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Casos Clínicos em Psiquiatria Sumário Editorial..................................................................................................1 Auto-relatos Fé e vida sem vida até ...............................................................................3 Nasci e morri louco...................................................................................6 Artigos Originais Sintomas psiquiátricos na doença de Parkinson avançada .....................9 Antonio L. Teixeira-Jr, João V. Salgado Abuso de substância psicoativa: relato de três casos...............................12 José Antônio Zago, Sérgio Augusto Monteiro dos Santos, José Carlos Salzani Um caso de dependência alcoólica e suas possíveis relações com o trabalho: um estudo de psicopatologia do trabalho................................16 Lílian Erichsen Nassif Um caso clínico de esquizofrenia paranóide e possíveis implicações com o trabalho...........................................................................................22 Mauro Nogueira Cardoso, Rafael Alvarenga Cosenza, Ricardo Argemiro Franco, Ada Ávila Assunção Parafrenia fantástica é esquizofrenia?........................................................27 João Vinícius Salgado, Antônio Lúcio Teixeira-Jr., Ronan Rodrigues Rêgo Reação esquizofrênica em paciente indígena.............................................30 Maximiliano Loiola Ponte de Souza Transtornos alimentares em discussão multidisciplinar ............................33 José Carlos Souza, Paulo André Machado Borges, Rosângela dos Santos Ferreira, et al. Transtorno de conduta hipercinética: diagnóstico, abordagem ludoterápica e conduta terapêutica abrangente ........................................38 Marcelo Calcagno Reinhardt, Ceres Leonor Tavares Guedes Sessão Especial de Casos Clínicos XX Congresso Brasileiro de Psiquiatria ....................................................45 Coordenação: Hélio Elkis, Maurício Viotti Daker Casos Literários Natal, mais uma vez ..................................................................................89 Centenário de Pedro Nava e a Psiquiatria...............................................89 Doncovim, Proncovô, Oncotô .................................................................91 Caso Histórico Um caso de hebefrenia descrito por Hecker ...........................................92 Homenagem Obituário do Dr. Hélio .............................................................................94 Index CCP ............................................................................................95 Normas de Publicação ................................................................96 Casos Clin Psiquiatria 2002; 4(1,2):1-96 UMA PUBLICAÇÃO DO Departamento de Saúde Mental da Faculdade de Medicina da UFMG e da Associação Acadêmica Psiquiátrica de Minas Gerais – AAP-MG, Federada da Associação Brasileira de Psiquiatria - ABP Conselho Editorial André Lúcio Pinto Coelho Stroppa (Residência UFJF strop- pa@medician.ufjf.br) • Carlos Eduardo Leal Vidal (Residência Barbacena – FHEMIG celv@uol.com.br) • Cláudio Costa (Residência Centro Psicopedagógico – FHEMIG clcosta@uai.com.br) • Guilherme Gregório (Residência UFU ggregório@ufu.br) • Hélio Lauar (Residência Instituto Raul Soares – FHEMIG lauar2000@uol.com.br) • Humberto Campolina França Jr. (Associação Acadêmica Psiquiátrica de Minas Gerais – AAP-MG hcampolina@globo.com) • Maria Cristina de Oliveira Contigli (Associação Mineira de Psiquiatria – AMP amp@psiquiatriamg.org) • Maurício Viotti Daker (Residência UFMG e AAP-MG, Coordenador do Conselho Editorial daker@medicina.ufmg.br) • Paulo José Teixeira (Residência IPSEMG teixeirapaulo@uol.com.br) Comissão Editorial Alexandre Lins Keusen • Alfred Kraus • Antônio Márcio Ribeiro Teixeira • Betty Liseta Marx de Castro Pires • Carlos Roberto Hojaij • Carol Sonenreich • Cassio Machado de Campos Bottino • Cleto Brasileiro Pontes • Delcir Antônio da Costa • Eduardo Antônio