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A teoria das restrições dos direitos fundamentais

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A teoria das restrições dos direitos fundamentais
Revista de Direito Constitucional e Internacional | vol. 69 | p. 86 | Out / 2009
Doutrinas Essenciais de Direitos Humanos | vol. 1 | p. 207 | Ago / 2011 | DTR\2009\577
Eduardo Ribeiro Moreira 
Doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP. Professor adjunto de Direito Constitucional da UFRJ. Professor Convidado na Universidade Castilla la Mancha. Membro do IAB, do IBDC, do IBEC e da ABDF. 
Resumo: Os direitos fundamentais há tempos vêm ocupando papel destacado no direito em todo o mundo. É sem duvida um campo em expansão e que permite comunicabilidade entre as nações pela irradiação e universalidade que os mesmos apresentam. Tal estudo, entretanto, tem sido feito de maneira a procurar a ampliação sem a devida atenção às formas de restrições dos mesmos. Somente com uma teoria bem desenhada com modalidades e limites conhecidos é que a busca da efetividade se tornará mais próxima. Conhecendo as formas de restrição, os direitos fundamentais passam a ser mais bem defendidos e delimitados. Aqui se pretende trazer todas as formas de restrição dos direitos fundamentais - pela Constituição, pelo legislador, pelo juiz, pela autoridade de poder, pela ordem internacional e até nos momentos de regimes de exceção - para que fora dessas hipóteses os direitos permaneçam resguardados.
Palavras-chave: Restrição normativa dos direitos fundamentais - Restrição dos direitos fundamentais no plano de judicial - Restrição dos direitos fundamentais no estado de emergência - Restrição dos direitos fundamentais nas situações especiais de sujeição
Abstract: For quite some time now basic rights have been at the forefront of law all over the world. It is no doubt an expanding field that affords communicability among nations by their radiating and universalizing characteristics. Such studies, however, have been conducted in a way as to seek their expansion without giving due regard to their forms of restriction. Is is only by means of a well-designed theory with modalities and known limits that the search for effectiveness can come to light. Once having acknowledged the forms of restrictions, one can better guard and demarcate basic rights. Thus, we aim at bringing forth all forms of restriction of basic rights - in the constitution, through legislators, judges, by vested authority, by international order and even in times of exceptional rule - so that outside of these hypotheses rights can be kept safeguarded.
Keywords: Normative restriction of basic rights - Restriction of basic rights on a judicial plane - Restriction of basic rights in a state of emergency - Restriction of basic rights in special subjective situations
Sumário: 
- 1. A importância de se precisar as formas de restrições dos direitos fundamentais - 2. A fundamentação das restrições dos direitos fundamentais no plano judicial - 3. Formas de restrições dos direitos fundamentais no plano normativo - 4. Restringir, limitar e delimitar direitos fundamentais - 5. Formas de restrições dos direitos fundamentais nas situações especiais de sujeição - 6. Restrição dos direitos fundamentais nas situações constitucionais de emergência - 7. Conclusão - Bibliografia
 
 
1. A importância de se precisar as formas de restrições dos direitos fundamentais
Os direitos fundamentais alcançaram tal ponto de expansão que a Teoria do Direito foi (re)pensada a partir de sua centralidade e o direito constitucional, a partir da defesa dos mesmos, legitimou seu próprio discurso de supremacia na construção dos direitos fundamentais. Hoje a matéria jusfundamental conta, mais do que nunca, com muitas ferramentas: metodologias, regras e princípios orientados por sua proteção. É nesse sentido que desenvolvemos uma teoria das restrições dos direitos fundamentais, pois sem tal ponto de equilíbrio ficam eles a mercê de adaptações e limitações de momento - quando e em que medida podem ser restringidos -, muitas das quais de constitucionalidade duvidosa. A importância de se precisar todos os momentos e situações possíveis em que os direitos fundamentais podem sofrer restrições é identificar as situações excepcionais, para que de todo o resto do tempo eles possam ficar mais protegidos.
A classificação dos direitos fundamentais já nos dá uma pista. Ao contrário do que os antigos livros diziam os direitos fundamentais não são absolutos - nem pela quantidade, nem por suporte fático poderiam sê-lo. Em uma classificação atualizada dos direitos fundamentais eles são apontados como relativizáveis, pois passíveis de conflito entre si no plano concreto (em outra palavra: ponderáveis), abertos e irradiantes. Senão vejamos; como normas a serem preenchíveis argumentativamente e justificadamente pelo intérprete funcionam com abertura e projetam-se em todos os campos do direito (em uma definição são irradiantes), indistintamente1 e sem necessidade de que o legislador aponte o caminho ou os regulamente (daí a aplicação direta). Ora, normas de potencialidade e alcance tão vasto são relativas - e não absolutas - justamente porque encontram situações padrão (exemplo: no exército) ou situações excepcionais (exemplo: no estado de sítio) em que muitos dos direitos em análise são restringidos. Isso sem contar o campo normativo e o campo de aplicação judicial em que os direitos fundamentais também são restringidos. Precisar todas as situações possíveis de restrição mais do que aperfeiçoar seu uso é levar os direitos fundamentais a sério.
E por que é importante precisar as formas de restrição dos direitos fundamentais? Essa reflexão é necessária porque dessa forma não se permite que o arbítrio ou um ato excessivo, de momento, venha restringir os direitos fundamentais, de forma contrária ao constitucionalmente estabelecido. Com a abertura dos direitos fundamentais, sua mutabilidade e preenchimento argumentativo - pontos festejados pela doutrina - não podemos supor qualquer visão positivista que a lei encerre todas as formas de restrição. Uma teoria que considere todos os espaços de restrição permite que as limitações não fiquem na mão do juiz, do legislador e muito menos da autoridade policial. Para evitar isso há o desenvolvimento de toda uma teoria sobre as formas de restrições dos direitos fundamentais, e ela é geralmente ensinada de maneira fragmentada: judicial, legislativa, executiva, ou nas situações constitucionais de emergência.
Hoje, o nosso intuito é fazer uma reunião dessas formas à luz do Estado Constitucional, pois sabendo todas as formas de restrições, inviabiliza-se o abuso e a arbitrariedade.
