL, 2011, p. 132). 19 Art. 1710 As prestações alimentícias, de qualquer natureza, serão atualizadas segundo índice oficial regularmente estabelecido (BRASIL, 2011, p. 118). Mercado), o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor), bem como o salário mínimo. Segundo Dias (2009, p. 469) isso ocorre em virtude do princípio da proporcionalidade. Também não seria razoável que os efeitos da inflação prejudicassem seu valor, já que o encargo alimentar é de trato sucessivo. 3.4 OS ALIMENTOS DECORRENTES DO PODER FAMILIAR E A RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA DOS AVÓS Como visto anteriormente, a obrigação alimentar pode decorrer por vontade das partes; pela prática de ato ilícito; da união estável ou casamento; bem como da relação de parentesco e do poder familiar. Entretanto, para a continuidade do presente trabalho será dado um maior enfoque ao dever de prestar alimentos oriundo do poder familiar, bem como originário da simples relação de parentesco em linha reta. 3.4.1 Do Poder Familiar Com vista a essa hipótese, tem-se que a obrigação alimentar tem a sua causa no poder familiar, o que implica na afirmação de que os genitores, de forma conjunta, têm o dever de sustentar os filhos provendo-lhes a subsistência material e moral. Nesse sentido, Yussef Cahali diz que Incumbe aos genitores – a cada qual e a ambos conjuntamente – sustentar os filhos, provendo-lhes a subsistência material e moral, fornecendo-lhes alimentação, vestuário, abrigo, medicamentos, educação, enfim, tudo aquilo que se faça necessário à manutenção e sobrevivência dos mesmos (2009, p. 345). Villela, afirma que o “pai não deve alimentos ao filho menor. Deve sustento. Esta é a expressão correta e justa que o Código Civil empregou quando especificou os deveres básicos dos pais em relação aos seus filhos [...]” (2005, p. 142). O artigo 229 da Constituição Federal20 assevera que os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores. Ademais, os artigos 1634 do Código Civil21 e 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente22 (Lei 8069 de 13 de julho de 1990) reafirmam essa ideia e mostram que, em virtude do poder familiar, os pais têm a obrigação de sustento, guarda e educação dos filhos. Segundo Dias, há uma considerável diferença entre dever de sustento e alimentos. A referida autora explica que o dever de sustento é uma obrigação de fazer, enquanto que a obrigação de prestar alimentos é uma obrigação de dar. O dever de prestar alimentos ocorre quando pai e filho deixam de conviver sob o mesmo teto, e não sendo o genitor seu guardião, passa a dever-lhe alimentos, representada pela prestação de certo valor em dinheiro (2009, p. 522). Enquanto o filho estiver sob o poder familiar, os pais têm o dever de sustento do mesmo. Em que pese, conforme artigo 5º do Código Civil23, a capacidade civil comece aos 18 anos, cessando, assim, o poder familiar, o encargo alimentar não é extinto automaticamente. 20 Art. 229 Os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, e os filhos maiores têm o dever de ajudar e amparar os pais na velhice, carência ou enfermidade (BRASIL, 2011, p. 89). 21 Art. 1634 Compete aos pais, quanto à pessoa dos filhos menores: I – dirigir-lhes a criação e educação; II – tê-los em sua companhia e guarda; [...] (BRASIL, 2011, p. 112). 22 Art. 22 Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores, cabendo- lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as determinações judiciais (BRASIL, 2011, p. 4). 23 Art. 5º A menoridade cessa aos dezoito anos completos, quando a pessoa fica habilitada à prática de todos os atos da vida civil (BRASIL, 2011, p. 1). A Súmula 358 do STJ cuidou da matéria. Para que haja a extinção do dever alimentar há a necessidade de que seja proposta uma ação de exoneração de alimentos. Ademais, atualmente, a jurisprudência vem aceitando que a obrigação alimentar seja estendida até que o alimentado conclua o ensino superior. 