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Greenberg e Mitchell (2003) Relações de Objeto na Teoria Psicanalítica (Capítulo de Winnicott e Guntrip, 138 169)

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G945r Greenberg, Jay R. 
Relac;:oes Objetais na Teoria Psicanalftica I Jay R. Greenberg e 
Stephen A Mitchell; trad. Emilia de Oliveira Diehl. -Porto Alegre: Artes 
Medicas, 1994. 
1. Psicam§.lise- Relac;:6es Objetais I. Mitchell, Stephen A II. Tftulo. 
CDU 159.964.2 
Catalogac;:ao na publicac;:ao: Monica Ballejo Canto- CRB N° 10/1023 
138 Jay R. Greenberg and Stephen A. Mitchell 
7 
D.W. Winnicott e 
Harry Guntrip 
One way and another we compromise in tiny steps until, we come to realize- perhaps with a shock- we 
are standing on alien ground. To make such discoveries, and to retrace our steps, it is essential not to be 
willfully caught up in sustaining an illusion of truthtelling. It is hard enough without it.* 
Lieslie K. Farber, Sabre o Ciume 
K lein e Fairbairn foram construtores de sistemas. Cada urn constituiu uma visao ampla e nova da experiencia e das dificuldades humanas: Klein, na sua gradual redefini<jlo e no reenfoque da teoria freudiana; Fairbairn, na 
sua dramatica refuta<;ao do trabalho de Freud. Winnicott e Guntrip, em contraste, 
estavam preocupados com questoes singulares. Ambos dedararam a sua lealdade a 
tradic;oes anteriores: para Winnicott, sua propria mistura pessoal do pensamento 
freudiano e Kleiniano; para Guntrip, a teoria das relac;oes objetais recentemente criada 
por Fairbairn. No en tanto, cada urn a chou que a tradi<jlo que emulou tinha omitido uma 
area crucial de preocupa<jlo e tentou corrigir aquela omissao. 
Winnicott e Gun trip apresentam as suas pr6prias contribuic;oes como circunscritas 
e limitadas, meras emendas de tradic;oes te6ricas anteriores. As formulac;oes de 
Winnicott quanto a emergencia do self, no entanto, fornecem urn fundamento para a 
teoria desenvolvimental radicalmente diferente daquele de seus predecessores freudianos 
e kleinianos. As formulac;oes de Guntrip quanto a regressao do ego conduzem a teoria 
de relac;oes objetais de Fairbairn numa dire<jlo que diverge de algumas de suas 
premissas mais basicas. 
D. W. Winnicott 
Winnicott, urn colaborador extremamente inovador e influente para o desenvol-
vimento da teoria e pratica psicanalftica, forneceu urn relato completo, sutil e muitas 
vezes poderosamente poetico do desenvolvimento do self a partir da sua matriz 
*De uma forma au de outra ajustamo-nos em pequenos passos ate que chegamos a compreender- talvez com 
um choque - que estamos em terreno desconhecido. Para fazer tais descobertas, e refazer nossos passos, e 
essencial nao estarmos obstinadamente determinadas a sustentar uma ilusao de contar a verdade. E diflcil o 
suficiente sem isto. 
Lieslie K. Farber, Sabre o CiUme 
Relar;i5es Objetais na Teoria Psicanalitica 139 
relacional. A forma e a maneira do seu trabalho paralisam algumas de suas preocupa-
c;oes tematicas centrais de duas minorias surpreendentes. Primeiro, a prosa de Winnicott 
tern uma qualidade elusiva. Quase todos os seus trabalhos foram apresentados 
originalmente como palestras e seu estilo reflete uma informalidade mais adequada a 
palavra falada do que a escrita. Cada urn e curto, com observac;oes clfnicas as vezes 
brilhantes, alinhadas frouxamente com vigorosas formulac;oes teoricas quase 
epigramaticas. Os temas centrais sao geralmente apresentados na forma de paradoxos 
evocativos que seduzem jocosamente o leitor. Os argumentos sao mais discursivos do 
que raciocinados firmemente; Winnicottsegue assuas apresentac;oes on de elas o levam. 
Devido a este artiffcio, Masud Khan, seu editor e maior disdpulo, adequadamente 
caracterizou o seu estilo como "enigmatico". 
Urn segundo trac;o surpreendente da apresenta¢o de Winnicott e a sua curiosa 
maneira de se localizar com rela¢o a tradi¢o psicanalftica. Winnicott alega grande 
lealdade para com seus antecessores teoricos, principalmente Freud e, em men or grau, 
Klein. Apresenta suas proprias contribuic;oes como uma continua¢o do trabalho deles 
o que descreve com reverencia. Na realidade, o impeto central de uma crftica urn tanto 
Severa por Winnicott e Khan (1953) do trabalho de Fairbairn e uma critica da rejei¢o \ 
deste ultimo as formulac;oes metapsicologicas de Freud. No entanto, Winnicott conserva 
a tradic;ao de uma mane ira curiosa, em grande parte distorcendo-a. A sua interpreta¢o 
dos conceitos freudianos e kleinianos e tao idiossincrasica e tao pouco representativa da 
formulac;ao e inten¢o originais deles a ponto de torna-las, as vezes, irreconhedveis. Ele 
reconta a historia das ideias psicanalfticas nao tanto como se desenvolveu, mas como 
ele gostaria que tivesse sido, reescrevendo Freud para torna-lo urn predecessor mais 
claro e mais facil da propria visao de Winnicott. Esta tendencia de absorver e reelaborar 
os conceitos. dos outros esta refletida na descri¢o de Khan da impaciencia de Winnicott, 
com a leitura: "Nao adianta me pedir para ler algo, Masud! Se me entedia, pego no sono 
no meio da primeira pagina, e se me interessa comec;o a reescreve-lo ao fim daquela 
pagina" (1975, p._XVI). Harold Bloom (1973) sugeriuquetodograndepoetadentroda 
tradi¢o ocidenta1 distorce a visao dos seus predecessores famosos para dar lugar a sua 
propria visao pessoal. A mane ira de Winnicott de posicionar suas proprias contribuic;oes 
inovadoras e importantes vis-a-vis a tradic;ao psicanalitica sugere urn processo mais do 
que qualquer dos outros teoricos considerados neste volume. Ele poderia estar 
descrevendo sua propria abordagem da tradi¢o psicanalftica quando diz: "Os adultos 
maduros trazem vitalidade aquilo que e antigo, velho e ortodoxo, recriando-o depois de 
destrui-lo" (1965b, p. 94). 
Estas caracterfsticas formais dos escritos de Winnicott - o seu modo elusivo de 
apresenta¢o e a sua absor¢o, com transforma¢o dos antecessores teoricos - -
paralelisam o seu interesse tematico central: a dialetica delicada e complexa entre 
contato e diferencia¢o. Quase todas as suas contribuic;oes localizam-se em torno do que 
descreve como a luta continuamente arriscada do self por uma existencia individuada 
que ao mesmo tempo permita contato fntimo com outros. A descri¢o de Winnicott do 
self saudavel descansa sobre urn dos seus muitos paradoxos- atraves da separa¢o, 
nada se perde, mas, ao contrario, algo se ganha e e conservado: "Este eo Iugar que me 
determinei a examinar, a separa¢o que nao e uma separa¢o, mas uma forma de 
uniao" ( 1971, p. 115; grifos no original): Alcanc;ar este estado nao e, de mane ira alguma, 
facil; o desenvolvimento do self esta rodeado de perigos. Como a crianc;a descobre-se 
dentro dos cuidados de sua mae sem se perder para ela? Como pode a crianc;a 
diferenciar-se e ainda reter os recursos maternos? Como podemos nos comunicar sem 
sermos esvaziados, ser vistos sem que se apoderem de nos, ser tocados sem sermos 
explorados? Como podermos preservar uma essencia pessoal sem ficarmos isolados? 
140 R. Greenberg and Stephen A. Mitchell 
As caracterfsticas forma is e estilisticas da apresentac;ao de Winnicott refletem estes temas. 
Ele seduz, confunde e provoca os seus leitores, valorizando-os muito, mas nunca os 
confrontando diretamente. Ele venera seus antepassados teoricos apreciando a conti-
nuidade com eles; no entanto, remodela e refaz radicalmente o trabalho delesde acordo 
com sua propria fantasia e visao. Tanto a falta de contato com outros como a 
acessibilidade total aos outros colocam, para Winnicott, graves perigos para a sobrevi-
vencia do self 
Winnicott foi urn renomado pediatra antes e durante toda sua carreira como 
psicanalista e sua profunda familiaridade com bebes e maes permeia e anima sua 
abordagem dos temas psicanallticos. Comec;ou sua analise de dez anos com Strachey 
em 1923, tres a nos antes da mudanc;a de Melanie Klein para a Inglaterra; como 
Fairbairn, foi profundamente influenciado pelo trabalho dela. A uma segunda analista, 
Joan Riviere, estava entre os colaboradores mais chegados de Klein e ele esteveem 
supervisao com a propria Klein entre 1936 e 1940. Winnicott achava que o trabalho de 
Klein justapunha-se a algumas de suas proprias primeiras observac;oes e o ajudava a 
resolver problemas com que estava lutando. Havia trabalhado com crianc;as que 
pareciam nunca ter alcanc;ado um esti:lgio edipiano estavel e diferenciado; no seu 
primeiro trabalho sobre transtornos de alimentac;iio tinha ficado impressionado pela 
predomin2mcia da voracidade nos bebes e a centralidade das fantasias em crianc;as 
pequenas quanto as suas proprias "entranhas" e as "entranhas" da mae (1936, p. 34). 
A descric;ao de Klein das primeiras fantasias, ansiedades e relac;oes objetais primitivas 
falou diretamente as primeiras preocupac;oes de Winnicott. 
Em apos um perfodo de incuba¢o, envolvendo consideravel trabalho 
clfnico tanto com crianc;as como com psicoticos, Winnicott comec;ou uma serie de 
trah::-,1hos que marcavam o seu afastamento das teorias freudiana e kleiniana. Freud 
iluminara a neurose; Klein explorara a depressao. 0 seu proprio trabalho- Winnicott 
sugere - e uma emenda, uma aplica¢o de conceitos psicanalfticos anteriores a area 
relativamente nao-mapeada da psicose manifesta. Esta distin¢o diagnostica perderia 
significado a medida que a abordagem desenvolvida por Winnicott se ampliasse numa 
teoria geral de desenvolvimento e psicopatologia, notadamente em divergencia com as 
formulac;oes de Freud e Klein. Os processos que levam ao desenvolvimento ou a inibic;iio 
do self sao descritos e compreendidos so mente no contexto da interac;iio entre a crianc;a 
e as providencias ambientais supridas pelos outros significativos. Assim, apesar dos seus 
protestos de continuidade e lealdade, o trabalho de Winnicott constitui-se numa 
abordagem da experiencia humana que esta solidamente dentro do modelo estrutural-
relacional. 