 
2. A fundamentação das restrições dos direitos fundamentais no plano judicial
A teoria dos princípios de Ronald Dworkin e a ponderação entre direitos fundamentais de Robert Alexy foram rapidamente disseminadas em território brasileiro. Isso trouxe transformações na fundamentação dos direitos fundamentais. Devemos estar atentos para perceber que figuras tradicionais não dão mais resposta adequada, pois tanto a antiga classificação de busca de eficácia da norma é debate centrado no passado, como as antigas justificações sobre as formas de restrição são ultrapassadas. Explico: de um lado o direito funcionado por princípios e possibilidade concreta de exame como o da ponderação e de outro lado novas situações de restrição dos direitos fundamentais, fazem com que aquelas teorias antigas e que serviam para explicar normas estáticas - estas são auto-aplicáveis, essas necessitam de regulamentação etc.- não condigam com o espectro jurídico atual.
A principal forma de restrição dos direitos fundamentais no âmbito judicial, por exemplo, mudou com a prática reiterada da ponderação entre direitos fundamentais. A partir daí chegamos a uma conclusão: o uso discriminado da ponderação trouxe importante transformação para a dogmática constitucional tradicional, a respeito da classificação das normas constitucionais. Essa transformação diz respeito, especificamente, às normas programáticas, que tinhamfunção projetiva e, com a ponderação, ganharam nova aplicabilidade.
Na classificação, consagrada por José Afonso da Silva, as normas constitucionais de eficácia limitada não incidiriam imediatamente, pois necessitam de regulamentação legal, a ser realizada pelo legislador infraconstitucional, para serem consideradas eficazes (not self-acting provisions).2 As normas de aplicabilidade diferida, assim como as normas programáticas, teriam apenas eficácia jurídica limitada e continham, portanto, carga meramente negativa, ou seja, com a finalidade de apenas proteger o indivíduo contra a usurpação e os abusos do Estado,3 todavia não seriam exigíveis de plano. A par do excelente trabalho doutrinário - que permitiu enxergar que nos direitos deveríamos nos preocupar com a sua eficácia e efetividade -, tal classificação serviu como justificativa para os Tribunais afastarem a eficácia das normas constitucionais de eficácia limitada e das normas constitucionais programáticas. A classificação era o apoio para negar, de pronto, a eficácia das normas constitucionais (era, assim, antes do exercício da ponderação estar presente no Brasil). Tentar invocar, por exemplo, o direito à saúde ou o direito à educação, na tentativa de impor, ao Estado, atos concretos - obrigação de fazer - era considerado um pensamento utópico. Tal possibilidade era logo descartada, com a justificativa de que se tratavam de normas programáticas.
Com a compreensão e as práticas da ponderação, essa concepção mudou, e perdeu importância a natureza conceitual-estática dada à norma constitucional. No sopesamento, o juiz decide a prevalência, de acordo com os sub-princípios da ponderação. Ao requerer, por exemplo, a concessão de medicamentos essenciais de forma gratuita e apontar como fundamento jurídico o direito fundamental à saúde, o autor da ação está objetivando concretizar uma norma constitucional que era tida como de eficácia limitada, e, que agora, será ponderada, no caso concreto, em face de outros princípios argüidos pela Fazenda Pública, como a reserva do possível orçamentário. Vê-se que uma norma constitucional não admitida, anteriormente, com eficácia positiva, agora, pela ponderação, conflita em pé de igualdade com as demais normas argüidas em juízo, no caso concreto. Por isso se diz que a classificação em torno de princípios e regras é dinâmica.
Acabou, com a utilização jurisprudencial da técnica da ponderação, a importância prática da classificação da eficácia das normas constitucionais. As normas de eficácia plena não têm mais força "plena", isto porque com a ponderação todas as normas constitucionais disputam espaço com outros direitos fundamentais. Ao se dizer que a norma tinha eficácia plena ainda se produzia o indesejado efeito de que não era necessário intervir para satisfazer o direito no plano abstrato, o que não é verdade, muitos carecem de melhorias e instrumentos, isto é, não é porque era de norma plena que o assunto estava liquidado.
Já as normas de eficácia limitada são direcionáveis juridicamente, não precisam aguardar uma ação do poder público. O juiz quando da argüição da ponderação irá mediar os direitos fundamentais em conflito, e por vezes, destinar força constitucional as antigas normas classificadas como de eficácia plena, outras não. As normas restringíveis ou de eficácia contida podem ser ainda mais restringíveis em confronto com outro direito fundamental, ainda que a sua lei regulamentadora não preveja tal situação. Isso só será produzido após forte argumentação jurídica do julgado na preferência dos direitos via ponderação.
Nenhuma fica relegada à inefetividade, tampouco alguma pode ser considerada absoluta e plenamente exercitável. A aplicação de eficácia plena e imediata poderá não produzir efeito caso não seja a norma sobrevivente no caso concreto, após o exercício da proporcionalidade, isto é, caso seja preterida no contexto em face de outra norma violada no núcleo essencial. Essa revisão é decorrente do abandono da característica do direito fundamental como direito absoluto, pois a característica dos direitos fundamentais é de relativização, justamente pelo exercício da ponderação. Vamos mais longe ao afirmar que, com o uso recorrente da ponderação no direito e dos desdobramentos da teoria dos princípios, todas as classificações de normas constitucionais valem didaticamente, mas não mais expressam o mesmo valor prático, porque são estáticas (ou plenas ou limitadas).
A construção democrática pauta-se em possibilitar o livre convívio dos interesses conflitantes na sociedade. A histórica oposição entre interesses públicos vs. interesses privados ganha novos contornos com o tema da restrição dos direitos fundamentais. Na concepção liberal, atualizada por Dworkin,4 os direitos fundamentais não poderiam ser ponderados com as políticas públicas (policies), mesmo quando estas estivessem investidas de interesse coletivo. Assim, assegura-se no Estado de Direito uma primazia dos direitos fundamentais individuais; o que tende a privilegiar a liberdade. No Brasil, contudo, tal posição pode trazer sérios comprometimentos à ordem social. Basta voltar ao tema da obtenção dos direitos fundamentais nas relações entre particulares e rever a razão que levou a teoria a ser elaborada: os abusos dos particulares, principalmente, no seu direito à liberdade e o fundamento na autonomia da vontade.5 Da mesma maneira, ao conceder primazia dos direitos individuais, a ordem social que já é acentuadamente desigual continua comprometida. Vê-se que a adoção irrefletida sobre o discurso da defesa dos direitos fundamentais individuais também pode ser perigosa, sobretudo se for feita sem o processo argumentativo dos critérios de ponderação, de coerência e de razoabilidade, os quais limitam as falácias e as distorções produzidas pelo discurso.