3.4.2 A Responsabilidade Subsidiária dos Avós Como visto anteriormente o dever alimentar pode decorrer, além de outras hipóteses, da simples relação de parentesco. Esta diz respeito à obrigação alimentar prevista no artigo 1696 do Código Civil24, a qual se estende a todos os ascendentes e se subordina à verificação do estado de penúria do necessitado e da capacidade econômica do prestante. Conforme o artigo 1698 do Código Civil25, se o parente que deve alimentos em primeiro grau não tiver condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os parentes de grau imediato. Sendo assim, os primeiros obrigados ao dever alimentar são os pais, em virtude do poder familiar. Entretanto, na ausência de condições de ambos, transmite-se o encargo aos ascendentes de grau mais próximo, ou seja, aos avós (DIAS, 2009, p. 538). Louzada lembra que primeiramente a demandade alimentos deve ser proposta contra o genitor que não detém a guarda do filho, e, somente depois de 24 Art. 1696 O direito à prestação de alimentos é recíproco entre pais e filhos, e extensivo a todos os ascendentes, recaindo a obrigação nos mais próximos em grau, uns em falta de outros (BRASIL, 2011, p. 117). 25 Art. 1698 Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide (BRASIL, 2011, p. 117). comprovado que o mesmo não possui condição nenhuma de arcar com o encargo alimentar é que deve ser intentada a demanda em desfavor dos avós. (2008, p. 13). Segundo Dias (2009, p. 529), “o reiterado inadimplemento do genitor autoriza a propositura de ação de alimentos contra os avós, mas não a cobrança do débito alimentar contra eles.” Ou seja, não cabe intentar execução dos alimentos não pagos pelo genitor em face dos avós. Ainda, segundo referida autora, ressalta-se que, apesar da necessidade de comprovação de que o parente mais próximo não tem condições de suportar o encargo alimentar, nada impede a propositura de ação concomitante contra o pai e o avô, constituindo-se me um litisconsórcio passivo facultativo. Assim fica atendido o princípio da economia processual, e evidenciada a impossibilidade do genitor, será reconhecida a responsabilidade dos avós em arcar com a obrigação alimentar (2009, p. 529). No mais, há outro entendimento jurisprudencial no que diz respeito ao assunto. Há o entendimento de que, em caso de separação dos pais, a ação contra os avós só será admitida se ficar comprovado que ambos os genitores não possuem condições de prover o sustento de seus filhos. Louzada exemplifica que caso a mãe seja uma promissora profissional, possuindo condições de arcar com as despesas de sua prole, e, estando o pai desempregado, os netos não poderiam pedir alimentos aos avós, já que a genitora teria condições de suportar todo o encargo sozinha (2008, p. 14 e 15). Como bem disse Dias, equivocada está essa interpretação, já que livra a responsabilidade dos avós, incentiva o inadimplemento do pai e, além de tudo, pune o genitor que detém a guarda do filho por desempenhar atividade profissional de sucesso (2009, p. 529). Resta claro, no entanto, que o entendimento mais correto é o de que a responsabilidade dos avós é subsidiária a dos genitores. Assim, comprovado que ambos os pais não possuem condições de prover o sustento da prole, os avós poderão ser chamados judicialmente para arcar com a obrigação alimentar, sendo observado seu poder econômico. 3.5 O BINÔMIO NECESSIDADE/POSSIBILIDADE Segundo a regra estabelecida no parágrafo 1º do artigo 169426 do Código Civil, para a fixação do valor da pensão alimentícia devem ser observados dois requisitos, quais sejam: a necessidade do alimentado e os recursos da pessoa obrigada à prestação do dever alimentar. Observa-se então que, para ser fixado o valor da pensão alimentícia, deve ser respeitada certa proporcionalidade. Nesse sentido Pimentel afirma que, Tal proporção visa a, de um lado, assegurar ao credor necessitado, o suficiente para suprir suas reais necessidades e de outro, não comprometer o alimentante com o pagamento de uma pensão superior as forças de sua fortuna, exigindo-lhe um sacrifício superior àquele que o devedor poderia suportar, sem o comprometimento do efetivamente necessário à sua própria mantença (2003, p. 33). Entretanto, tal regra é maleável, como bem explica Cahali, afirmando que “a regra da proporção é maleável e circunstancial, esquivando-se o Código, acertadamente, em estabelecer-lhe os respectivos percentuais, pois afinal se resolve em juízo de fato ou valorativo o julgado que fixa a pensão.” (2006, p. 517). 