A Emergencia da Pessoa 
As mais importantes contribuic;oes de Winnicott a psicanalise comec;am com sua 
observac;ao de que a teo ria classica eo tratamento psicanalftico de neurose tomam como 
certo algo muito basico: que o paciente e uma pessoa. Com isto ele quer dizer que se 
supoe que o paciente tern uma personalidade unificada e estavel, disponfvel para a 
interac;iio com outros. Winnicott sugere que Freud pressupoe a "separa¢o do self e uma 
estrutura¢o do ego" (1960a, p. 41). Em decorrencia desta pressuposi¢o, dois 
problemas principais foram ignorados: pacientes que nao sao "pessoas"' seja devido a 
uma psicose manifesta ou porque apenas parecem interagir com outros e aquelas 
caracterfsticas da situac;ao analitica que lidam mais diretamente com os primeiros 
processos desenvolvimentais que facilitam a emergencia da personifica¢o. Estas foram 
Relafi5es Objetais na Teoria Psicanalitica 141 
precisamente as areas que Winnicott dispos-se a explorar. Quase todas as suas principais 
contribui<;6es relacionam-se as condi<;6es que possibilitam a consciencia de si mesmo 
da crian<;a como urn ser separado de outras pessoas, e ele aborda este problema de 
diferentes angulos, atraves de diferentes formula<;6es e em diferentes contextos. 
A mae fomece experiencias que permitem que o self incipiente do be be emerja. 
Este ultimo come<;a a vida num estado de "nao-integra<;§.o". com fragmentos de 
experiencia dispersos e difusos. A organiza<;§.o do bebe da sua propria experiencia e 
precedida pore se baseia nas percep<;6es organizadas da mae sobre ele. A mae fomece 
urn "ambiente sustentador" (holding) dentro do qual o bebe e contido e sentido: "uma 
crian<;a que nao teve qualquer pessoa para juntar seus fragmentos come<;a com urn 
handicap na sua propria tarefa de auto-integra<;ao" (1945, p. 150). Winnicott denomi-
nou o estado de devo<;ao que caracteriza a mae, permitindo-lhe oferecer-se de born 
grado como urn meio atencioso para o crescimento do seu bebe, de o estado de 
"preocupa<;§.o materna primaria". Ele considera a absor<;ao da mae em fantasias e 
experiencias com seu be be como urn tra<;o adaptativo natural, enraizado biologicamen-
te, do ultimo trimestre da gravidez e dos primeiros meses de vida do bebe. 
Alem de "holding", a mae "traz o mundo a crian<;a" e, na visao de Winnicott, esta 
fun<;ao tern urn papel decisivo e complexo no desenvolvimento. 0 bebe, quando 
excitado, con jura* ou, rna is precisamente, esta a ponto de conjurar urn objeto adequado 
a suas necessidades. Idealmente e justo naquele momenta que a mae devotada 
apresenta-lhe exatamente tal objeto adequado - o seio, por exemplo. Este e o 
"momenta. de ilusao". 0 be be acredita que criou o objeto. Repetidamente, o be be 
alucina, a mae apresenta e o conteudo da alucina<;ao aproxima-se cada vez mais 
intimamente do mundo real. 
"0 bebe vern ao seio quando excitado e pronto para alucinar algo adequado a 
ser atacado. Naquele momenta, o bico· do seio real aparece e ele e capaz de sentir que 
foi o bico do seio que ele alucinou. Assim, as suas ideias sao enriquecidas por detalhes 
reais de visao, tato, cheiro, e, da proxima vez, este material e usado naalucina<;ao. Assim, 
ele come<;a a construir uma capacidade de in ten tar aquila que esta verdadeiramente 
disponivel. A mae tern que continuar a dar ao filho este tipo de experiencia". (1945, pp. 
152-153) 
No "momenta de ilusao", a alucina<;ao do be bee o objeto apresentado pela mae 
sao tornados como identicos. 0 bebe sente-se onipotente, a fonte de toda a cria<;§.o; esta 
onipotencia, Winnicott sugere, torna-se a base para o desenvolvimento saudavel e a 
solidezdose/f. (Kohutiria, maistarde, tambemsustentarqueabaseparaumse/fsaudavel 
esta na oportunidade de uma experiencia prolongada de onipotencia infantil.) Neste 
processo, a necessidade de devo<;ao materna e aparente. As antecipa<;6es empaticas das 
necessidades do be be pela mae e seu timing preciso sao cruciais. Para tornar possivel 
a ilusao, "urn ser humano tern que ter o trabalho, todo o tempo, de trazer o mundo ao 
bebe de forma compreensfvel" (p. 154). A simultaneidade de alucina<;ao infantile 
apresenta<;ao materna oferece a base experimental repetitiva para o senso de contato 
com, e poder sobre, a realidade externa da crian<;a. 
0 desenvolvimento saudavel requer urn ambiente perfeito, mas so temporaria-
mente. Porperfeito Winnicott quer dizer uma mae cuja preocupa<;Eio materna possibilita 
uma sensibilidade muito intimae precisa das necessidades e gestos do seu be be. Como 
Winnicott descreve em seus escritos posteriores, a mae funciona como urn espelho, 
fornecendo ao bebe urn reflexo preciso de sua propria experiencia e gestos, apesar das 
suas qualidades fragmentadas e sem forma. "Quando olho, sou visto; portanto, existo" 
* NRT - Conjure up = conjurar espfrito, fazer aparecer por magica; alucinar. 
142 Jay R. Greenberg and Stephen A. Mitchell 
(1971, p. 143}. lmperfei~oes na rendi<jio refletida arruinam e inibem a capacidade da 
crian~a para a auto-experiencia e integra~ao e interferem com o processo de 
"personaliza<jio". Quando a mae e capaz de ressoar com os desejos e necessidades do 
bebe, este toma-se afinado com suas proprias fun~6es e impulses corporais, que se 
tomam a base do seu senso de self, que se desenvolve pouco a pouco. 0 fracasso da 
mae em realizar os gestos e necessidades da crian~ debilita o senso da crian~ da 
onipotencia alucinatoria, limitando a sua cren~ em sua propria criatividade e poderes 
e impondo uma cunha entre a evolu<jio da psique e os seus fundamentos somaticos. 
"A mente tern uma raiz, talvez sua mais importante raiz, na necessidade do indivfduo, 
no amago do self, por urn ambiente perfeito" (1949a, p. 246). 
Uma outra abordagem que Winnicottfaz dos mesmos temas e a sua considera<jio 
das condi~oes necessarias para o desenvolvimento da capacidade para ficar so. Ele 
sugere que e extremamente importante que a mae nao so forme 0 mundo de acordo 
com as demandas do bebe, mas tambem forne~ uma presen~ sem demandas quando 
este nao esta fazendodemandas ou sentindo necessidades. Isto toma possfvel ao be be 
sentir nao-necessidade e completa nao-integra<jio, urn estado de "continuarsendo" do 
qual surgem as necessidades e os gestos espontaneos. A presen~ sem demandas da 
mae toma esta experiencia do sem-forma e da solidao confortavel possfvel e esta 
capacidade torna-se urn tra~o central no desenvolvimento de urn self estavel e pessoal. 
"E somente quando sozinho (isto quer dizer na presen~ de alguem) que o bebe pode 
descobrir sua propria vida pessoal" (1958b, p. 34}. 
Felizmente para todos OS envolvidos, esta solicitude requintada da mae nao e 
necessaria por muito tempo. Uma vez firmemente estabelecida a onipotencia alucinatoria, 
e necessaria que a crian~ aprenda a realidade do mundo fora do seu controle e sinta 
OS limites dos seus poderes. 0 que torna este aprendizado possfvel e 0 fracaSSO da mae, 
pouco a pouco, em formar o mundo de acordo com as demandas do be be. A medida 
que a mae recupera-se da sua preocupa<jio e torna-se interessada mais uma vez em 
outras areas de sua vida, a crian~ e for~da a aceitar 0 que nao pode fazer, nao pode 
criar, nao pode fazer acontecer. Estas duras realidades sao mitigadas por urn esfor~o, 
dentro da crian~, por separa~ao. Assim, a cobertura de ego e a solicitude da mae 
diminuem em fina sincronia com urn aumento no exerdcio das fun~oes do ego ativo da 
parte do be be. A medida que o be be amadurece, a mae nao realiza os desejos dele tanto 
quanto recebe e responde a seus gestos. Uma diferencia<jio e intera<jio cad a vez maio res 
caracterizam o seu relacionamento. A mae do come~o que materializa o desejo 
alucinatorio passivo do bebe da lugar a mae que responde as necessidades que sao 
agora realmente expressas por gestos e sinais. 0 "fracasso graduado de adapta<jio" 
( 194 9a, p. 246} da mae e essencial para 0 desenvolvimento de separa<jio' diferencia<jio 
e realiza<jio. 
Winnicott sugere que deficiencias no cuidado materna, mais especificamente a 
falha em fornecer urn ambiente perfeito e sua retirada graduada, tern urn impacto 
debilitante no desenvolvimento emocional da crian~a. Fracassos maternos sao de do is 
tipos: incapacidade em realizar as cria~oes e necessidades alucinatorias do be be quando 
ele esta em estados excitados e interferencia com o sem-forma e a nao-integra~ao do 
bebe quando esta em estados tranqi.iilos. Os dois tipos de deficiencias maternas sao 
sentidos pela crian~ como uma interferencia aterradora com a continuidade da sua 
propria existencia pessoal e ambos resultam na experiencia do "aniquilamento do self 
do bebe" (1956a, p. 304). A existencia pessoal do bebe esta enraizada tanto nos seus 
estados sem-forma como nos seus gestos criativos onipotentes. Idealmente, a mae e o 
meio para o estado sem-forma eo instrumento da onipotencia. Qualquer interferencia 
com estas fun~oes e sentida pelo bebe como uma "intromissao". Algo de fora esta 
Rela\;i5es Objetais na Teoria Psicanalitica 143 
fazendo reivindica<;6es sobre ele, exigindo uma resposta. Ele e tirado do seu estado 
tranquilo e for<;ado a responder ou e compelido a abandonar seus pr6prios desejos, a 
aceitar prematuramente a natureza fraca e nao-realista de suas pr6prias demandas e 
amoldar-se ao que lhe e fornecido. 