de Queiroz • Eduardo Iacoponi • Erikson Felipe Furtado • Fábio Lopes Rocha • Flávio Kapczinski • Francisco Alonso-Fernández • Francisco Baptista Assumpção Jr. • Francisco Lotufo Neto • Hamilton Miguel Grabowski • Hélio Durães de Alkmin • Helio Elkis • Henrique Schützer Del Nero • Irismar Reis de Oliveira • Jarbas Moacir Portela • Jerson Laks • John Christian Gillin • Jorge Paprocki • José Alberto Del Porto • José Carlos Rosa Pires de Souza • José Raimundo da Silva Lippi • Luis Guilherme Streb • Luiz Alberto Bechelli Hetem • Michael Schmidt-Degenhard • Marco Antônio Marcolin • Maria Elizabeth Uchôa Demichelli • Mário Renato Villefort de Bessa • Mário Rodrigues Louzã Neto • Miguel Chalub • Miguel Roberto Jorge • Olavo Pinto • Osvaldo Pereira de Almeida • Othon Coelho Bastos Filho • Paulo Dalgalarrondo • Paulo Mattos • Pedro Antônio Schmidt do Prado Lima • Pedro Gabriel Delgado • Ricardo Alberto Moreno • Roberto Piedade • Ronaldo Simões Coelho • Sérgio Paulo Rigonatti • Saulo Castel • Sylvio de Magalhães Velloso • Talvane Martins de Moraes • Tatiana Tscherbakowsky de Guimarães Mourão Diretor Executivo Amadeu Roselli-Cruz Editora Cooperativa Editora e de Cultura Médica Ltda (Coopmed) Capa, projeto gráfico, composição eletrônica e produção Folium Comunicação Ltda Periodicidade: semestral Tiragem: 5.000 exemplares Correspondência e artigos Coopmed Casos Clínicos em Psiquiatria Av. Prof. Alfredo Balena, 190 30130-100 - Belo Horizonte - MG - Brasil Fone: (31) 3273 1955 Fax: (31) 3226 7955 E-mail: ccp@medicina.ufmg.br Home page: http://www.medicina.ufmg.br/ccp Capa: Arte Bipolar, adaptação de obra de Inimá de Paula. La circunstancia de que haya una revista de psiquiatría al menos con un espacio reservado para la exposición de casos clíni- cos es un dato que me llena de júbilo y orgullo. Siento júbilo por- que en estos tiempos se ha impuesto en las revistas un modo de publicación que con demasiada frecuencia incurre en el cientifis- mo. Se trata de un cientifismo enmascarado con una elaboración estadística, que contiene en más del 50% de las veces algún error de cierto relieve. Se viene postergando la dedicación directa e inmediata al examen y la asistencia del enfermo hic et nunc (aquí y ahora) constituyen la pauta habitual de las sesiones clínicas tra- dicionales, de las sesiones clínicas de siempre. No olvidemos por otra parte el dicho que se ha hecho popular de que "hay tres tipos de verdades: las verdades absolutas, las verdades relativas, y las verdades estadísticas". La ejemplificación de la práctica psiquiátrica a través del estu- dio del caso individual continua siendo una pauta formativa y experiencial imprescindible, aunque demasiado postergada. Hay psiquiatras con "ojo clínico" y psiquiatras con dificultades para orientarse hacia el enfermo. Esta perspicacia que llamamos "ojo clínico" se basa más en la evocación de otros enfermos análogos vistos con anterioridad que en la actualización de conocimientos teóricos. Desde luego, el respeto formativo máximo se concentra en la práctica psiquiátrica con fundamento teórico. La escisión entre práctica y teoría nos lleva a dos polos indeseables: la especu- lación gratuita y la practiconería. La publicación de casos clínicos nos va a ayudar a salvar ambos extremos. Como profesor de psiquiatría he celebrado siempre por siste- ma al menos una sesión clínica a la semana, en la que se exponía un enfermo y a continuación se establecía un debate, y al final una conclusión en forma del diagnóstico y el tratamiento. El diagnós- tico clínico no es una mera etiqueta, pero tampoco es encasillar con "pista de detective" al enfermo en los libros-catálogo tipo los DSM y los ICD (libros de consulta, pero no clínicos). El diagnóstico clínico en las sesiones por mí dirigidas se divi- día en los siguientes juicios: diagnóstico psicopatológico, sindró- mico, etiológico,de personalidad, somático/biológico, social, y como colofón, el diagnóstico nosológico. Siempre es recomendable partir de la psicopatología, dato