26 Art. 1694 Podem os parentes, os cônjuges ou companheiros pedir uns aos outros os alimentos de que necessitem para viver de modo compatível com a sua condição social, inclusive para atender às necessidades de sua educação. § 1º Os alimentos devem ser fixados na proporção das necessidades do reclamante e dos recursos da pessoa obrigada (BRASIL, 2011, p. 117). Depende, então, das circunstâncias da situação fática para que seja fixado o valor da pensão alimentícia. Rodrigues (1978, citado por CAHALI, p. 44) assinalou que não significa que, considerando essas duas grandeza (necessidade e possibilidade), se deva inexoravelmente tirar uma resultante aritmética, como, por exemplo, fixando sempre os alimentos em um terço ou em dois quintos dos ganhos do alimentante. Tais ganhos, bem como as necessidades do alimentado, são parâmetros onde se inspirará o Juiz para fixar a pensão alimentícia. O legislador quis deliberadamente ser vago, fixado apenas um standard jurídico, abrindo ao Juiz um extenso campo de ação, capaz de possibilitar-lhe o enquadramento dos mais variados casos (2006, p. 517). Assim, verifica-se que, considerando a necessidade do alimentado, bem como a possibilidade do alimentante, o legislador deixou a critério do juiz o valor a ser estipulado a título de alimentos. 4 ALIMENTOS GRAVÍDICOS 4.1 BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE A LEI 11.804/2008 Nos moldes do artigo 2º da Lei 5.478, de 25 de julho de 196827 (Lei de Alimentos), era necessário que se provasse o vínculo de parentesco para a concessão de alimentos, deixando assim uma lacuna no ordenamento jurídico quando se tratava de alimentos para o nascituro, que ficava desamparado. A idéia difundida pela doutrina e jurisprudência, baseada no artigo 2º do Código Civil de 200228, era a de que os alimentos só poderiam ser pleiteados se o nascituro nascesse com vida, representado por sua genitora, momento em que adquiria a personalidade civil. Pensamento esse baseado na Teoria Natalista, já visto anteriormente. Diante disso, a mulher grávida ficava impossibilitada de pleitear os alimentos em favor do filho. Entretanto, em 5 de novembro de 2008 foi promulgada a Lei 11.804, chamada de Lei de Alimentos Gravídicos, que legitimou a gestante para pleitear os alimentos em nome do nascituro. A referida norma tem alguns pontos controvertidos. O primeiro deles é a questão de que, para serem deferidos os alimentos gravídicos, são necessários apenas indícios de paternidade, ou seja, é preciso que seja comprovado apenas o relacionamento do casal por ocasião da concepção. 27 Art. 2º O credor, pessoalmente, ou por intermédio de advogado, dirigir-se-á ao juiz competente, qualificando-se, e exporá suas necessidades, provando, apenas, o parentesco ou a obrigação de alimentar do devedor, indicando seu nome e sobrenome, residência ou local de trabalho, profissão e naturalidade, quanto ganha aproximadamente ou os recursos de que dispõe. (BRASIL, 2011, p. 1). 28 Art. 2º A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro. (BRASIL, 2011, p. 1). Outro ponto controvertido é a questão da negativa de paternidade e da devolução do valor pago a título de alimentos pelo suposto pai. Sabe-se que em se tratando de alimentos, existe o princípio da irrepetibilidade, ou seja,os alimentos, quer sejam provisórios, quer sejam definitivos, uma vez fixados judicialmente não são restituíveis. Com isso, a princípio não haveria como ocorrer à devolução da quantia paga pelo suposto pai, entretanto, caso seja comprovada judicialmente a má fé por parte da genitora, vem sendo admitido pela doutrina o ressarcimento dos valores pagos a título de alimentos gravídicos pelo suposto pai através de indenização por danos morais e materiais. Igualmente