A principal consequencia de intromissao prolongada e a fragmenta<;ao da 
experiencia do bebe. Por necessidade, ele se torna prematura e compulsivamente 
sintonizado as reivindica<;oes e pedidos dos outros. Ele nao pode se permitir a 
experiencia da tranquilidade sem-forma, uma vez que deve estar preparado para 
responder ao que lhe e pedido e fornecido. Percle contato com suas pr6prias necessi-
dades e gestos espontaneos, uma vez que estes nao tern rela<;ao com a maneira que sua 
mae o sente e com o que lhe oferece. Winnicott caracteriza a fragmenta<;ao resultante 
como uma cisao entre urn "selfverdadeiro", que se torna distante e atrofiado e urn "self 
falso numa base complacente". 0 "self verdadeiro", a fonte de necessidades, imagens 
e gestos espont2meos, vai para urn esconderijo, evitando a todo custo a possibilidade de 
expressao sem ser visto ou correspondido, a equivalencia da completa aniquila<;ao 
psiquica. 0 "self falso" fornece uma ilusao de existencia pessoal cujo conteudo e feito 
de expectativas e reivindica<;6es maternas. A crian<;a torna-se a imagem dela pela mae. 
0 "self falso" vern para assumir de alguma forma as fun<;6es dos cuidados que o 
ambiente falhou em fornecer. 0 "se/ffalso" secretamente protege a integridade do "self 
verdadeiro"; funciona "para esconder o selfverdadeiro, que o faz por complacencia com 
demandasambientais" (196Gb, p. 14 7). 0 se/ffalso baseia-seem fun<;6escognitivas nas 
suas antecipa<;6es e rea<;6es a intromiss6es ambientais, resultando num excesso de 
atividade da mente e uma separa<;ao dos processos cognitivos de qualquer razao afetiva 
ou somatica (1949b, pp. 191-192). 
Winnicott considera a forma<;ao de "objetos transicionais" como outro aspecto 
deste processo maior que envolve o desenvolvimento da pessoa. A dimensao mais 
importante dos fenomenos transicionais nao e a dos objetos em si, mas a natureza do 
relacionamento com os objetos, que representa uma esta<;ao no caminho 
desenvolvimental entre a onipotencia alucinat6ria e o reconhecimento da realidade 
objetiva. A emergencia da pessoa envolve urn movimento de urn estado de onipotencia 
ilus6ria, no qual o bebe, atraves da facilita<;ao da mae, sente que cria e controla todas 
as caracterfsticas do mundo em que vive, a urn estado de percep¢o objetiva, no qual 
o be be ace ita os limites de seus poderes e torna-se consciente da existencia independente 
dos outros. 0 movimento entre estes estados nao e uma progressao de mae-unica, 
linear; tanto as crian<;as como os adultos, continuamente, vacilam entre eles. Winnicott 
contrasta fortemente estes dois estados diferentes urn com o outro; subjetividade 
solipsista com percep<;ao objetiva; o mundo interior como mundo da realidade externa; -
o mundo de "objetos subjetivos" sobre os quais se tern controle total como mundo de 
outros separados e independentes. Rela<;6es com objetos transicionais formam urn 
terceiro campo intermediario e transicional entre estes dois mundos. 
Como e possfvel para urn objeto nao estar nem sob controle ilus6rio, onipotente, 
nem ser parte da realidade objetiva? Aqui esta o paradoxo que e a essencia da 
experiencia transicional. Winnicott sugere que o necessaria para o estabelecimento de 
urn objeto transicional (urn cobertor ou ursinho) e o acordo tacito entre os adultos e o 
bebe de nao questionar a origem e a natureza daquele objeto. 0 pai ou a mae age como 
se o bebe tivesse criado o objeto e mantem controle sobre ele, mas tambem reconhece 
a sua existencia objetiva no mundo de outras pessoas. Assim, o pai ou a mae que 
compreende este paradoxa nao destina o objeto a nenhum dos do is campos e o acordo 
em nao desafiar os direitos e privilegios especiais do bebe sobre seu objeto cria o campo 
transicional. 0 objeto transicional nao esta nem sob controle magico (como alucina<;6es 
144 R. Greenberg and Stephen A. Mitchell 
e fantasias) nem sob controle externo (como a mae real). A experiencia transicional esta 
em algum lugar entre "criatividade primaria e percepgao objetiva baseada no teste da 
realidade" (1951, p. 239). Devido a estes status ambfguo e paradoxal, os objetos 
transicionais ajudam o bebe a lidar com a mudan<:p gradual da experiencia de si mesmo 
como o centro de urn mundo totalmente subjetivo ao senso de si proprio como uma 
pessoa entre outras pessoas. A experiencia transicional nao e meramente urn interludio 
desenvolvimental, mas pennanece urn domfnio amado e altamente valioso dentro da 
experiencia adulta saudavel. E aqui que podemos deixar nossos pensamentos vagar, 
sem preocupagao nem com sua logica e validade no mundo real, nem como perigo de 
que nossas medita<;oes nos levema urn domfnio totalmente subjetivo, solipsista, 
causando-nos a perda total do mundo real. A experiencia transicional esta enraizada na 
capacidade da criant;,:a de brincar; na forma adulta e expressa como uma capacidade 
para jogar com nossas fantasias, ideias e as possibilidades do mundo de uma maneira 
que continuamente possibilita o surpreendente, o original e o novo. Na experiencia 
transicional mantemos o acesso a fonte mais privada de nossos pensamentos e imagens 
sem ficarmos responsaveis por eles na dura e clara luz da realidade objetiva. 
Em escritos posteriores, Winnicott des creve ainda outra caracterfstica da emergen-
cia da pessoa, baseada na distingio entre "relagao de objeto" e "uso de objeto". T ais 
formula<;oes iluminam a sua compreensao da fungio da agressao e destruigao no 
processo de separagio. A "relagao de objeto" e definida como a experiencia subjetiva, 
projetiva na qual o outro esta sob, o controle ilusorio do bebe. 0 "uso de objeto" e a 
ccep¢o e intera¢o com o q)utro como independente e real, fora do controle 
ipotente do be be. Mais umal vez, Winnicott tenta focalizar a nossa aten<;ao nos 
m :>.canismos espedficos que toyham possfvel esta transi¢o e mais uma vez eles giram 
ao red or de urn paradoxo. A qian<;a "destroi" o objeto porque passou a senti-lo como 
separado e fora do seu controlEj1subjetivo; a crian<;a "coloca" o objeto fora do seu controle 
onipotente porque esta consdente de te-lo destruido. Assim, a crian<;a "usa" e "destroi" 
o objeto porque tornou-se real eo objeto toma-se real porque foi "usado" e "destrufdo". 
A sobrevivencia do objeto e crucial. A durabilidade nao-retaliatoria da mae pennite no 
bebe a experiencia do "uso" despreocupado que, por sua vez, o ajuda a estabelecer uma 
cren<;a em outros [objetos] resistentes* fora do seu controle onipotente. 
Para Winnicott, a emergencia de urn self saudavel, criativo, depende das 
espedficas precau<;oes ambientais que ele agrupou sob o termo "cuidados maternos 
suficientemente bons". Estas precau<;oes tornam possfvel para o be be come<:pr "exis-
tindo e nao reagindo" (1960b, p. 148). Tornam possivel a mudan<;a afetiva da 
dependencia infantil para a independencia e a mudan<;a cognitiva da concep¢o 
onipotente para a percepg:io reahstica. Determinam a estrutura, coerencia e vitalidade 
do senso de self da pe~soa: "os indivfduos vivem criativamente e sen tern que a vida vale 
viver ou entao... naq pod em viver criativamente e duvidam do valor de viver. Esta 
variante nos seres hufnanos esta diretarnente relacionada com a qualidade e quantidade 
da provisao ambiental no come<;o ou nas prirneiras fases de cada experiencia vivencial 
do bebe" (1871, p. 83). 
Idealmente, o selfverdadeiro, nutrido nurn ambiente solfcito, nao usurpador e nao 
intrusivo, representa "o potencial herdado que esta sentindo uma continuidade de ser 
e adquirindo de seu proprio jeito e na sua propria velocidade uma realidade psfquica 
pessoal e urn esquema corporal pessoal" (1965b, p. 46). Idealmente, a experiencia 
humana envolve a gerag:io de impulsos e express6es espontaneas, enquanto o self 
verdadeiro "nao faz mais do que colecionar os detalhes da experiencia de estar vivo" 
* NRT- ... a belief in resilient others outside his omnipotent control, no original. 
Relar;oes Objetais na Teoria Psicanalitica 145 
(1960b, p. 148). No entanto, mesmosob as melhores circunsti'mcias, Winnicottsugere, 
tomar-se pessoa e urn fenomeno fragil e tenue e sempre ha tensao entre experiencia 
subjetiva e realidade objetiva. T odos come<;amos a vida completamente dependentes 
do reconhecimento de quem nos cuida e da facilitac;ao de nossos desejos e gestos para 
dar-nos ate mesmo a chance de nos conhecermos enos tornarmos n6s mesmos. Esta 
total dependencia necessita de uma total vulnerabilidade a nao-solicitude e as intrus6es, 
que sao sentidas como aniquilac;6es da continuidade pessoal. 0 inevitavel residuo desta 
vulnerabilidade e uma cidadela particular de realidade subjetiva mantida para sempre 
inacessfvel a luz publica, objetiva. "No centro de cada pessoa esta urn elemento 
incomunicado, o que e sagrado, eo mais merecedor de preserva<;§..o" (1963, p. 187). 
Nao importa o quao firmemente ancorada na realidade objetiva seja a pessoa, nao 
importa o quao fluente e seguramente negocia-se a brecha entre criatividade subjetiva 
e extemalidade objetiva, o medo da explora<;§..o do se/fverdadeiro persiste como o terror 
mais profunda e, portanto, permanece urn "self nao-comunicante ou o cerne pessoal 
do self que e verdadeiramente isolado". ''A questao e: como ser isolado sem vir a ser 
injuriado" (1963, pp.182, 187). Aresposta de Winnicotta esta questao esta refletida na 
substancia como tambem nas qualidades estilisticas das suas contribuic;6es as ideias 
psicanalfticas, na tensao em seu proprio trabalho entre franqueza e simula<;§..o, retidao 
e ambigUidade crfptica, lealdade com a tradi<;§..o e a destrui¢o e reorganiza<;§..o daquela 
tradi¢o. 