soslayado en los libros antes men- cionados, cuando la psicopatología sigue siendo el fundamento de la psiquiatría. Pero para llegar a la verdadera psicopatología se precisa manejar el método fenómenológico, en algunas de sus variantes, sobre todo estas dos: la fenomenología comprensiva y la fenomenología estructural (véase mi libro Fundamentos de la Psiquiatría actual). Como decía al principio también siento orgullo, y ello se debe a que una de las revistas adelantadas en este aspecto sea del Brasil, pueblo al que estimo muchísimo, y además estar dirigida por psi- quiatras con los que me une un sólido vínculo de afecto y amistad. Una advertencia final: por favor, no se dejen llevar por la con- fusión de tomar como sinónimos clasificar y diagnosticar. La cla- sificación es una tarea teórica magnificamente realizada por Linneo y sus discipulos. En cambio, el diagnóstico, debidamente estructurado, y acompañado de una impresión pronóstica y una orientación terapéutica, constituye la tarea fundamental del clíni- co que sabe entender, comprender y ayudar a sus enfermos. Francisco Alonso-Fernández The existence of a psychiatric journal with a reserved space for clinical cases fulfils me with joy and proud. The feeling of joy is because nowadays the publications have imposed too much scientificism. The scientificism is disguised with statistical elabo- ration that contains in more than 50% of the cases some kind of error. The dedication direct and prompt to the exam has been pos- tponed and the assistance to the patient hic et nunc (here and now) constitutes the usual procedure of the traditional clinical sessions. We cannot forget a popular saying “there are three types of truth: the absolute truth, the relative truth and the statistical truth”. The psychiatric practice exemplified through individual case studies continues to be an essential formative and experiential component, even though very much delayed. There are psychia- trists with “clinical eye” and psychiatrists with difficulties to conduct the patient. The insight that we call “clinical eye” is based more in previous similar cases than in theoretical knowled- ge. Thus, the best of the formative is concentrated in psychiatric practice with theoretical knowledge. The dissociation between practice and theory leads us to undesirable extremes: the unfoun- ded speculation and the practionaire. The publication of clinical cases will help us to avoid both extremes. As a psychiatric professor I have always adopted at least one clinical session per week, in which a patient is examined. This is followed by discussion and a final conclusion in form of diagno- sis and treatment. The clinical diagnosis is not a mere label nor the patient is framed according to the book-catalogues such as DSM and ICD (consultation books but not clinical). The clinical diagnosis in the sessions under my supervision was divided into the following: psychopathological diagnosis, syndromic, etiological, personality, somatic/biological, social and as colophone, the nosologic diagnosis. It is always recommen- ded to start from the psychopathology, data avoided in the men- tioned books, when psychopathology continues to be the ground of psychiatry. However, to reach the true psychopathology it is necessary to master the phenomenological method, in one of its variants mainly the comprehensive phenomenology and the structural phenomenology (see my book Basis of Current Psychiatry). As I said at the beginning, I also feel proud, and this is due to the fact that one of the advanced publications in this aspect is from Brazil, people who I admire very much, besides it is run by psychiatrists to whom I am attached firmly with affection and friendship. One final remark: please, avoid the confusion of misinterpre- ting classification and diagnosis. Classification is a theoretical task magnificently performed by Linnaeus and his disciples. Conversely, diagnosis, duly structured and accompanied by a prognostic impression and a