É importante ressaltar as formas de restrições dos diretos fundamentais num Estado Democrático de Direito, uma vez que, antigamente, a ordem política do país era controlada de forma ditatorial. O poder totalitário fez uso de outras justificativas para as restrições de direitos, por isso precisamos refletir a partir do contexto atual, o qual abrange, necessariamente, os objetivos contidos no art. 3.º da CF/1988 (LGL\1988\3). As formas de restrição devem atender o sentido dos vetores interpretativos, nunca contra eles. É mais uma função dos objetivos da Constituição, servir de vetores interpretativos, parâmetros de controle e bloco de constitucionalidade.
Outra abordagem a ser feita é que não é mais cabível a restrição dos direitos fundamentais com base somente no interesse do Estado (tese sustentada geralmente pelos regimes totalitários, em que se restringe o direito individual em nome do interesse público, o qual por sua vez, não passa de uma coisa abstrata, sem correspondência com os anseios da população, isto é sem interesse público primário).
Mas mesmos os conceitos impregnados nos estado liberais não servem para a nossa realidade, para os autores liberais norte-americanos, por exemplo, os direitos fundamentais individuais gozam de uma prevalência quanto ao interesse público, entendendo que só assim é possível garantir a liberdade plena.
O que prepondera no Brasil é que não se pode aceitar nem uma fundamentação nem outra, pois devemos buscar uma fundamentação condizente com a nossa Constituição. Não pode ser defendida no Brasil a posição de que os direitos fundamentais individuais são limitados pelo interesse público, nem que os direitos fundamentais individuais valham mais do que o interesse público; o que tem que se buscar no caso concreto é a correspondência com os objetivos da Constituição.
Quando a posição contrária é defendida - a primazia do interesse público -, mesmo na fase de proteção dos direitos fundamentais, o resultado também é indesejado. Na França e na Espanha (1984)6 já se tutelou como cláusula de comunidade o interesse público em detrimento dos direitos fundamentais, que se justificavam, em tese, nos fins sociais a seremresguardados. Tais fins, formados por princípios públicos de composição social, justificariam a restrição aos direitos fundamentais. Mas essa posição (já superada), como também a clássica posição de defesa da ordem pública no Brasil, não tem compatibilidade com qualquer teoria do direito, que parte dos valores e propostas extraídas na Constituição. Daí decorre-se que "o reconhecimento da centralidade do sistema de direitos fundamentais instituído pela Constituição e a estrutura pluralista e maleável dos princípios constitucionais inviabilizam a determinação a priori de uma regra de supremacia absoluta dos interesses coletivos sobre os interesses individuais ou dos interesses públicos sobre interesses privados".7 
Assim, tipos abertos como ordem pública e interesse público têm de estar condicionados e preenchidos por um legítimo e razoável interesse constitucional para serem aplicados, bem como as políticas públicas devem estar vinculadas à Constituição. Não se admite mais uma decisão política ou jurídica que se fundamente meramente no interesse público se esse não estiver condicionado a um princípio constitucional. A vagueza de tais critérios leva a um estado de indeterminabilidade que mina a expectativa de ação criada em torno dos direitos fundamentais. As distorções, também no Direito Público, em especial no direito administrativo, partem de construções consagradas, repetidas como fundamento do direito público, mas que não podem ser mais vislumbradas se não estiverem intrinsecamente apoiadas na Constituição. Esse fenômeno de alteração do direito administrativo não é objeto da presente análise, mas serve para apontar que as restrições aos direitos fundamentais não devem ter justificativa no interesse público, até porque essa dicotomia (direito público vs. direito privado) desapareceu - ou ao menos diminuiu muito.
Por isso tudo8- somado à possibilidade concreta de todos os juízos exercerem o controle difuso e cuidarem de matéria constitucional - que a ponderação de interesses fundamentais se justifica especialmente adequada às práticas jurídicas brasileiras. Aqui se verifica que os direitos fundamentais, investidos de força otimizadora de princípios, não podem atropelar o interesse público, nem o interesse público a priori pode ser considerado acima dos direitos exercidos pelos particulares. No plano concreto, em cada composição, no sentido de efetivação do interesse público, e conseqüente restrição dos direitos fundamentais individuais, deve ser feita uma ponderação se e em que medida os direitos fundamentais dos indivíduos são afetados.
No Estado Democrático de Direito tudo deve ser regido pela Constituição. Assim, não prevendo a Constituição restrição expressa ou mesmo lei regulamentadora, o direito fundamental não pode ser restringido, senão em um problema concreto em que o juiz realize a ponderação, que poderá indicar que o direito fundamental está sendo exercido com abuso.
"Assim sendo, diferentemente do que ocorre quando a Constituição já autorizou expressamente a restrição e se trata, apenas, de verificar a constitucionalidade da medida restritiva escolhida, nas situações de restrições aos direitos fundamentais não expressamente previstas, há dois níveis de controle: um, que é comum a todas as restrições, mas também outro prévio, em que é a própria decisão de fazer ceder ou de restringir o direito fundamental, face ao peso de outro interesse que se lhe opõe, que tem de ser sujeita à verificação de constitucionalidade.