Winnicott e os Modelos 
As contribuic;6es inovadoras de Winnicottao pensamento psicanalitico operam no 
modelo estrutural-relacional. Ele insiste que nao ha algo assim como urn be be*, apenas 
uma dupla na amamentac;ao. 0 conceito da unidade mae-bebe, trazido de sua 
experiencia na pediatria, levou-o a estabelecer seu ponto de referenda nao em processes 
que ocorrem apenas dentro da crian<;a, mas no campo relacional entre a crian<;a e quem 
a cuida: "0 centro de gravidade do ser nao come<;a no indivfduo. Esta na situa<;§..o total" 
(1952, p. 99). Com uma enfase que lembra muito Sullivan, Winnicott dedara a 
inutilidade "em descrever bebes nos primeiros estagios a nao ser em rela¢o ao 
funcionamento da mae" (1962a, p. 57) e a impossibilidade de compreender-se a 
psicopatologia vendo o indivfduo como urn "isolado" (1971, pp. 83-84). Embora a 
sustenta<;§..o e os cuidados flsicos tenham muita import2mcia no ambiente sustentador, 
na visao de Winnicott o relacionamento entre a mae e o bebe consiste de complexas e · 
mutuas necessidades emocionais e nao essencialmente fisico. De fato, ele explicitamente ~ 
rejeita o termo de Mahler, "simbiose", como "demasiado enraizado na biologia para ser 
aceitavel" (1971, p.152), enfatizando, em vezdisto, a natureza interacional, emocional, 
da troca entre mae e crian<;a. No seu sistema, varios aspectos do primeiro relacionamen-
to entre o be bee a mae servem como o fundamento para a diferencia<;§..o e a estrutura<;§..o 
do self 
A estrategia de Winnicott para posicionar-se vis-a-vis a tradi<;§..o estrutural-
pulsional, dado o seu arcabouc;o estrutural-relacional, poderia ser caracterizada como 
uma negligencia benigna. Ele nao abandonou totalmente, como Fairbairn, o uso da 
teoria pulsional. Nem tentou, como Jacobson, Kernberg e outras figuras dentro da 
psicologia do ego americana, misturar conceitos relacionais como arcabouc;o estrutural-
pulsional mais antigo. Em vez disto, ele estabelece as relac;6es objetais num plano que 
* NRT- no original, there is no such thing as a baby. 
146 Jay R. Greenberg and Stephen A. Mitchell 
e autonomo e separado dos processos instintivos. Na classica teo ria pulsional, as rela<_;6es 
objetais sao derivadas dos vefculos para satisfa<;ao e defesa pulsional. Na teoria de 
Winnicott, as primeiras rela<_;6es objetais consistem de intera<_;oes entre as necessidades 
desenvolvimentais dentro da crian<;a e cuidados maternos oferecidos pela mae, 
completamente separados da satisfa¢o pulsional. Ele nao desafia o conceito pulsional 
diretamente, mas o ignora, relegando-o a urn status periferico e secundario. 
De acordo com Winnicott, a crian<;a necessita de relacionamento com a mae. Esta 
necessidade de contato consiste de uma orienta<;ao e antecipa¢o embutidas mais do 
que uma serie de imagens espedficas a priori do tipo que Klein sugeriu; ha uma 
prontidao e expectativa mais do que urn objeto em si. Brincar ''permiteao bebe 
encontrar a mae" ( 1948a, p. 165) e, apesar de sua relutancia em associar-se ao trabalho 
de Fairbairn, Winnicott fala de uma "pulsao que poderia ser chamada de busca-de-
objeto" (1956b, p. 314}. 0 bebe necessita dos cuidados maternos que definem a 
maternidade suficientemente boa, incluindo: uma facilita¢o inicial perfeitamente 
correspondente as suas necessidades e gestos; urn ambiente de "sustenta¢o" e 
espelhamento sem intrusao atraves dos estados tranqliilos, o acordo conspirat6rio de 
respeitar objetos transicionais, sobrevivencia, apesar da intensidade das necessidades 
do bebe e a falta de retalia¢o contra as caracteristicas destrutivas do uso de objeto. 
Winnicott diferencia a necessidade destes cuidados maternos dos desejos instintivos: 
"uma necessidade e preenchida ou nao preenchida e 0 efeito nao e 0 mesmo que aquele 
de satisfag:i.o e frustra¢o de urn impulso do id" (1956a, p. 301). Estas necessidades 
relacionais sao urn imperativo desenvolvimental; se nao preenchidas, nao podera 
ocorrer crescimento significativo. 
Winnicott enfatiza a separa¢o entre processos relacionais-chaves e as puls6es. 
"Ha urn relacionamento entre o be be e a mae ... nao e uma deriva¢o de experiencia 
instintiva nem de relacionamento objetal surgindo de experiencia instintiva. Precede a 
experiencia instintiva como tam bern ocorre simultaneamente a ela e mistura-se com ela" 
(1952a, p. 98}. Na classica teoria pulsional, a capacidade de aproveitar a vida esta 
enraizada na possibilidade de satisfa<;ao pulsional e sublima<_;ao. Winnicott enfatiza a 
prioridade dos processos relacionais que levam a emergencia do self. 
"Vemos agora que nao e a satisfa<;ao instintiva que faz urn bebe come<;ar a ser, a 
sentir que a vida e real, a a char a vida digna de ser vivid a. De fa to, gratifica<_;6es instintivas 
come<;am como fun<_;oes parciais e tornam-se sedw;oes se nao forem baseados numa 
capacidade bern estabelecida na pessoa individual para a experiencia total e para a 
experiencia na area dos fenomenos transicionais. Eo self que deve preceder o uso de 
instinto do self; o cavaleiro deve montar o cavalo, nao ser conduzido." (1971, p. 116) 
Como a gratifica¢o pulsional pode fornecer uma distra¢o de necessidades 
desenvolvimentais mais basi cas? Aqui, a distancia entre Winnicott eo modelo estrutural-
pulsional e aparente. Ne~te ultimo, a satisfa<_;ao pulsional constitui a funda¢o subjacente 
e a natureza latente essencial das rela<_;oes objetais. Mesmo dentro do trabalho de Klein, 
a satisfa¢o e essencial ao desenvolvimento das rela<_;oes objetais. A mae torna-se "boa" 
por meio de uma boa amamenta<_;ao; o bebe ama a mae, sorvendo-a e internalizando-
a. A mae torna-se "ma" ao frustrar o be be. Winnicott separou estes do is campos. 0 self 
surge e torna-se estruturado, atraves de experiencias relacionais com espedficos 
cuidados maternos. 0 que e crucial nestes cuidados e a posi<;ao do objeto, a fun<_;ao da 
mae de "sustentar" o be be, realizando seus gestos, sobrevivendo a seus ataques, e assim 
por diante. De acordo com Winnicott, a gratifica¢o em si faz pouco para afetar a posi¢o 
do objeto; OS cuidados maternos SaO independentes da fun<_;ao da mae de satisfazer 
necessidades instintivas. "Urn bebe pode ser alimentado sem amor, mas falta de amor 
ou gerenciamento impessoal nao pode ter sucesso em produzir uma nova crian<;a 
Rela<;oes Objetais na Teoria Psicanalitica 147 
humana autonoma" (1971, p. 127). A satisfa<jio de necessidades instintivas pode, de 
fato, ser oferecida como uma distra<jio substitutiva. "0 bebe pode ser 'ludibriado' por 
uma amamenta<jio satisfat6ria" (1963, p. 181). 
"Deve-se compreender que quando se faz referenda a capacidade adaptativa da mae, isto tem 
pouco a ver com sua habilidade de satisfazer as puls6es orais do bebe. como ao dar 11ma 
amamentada satisfat6ria. 0 que esta sendo discutido aqui cone paralelo a tal considera<;ao. E 
realmente possfvel satisfazer uma pulsao orale ao fazer isto violar a fun<;ao de ego do be be, ou aquela 
que mais tarde sera ciumentamente guardada como oself, o ceme da personalidade. Uma satisfa<;ao 
alimentar pode ser uma sedut;ao e pode ser traumatica se surge para um be be sem cobertura por 
funcionamento do ego". (1962a, p. 57) 
Assim, em bora Winnicott conserve o conceito dos instintos, estes sao relegados a 
urn status secundario e periferico no desenvolvimento. A sua maior preocupa<jio vis-a-
vis a desejos instintivos com base ffsica e que pod em se tornar urn rneio de interferencia 
com necessidades desenvolvimentais mais basicas (1952b, p. 225). 
A abordagem de Winnicott da psicopatologia e do tratamento reflete premissas do 
modele estrutural-relacional. Na sua visao, a saude mental e constitufda pela relativa 
integridade e espontaneidade do self A psicopatologia (afora de uma cartada diagn6stica 
politicamente destinada, a ser considerada logo) envolve corrup<jio e constri<_;ao no 
movimento e na expressao do self. 0 fator necessaria e suficiente responsavel pela saude 
mental sao os cuidados adequados dos pais - maternidade suficientemente boa. 
Winnicott define a psicose espedficamente como uma "doen<_;a de deficiencia ambiental"; 
no en tanto, toda a psicopatologia dentro do seu sistema envolve dano no funcionamen-
to do self e e assim, por defini<_;ao, urn produto da deficiencia dos pais. A personalidade 
dos pais, Winnicott demonstra repetidamente atraves de suas ilustra<_;oes clfnicas, tern 
urn enorme impacto no desenvolvimef?,to da crian<_;a, e a patologia dos pais, quando 
interfere com o fornecimento de educa<jio e cuidado infantil apropriado, reverbera 
claramente na psicopatologia da crian<_;a: "A crian<_;a vive dentro do drculo da 
personalidade dos pais e ... este drculo tern caracterfsticas patol6gicas" (1948b, p. 93). 
A compreensao estrutural-relacional de Winnicottsobre a natureza da psicopatologia 
esta refletida no seu tratamento do fenomeno da regressao. A regressao, sugere, nao e 
urn retorno a pontes de fixa<jio libidinal ou a zonas erotogenicas espedficas. A regressao 
representa urn retorno ao ponto no qual o ambiente falhou para com a crian<_;a. 
Cuidados paternos apropriados sao o sine qua non do crescimento emocional; on de eles 
estao ausentes, o desenvolvimento parae as ''necessidades" desenvolvimentais ausen-
tes dominam a vida subsequente. As necessidades desenvolvimentais sao muito 
diferentes de "desejos" advindos de pulsoes. As necessidades sao uma imposi<jio -
desenvolvimental; nada mais pode acontecer ate que elas sejam preenchidas. Dentro 
do modelo estrutural-pulsional, a regressao e patol6gica e perigosa, uma vez que fornece 
urn excesso de satisfa<jio infantil. Na · versao de Winnicott do modele estrutural-
relacional, a regressao e uma procura de experiencias relacionais ausentes. "A tend en cia 
a regressao num paciente e agora vista como parte da capacidade do individuo de 
ocasionar uma cura do self' (1959, p. 128). 
Winnicott ve o fa tor curativo na psicanalise nao em sua fun<_;ao interpretativa, mas 
na maneira pela qual o ambiente analftico garante cuidados paternos ausentes e 
preenche necessidades desenvolvimentais anteriores. A fun<jio da psicanalise e a de 
compensar por fracassos paternos em adapta<_;ao e a "de garantir urn certo tipo de 
ambiente" (1948a, p. 168). A pessoa do analista eo ambiente analitico "sustentam" o 
paciente; na confiabilidade, aten<jio, responsividade, memoria e durabilidade do 
analista, o self abortado do paciente desatola e continua a crescer. Winnicott tambem 
148 R. Greenberg and Stephen A. Mitchell 
ve 0 processo psicanalitico em termos de urn brincar mutuo entre 0 paciente e 0 analista; 
quando o paciente esta constringido nesta capacidade, o analista funciona para reaviva-
la (1971, p. 38). Enquanto a principal enfase de Freud ao discutir o valor liberalizante 
da psicanalise esta na liberdade da ilusao, Winnicott enfatiza acrescente liberdade para 
criar ilusao e isto esta intimamente ligado a capacidade de brincar (R. Bank, comunica-
gio pessoal). 