therapeutic orientation, constitutes the principal task of the clinician who knows how to perceive, to understand and to support his patients. Francisco Alonso-Fernández Editorial Prezado Editor, bom dia e PAZ PLENA. Estou enviando-lhe cópia de uma das minhas cartas, que é a segunda para o teólogo Leonardo Boff, onde comento trechos de um dos livros dele e conto uma fantástica experiência que vivi no dia 2/2/1991, quando tive uma parada de coração por 15, 30 horas. Durante essa experiência, tomei banho, dirigi carro, ali- mentei com alimentos líquidos e não consegui comer as refeições normais. Estou à disposição para fazer outros esclarecimentos que o senhor julgar necessários. Paz Plena para todos no Planeta Terra. O amigo, Paulo B. Linhares Leonardo Boff, que o amor e a luz de Jesus possam envolver a todos nós, que a humildade, sabedoria e intuição de São Francisco de Assis venham em nosso auxílio e assim possamos encontrar, compreender e divulgar a Verdade, que liberta e paci- fica o nosso espírito. Essa é a segunda carta que lhe envio, pois a primeira foi escri- ta em 12/2/1990 e nem sei se chegou ao seu conhecimento, pois até hoje não recebi resposta. Quando comentei com outras pes- soas sobre a primeira carta, que ainda estava sem resposta, recebi o seguinte comentário: -"O Frei Leonardo Boff é muito ocupado e muito importan- te para ler tudo o que lhe é enviado. Quase tudo passa ao crivo de uma secretária e ela decide se ele deve ou não tomar conheci- mento do assunto". Atualmente sou um pesquisador teológico independente e estudo a "Bíblia Sagrada" sem nenhum compromisso com esta ou aquela doutrina, ou mesmo preconceito desta ou daquela doutri- na. O meu compromisso é com DEUS-PAI-MÃE e com a VER- DADE. Por isso cheguei a conclusões muito interessantes, que deveriam ser analisadas por especialistas em exegese, que tenham suas mentes abertas e "coragem para pensar no já pensado". Com esse objetivo, já escrevi para muitos teólogos, membros da Hierarquia da Igreja Católica Apostólica Romana, mas esses homens estão muito ocupados com seus trabalhos, "quase profis- sionais" e não têm tempo de "buscar a ovelha perdida"; ou pos- suem um severo compromisso com o "direito canônico", por isso respondem-me com o silêncio, ou ainda considerando-me um herege do século XX. Esquecem que "DEUS" é onipotente e livremente escolhe os seus enviados ou mensageiros. Entre os meus escolhidos está o Padre Z.A.X., para o qual já escrevi qua- tro cartas, expondo minhas teses bíblicas ou teológicas, como: 1) "Deus não Perdoa Nunca". 2) "O Tentador de Jesus é o mesmo Espírito, que Moisés consi- derou como Deus: Iahweh". 3) "A carta Joanina", que foi baseada no Evangelho Segundo São João Evangelista". 4) "O Deus imperfeito da Bíblia ou o incompleto (ou errado) ensino sobre a Bíblia". 5) "As comunicações bíblicas entre os planos visível e invisível". Recebi respostas das duas primeiras cartas em dois cartões, mas da terceira e quarta, escritas em 21/7/1993 e 2/1/1994, até hoje só o silêncio veio como reposta. Apesar de todo o silêncio e de todas as portas fechadas, continuo escrevendo, pois tenho plena certeza que escrevo para muitos no presente e no futuro, por isso tiro cópias de tudo e depois vou divulgando para outras pessoas. Essa é a minha responsabilidade, não posso ser omisso e infiel a Deus-Pai-Mãe, que confiou e confia muito em mim. Dele é que recebi essa missão. A razão dessa carta é porque fui interrogado sobre o seu livro: "Brasa sob Cinzas", que foi lançado em Belo Horizonte no dia 16/4/1997. Depois, a mesma pessoa mostrou-me o livro e leu um pouco para mim dos capítulos I e II, que me espantou e até chocou. Enquanto ouvia a leitura, decidicomprar e ler o livro, como também escrever-lhe. Mesmo que não venha a me respon- der, mas tinha que pôr em prática a intuição recebida: "Deus escreve certo em linhas tortas, mas não foi Deus que fez as linhas tortas". Com referência a Verônica, digo que você viu apenas o efei- to, mas para tudo temos que buscar a