Porém, como as indicações constitucionais disponíveis não são suficientes para decidir, com antecedência e genericamente, essa última questão, os poderes constituídos não dispõem de outro método - quer para a própria decisão de restringir, quer para seu controle - que não seja o recurso à ponderação que eles próprios fazem dos interesses em confronto, ainda que obrigatoriamente valorados à luz dos critérios constitucionais disponíveis."9 
Nesse caso, a possibilidade ou não de restrição passa pelo crivo do julgador, que quanto melhor conhecer a matéria em debate e o correto uso do critério da ponderação, melhor solucionará o problema. A ponderação aparece aí como uma das formas de restrição dos direitos fundamentais a ser usada no direito brasileiro e é aquela que guia os confrontos restritivos de direitos fundamentais pelo Poder Judiciário. Longe de ser a única forma de restrição, sequer é a mais comum, senão vejamos.
 
3. Formas de restrições dos direitos fundamentais no plano normativo
A forma mais presente de restrição dos direitos fundamentais é a normativa. Utilizamos o termo normativo pra dar conta das restrições realizadas pela Constituição, pelo legislador ou por demais atos normativos. Desvendaremos aqui quais as formas e momentos normativos que constitucionalmente permitem a restrição dos direitos fundamentais. São eles:
1. A restrição contida na própria Constituição, (ao dispor sobre um direito fundamental constitucionalmente expresso, ela traça as hipóteses acerca de sua restrição; são, portanto, exceções previstas na regra constitucional).
2. A restrição constitucionalmente autorizada, ou seja, prevista por lei, que foi mencionada e autorizada pela Constituição, ao final da disposição do direito fundamental.
3. Restrições aos direitos fundamentais por lei, inobstante não serem nem expressas na Constituição nem expressamente decorrentes do texto constitucional. Vamos analisar uma espécie normativa de cada vez, contrastando-as com as premissas do Estado Constitucional. Os direitos fundamentais, em primeiro lugar, podem ser restritos pela sua própria previsão constitucional; neste caso, eles têm carga deôntica de regras, são garantias por permitirem o ciclo fechado. Assim, no art. 5.º, XI, da CF/1988 (LGL\1988\3), mais conhecido como inviolabilidade de domicílio, está prevista uma situação geral - que ninguém poderá penetrar na casa, que é asilo inviolável do indivíduo - e quatro hipóteses excepcionais, que são restrições constitucionais a esse direito - (a) o flagrante delito, (b) o desastre na casa, (c) para prestar socorro ou (d) por determinação judicial, desde que durante o dia. Essas quatro restrições são claras, pois verdadeiras opções do poder constituinte, que não remeteu a qualquer texto ulterior ou deu possibilidade de maior abertura à norma constitucional. É a Constituição que prevê taxativamente as exceções à inviolabilidade de domicílio, daí chamar de restrições expressamente previstas no texto constitucional. São previsões constitucionalmente taxativas. Esse reforço que esgota no próprio texto constitucional as situações de exceção à inviolabilidade do domicílio - traduz-se por norma-garantia. Com isso não se criou a possibilidade de alargar as hipóteses de restrição, nem por ponderação.
As regras constitucionais fechadas em si, que não remetem a nenhuma lei e prevêem todo o direito, inclusive suas próprias restrições - e sobre isso é importante ter atenção - não admitem ponderação judicial, pois já houve ponderação normativa-constitucional plena, no exercício do poder constituinte, que é ainda mais grave. Ponderar regras acabadas seria banalizar a sua incidência prevista no modelo fechado. Trabalhando o exemplo trazido, permitir que fosse considerada lícita uma prova colhida em invasão de domicílio, baseada em uma nova hipótese, como a segurança pública razoável, contraria e banaliza a regra constitucional. Essas restrições ao direito fundamental já foram ponderadas e previstas pelo poder constituinte originário, ao conceber a inviolabilidade do domicílio. Assim, as restrições expressamente constitucionais a direito fundamental são plenamente válidas, e suficientes em si, e não podem ser somadas a nenhuma outra construção jurídica aditiva, seja pela ponderação, seja pela interpretação normativa, seja pelo alargamento das hipóteses em lei. Esse é o lembrete quando da aplicação da primeira situação de restrição normativa dos direitos fundamentais, a das expressas em normas constitucionaise que se encerram nelas mesmas.
Já a segunda situação, a de restrição prevista por lei, infraconstitucional, autorizada pela própria Constituição, deve ser trabalhada com diferente cuidado. A matéria constitucional é ampla, e por isso permite que muitos assuntos, inclusive acerca de direitos fundamentais, sejam complementados pelo legislador ordinário. Essa norma constitucional é, na classificação de José Afonso da Silva, de eficácia contida, e, na classificação elaborada por Meireles Teixeira, de eficácia restringível, pois guarda potencialmente situações de restrição ao direito fundamental por lei infraconstitucional ulterior. Tomemos agora, como exemplo, o direito fundamental ao sigilo (art. 5.º, XII, CF/1988 (LGL\1988\3)):
"é inviolável o sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal" (grifei).
O sigilo das comunicações telefônicas é, pela correta leitura do texto, (a) passível de quebra por ordem judicial, (b) com a finalidade de investigação criminal10 e (c) na forma que a lei estabelecer. Neste exemplo, a Constituição autorizou o legislador a prever as situações em que incide a restrição à comunicação telefônica.
A primeira conclusão que se extrai é que, antes de existir lei que restrinja o direito fundamental em questão, este se manifesta de forma plena, sem restrição alguma. Não existe, na dogmática constitucional, reserva de lei genérica, isso é, possibilidade de, genericamente, se atribuir significado às restrições dos direitos fundamentais. Não tem poderes para isso nem o legislador ordinário, que deve prever as situações de restrição aos direitos fundamentais, taxativamente na lei, nem tem poderes o julgador, que não pode atribuir casos de restrição antes da elaboração de lei. A restrição não se faz por analogia, pois é hipótese que obedece ao princípio da legalidade. E, nesse sentido, nosso STF foi exemplar ao não permitir qualquer hipótese de quebra do sigilo telefônico antes do advento da lei regulamentadora, Lei 9.296/1996. No período de 1989 até 1996, o STF mostrou-se firme ao não admitir reserva de lei genérica restringindo direitos fundamentais, e determinou que era necessária lei regulamentadora para que coubesse restrição ao direito de comunicação.11 Após a regulamentação, o direito fundamental à comunicação telefônica foi, finalmente, restrito pelo legislador, que deve cumprir apenas o espaço constitucionalmente autorizado.