Winnicott defendia-se contra crfticos ortodoxos que acusavam que sua aborda-
gem do tratamento e muito regressiva e muito gratificante de desejos infantis, argumen-
tando que a gratificagio na regressao e o resultado nao da satisfa<;ao libidinal, mas do 
fato que 0 "self e alcan<;ado" (1954, p. 290). Esta visao do tratamento e uma 
consequencia das suas pressuposi<;oes do modelo estrutural-relacional quanto ao 
amadurecimento, o desenvolvimento e a psicopatologia e esta consistente com elas. As 
rela<;oes espedficas com uma figura materna sao essenciais ao desenvolvimento da 
pessoa. Quando providenciadas, deixam a crian<;a livre para crescer e funcionar 
livremente como uma pessoa no mundo; quando estao ausentes, o self incipiente e 
enleado e aprisionado, embrulhado num casulo protetor, escondido do mundo dos 
outros, que e sentido como inseguro para uma vida autentica e espontimea e que o 
verdadeiro self pode ser atingido e permitido a continuar o seu crescimento. 
Winnico' Tradi<;ao 
Winnicott e muito cuidadoso em seus escritos em se colocar dentro da tradigio 
1ais antiga das ideias psicanalfticas. As duas figuras com que estava mais preocupado, 
tanto expllcita como implicitamente, foram Klein e Freud. Winnicott refor<;ou-se 
consideravelmente para apresentar as suas contribui<;oes como uma continuagio, e nao 
urn abandono, dos seus sistemas, e criticou Fairbairn por contestar diretamente a teoria 
pulsional de Freud. No entanto, suas pr6prias formula<;oes operam totalmente dentro 
do modelo estrutural-relacional - e isto criou serios problemas pollticos. Apesar da 
natureza relacional dos seus conceitos, Winnicott alinha-se com Klein e Freud, atraves 
de uma combinagio de assimilagio, distor<;ao e fuga estrategica. 
0 uso de Winnicott da teoria de Klein reflete uma marcada ambivalencia. Por urn 
lado, varios dos conceitos e enfases dadas por ela forneceram ferramentas intelectuais-
chaves ao desenvolvimento do seu proprio pensamento. As no<;oes de urn mundo 
interno, objetos internos, ganimcia primitiva, a importimcia da phantasy- todos estes 
conceitos ocupam uma parte central dentro do sistema de Winnicott, que, abertamente, 
reconheceu este debito e, ainda em 1948, defendeu a teoria kleiniana contra seus 
criticos, mais especificamente Glover. Por outro !ado, Winnicott come<;ou a desafiar 
diretamente a teoria de Klein ainda em 1941. Naquele ano, ele fez obje<;ao a no<;§.o de 
urn conhecimento e imaginagio a priori do penis do pai (1941, p. 63). Em 1949, 
Winnicott argumentou que o nascimento nao e sentido em termos da proje<;§.o de 
agressao - "nao foi alcan<;ado ainda o estagio no qual isto significa alguma coisa" 
(1949b, p.l85). Em 1959,sugerequeoconceitodoinstintodamortee "desnecessario" 
(1959, p. 127), enquanto numa resenha retrospectiva das contribui<;oes de Klein ele 
sugere que a tentativa dela de datar processos cognitivos complexos cada vez mais cedo 
na infimcia "danificou" o seu trabalho posterior (1962b, p. 177). 
A mais ampla crftica de Winnicott ao sistema de Klein relacionava-se a sua enfase 
nos processos internos as custas das rela<;oes com outros reais; o seu maior desvio te6rico 
da visao dela esta na sua enfase no ambiente interpessoal. Na teo ria mental de Winnicott, 
Relar;oes Objetais na Teoria Psicanalitica 149 
as rela<;oes objetais estao enraizadas e constituidas tanto pelo desempenho das fun<;oes 
de cuidado da mae como por seu carater. As suas principais criticas aos conceitos 
kleinianos tern a ver com a tentativa dela em derivar rela<;oes objetais de fontes 
constitucionais inerentes, como imagens objetais a priori e agressao inata. 0 que Klein 
deriva da constitui<;§.o, Winnicott deriva dos cuidados e fracassos ambientais. 
"Melanie Klein representa a tentativa mais vigorosa de estudar-se os processos 
mais primitivos do bebe humano em desenvolvimento afora o estudo do cuidado 
infantil. Ela sempre admitiu que o cuidado infantil e importante, mas nao fez estudo 
especial disto" (1959, p. 126; grifos no original). Como pediatra e diretor de uma clinica 
psiquiatrica infantil, Winnicott estava muito mais consciente de maes abusivas e 
negligentes (do que Klein.) Esta diferen<;a, sem duvida, marca a diferen<;a no peso que 
eles dao a realidade do comportamento e carater dos pais (James Grotstein, comuni-
ca<;ao pessoal). 
No seu desafio aos sustentaculos centrais da teoria de Klein, Winnicott viu-se 
desafiliado do grupo kleiniano; nos ultimos anos, ele parece ter visto isto com urn toque 
de amargura e pesar. "Nunca tive analise com ela ou com qualquer de seus analisandos, 
de forma que nao me qualifiquei para ser urn do seu grupo de kleinianos escolhidos" 
( 1962b, p. 173)-uma afirma<;ao surpreendente, dada a sua analise com Joan Riviere. 
Winnicott usou a sua posi<jio como membra do "grupo-c" dentro da Sociedade 
Psicanalftica Britfmica (nem seguidores de Klein nem de Anna Freud) para tentar sanar 
a cisao dentro da Sociedade e reconciliar as formula<;oes kleinianas com a teoria 
freudiana dominante. 
Apesar do aberto afastamento de Winnicott em muitas questoes, o tratamento a 
Klein em seus escritos reflete urn esfor<;o consideravel para demonstrar a sua continui-
dade com a perspectiva dela. 0 principal subterfugio empregado para preservar 
continuidade e a sua tend en cia a reinterpretar as formula<;oes de Klein num arcabou<;o 
mais completo do modelo estrutural-relacional. As vezes, as altera<;oes de Winnicott sao 
abertamente reconhecidas. Por exemplo, ele mantem a enfase de Klein na fantasia 
inconsciente como o fundamento universal da vida mental, mas ele explicitamente 
separa a fantasia das pressuposi<;oes com rela<;ao ao conhecimento a priori. Para Klein, 
com la<;os mais fortes com o modelo estrutural-pulsional, a fantasia e, acima de iudo, 
urn fenomeno interno, gerado pelas pulsoes e relacionado secundariamente ao mundo 
de outros reais. No sistema de Winnicott, a primazia da fantasia e preservada, mas o 
conteudo e alterado. "A fantasia e mais primaria do que a realidade eo enriquecimento 
da fantasia com as riquezas do mundo depende da experiencia da ilusao" (1945, p. 
153). Para ele, a fantasia e orientada desde o come<;o para a realidade personalizada, 
rnanifestando-se nurna prontidao para desenvolver ilusoes de controle sabre o que o -
rnundo real verdadeirarnente prove. Atraves da fantasia o bebe esta pronto, no 
"rnomento de ilusao", para intercarnbio relacional com o rnundo extemo. 
Em outros pontos, a altera<;ao de Winnicott as formula<;oes de Klein esta rnuito 
rnais escondida. Por exemplo, ele considerava o desenvolvimento de Klein do conceito 
da posi<;§.o depressiva como sen do. a sua maior contribui<;§.o a hist6ria das ideias 
psicanaliticas; "esta no mesrno plano que o conceito de Freud sobre o complexo de 
Edipo" (1962b, p. 176). Ao introduzir fontes pessoais para o sentimento de culpa, em 
oposi<;§.o as sociais, Winnicott acreditava que Klein tinha aberto todo urn novo campo 
de pesquisa psicanalitica relacionado com a "ideia do valor de urn individuo", alem de 
questoes de "saude" (1958a, p. 25). No entanto, ao apresentar as formula<;oes 
kleinianas, ele as altera. 0 desenvolvirnento da capacidade para preocupa<;§.o (Winnicott 
prefere 0 termo "preocupa<;§.o" a "culpa" de Klein) e apresentado como uma caracte-
rfstica da transi<;§.o entre onipotencia infantil e percep<;§.o e relacionamento objetivos. 
150 Jay R Greenberg and Stephen A. Mitchell 
Nesta transi¢o, a saude e efetuada entre as duas "maes" diferentes dentro da 
experiencia do bebe: a mae ambiental, cuidadosa, que prove a fun¢o de holding em 
estados tranquilos, ea mae "objeto"' que e a vitima das fantasias e ataques "impladweis" 
do bebe nos estados de excita¢o. 
Winnicott sugere que o be be, na suaexcitacjlo voraz, usa a mae sem se importar 
com seus sentimentos ou ate mesmo sobrevivencia. Ele esta atento somente aos seus 
proprios desejos. A crise depressiva e precipitada pela compreensao de que a mae que 
e 0 objeto destes estados excitados e tambem a mae que prove 0 ambiente sustentador 
entre excita<;6es, a mae da qual depende e a quem ama. Esta sfntese e compreensao faz 
surgir uma profunda preocupacjlo pela mae. De acordo com Winnicott, do is aspectos 
da funcjlo materna sao cmciais, para que o bebe sustente e integre a capacidade para 
preocupacjlo. Primeiro, a mae deve sobreviver aos estados excitados e "sustentar" a 
situacjloaolongodotempo, afimdequeacrian<;apossaviraconfiarnasuadurabilidade 
e a perceber a destrutividade menos-do-que-onipotente de suas proprias necessidades 
e fantasias. A sobrevivencia da mae demonstra a resistencia e a elasticidade do mundo 
real em face dos desejos e das exigencias do bebe. Em segundo lugar, a mae deve dar 
ao be be a "oportunidade de contribuir", de compensar a mae, de consola-la. So mente 
se a reparacjlo for possivel e que a culpa que a crian<;a sente sobre o seu impacto 
destrutivo pode ser tolerada e a capacidade de preocupacjlo, emergir. 
Na remontagem feita por Winnicott das formula<;oes de Klein quanto a posi¢o 
depressiva, varias mudan<;as basicas sao aparentes. Ele ve a ansiedade depressiva e a 
culpa muito mais diretamente relacionadas com a pessoa da mae real do que o fez Klein. 
A crian<;a nao pode simplesmente "consertar" a mae em fantasia e brinquedo, mas 
necessita que lhe deem a "oportunidade de contribuir", para consolar a mae na 
realidade, colocando problemas dificeis para crian<;as de maes deprimidas, inconsolaveis. 