vale ressaltar que, dos 12 artigos que compunham a Lei, 06 deles foram vetados. O IBDFAM (Instituto Brasileiro do Direito de Família) teve grande importância nesse contexto, haja vista que sugeriu a retirada dos referidos artigos, visando dar proteção e seguridade à gestante e ao feto. 4.2 CONCEITO Os alimentos gravídicos são aqueles destinados a cobrir as despesas do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto. É o que assevera o artigo 2º da Lei 11.804 de 200829. Lomeu conceituou os alimentos gravídicos como 29 Art. 2º Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes. (BRASIL, 2011, p. 1). aqueles devidos ao nascituro, e, percebidos pela gestante, ao longo da gravidez, sintetizando, tais alimentos abrangem os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes (2011, p. 1). Verifica-se que o autor supracitado usou o próprio texto da Lei 11.804 (artigo 2º) para conceituar os alimentos gravídicos. Louzada afirma que “alimentos gravídicos referem-se a despesas que deverão ser custeadas pelo futuro pai, considerando-se também a contribuição a ser dada pela mulher grávida.” (2008, s/p). Cabe então ao futuro (ou suposto) pai ajudar a gestante a arcar com os custos da gravidez, bem como contribuir para que a mesma tenha uma gestação saudável. Entretanto, as despesas recorrentes do estado gestacional devem ser divididas entre mãe e futuro pai, na proporção dos recursos de ambos. É o que diz o parágrafo único30 do artigo 2º da Lei 11.804. Para Lima “os alimentos gravídicos são aqueles necessários à gestação do nascituro e são fixados conforme os recursos da gestante e do suposto pai.” (2011, p. 2). Fica claro, portanto, que a própria legislação se encarregou de conceituar o que se entende por alimentos gravídicos. Ou seja, são os alimentos destinados à gestante, para que esta tenha um período de gravidez saudável. 30 Art. 2º Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes. Parágrafo único Os alimentos de que trata este artigo referem-se á parte das despesas que deverá ser custeada pelo futuro pai, considerando-se a contribuição que também deverá ser dada pela mulher grávida, na proporção dos recursos de ambos. (BRASIL, 2011, p. 1). Entretanto, verifica-se que o rol do artigo 2º da Lei 11.804/2008 é exemplificativo, já que o juiz pode considerar outras despesas que entender pertinentes para fixar o valor a ser pago a título de alimentos. 4.3 FINALIDADE Com a promulgação da Lei de Alimentos Gravídicos ficou claro que o instituto visa proteger a gestante e o nascituro, proporcionando a ambos os meios necessários para uma gestação sadia, bem como proporcionar ao feto um desenvolvimento saudável. Segundo Martins (2009, p. 3) o “intuito da lei é a proteção do estado gestacional, possibilitando o desenvolvimento integral do nascituro [...], intuito este louvável.”. A jurisprudência manifesta-se no mesmo sentido, senão vejamos: AGRAVO DE INSTRUMENTO - ALIMENTOS GRAVÍDICOS - FINALIDADE - COBRIR DESPESAS ADICIONAIS RELACIONADAS À GRAVIDEZ - REDUÇÃO DO QUANTUM - OBRIGAÇÃO DE AMBOS OS GENITORES - RECURSO PROVIDO.- Os chamados ALIMENTOS GRAVÍDICOS tem por finalidade "cobrir despesas adicionais do período de gravidez e que sejam delas decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes a alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes" (art. 2º da Lei n. 11.804/09). (TJMG, Agravo de Instrumento 0186691-42.2010.8.13.0000, Rel. Des. Silas Vieira, DJ 05/08/2010, Publicação 31/08/2010). Ademais, verifica-se também a preocupação do legislador em relação à paternidade responsável desde a concepção. Nesse sentido Freitas aduz que a “lei demonstrou a preocupação do ‘legislador’ sobre a paternidade responsável e sua co-participação desde a concepção.” (2009, p. 9). Diante de tais explanações fica evidente que a finalidade da Lei 11.804/2008 é proteger o nascituro e a gestante, bem como incentivar, desde a concepção, a paternidade responsável e participativa. 