Atentes-se que as hipóteses de restrição aos direitos fundamentais criadas pelo legislador ordinário não sofrem diretamente ponderação. Antes disso, sofrem controle de constitucionalidade face ao núcleo essencial do mesmo direito - no nosso exemplo, a proteção ao sigilo.
Nesse exame de constitucionalidade, os juízes podem considerar que ocorreu alguma restrição, elaborada pelo legislador, inconstitucional, por ferir o próprio direito que veio a ser regulamentado. Não é qualquer violação, pois a lei visa disciplinar os contornos da restrição da norma jusfundamental, e a violação tem de atingir o núcleo essencial. A restrição excessiva - ou violadora do núcleo essencial do direito fundamental regulamentado - pode ser declarada inconstitucional pelo Poder Judiciário. A resposta de uma restrição de direito fundamental normativa se dá no âmbito judicial, mas a diferença é que a restrição foi formulada pelo Poder Legislativo e não pelo Poder Judiciário.
Nessa segunda forma de restrição normativa, a própria Constituição autorizou o legislador a regulamentar o direito, e, conseqüentemente, restringi-lo. Com essa base, foi proposta a ADIn 1.488-9/DF, que pleiteava julgar inconstitucionais as expressões postas pela Lei 9.296/1996 que equiparavam as atividades de informática e de telemática ao sigilo de comunicação, instrumentos tecnológicos não acessíveis na época da promulgação da Constituição. O Min. Néri da Silveira, relator do processo, julgou improcedente a ação, por entender que tal acréscimo apenas adaptou a lei no tempo e não atingiu o núcleo essencial do direito fundamental objeto de regulamentação. Outro bom exemplo foi a exigência de esgotamento da via administrativa prévia a impetração de habeas data. Tal disposição não se encontra no texto constitucional, pois é decorrente da exigência que apareceu em sua regulamentação. Ainda assim, foi verificada a luz da razoabilidade que a exigência de via administrativa prévia não afasta o cidadão da potencialidade do referido writ, apenas impede que sejam ajuizadas ações que poderiam ser facilmente conhecidas pelo impetrante na via própria, deixando o remédio constitucional para as situações onde ele não obtém a resposta (bem como as demais hipóteses legais).
Chegamos ao terceiro tipo de restrição normativa de direitos fundamentais, aquelas não expressas pela Constituição, nem diretamente autorizadas por ela, por decorrência de lei regulamentadora. Toda a lei que sem fundamento na Constituição restrinja direito fundamental deve sofrer controle de constitucionalidade, pois só poderão permanecer no ordenamento tais restrições se justificadas pela razoabilidade. Todas as tentativas de restrição de direito fundamental que não sejam diretamente apreendidas no texto constitucional, ou fundada em texto constitucional autorizativo no sentido da Constituição indicar a edição de lei, devem sofrer controle de constitucionalidade, pois facilmente encontraremos aí os abusos do legislador. Essa terceira forma de restrição normativa é a que merece maiores cuidados e o controle de constitucionalidade não é facultativo, mas um dever para não acarretar em restrições inconstitucionais a direitos fundamentais.
As restrições autorizadas pela Constituição e realizadas por lei devem sofrer os limites acima assinalados e se tidas como medidas excessivas, afastadas após juízo de controle de constitucionalidade. No julgamento das situações normativas de sujeição devem ser delimitados os fatores que dizem respeito ao direito fundamental, objeto de regulamentação, e, conseqüentemente, extirpados aqueles que fogem de tal esfera de proteção. Por isso é necessário assinalar as distinções e semelhanças entre restrição, limitação e delimitação dos direitos fundamentais.
 
4. Restringir, limitar e delimitar direitos fundamentais
Essa é uma diferenciação tênue, que poucos se preocuparam em fazer. A restrição tem como conseqüência a diminuição do campo de incidência do direito ou diminuição do próprio direito. É o mesmo que restringir as hipóteses do direito. Já delimitar, diversamente, é ver o que é parte do direito e o que não faz parte do direito. Um exemplo pode clarificar a questão. Um banco que venha a transferir de agência os funcionários pertencentes ao comitê de greve pratica uma restrição, inconstitucional, ao direito de greve promovido por tais funcionários. O ato em questão - a transferência dos funcionários - está diretamente ligado ao exercício do direito de greve, já que no exemplo eles foram transferidos como penalidade por pertencerem ao comitê de greve e outra sanção - como a demissão - é proibida por lei. Logo, o ato é violador do direito fundamental da greve, pois aí se operou uma restrição inconstitucional que atingiu a continuidade regular do trabalho e as liberdades públicas.
Veja como essa situação é distinta do próximo exemplo, em que alguns funcionários do banco para forçar seus colegas a aderir à greve pegam as mesas do banco bloqueando a entrada e ameaçando os não grevistas. Isto está de acordo com o direito a greve? Não, porque o ato de greve faz parte do direito, entretanto, a destruição, o boicote e o uso da força saem dessa esfera de proteção. Quando vemos o que está dentro de determinado direito e o que não está, percebemos que não se opera uma restrição, mas sim uma delimitação do campo de incidência da proteção do direito fundamental. E para issoé crucial um correto juízo interpretativo.
Vale destacar que restringir é expressão que equivale a limitar os direitos fundamentais; entretanto, existe distinção entre limitar direito fundamental e delimitar o mesmo. A delimitação seria então o enquadramento de situações que se aplicam ou não ao direito fundamental, objeto de análise. A delimitação serve para procurar o alcance constitucional de proteção. Assim, a delimitação é a incidência dos fatos apropriados à discussão do alcance do direito fundamental em análise, e as limitações, por sua vez, são as restrições possíveis impostas aos direitos fundamentais, que o atingem.
 
5. Formas de restrições dos direitos fundamentais nas situações especiais de sujeição
Um cuidado deve ser dirigido a uma classificação completa sobre a restrição dos direitos fundamentais fora do campo normativo e do campo judicial, pois devemos distinguir de um lado, os direitos fundamentais na esfera geral e, de outro, os direitos fundamentais na esfera das relações especiais de sujeição.