"A sua tarefa e primeiro lidar com o humor da mae ... criando uma atmosfera na qual 
possam iniciar suas proprias vidas" ( 1948b, p. 93). A posicjlo depressiva, portanto, esta 
mais completamente fundamentada no mundo interpessoal real da crian<;a. Ademais, 
a propria questao do cerne da posicjlo depressiva e diferente nas formula<;6es de 
Winnicott. Klein havia descrito a ansiedade depressiva como surgindo da integracjlo do 
born seio ( o reposit6rio do am or projetado da crian<;a mais experiencias gratificantes 
com a mae), com o mau seio ( o repositorio do odio projetado da crian<;a . mais 
experiencias fmstrantes com a mae). Sem reconhecer que esta mudando alguma coisa, 
Winnicott descreve a ansiedade depressiva como surgindo da integra¢o da mae 
ambiental (que "sustenta" 0 bebe nos estados tranquilos} com a mae-objeto (que e a 
vftima das apropria<;6es vorazes do bebe nos estados exitados). Estas nao sao 
constru<;6es simplesmente paralelas. 
A formulacjlo de Klein reflete os residuos da nocjlo do modelo pulsional de que 
a tarefa central do primeiro desenvolvimento psfquico e a regulamentacjlo e integra¢o 
de energias pulsionais que surgem internamente; a formula<;ao de Winnicott reflete a 
no¢o do modelo mais completamente relacional, de que a tarefa central do primeiro 
desenvolvimento psiquico e a integra¢o das varias fun<;6es de cuidados providas pela 
mae. A fim de empregar os conceitos de Klein sem modifica-los abertamente, e 
necessaria que Winnicott os leia mal. Isto se torna mais claro na sua discussao sobre a 
fun¢o da agressao. "Empreguei a expressao impulso de amor primitive, mas, nos 
escritos de Klein, a referenda e para a agressao que esta associada as frustra<;oes que 
inevitavelmente perturbam as satisfa<;oes instintivas a medida que a crian<;a come<;a a 
ser afetada pelas exigencias da realidade" (1958a, p. 22). Modificar o trabalho de Klein 
derivando a agressao de experiencias reais de fmstra¢o nao e apenas possivel, mas uma 
altera¢o obrigatoria. Apresentar tais modifica<;6es como a propria visao de Klein 
Relar;oes Objetais na Teoria Psicanalftica 151 
obscurece as diferenc;as fundamentais entre Klein e Winnicott com rela<;§.o as suas 
pressuposic_;oes subjacentes basicas. 
Gun trip conta que Winnicott insistiu com ele para que "tivesse sua propria relac_;ao 
com Freud e nao a de Fairbairn" (1975, p. 151). Num outro contexto, Guntrip sugere 
que na realidade o proprio Winnicott teve do is relacionamentos com Freud, urn publico 
e outro particular, sendo que neste ultimo, sugere, Winnicott reconhecia o seu 
distanciamento da abordagem da psicopatologia de Freud, com base na pulsao, na 
dire<;§.o de uma visao mais relacional. "Discordamos de Freud", afirma Guntrip que 
Winnicott disse. "Ele era de 'curar sintomas'. Nos estamos preocupados com pessoas 
vivas e amorosas totais" (Mendez e Fine, p. 361). Por que esta divergencia aberta nao 
se refletiu nos escritos de Winnicott? Guntrip sugere que Winnicott, era "clinicamente 
revolucionario e nao [estava] realmente interessado o suficiente na teoria pura para se 
incomodar em elabora-la". Esta afirma<;§.o e intrigante sese examinam referencias a 
Freud no trabalho de Winnicott, que se esforc;a grandemente, as vezes a ponto de 
proceder a argumenta<;§.o elaborada e intricada, para proclamar-se de acordo com 
Freud em todos os sentidos. A sua rela<;§.o com Freud nao pode ser, conforme Gun trip 
afirma, produto de pesquisa ou desinteresse; alias, parece ser o resultado de uma 
estrategia sistematica de Winnicott para apresentar as suas contribuic_;oes como uma 
continua¢o direta do trabalho de Freud, ao inves de urn afastamento pronunciado. Os 
principais estratagemas usados nestes esforc_;os foram uma rna leitura sistematica das 
formulac_;oes de Freud e urn uso de distinc_;oes diagnosticas que parecem preservar intacta 
a teoria freudiana da neurose. 
Consideremos varias das mais significativas mas leituras de Winnicott de Freud. 
0 conceito de Freud de narcisismo primario e urn empecilho para qualquer modelo 
estrutural-relacional, uma vez que explicitamente pressupoe que o bebe, no comec_;o, 
nao esta orientado para outros, assim fazendo das relac_;oes objetais fenomenos 
secundarios e derivados. Tanto Klein quanto Fairbairn desafiaram diretamente o 
conceito de narcisismo primario, a primeira ao argumentar a presenc_;a de relac_;oes 
objetais internas inerentes ao narcisismo, enquanto o ultimo ao argumentar que a libido 
esta dirigida para a realidade e os outros desde o comec_;o. Winnicott toma urn caminho 
diferente: ele reconhece as dificuldades que o conceito de Freud coloca, entao diz que 
prefere pensar que este nao queria real mente dizer o que disse. Winnicott cita a referenda 
de Freud ao be be como uma "criatura completamente narcisista ... totalmente incons-
ciente de sua [ da mae] existencia como urn objeto". Prossegue observando: "Gosto de 
pensar que Freud estava tateando ao red or deste assunto sem chegar a uma conclusao 
final devido ao fa to de nao dispor de certos dados essenciais a compreensao do assunto" 
(1949b, p. 175). Apesar da total ausencia de qualquer hesitac_;ao como esta nos escritos ~ 
de Freud, Winnicott passa a usar o conceito de "narcisismo primario como se nao 
implicasse num primeiro estado sem objeto, mas fosse, de fa to, equivalente a sua propria 
visao antitetica da primeira dependencia do bebe da mae. 
A pressuposi<;§.o de uma pulsao agressiva inata e urn dos pilares gemeos da "teoria 
do instinto dual" de Freud. Klein conservou e expandiu este conceito, ao passo que 
Fairbairn explicitamente o rejeitou. No trabalho de Winnicott nao ha qualquer pulsao 
agressiva do tipo que Freud formulou, mas ele continua a usar o termo extensivamente. 
Winnicott a tinge a aparencia de continuidade com rela<;ao ao conceito de agressao inata 
simplesmente adotando o termo e redefinindo-o. Ele enfatiza a importancia da agressao 
em todo o seu trabalho, empregando o termo de Freud como se tivesse o mesmo 
significado. No entanto, em varios pontos menciona que agressao e destrui<;§.o nao 
envolvem raiva ou odio. Para ele, "agressao" nao se refere a uma pulsao instintiva 
espedfica, mas a uma vitalidadee motibilidade geral. Ele a equaciona a uma forc;a vital 
152 R. Greenberg and Stephen A. Mitchell 
e argumenta que "na origem, a agressividade e quase sinonimo de atividade" (1950, 
p. 204). Sugere que consiste de uma necessidade de alga para se bater contra, alga fora 
do self a ser encorajado e como qual se empenhar: "eo componente agressivo que ... 
move o indivfduo a uma necessidade de urn Nao-Eu ou urn objeto que se sente ser 
externo" (1950, p. 215). A "destrui¢o", no trabalho posterior de Winnicott sabre uso-
de-objeto, e assim, urn desejo inocente, nao-beligerante, de a<_;ao: "esta atividade 
destrutiva e a tentativa do paciente de colocar 0 analista fora da area de controle 
onipotente, isto e, la no mundo". A pulsao agressiva "cria a qualidade de extemalidade" 
(1971, pp. 107, 110). 
0 tratamento de Winnicott a teoria de Freud da culpa edipiana fornece outro 
exemplo de continuidade fon;ada. Na teoria de Freud, o complexo de Edipo e 
constituido pelo choque entre for<ps instintivas que movem a crian<p para impulsos 
incestuosos e assassin as, por urn lado, eo medo de retalia<_;ao pelo pai real e mais tarde 
pelo superego, por outro. E urn produto da tensao entre a premencia da pulsao eo medo 
de retalia¢o da realidade social. Winnicott descreve diferentemente o complexo de 
Edipo de Freud: 
"Nos termos mais simples possiveis do complexo de Edipo, urn menino saud ave! 
conseguiu urn relacionamento com sua mae no qual estava envolvido instinto e no qual 
o sonho continha urn relacionamento de amor com ela. Isto levou ao sonho da morte 
do pai que, por sua vez, levou ao medo do pai e ao medo de que o pai iria destruir o 
potencial instintivo da crian<p. Isto e referido como o complexo de castra¢o. Ao mesmo 
tempo, havia o amor do me nino pelo pai eo seu respeito por ele. 0 conflito do menino, 
entre aquele lado da sua natureza que o fazia odiar e querer ferir seu pai eo outro lado 
pelo qual ele o amava, envolvia o menino num sentimento de culpa". (19653a, p. 17) 
F descri¢o e urn relata do complexo de Edipo como modificado pelas 
form we: 6es de Klein quanta a posi<;ao depressiva. 0 conflito de Freud entre pulsao 
(tanto libidinal como agressiva) e realidade social foi substituido pelo conflito de Klein 
entre am ore 6dio. (Freud algumas vezes tam bern fala da ambivalencia em conexao com 
conflitos edipianos, mas uma ambivalencia derivada da bissexualidade constitucional, 
baseada no corpo e derivada de pulsao, ao inves da ambivalencia mais amplamente 
emocional que Kleine Winnicott descrevem). Klein explicitamente tratou das diferen<ps 
entre o seu relato da crise edipiana eo de Freud. Winnicott nao faz; ele reescreve a teoria 
freudiana atraves de uma perspectiva kleiniana, preservando uma ilusao de consenso 
e tradi¢o sem quebra. 
Urn exemplo final da sua sistematica rna leitura de Freud e dado pelo argumento 
de Winnicott de que a mais novae inovadora de suas contribui<_;oes estava, na realidade, 
impllcita no trabalho de Freud o tempo todo: 
"Pareceria, para mim, que a ideia de urn Self Falso ... pode ser discernido nas 
primeiras formula<;oes de Freud. Em particular, eu ligo o que divido em SeljVerdadeiro 
e falso a divisao de Freud do self numa parte que e centrale movida pelos instintos (ou 
pelo que Freud chamou de sexualidade, pre-genital) e uma parte que esta voltada para 
fora e esta relacionada com niundo". (196Gb, p. 140) 
Este e urn paralelo extremamente enganoso. A distin¢o de Winnicott entre o self 
verdadeiro eo falso contrasta urn viver autentico e espontaneo com urn viver submisso, 
demasiadamente adaptativo. A distin<_;ao de Freud entre o id e ego contrasta impulsos 
primitivos, associais, nao-dirigidos, com urn conhecimento necessaria do e facilidade 
como mundo extemo. A distin¢o de Freud nao se dirige a questao da inautenticidade, 
que esta no centro da preocupa¢o de Winnicott. Uma compara¢o entre os dois 
conceitos e interessante e reveladora. A preocupa¢o de Freud, consistente com o 
modelo estrutural-pulsional, e com a divisao entre pulsoes e fun<_;6es reguladoras, entre 
Relm;oes Objetais na Teoria Psicanalitica 153 
energia e sua organiza¢o e uso. A preocupa<;ao de Winnicott, consistente como modelo 
de estrutura relacional, e com diferentes formas de rela¢o entre o self e os outros. 