4.4 A LEI 11.804 DE 2008: ASPECTOS PROCESSUAIS Anteriormente à Lei de Alimentos Gravídicos era exigido que se comprovasse o vínculo de parentesco entre alimentado e alimentante. Com o advento da referida norma, basta que a gestante procure o Juízo competente, munida do exame que comprove a gravidez, bem como de documentos ou testemunhas que demonstrem que a mulher grávida e o suposto pai tiveram um relacionamento. Após o recebimento da inicial pelo juiz, o mesmo fixa os alimentos provisórios e determina a citação do requerido para apresentar resposta. Com o oferecimento da resposta, o juiz designa audiência de conciliação, instrução e julgamento. Para Louzada (2008), caso o réu, devidamente citado, não responda à demanda, poderá ser aplicada a ele presunção relativa de paternidade, entendendo que a inércia do mesmo é a concordância com a paternidade. A seguir, serão observados os demais aspectos processuais, como a legitimidade para figurar na ação de alimentos gravídicos, o foro competente, o ônus probatório, entre outros. 4.4.1. Da Propositura da Ação A ação de alimentos gravídicos deve ser proposta entre o período da concepção e do parto, haja vista que a finalidade dos alimentos gravídicos é a de que a gestante tenha uma gravidez saudável, bem como de que o feto nasça com saúde. França explica que a “Ação de Alimentos Gravídicos em todos os seus benefícios possui tempo determinado para sua propositura, pois tem que ser proposta após a concepção e antes do parto, não podendo ser ingressada após.” (2009, p. 99). Assim, deixa-se claro que não é possível a propositura da demanda após o nascimento do feto, já que isso iria descaracterizar por completoa finalidade para que se prestam os alimentos gravídicos. 4.4.2 Legitimidade Ativa Nos termos do artigo 1º da Lei 11.80431, a legitimidade para ingressar com a ação de alimentos gravídicos é da mulher gestante. Louzada aduz que a “legitimidade ativa é naturalmente da gestante, que pleiteará alimentos para si, alimentos esses que futuramente serão convertidos ao filho após seu nascimento.” (2008, s/p). Assim, a gestante deverá procurar os meios judiciais, representada por um advogado, que deverá instruir a petição inicial com o exame que comprove a 31 Art. 1º Esta Lei disciplina o direito de alimentos da mulher gestante e a forma como será exercido. (BRASIL, 2011, p. 1). gravidez, bem como, segundo Freitas (2009, citado por SANTOS, 2010, p. 7), com documento médico que determine a alimentação especial ou as demais prescrições médicas. 4.4.3 Legitimidade Passiva A ação de alimentos gravídicos deve ser proposta em face do suposto pai, é o que estabelece o parágrafo único do artigo 2º da Lei 11.804 de 200832. Entretanto, como explica França O pólo passivo da Ação de Alimentos Gravídicos é o suposto pai, aquele que na referida ação fora indicado como sendo o possível pai por conta dos indícios da paternidade ou pela paternidade presumida à luz do artigo 1597 do Código Civil. Pode também, haver o pleito em relação a outros parentes (2009, p. 103). Diante disso, verifica-se que basta que haja indícios de paternidade para que o suposto pai figure no pólo passivo da demanda. No mais, também há os casos de paternidade presumida, que estão previstos no artigo 159733 do Código Civil. Nesses casos há a presunção da paternidade do suposto pai, o que autoriza a concessão dos alimentos gravídicos em favor da gestante com uma maior segurança. 32 Art. 2º Os alimentos de que trata esta Lei compreenderão os valores suficientes para cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto, inclusive as referentes à alimentação especial, assistência médica e psicológica, exames complementares, internações, parto, medicamentos e demais prescrições preventivas e terapêuticas indispensáveis, a juízo do médico, além de outras que o juiz considere pertinentes. Parágrafo único Os alimentos de que trata este artigo referem-se á parte das despesas que deverá ser custeada pelo futuro pai, considerando-se a contribuição que também deverá ser dada pela mulher grávida, na proporção dos recursos de ambos. (BRASIL, 2011, p. 1, grifo meu). 33 Art. 1.597. Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos: I - nascidos cento e oitenta dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal; II - nascidos nos trezentos dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal, por morte, separação judicial, nulidade e anulação do casamento; [...] (BRASIL, 2011, p. 110). Por fim, caso o suposto pai não possua condições, podem também figurar no pólo passivo da ação de alimentos gravídicos os avós, haja vista o exposto no artigo 169834 do Código Civil. 4.4.4 Do Termo Inicial da Obrigação Tendo em vista que, segundo o artigo 2º da Lei 11.804, os alimentos gravídicos deverão custear as despesas advindas da gravidez, fica evidente que os mesmos são devidos desde a concepção até o parto. Ressalta-se que, o artigo 9º da Lei35 que estabelecia que os alimentos eram devidos a partir da citação do réu foi vetado. (LOUZADA, 2008). Assim, os alimentos fixados devem retroagir à data da concepção do feto, e não da citação do réu. Nesse sentido Madaleno (2011, p. 883) afirma que Os alimentos gravídicos são devidos a partir da concepção e não após a citação do réu, como chegou a ensaiar o texto vigente que neste ponto mereceu veto presidencial, para obviar manobras que evitassem a citação do devedor alimentar. Resta claro, portanto, que é pacífico o entendimento de que o termo inicial da obrigação de prestar os alimentos gravídicos é a data da concepção do feto, e não a da citação do réu. Somente dessa forma será atendido o que estabelece o 34 Art. 1.698. Se o parente, que deve alimentos em primeiro lugar, não estiver em condições de suportar totalmente o encargo, serão chamados a concorrer os de grau imediato; sendo várias as pessoas obrigadas a prestar alimentos, todas devem concorrer na proporção dos respectivos recursos, e, intentada ação contra uma delas, poderão as demais ser chamadas a integrar a lide. (BRASIL, 2011, p. 117). 35 Art. 9º Os alimentos serão devidos desde a data da citação do réu. (BRASIL, 2011, p. 2). artigo 2º da Lei 11.804 de 2008, ou seja, assim serão custeadas todas as despesas advindas da gravidez, do início ao fim. 4.4.5 Resposta do Requerido Nos termos do artigo 7º36 da Lei de Alimentos Gravídicos, o réu (suposto pai, presumido pai ou avós), a partir de sua citação, tem 05 dias para apresentar sua resposta. 4.4.6 Foro Competente O artigo 100, II do Código de Processo Civil (BRASIL, 2011, p. 10) assevera que é o do domicílio ou residência do alimentando o foro competente para se propor a ação de alimentos. Assim, por conseqüência lógica, como nas demais ações alimentícias, o foro competente para se ingressar com a demanda de alimentos gravídicos é o de domicílio do alimentado. 4.4.7 Ônus da Prova Em que pese o artigo 4º da Lei de 11.80437 tenha sido vetado, o ônus probatório na ação de alimentos gravídicos é da gestante. Essa afirmação é 36 Art. 7º. O réu será citado para apresentar resposta em 05 dias. (BRASIL, 2011, p. 1). 37 Art. 4º Na petição inicial, necessariamente instruída com laudo médico que ateste a gravidez e sua viabilidade, a parte autora indicará as circunstâncias em que a concepção ocorreu e as provas de que dispõe para provas o alegado, apontando, ainda, o suposto pai sua qualificação e quanto ganha aproximadamente ou os recursos de que dispõe, e exporá suas necessidades. (BRASIL, 2011, p. 1). baseada não só na Lei citada, mas também no artigo 333, I do Código de Processo Civil, que estabelece que o “ônus da prova incumbe: I – ao autor, quanto ao fato constitutivo de seu direito.” (BRASIL, 2011, p. 36). França afirma que Embora não esteja em vigor o artigo 4º, se encontram patente as exigências deste artigo, com exceção do atestado de viabilidade, pois os requisitos de indicação das circunstâncias em que “a concepção ocorreu, as provas do alegado, indicação do suposto pai, sua qualificação, quanto ganha aproximadamente, os recursos de que dispõe e a exposição das necessidades da autora”, são condições mínimas para propor e fundar a Ação de Alimentos Gravídicos e obter a concessão desta tutela (2009, p. 128 e 129). Assim, deve a gestante juntar à exordial o exame que