Na primeira situação, no campo das relações gerais do homem em sociedade ou em confronto com as situações normais face ao Estado tem-se uma hipótese de liberdade maior e de não-restrição. Aqui ele faz jus aos direitos constitucionalmente consagrados sem restrições a priori.
A restrição aos direitos fundamentais no campo das relações gerais, justificada pela vontade do Estado, somente é presente em regimes ditatoriais, que buscam justificativa para restringir o indivíduo na sua parcela maior de liberdade.
Em qualquer Estado Democrático, no campo das relações gerais, o direito fundamental somente pode ser restringido se agredir outro direito fundamental - tal afirmação decorre do velho ditado popular de que seu direito acaba quando começa o do outro. Isto é, nos casos em que as restrições aos direitos fundamentais não são previstas na própria Constituição, nem são constitucionalmente atribuídas ao legislador, elas somente podem ser válidas se ponderadas no caso concreto, por agredirem outro direito fundamental e essa decisão cabe ao Poder Judiciário.
Existem, porém situações em que não há interferência judicial necessária e a regulamentação legislativa é mínima ou inexistente e, ainda assim, os direitos fundamentais encontram-se restringidos. Essa é uma situação que não tem encontrado grande destaque no debate constitucional brasileiro e é o outro momento sensível à restrição dos direitos fundamentais conhecido como relação especial de poder e também chamado de relação especial de sujeição, em que, pela situação posta, se justificaria, em tese, uma proeminência de uma situação especial em detrimento dos direitos fundamentais previstos genericamente.
Falar de relações especiais de sujeição é ter a compreensão que estamos diante de uma situação onde de antemão se percebe que há uma relação desigual.
A construção doutrinária e jurisprudencial acerca das relações especiais de poder geralmente diz respeito às situações entre o poder militar e os militares em serviço; entre a administração do presídio e os presos; entre a Administração Pública e os seus funcionários; entre a direção do ensino e os alunos. Essas quatro situações exemplificativas traduzem,12 a dependência jurídica em favor de um fim especialmente previsto pela Administração Pública. Antigamente, tais situações eram tidas como legítimas, independentemente de previsão legal, pois eram anunciadas como da natureza do poder que emanavam tais decisões, como da ordem militar, da natureza dos estabelecimentos de ensino, da natureza dos poderes das autoridades, como os diretores de presídios ou os chefes da Administração Pública. Tudo tido como habitual e sem necessidade de ajustes legais. Eram as Instituições reguladas por um estatuto jurídico próprio e diferenciado das demais relações gerais. Bastava, para tanto, a vontade do alto escalão, como a portaria do diretor penitenciário, que o direito fundamental estaria restrito. A derrocada das relações especiais de poder ocorre com um leading case julgado pelo Tribunal Constitucional Alemão que apreciou a interceptação da carta de um prisioneiro que escrevera a uma organização assistencial a reclusos, queixando-se do seu ex-diretor de presídio. Após a interceptação o preso teria sofrido outras sanções por ter enviado a carta. A interceptação não autorizada por lei, nem por autoridade judicial, após decisão judicial foi considerada ilegal. As penas impostas foram tidas como abuso de autoridade. A Constituição, por um princípio de intimidade e de igualdade impede intervenções discricionárias aos presos, principalmente porque a restrição mostrou-se prejudicial ao preso e, portanto, inconstitucional.
Veja que se em um primeiro momento pensamos na restrição normativa e em um segundo momento na restrição judicial, agora, nesse terceiro momento a verificação da constitucionalidade da restrição se dá no âmbito dos atos da Administração Pública (Poder Executivo).
A partir de então, ficou consagrada a máxima de que não existe espaço jurídico imune aos direitos fundamentais.13 O vínculo de sujeição presente nas relações de poder atua como fator de base que postula a limitação do direito fundamental. E, muitas vezes, esse vínculo de poder não está escrito na Constituição, nem é tido como direito fundamental fora dessa relação especial. Daí perceber-se que se trata de direito (dever) fundamental implícito. Um caso ilustra a situação, em que soldados holandeses punidos por divulgarem artigos considerados contrários à disciplina militar e condenados pela justiça militar local recorreram, com base no direito à livre expressão, à Corte Européia de Direitos Humanos.14 Esta, em primeiro lugar, disse que sua jurisdição se aplicava às forças armadas, pois sua competência territorial era plena e não se sujeitava às relações especiais de poder, portanto incidia nos comandos militares de todas as nações que integram a União Européia. Esse é o principal ponto, embora de natureza distinta, que as relações especiais de poder se sujeitam às leis e à Justiça competente. No mérito, ressaltou que a lide que se instaurara derivava de uma relação especial de poder, entre militares e seu superior hierárquico e, nesses casos, os direitos fundamentais recebiam proteção diferenciada, podendo ser limitados por lei e ordem judicial militar competente. A restrição, no caso entre militares e seu comando, se dentro das bases constitucionais - por exemplo, concedem ampla defesa ao acusado de falta grave -, podem estabelecer restrições aos direitos fundamentais dos subordinados, como os de limitação do horário de folga ou prisão militar. No caso foi válida a censura aos militares, bem como a punição a eles estabelecida.
Entendemos que, no Brasil, é necessário ponderar o peso do direito fundamental que é objeto de restrição em relação à gravidade da restrição imposta. Assim, faz-se uma ponderação com contornos diferenciados. A própria relação especial de poder, quando legitimamente identificada e autorizada pelos meios legais - lei15 ou Constituição -, é um pólo da ponderação que será levado em confronto, com status diferenciado.
As relações especiais de poder, como as que podem ocorrer nos presídios, nos quartéis militares, nos órgãos públicos, têm possibilidade, se a decisão for fundada em previsão legal, de restringir direitos fundamentais. Tal previsão, todavia, não basta em si para permitir que um direito fundamental venha a ser restringido, pois se levado o caso à justiça, não haverá presunção em favor da Administração, devendo sempre ser examinado em que medida o direito fundamental foi restringido, se dentro de uma medida razoável, coerente e proporcional àquela situação - e aí vale contar com o campo de delimitação da atuação do autor da sujeição, isto é, se ele procedeu ou não com abuso de poder. O ato atribuído à autoridade deve ser confrontado com a lei que o autoriza, tudo sob a proteção dos direitos fundamentais, isto é, eles recebem tutela e proteção, mesmoem lugares como os quartéis.