Colocando-se as formula<;oes de Winnicott ao lado das de Freud pode-se vera distancia 
que ele percorreu desde o modelo de estrutura pulsional. Winnicott esta preocupado em 
minimizar aquela distancia. 
0 segundo estratagema usado por Winnicott para se colocar em continuidade 
com trabalho de Freud encontra-se na sua abordagem do diagnostico. Em urn dos 
primeiros trabalhos nos quais ele expressou suas visoes originais ( 1945), Winnicott faz 
uma distin¢o tripartida entre categorias de transtomo mental: transtomos pre-self 
(psicoticos, esquizoides, casos borde line e falsos self) ____:., uma disfun<;§.o dentro das 
primeiras rela<;oes objetais mais primitivas; transtornos depressivos- dificuldades com 
assuntos do mundo interno, envolvendo conflitos entre am ore odio, como caracteriza-
dos por Melanie Klein; transtornos de pessoas completas ( neurose)-conflitos edipianos 
como caracterizados por Freud. Este sistema dassificatorio reflete a rela¢o de Winnicott 
com a tradi¢o: Freud estava certo quanta a neurose; Klein estava certa quanta aos 
depressivos; Winnicott tom a como sua propria provincia a relativamente nao-explorada 
area dos fenornenos psicotico e psicotico-bordeline. 
Por volta de 1954, ele havia colocado a "maio ria das pessoas chamadas normais" 
no grupo do meio, como depressivos kleinianos (1954b, pp. 276-277). 0 terceiro grupo, 
os neuroticos freudianos, agora consiste so mente de "pessoas bastante saudaveis" que 
conseguiram estabelecer urn self estavel e vital o suficiente para ser confrontado corn os 
problemas edipianos descritos por Freud. Porvolta de 1956, a classifica<;§.o do meio, de 
depressivos kleinianos, caiu fora e a maioria dos sofredores de transtorno mental e 
agrupada na primeira categoria, aqueles que, em resultado de deficiencias nas provisoes 
paternas, nao tern urn self integrado, vital. Winnicott chegou a usar o conceito de falso 
self como urn (mico prindpio diagnostico, representando urn continuo de psicopatologia 
desde os estados psicoticos, nos quais o self falso desabou, ate estados quase saudaveis, 
nos quais o self falso media seletiva e frugalmente entre o self verdadeiro e o mundo 
externo (196Gb, p. 150). A outra categoria de seres humanos, aquele domfnio dentro 
do qual a teoria freudiana ainda se aplica, nao e rnais vista como uma forma de 
psicopatologia. Na neurose, cuidados parentais adequados produziram urn self sauda-
vel. "A neurose verdadeira nao e necessariamente urn a doen<;a ... devernos pensa-la 
como urn tributo ao fato de que a vida e dificil" (1956c, pp. 318-319). 
0 que Winnicott esta realizando com estas distin<;oes diagnosticas em mudan<;a? 
Inicialmente, ele retrata o seu trabalho como uma aplica<;ao dos conceitos de Freud a 
urn campo de patologia nao considerado por Freud. A medida que seu trabalho se 
desenvolveu, no entanto, tornou-se aparente que Winnicott estava propondo nao uma -
extensao, mas uma alternativa para a abordagem de Freud. Ele esta oferecendo urn 
arcabou<;o parase compreender a psicopatologia que, firmemente enraizado no modelo 
relacional, esta em oposi¢o as forn1ula<;6es dassicas baseadas na pulsao e na defesa. 
Assim, o grupo diagnostico, que Winnicotttoma como seu, gradualmente incha; aquele 
deixado a Freud gradualmente encolhe. E necessaria, no entanto, para o posicionamento 
politico de Winnicott, de si mesmo em continuidade a Freud, que ele designe a neurose 
como urn fenomeno adequadamente cornpreendido apenas dentro do arcabou<;o da 
teoria pulsional classica. No entanto, como o proprio sistema de Winnicott e tao amplo 
e tao em oposi¢o aos prindpiosestruturais-pulsionais, nao e facil para ele permitir a 
teoria de Freud urn Iugar significativo. Na realidade, a maneira pela qual ele descreve 
a visao de Freud da neurose esta, em si, bastante distorcida. Ele define a neurose como 
"a doen<;a que pertence ao conflito intoleriwel que e inerente a vida e ao viver como 
pessoas completas" (1959, p. 136). A neurose, sugere, eo destino dos individuos que 
151: Jay R. Greenberg and Slephen A. Mitchell 
tiveram cuidados adequados dos pais e, portanto, possuem urn self estavel e vital. As 
suas lutas concern em conflitos instintivos universais e seus pr6prios excesses e deficien-
cias constitucionais, equillbrios e desequilibrios. A neurose e a provincia do "indivfduo", 
o "fa tor pessoal", em contraste aos transtomos do falso self, que sao o produto de 
defici<?ncias ambientais. 
Freud apesar da sua enfase em fatores constitucionais, nunca separou a neurose 
de fa to res ambientais. Na realidade, a interagio entre fat ores constitucionais e ambientais 
formou uma das "series complementares" de Freud e esta no amago da sua compre-
ensao do desenvolvimento da psicopatologia. Alem disto, Freud nao via OS neur6ticos 
como her6is existenciais, como Winnicott sugere, mas distinguia claramente entre 
sofrimento neur6tico e a "infelicidade comum" da vida diaria. Ao separar a "neurose" 
como urn reduto no qual a teoria de Freud permanece sem desafio e meramente 
aperfei<;oada, Winnicott perpetua nao a visao original de Freud, mas urn fcone 
distorcido. 
Harry Guntrip 
Guntrip foi o principal historiador, sintetizador e popularizador do estudo das 
rela<;oes objetais dentro dos escritos de Klein, Fairbairn e Winnicott. 0 seu ponto de vista 
espedfico como urn analisando tanto de Fairbairn como de Winnicott, o contexte 
hist6rico mais amplo que ele oferece, e a fluencia e Iucidez de sua prosa (em compara<;ao 
aquela dos outros principais te6ricos britanicos), tudo contribui para a eficiencia de sua 
visao panoramica e sfntese. As exposi<;oes entusiasticas de Gun trip sobre o trabalho de 
Fairbairn, em particular, foram em grande parte responsaveis por chamar a aten<;flo as 
contribui<;oes deste ultimo. 
Contudo Gun trip nao s6 examinou e sintetizou o trabalho de seus predecessores, 
mas tambem conduziu a teoria numa diregio muito espedfica, de acordo com a sua 
propria visao singular da experiencia e do sofrimento humanos. Em 1960, introduziu 
o que caracterizou com6 uma modificagio e extensao da teoria de Fairbairn sobre cisao 
do ego e rela<;oes objetais. Esta "extensao" radicalmente altera a for<;a da abordagem 
de Fairbairn e gera hip6teses clfnicas antiteticas as derivadas do seu sistema. 
A Sintese Emergente e o "Ego Regredido" 
A hist6ria de Gun trip das ideias psicanaliticas e, acima de tudo, uma hist6ria moral. 
Do sacerd6cio e aconselhamento pastoral, ele se voltou para a psicanalise, em busca de 
uma abordagem mais profunda, psicologicamente mais sofisticada, para a experiencia 
humana. Mas o cientismo e a antipatia contra religiao que descobriu no trabalho de 
Freud foram-lhe perturbadores. Guntrip veio a entender Freud como dilacerado por 
uma tensao interna entre suas observa<;oes clfnicas, que estavam preocupadas com 
pessoas e relacionamentos, eo ediffcio te6rico, biologistico e despersonalizado, que ele 
construfra de acordo com o meio intelectuai hemholtziano mecanicista que o cercava. 
Gun trip ve a teoria pulsional, as formula<;oes quanto ao "aparelho psfquico" e a analise 
funcional do ego como produtos das correntes desumanizadoras dentro do ambiente 
intelectual de Freud e, portanto, como inaceitaveis e perigosas. 
"Enquanto Freud oscilava entre uma psicologia do organismo e uma psicologia da pessoa, uma 
teoria de instintos e uma teoria de rela<;6es objetais, a sua teoria in toto permanecia fundamental-
Relaroes na Teoria Psicanalftica 
mente orientada para a biologia. Assim, ele faz o carater dependente da matura<;ao org2mica dos 
instintos sexuais, ao inves de lidar com o funcionamento sexual como controlado pelo quanto o 
carater amadureceu nos relacionamentos humanos. Alem disto, a sua subordina<;ao radical dos 
objetos ao papel de simples meios para a gratifica<;ao de instintos e insatisfat6riade um ponto de vista 
socio16gico e humano, uma vez que trata dos relacionamentos pessoais num nivel subpessoal." 
(1961, p. 29) 
155 
A crftica moral de Guntrip a Freud e profunda e de longo alcance e se estende a 
ciencia moderna e a tecnologia como urn todo. "A ciencia tern que descobrir see como 
pode lidar com a 'pessoa', o 'o indivfduo singular', ousaremos dizer o self espiritual', com 
todos os motivos, valores, esperan<_;as, medos e objetivos que constituem a vida real do 
homem e fazem uma abordagem puramente. 'organica' do hom em inadequada". Os 
riscos sao altos; o que esta na balan<_;a e o "destino final da humanidade. Se a ffsica 
nuclear nos amea<_;a com a possibilidade da destrui<;ao universal, a genuina compreen-
sao psicodinamica, se apenas for-lhe dado tempo para trabalhar silenciosamente, da 
pelo menos uma esperan<_;a reallstica de vida nova" (1961, pp. 15-16). 
A propria in ova<;§. a de Gun trip na teoria e pratica esta centrada no seu desenvol-
vimento do conceito do "ego regredido". Fairbairn havia descrito a fragmenta<;ao do ego 
como resultado do estabelecimento compensatorio de objetos intern as como substitutos 
para rela<;6es com outros reais. Para ele, parte do ego permanecem ligadas a estes 
objetos intern as, sugando libido do cada vez mais esvaziado ego central, que permanece 
dirigido para outros reais no mundo externo. Ele compreende a sensa¢o esquiz6ide de 
vazio e fraqueza como refletindo a retirada de energia do mundo real para o mundo de 
rela<;oes objetais internas. 