comprove seu estado gestacional e indicar o suposto pai, bem como anexar provas que comprovem o relacionamento que teve com o mesmo. Ademais, para que o magistrado possa fixar o quantum da pensão alimentícia, deve à mulher grávida expor suas necessidades, além dos recursos de que dispõe. Segundo Freitas, quando não há uma paternidade presumida por lei, deve à gestante juntar aos autos a descrição de qual tipo de relação tinha com o suposto pai e as provas de tal, como cartões, mensagens de celular ou recados ou fotos de redes sociais. (2009, p. 129 e 130). Louzada (2008) afirma que, como o juiz, mesmo com tais documentos, não terá certezade que o alimentante é o pai do nascituro, pode também a gestante juntar aos autos declarações de pessoas que tenham conhecimento do relacionamento entre o alimentante e a autora. Já em relação à possibilidade de contribuir com alimentos, o ônus da prova incumbe ao alimentante, ou seja, cabe ao suposto pai comprovar que não pode contribuir com os alimentos pleiteados na inicial. Vejamos o posicionamento da jurisprudência nacional no que tange ao assunto: AGRAVO DE INSTRUMENTO. DIREITO DE FAMÍLIA. ALIMENTOS GRAVÍDICOS. ART. 6º, LEI 11.804/08. PRESENÇA DOS INDÍCIOS DE PATERNIDADE. FIXAÇÃO. BINÔMIO NECESSIDADE-POSSIBILIDADE. PROVA DA INCAPACIDADE FINANCEIRA. AUSÊNCIA. Estando presentes os indícios da alegada paternidade, em atenção ao art. 6º da Lei 11.804/2008, deve o juiz arbitrar os alimentos gravídicos devidos ao nascituro a fim de cobrir as despesas adicionais do período de gravidez e as que sejam dela decorrentes, da concepção ao parto. A fixação do valor dos alimentos deve observar o binômio necessidade- possibilidade, conforme previsto no §1º do art.1694 do Código Civil de 2002. Não tendo o agravante se desincumbido do ônus de demonstrar sua incapacidade financeira e a impossibilidade de arcar com os alimentos provisórios fixados, deve ser mantida a decisão proferida em primeira instância. (TJMG, 3ª Câmara Cível, Agravo de Instrumento 0093073- 43.2010.8.13.0000, Rel. Des. Dídimo Inocêncio de Paula, DJ 15/07/2010, Publicação 28/97/2010). Do exposto, verifica-se que à gestante cabe o ônus de levar aos autos provas de indícios de paternidade. Entretanto, cabe ao suposto pai o dever de comprovar sua possibilidade financeira. 4.4.8 Valor da Pensão Alimentícia a ser fixada Conforme estabelece o artigo 2º da Lei 11.804, o valor dos alimentos gravídicos deverá custear as despesas advindas do período de gravidez. Tal dispositivo expõe que esses valores ficam a juízo do médico, entretanto, o juiz pode considerar outras despesas que entender pertinentes para fixar o valor a ser pago a título de alimentos. No que se refere ao quantum da obrigação alimentar, Dias (2008, p. 526) explica que “o encargo não guarda proporcionalidade com os ganhos do alimentante, tal como ocorre com os alimentos devidos ao filho. Existe um limite: as despesas decorrentes da gravidez [...]”. Entretanto, o parágrafo único do artigo supracitado dispõe que tais custos deverão ser arcados não só pelo futuro pai, mas também pela mulher grávida, ambos na proporção de seus recursos. (MELLO, 2010, p. 50). Em regra, para a fixação do quantum da pensão alimentícia, o magistrado não deve levar em conta a condição social do alimentante. Isso porque os alimentos gravídicos, conforme estabelece o artigo 2º da Lei 11.804/2008, engloba apenas os valores decorrentes da gestação. É o que aduz Madaleno, afirmando que os alimentos gravídicos, de regra, não devem levar em consideração no período gestacional a condição social do alimentante. Contudo, nada obsta que estes alimentos possam ser revisados depois do nascimento, agora sim, também considerando o padrão social, econômico e financeiro do alimentante [...] (2011, p. 883). Em suma: para a fixação do valor a ser pago a título de alimentos gravídicos, o juiz deve levar em consideração as despesas advindas da gravidez, essas que deverão ser divididas entre gestante e suposto pai, na proporção de seus recursos. Após o nascimento com vida, os alimentos gravídicos serão convertidos em favor da criança, que possui legitimidade para ingressar com ação de revisão de alimentos, na qual serão considerados os critérios da necessidade do alimentado, da possibilidade do alimentante, bem como da proporcionalidade entre ambos. 