 
6. Restrição dos direitos fundamentais nas situações constitucionais de emergência
Quando estamos diante de situações excepcionais de emergência? Quando a Constituição assim estabelece, como nos conhecidos casos de estado de sítio, estado de defesa e intervenção federal. As situações anômalas têm certas condições e limites previstos no texto constitucional. Como conseqüência automática da declaração destas situações ocorre a restrição de alguns direitos fundamentais (previstos de forma distinta para cada situação excepcional, sendo a mais gravosa o estado de sítio).
Dentre os existentes, o modelo mais confiável é aquele que contém previsão constitucional do estado de defesa e do estado de sítio, em que determinados direitos fundamentais são constitucionalmente restritos, ou até retirados, momentaneamente, dos indivíduos. É confiável, pois é a Constituição que autoriza tais situações excepcionais, prevendo o meio de, assim que possível, voltar à normalidade. A Constituição pode autorizar a lei a regular a decorrência concreta da situação excepcional, como por exemplo, as formas de limitação da propriedade privada em virtude de desastres, como enchentes e desabamentos. A lei ou ato que incide é autorizado pela Constituição - como forma de intervenção - e o ato autorizativo, como o decreto, deve sublinhar a conformidade com a lei e a descrição do preenchimento do fato excepcional, que justifica argumentativamente, a restrição ao direito fundamental.
Poder e controle são determinantes na composição da democracia real. Essa é uma hipótese de ação: quando o problema aparece, a solução estratégica deve manter-se afinada com a proteção dos direitos fundamentais e ver qual será o núcleo mais afetado com a medida excepcional. Neste campo de situação excepcional a restrição é maior, mas está prevista no texto constitucional.
Alguns sistemas jurídicos solucionam o problema de forma distinta. Nos EUA, por exemplo, o presidente tem o poder de declarar estado de lei marcial até que a anormalidade cesse. A autoridade em matérias como guerra fica dependendo apenas da vontade presidencial e foi usada para suspender o julgamento de espiões alemães presos em território norte-americano e mandá-los para a morte, sem julgamento, durante segunda guerra mundial.
Outras medidas de necessidade podem ser tomadas e o pressuposto é algum alerta emergencial, com completa conveniência para combater a problemática, como ocorreu em New Orleans quando após o furacão foi necessário estado de alerta, que restringiu os direitos fundamentais para conter os saques realizados por parte da população. Todos os moradores tinham a liberdade restringida, pois eram obrigados a permanecer em casa. A partir daí, a justificativa encontrar-se-ia na medida descrita e não com limites fixados na Constituição. No Brasil recém saído da ditadura a solução não poderia ser outra, que fixar todas as formas excepcionais, com todos os seus contornos, extraídas diretamente da Constituição. Daí dizer que as hipóteses de restrição dos direitos fundamentais advindos das situações constitucionais de emergência são formas normativas estabelecidas na Constituição, porém pela sua peculiar característica em virtude de um ato para conter a situação de emergência os direitos fundamentais são mais atingidos, sendo por vezes subtraídos dos indivíduos até que tal estado cesse.
 
7. Conclusão - Bibliografia
Os direitos fundamentais ficam mais protegidos com a percepção de todos os momentos em que é possível restringir-los. Primeiro exploramos o momento judicial, em que por um juízo de proporcionalidade (ponderação) os direitos fundamentais são restringidos e preteridos no caso concreto. Essa noção é clareada com a percepção que fundamentações liberais ou totalitárias não encontram correspondência com os ditames constitucionais brasileiros. Assim, se não há primazia pelos direitos individuais ou pelo interesse coletivo a ponderação aparece como condutora das preferências constitucionais que são resolvidas pelo Poder Judiciário no caso concreto. A máxima "seu direito acaba quando começa o do próximo", nada mais é do que uma afirmação popular das regras de ponderação.
Também encontramos restrição dos direitos fundamentais no plano normativo. Em primeiro lugar, nas situações que a própria Constituição estabelece o direito, sua proteção e as taxativas exceções restritivas ao mesmo direito fundamental, como no caso da inviolabilidade de domicílio. Dizemos que nas situações constitucionalmente previstas não cabe ponderação ou análise ulterior do Poder Judiciário. Em segundo lugar, encontramos as restrições decorrentes de leis autorizadas pela Constituição. O remédio para confrontar tais situações é o controle de constitucionalidade para perceber em que medida os fins constitucionais foram atendidos ou excedidos pelo legislador. Em terceiro lugar, as leis que sem menção constitucional restrinjam direitos fundamentais devem sofrer controle de constitucionalidade, devendo ainda distinguir-se entre delimitação e restrição para configuração de que decisão deve ser tomada.
Ainda temos os momentos em que a Administração Pública manifesta suas atribuições especiais através das situações especiais de sujeição em que considerações especiais pelo local e posição em que se encontram, tem tais indivíduos um campo maior de restrição. Essas situações, entretanto, não têm mais as prerrogativas que tiveram outrora e são condicionadas pelas leis que lhes regem e, respeito aos demais direitos fundamentais, sobretudo a dignidade da pessoa humana. Se a preocupação geral é com o Poder Legislativo e o Poder Judiciário, nas situações especiais de sujeição o Poder Executivo, por meio da Administração, aparece como responsável pelos atos restritivos.
Outro momento que ocorre a restrição dos direitos fundamentais são as situações constitucionais de emergência, como o estado de sítio, a intervenção nos estados e o estado de defesa. Embora sejam advindas da Constituição - e por isso também normativas - o que causa a restrição é a ocorrência de um fato gerador de uma situação excepcional. No direito brasileiro a regulação do tema, limites, hipóteses e direitos atingidos estão previstos na Constituição.
Por fim, a ordem internacional também merece destaque conclusivo, seja pela pressão nos tratados, seja pela influencia globalizada em reformas constitucionais, seja por atos contrários à paz (guerra, combate ao terrorismo em solo estrangeiro) é inevitável perceber que os organismos internacionais e potências mundiais restringem os direitos fundamentais para que o valor segurança esteja garantido. Essa restrição dos direitos fundamentais aparece como uma nova modalidade, presente no século XXI, pela ordem internacional.