Por volta da epoca em que a doen<;a terminal de Fairbairn for<;ou o fim prematuro 
da analise de Guntrip, este come<;ou a desenvolver a visao que "fraqueza de ego" e 
refletora nao so da retirada de libido de objetos externos, mas tambem da retirada de 
libido dos objetos em si, quer externos ou internos. Ele sustenta que o "ego libidinal" de 
Fairbairn, que age como o repositorio de todos os frustrados anseios e esperan<_;as de 
contato e estfmulo, sofre uma "cisao final". Parte dele permanece ligada ao "objeto 
excitante", como Fairbairn havia descrito, eternarnente buscando relacionamento. 
Outra parte torna-se cindida do objeto excitante e torna-se ainda mais retrafda, 
renunciando a busca de objeto de urn todo. Este "ego regredido" e constituido por uma 
profunda sensa¢o de desesperan<_;a e desamparo. As experiencias privadoras com 
outros reais produziram me doe antipatia pela vida tao intensos e amp los que esta por<;§.o 
central do ego renunciou a todos os demais, externos e internos, reais e imaginarios; 
retraiu-se a urn estado isolado, sem objeto. Nesta fuga da vida, Guntrip sugere, o ego· 
regredido procura voltar a seguran<_;a pre-natal do ventre, para esperar um renascimento -
num ambiente humano mais hospitaleiro. Assim, a regressao envolve uma fugae urn 
anseio por renova¢o. Quando o aspecto de fugae mais nota vel, a regressao e sentida 
como um anseio pela morte - alivio das rela<;6es conflituosas com objetos externos e 
intern as. Quando 0 aspecto da esperan<_;a e mais proeminente, a regressao e sentida em 
conexao com urn retorno a prote<;§.o do ventre. 
Apos alguma falta de clareza inicial sabre o relacionamento de suas pr6prias 
formula<;oes como trabalho de Winnicott (1969, p. 74), Guntrip conduiu que seu 
conceito do "ego regredido" inclui tanto a por<;§.o cindida do ego libidinal, em fuga de 
todos os objetos, como tambem todos os "potenciais nao-deportados" ( o "self verda-
deiro" de Winnicott), que, devido a priva¢o materna, nunca foram. plenamente 
sentidos ou expressos em rela¢o a outros em primeiro lugar. Guntrip ainda junta 
aspectos dos conceitos de Fairbairn e Winnicott comsua propria formula¢o, da seguinte 
maneira: quando a priva<;§.o materna e sentida como "recusa tentalica" (o "objeto 
156 R. Greenberg and Stephen A. Mitchell 
excitante" de Fairbairn), o resultado e urn ego libidinal, oral, ativo, ligado a objetos 
intemos; quando a privagio materna e sentida como simples negligencia ou intromissao 
(Winnicott), ha uma retirada mais pronunciada para urn estado passivo, retraido, on de 
o ego esta se escondendo e os potenciais nunca se desenvolvem (1969, p. 70). 
Na visao de Guntrip, o ego regredido exerce uma poderosa atragio Ionge da vida, 
tanto do mundo de outros reais como do mundo de rela<_;6es objetais intern as. Ele atribui 
a esta atragio regressiva urn papel cada vez mais central na dinamica de toda 
psicopatologia. A atragio do ego regredido amea<_;a exaurir a personalidade total, 
jogando o paciente no isolamento e na disfun<_;ao. Guntrip sugere que os primeiros 
traumas gerados por cuidados maternos inadequados estao essencialmente congelados 
no tempo: o ego infantil desamparado e aterrorizado, dominado por anseios nao 
reconhecidos e medo de abandono, permanece vivo dentro do ego regredido, no 
amago da personalidade. A "fraqueza do ego" e tanto o produto da experiencia de 
anseiosregressivosqueeternamentepuxamporqualqueregoqueestejaligadoaobjetos 
como tam bern urn a diminuigio estrutural real, refletindo o terror desamparado do be be, 
encasulado no centro da personalidade, gerando urn etemo senso de medo e 
vulnerabilidade internos. Para Guntrip, em face da constante amea<_;a de despersonalizagio 
e desorganizagio total o ego continuamente I uta para permanecer ligado a vida. T oda 
a vida mental e todos os envolvimentos com outros, reais e imaginarios, operam mais 
basicamente como uma defesa contra urn anseio regressivo. Assim, o conceito do "ego 
re~redido" torna-se urn buraco negro conceitual, engolindo tudo o mais. Rela<_;6es 
flituosas com outros e liga<_;oes masoquistas com maus objetos internos servem como 
ote<_;ao do ego contra a regressao. As fantasias orais, anais, genitais refletem "uma 
h . . . . para 'permanecer nascido' e funcionam no mundo das rela<_;6es objetais 
,lferenciadas como urn ego separado", como defesas contra a parte central da 
personalidade que "voltou para dentro". Os perigos amea<_;ados pelo ego regredido 
constituem a "raiz-fonte" de toda a psicopatologia; todas as formas de patologia sao 
defesas contra 0 "problema esquizoide". 0 tratamento psicanalitico e uma "doen<_;a de 
exaustao" controlada (1969, pp. 79, 53, 215, 78). Todas as liga<_;6es defensivas com 
objetos, reais e imaginados, sao abandonadas; o fraco e desamparado ego infantil 
emerge; e o relacionamento em grande parte maternal com o analista, atraves da 
"terapia de substitui<_;ao", permite ao ego reintegrar-se e entrar no mundo numa base 
positiva. 
A Divergencia de Guntrip com Fairbairn 
Ao defender Fairbairn como uma alternativa a Freud, Gun trip tolda as diferen<_;as 
fundamentais entre a sua propria abordagem e a de Fairbairn, o que obscurece 
importantes pontos conceituais e escolhas clfnicas. Uma ampla diferen<_;a e a abordagem 
geral feita por eles, da historia das ideias psicanaliticas. Tanto Fairbairn quando Gun trip 
come<_;am com uma avaliagio crftica da classica teoria pulsional, mas a sua base crftica 
e bastante diferente. As obje<_;6es de Fairbairn estao em raz6es conceituais e pragmaticas: 
as pressuposi<_;6es de pura busca de prazer e a separagio da energia da estrutura sao 
anacronicas e enganosas; a sua propria teoria de estrutura endopsiquica esta mais perto 
dos dados clfnicos, e mais economica e fomece mais possibilidades interpretativas. As 
obje<_;6es de Gun trip a tradigio classica sao me nos conceituais do que morais e esteticas. 
As "teorias de sexo instintivo e agressao instintiva [de Freud] fizeram tanto dano a nossa 
orienta¢o cultural geral neste seculo, especialmente nas atrnosferas criadas pelas duas 
Relac;oes Objetais na Teoria Psicanalftica 157 
guerras mundiais, quanta a sua abertura do campo da psicoterapia em profundidade 
fez bern" (1971, p. 137). 
Guntrip faz obje<_;oes a teoria motivacional de Freud (o homem como govemado 
por pulsoes impessoais)' as metaforas de rna quina e a pressuposigio de agressao inata. 
A sua preocupagio fundamental e com as implica<_;oes eticas da linguagern e do sistema 
de Freud. 
"Onde esta a dificuldade sobre a posigio de Freud? Nao e como sea sua descrigio 
da situac;ao sexual real do homem civilizado em nosso tempo fosse inexata ... 0 seu 
retrato do estado de frustragio sexual dentro do casamento e suas repercussoes mais 
amp las ... e tanto verdadeiro quanta desafiador. Grandes nurneros de seres humanos 
sentem uma forte e persistente pressao de necessidade sexual, seja consciente ou 
reprimida, e o surgimento de impulsos sexuais de uma maneira que nao encontra 
satisfa<_;ao dentro dos limites do casamento monogamico e a moralidade sexual 
civilizada ... A questao e quanta a interpreta<;ao a ser posta sabre estes fortes impulsos 
sexuais. Se eles sao, na verdade, apenas manifestac;oes de urn instinto inato, constitu-
cionalrnente poderoso, entao temos pouca opgio, alem da de tolerar rebeldes ou de 
agU.entar a difusao da neurose." (1969, p. 71) 
Guntrip acredita que as conclus6es que a teoria de Freud produz quanta as 
possibilidades humanas sao demasiadamente rfgidas. Considera a teoria pulsional 
degradante para a humanidade e, por isto, inaceitavel. Ve a rnudan<_;a para o estudo do 
ego e a enfase nos seus recursos nos escritos posteriores de Freud como levan do a teo ria 
psicanalltica para uma dire¢o mais aceitavel. "Aqui verdadeiramente, esta uma 
moratoria e urn restabelecimento do ego de consciencia ordinaria a urna posigio de 
dignidade da qual a teoria do instinto anterior de Freud, orientada biologicamente, 
amea<_;ava destina-lo" ( 1969' p. 100). Esta abordagem teleol6gica da teo ria e urn pouco 
como criticar a teo ria "big-bang" da origem do universo devido as suas implicac;oes para 
o destino eventual do cosmos. Schafer assinala que, nos escritos de Guntrip, "soa como 
se uma teoria gentil fosse melhorteoria ou urn te6rico gentiL urn melhorte6rico" (1976, 
p. 118). Isto parece uma caracterizagio oportuna e constitui-se num afastarnento distinto 
e significativo das preocupa<_;6es de Fairbairn. 
0 mais importante afastamento de Guntrip do sistema de Fairbairn esta centrado 
na sua alegagio de que o ego regredido constitui o "cerne" de toda a psicopatologia. 
Embora ele sugira que este conceito e simplesmente uma extensao das formulac;oes de 
Fairbairn, urn olhar mais atento revela-o como sendo uma mudanc;a radical nurna 
diregio que leva a hip6teses clfnicas e interpreta<_;oes antiteticas. A premissa de Gun trip 
e que 0 fmpeto dinamico dominante na experiencia humana e urn afastarnento total dos 
outros, reais e imaginados, num anseio profunda por urn "retorno ao ventre". Esta e urncr · 
forrnulac;ao surpreendente, mesmo nos seus pr6prios terrnos. Quais sao os ingredientes 
de tal anseio? Uma vez que Gun trip nao sugere explicitamente a existencia de mem6rias 
pre-natais (como o faz Winnicott), fantasias de urn recuo para urn ambiente completa-
mente estimulante e suportador s6 podem derivar de elaborac;oes de pedac;os da 
exp~riencia real com figuras cuidadoras. A nao ser que seja uma memoria, urn anseio 
de retorno ao ventre s6 pode ser uma metafora para, ou fantasia de, rnaternidade 
perfeita. Guntrip afirrna enfaticamente que a fuga regressiva busca urn estado de 
ausencia de objeto e distingue fantasias regressivas concernentes a urn retorno ao ventre 
de fantasias concernentes ao seio precisamente naquele ponto. No entanto, nao esta 
daro por que o ventre, mais do o seio, representa urn estado de ausencia de objeto, ao 
inves de uma forma e representagio espedficas de "objeto excitante". Nao esta daro por 
que o ego regredido

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