4.5 OS ARTIGOS VETADOS DA LEI 11.804 DE 2008 Desde o seu projeto, a Lei de Alimentos Gravídicos sempre foi alvo de polêmicas, já que possuía alguns artigos que contradiziam os objetivos para os quais a mesma foi criada, como por exemplo, a seguridade e o auxílio à gestante e ao nascituro. O IBDFAM interveio para que o projeto fosse aprovado, e após pressionou para que vários artigos fossem vetados, visando agilizar e facilitar o pleito dos alimentos. Diante de tal pressão, dos 12 artigos que compunham a Lei, 06 deles foram vetados, visando dar proteção e seguridade à gestante e ao feto. 4.5.1 Artigo 3º O artigo 3º do Projeto de Lei de Alimentos Gravídicos assim dizia: “Aplica- se, para aferição do foro competente para o processamento e julgamento das ações de que trata esta Lei o art. 94 da Lei nº 5. 869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil.” (BRASIL, 2011, p. 1). Segundo esse dispositivo, o foro competente para propositura da ação de Alimentos Gravídicos seria o de domicílio do réu. À época da aprovação do projeto da Lei 11.804, Dias (2008, citado por ALMADA, 2008, p. 1), criticou tal artigo e afirmou que o “texto aprovado, ao invés de melhor atender à gestante, fixa a competência judicial no domicílio do suposto pai [...], forçando-a a deslocar-se para a cidade/região do suposto pai para audiências.”. Diante das pressões, o referido dispositivo foi vetado pelo então Presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, que publicou na Mensagem nº. 853 de 5 de novembro de 2008 os motivos para o veto: O dispositivo está dissociado da sistemática prevista no Código de Processo Civil, que estabelece como foro competente para a propositura da ação de alimentos o do domicílio do alimentado. O artigo em questão desconsiderou a especial condição da gestante e atribuiu a ela o ônus de ajuizar a ação de alimentos gravídicos na sede do domicílio do réu, que nenhuma condição especial vivencia, o que contraria diversos diplomas normativos que dispõem sobre a fixação da competência (BRASIL, 2011, p. 1). Nas demais ações de alimentos, que não os gravídicos, o foro competente para o ingresso da ação é o de domicílio do alimentado (Código de Processo Civil, art. 100, II38). Assim, não seria plausível que a gestante, que se encontra em uma condição especial, fosse obrigada a deslocar-se a outro local para que pudesse pleitear os alimentos. Com isso, acertadamente o artigo 3º foi vetado, e o foro competente para a propositura da ação de alimentos gravídicos passou a ser o de domicílio da alimentada (gestante), como ocorre nas demais ações de alimentos. 4.5.2 Artigo 4º Outro dispositivo do Projeto de Lei de Alimentos Gravídicos que foi vetado foi o artigo 4º da Lei. Segundo tal dispositivo, obrigatoriamente, teria que ser anexada à petição inicial um exame que comprovasse a viabilidade da gravidez. Art. 4º. Na petição inicial, necessariamente instruída com laudo médico que ateste a gravidez e sua viabilidade, a parte autora indicará as circunstâncias 38 Art. 100 É competente o foro: [...] II – do domicílio ou da residência do alimentando, para ação em que se pedem alimentos; [...] (BRASIL, 2011, p. 10) em que a concepção ocorreu e as provas de que dispõe para provar o alegado, apontando, ainda, o suposto pai, sua qualificação e quanto ganha aproximadamente ou os recursos de que dispõe, e exporá suas necessidades (BRASIL, 2011, p. 2). O veto do referido artigo se deu em virtude do laudo de viabilidade que era exigido. Nesse sentido Freitas afirma: De forma acertada, o veto se deu por conta deste laudo que dificilmente seria dado pelos médicos, pois estariam estes se vinculando a uma situação que demandaria pelo menos alguns exames para verificação de alguma doença como anencefalia,
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