Hoje, com determinações da ONU, cada vez com maior tendência de crimes atemporais (tortura) e Tribunais Internacionais, há maior restrição dos direitos do homem, desde que a conduta possua relevância de temas internacionalmente condenáveis (racismo, tortura, genocídio, terrorismo). Os meios para assegurar o combate a esses crimes é que pode ser nocivo a direitos fundamentais que se encontravam até pouco melhor protegidos, como a intimidade. Em relação às restrições dos direitos fundamentais promovidas pela ordem internacional somente uma Constituição em nível continental ou mundial pode corrigir os excessos em crescente onda de abusos.
Algumas dessas formas podem ser contestadas, porém o objetivo aqui foi apresentar tal relação, estruturada como teoria para assegurar que em todos os demais momentos os direitos fundamentais devem restar preservados e não sofrer qualquer outra forma de restrição. E mesmo essas restrições têm limites.
BIBLIOGRAFIA
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SILVA, Luis Virgílio Afonso da. O conteúdo essencial dos direitos fundamentais (prelo) - Tese apresentada na Universidade de São Paulo para o cargo de professor titular em direito constitucional.
1. A característica de irradiação deve ser somada a indistinção, isto é, os direitos fundamentais encontram-se em todos os campos do direito, dependendo apenas do intérprete para tal. Um exemplo poderá clarear essa assertiva: dois funcionários expulsos de uma associação por acusação de enviarem cartas ofensivas a direção não identificadas (porque coladas com letras de jornal) são readmitidos judicialmente. Na instrução restou comprovado que lhes foi dada ampla defesa. Ainda assim a decisão da associação não comprovou a autoria dos funcionários e por esse motivo eles foram judicialmente reintegrados em respeito à presunção de inocência, princípio sempre lembrado para o processo penal, mas que pela característica de irradiação aplica-se indistintamente em todos os campo do direito.
2. Cf. Silva, José Afonso da. Aplicabilidade das normas constitucionais, p. 123.
3. Cf. Idem, p. 135.
4. Dworkin, Ronald, Levando os direitos a sério, p. 35.
5. Essa situação é ainda mais perniciosa em um país como o Brasil, marcado pelas desigualdades e poderes que submetem muitos indivíduos a uma vontade não respaldada pela Constituição, mas por interesses egoísticos. Some-se esse problema ao lema do convívio em sociedade, em que o mais esperto se dá bem - lei de Gerson - e o privilégio é cobiçado pelos demais membros da sociedade.
6. Após um período de aceitação, tal cláusula foi rechaçada em 1984, na sentença 22 do Tribunal Constitucional espanhol, como ensina Daniel Sarmento. Cf. Sarmento, Daniel. Livres e iguais, p. 75.
7. Binenbojm, Gustavo, Por uma teoria do direito administrativo, p. 31.
8. O paradoxo mais interessante é que os direitos fundamentais limitam o meio de atuação do Estado e são limitados pelas políticas públicas constitucionais emitidas por este.
9. Novais, Jorge Reis. As restrições aos direitos fundamentais não expressamente autorizadas pela Constituição.
10. Não se pode autorizar quebra de sigilo telefônico fora dos limites traçados pela Constituição, e assim o TJRJ negou aproveitamento de autorização de quebra de sigilo telefônico para instruir processo civil - no caso adultério para fins de separação judicial -, pois a Constituição delimitou o campo de possibilidade da quebra à finalidade de investigação criminal.
11. Deve ser lembrado que a própria Constituição Federal (LGL\1988\3) faz, nos momentos excepcionais de estado de sítio e de estado de defesa, restrições expressas aos direitos do sigilo de comunicação, previstas nos arts. 136, § 1.º e 139, III.
12. Joaquín Camazano inclui as relações de poder de polícia com os indivíduos, mas a natureza é diversa dos demais casos citados. Nestes quatro casos, a sujeição ao poder é interna corporis, já entre a polícia e os indivíduos, a relação é geral, não é uma sujeição especial de poder, mas manifestação do Estado na garantia dos direitos fundamentais, regulados pela Constituição e pelas condutas legais. Entenda-se que o poder conferido ao policial é maior dentro das suas atribuições, mas a relação não é de sujeição: se o indivíduo estiver nos conformes legais, no estado normal de fruição dos direitos, nada poderá o policial fazer. Diversamente, em um quartel militar, o soldado em serviço tem de sujeitar-se às normas comportamentais especiais, que restringem seus direitos fundamentais (exemplo: liberdade) em relação à vida comum regulada por relações gerais e normais. Cf. Camazano, Joaquín. Los limites a los derechos fundamentales, p. 445.
13. Isso estava sendo desconsiderado pelos Estados Unidos, ao regularem prisões fora do seu território nacional, como as feitas em Guantánamo, até serem as prisões declaradas inconstitucionais pela Corte Suprema. Sob a falácia de que o terrorismo era ato não civil, mas ato de guerra, os prisioneiros suspeitos de terrorismo não receberam qualquer direito fundamental, culminando nas noticiadas torturas praticadas por oficiais militares. Essa negação de direitos é vista pela sociedade internacional como um dos maiores retrocessos em matéria de direitos humanos desde a segunda guerra mundial. Em tempo a Suprema Corte dos Estados Unidos declarou tais situações inconstitucionais.
14. Pereira, Jane Reis Gonçalves. As restrições aos direitos fundamentais nas relações especiais de sujeição, p. 642.
15. No Brasil, o art. 41 da LEP (LGL\1984\14) - Lei 7.210/1984 - concede poder especial ao diretor da penitenciária, motivadamente de restringir a liberdade do condenado. Esta restrição é passível, todavia, de ser, a qualquer tempo, levada ao Poder Judiciário, que examinará o confronto do ato do diretor que restringe direito fundamental, fundado na relação de poder em face ao direito fundamental do preso que se sente violado e se a restrição imposta atingiu o núcleo essencial do direito fundamental em questão (como a dignidade da pessoa humana).

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