causa. Não podemos ver na observação da jovem algo sem causa. A doença dela não foi fruto do acaso ou uma falha na perfeita criação de Deus-Pai-Mãe, o pleno de AMOR E PERFEIÇÃO. O acaso não existe, para tudo temos que buscar uma explicação, compreensão e entendimento do porquê e não lamentar o efeito. A justiça invisível é perfeita e justiça é sempre cega, como também cobra até ao último centavo. Já a comparação do caso de Verônica, a jovem que morreu de leucemia e "virgem sem se sentir virgem", com a triste história bíblica de Jefté e sua filha, julguei-a muito infeliz. Decepcionei- me muito mesmo com a sua atitude, pois você não condenou o nefando e vil voto e sua realização, mas justificou o choro das amigas da inocente jovem "porque ela não experimentou o êxta- se e o amor fecundo de um homem" (Vide Juízes, 11). Para mim, você perdeu uma ótima ocasião para condenar o bárbaro erro e crime do guerreiro Jefté, que cumpriu o vil voto Casos Clin Psiquiatria 2002; 4(1,2):3-6 3 Endereço para correspondência: COOPMED Casos Clínicos em Psiquiatria Av. Prof. Alfredo Balena, 190 30130-100 Belo Horizonte MG Auto-relato FÉ E VIDA SEM VIDA ATÉ* FAITH AND LIFE EVEN LIFE *. O autor, de nome fictício, publicou auto-relato “Revelações” em Casos Clin Psiquit 1999; 1(1):3-11, discutido por Helio Elkis. Fé e vida sem vida até* feito a um tirano invisível e nunca a Deus-Pai-Mãe-Amor. Se um ato como aquele fosse realizado hoje seria crime perante a socie- dade e perante Deus, então na antigüidade também deveria ser: quem evoluiu foram os homens e não Deus! Ou será que Deus também se aperfeiçoou? Para mim é mais outra grande ignorân- cia e os teólogos se calam perante o povo!!! Existem muitos acontecimento bíblicos, que hoje seriam considerados como atos de "magia negra". Se hoje são, ontem também o eram. Não podemos nunca pensar que Deus-Pai-Mãe- Amor pôde aprovar atos de magia negra, como expus na quarta carta para o Padre Z.A.X. No caso do seu encontro e diálogo, após o batizado, do capítulo II, fiquei perplexo com sua meditação e vergonha de você mesmo. Aquele ato, ao qual você refere, nunca seria a expressão de um amor maior. Para mim, você faria um ato de muito amor mesmo, se voltasse lá e a tratasse como uma pessoa digna de ouvir de sua boca o que Jesus nos ensinou a ensinar e amá-la como Jesus nos ensinou a amar. Dizer para ela o que Jesus disse para a mulher adúltera (Jo 8,2 a 11) e para defender Maria, que derra- mou em seus pés nardo puro, ungindo-o (Jo 12,1 a 8). Nos dias de hoje, se confundem muito o ato sexual como uma prova de amor e entrega, mas só o ato sexual coloca o ser humano num nível inferior aos animais irracionais, pois estes pro- curam e fazem o acasalamento só na época do cio para a repro- dução, não existindo amor e fidelidade plenos. Já o ser humano se guarda para aquele ou aquela, que juntos irão viver a beleza da entrega de si mesmo em completa fidelidade. Só haverá a pleni- tude do amor físico e da paz na terra quando existir fidelidade, amor e entrega dos dois lados. Não havendo fidelidade plena, existe o adultério, assim nos ensinou o mestre Jesus, ou o que está escrito é falso? Muitos confundem o amor com a infidelidade e traição, e a liberdade como a libertinagem!!! A nossa educação de católicos não nos preparou e nem prepara para a libertação e a vitória pela morte; isto é: a ressurreição, após uma vida digna, honesta e pura, mesmo que seja em condições indignas. O que vale, espiritualmente falando, é aquilo que as tra- ças ou a ferrugem não consomem. Do capítulo VIII: "A lata de lixo que Deus não tem", faço os seguintes comentários: - "Deus não é família, mas utiliza da família para a evolução de sua obra e assim, pois, possamos vivenciar o seu grande amor, já que participamos intensamente da evolução de sua obra criada e com muito amor, sendo nós mesmos os responsáveis por nossa evolução (salvação). A trindade ensinada sobre Deus-Pai-Mãe foi e é uma imensa gafe, como também um grande sofisma, que a ortodoxia buscou nos ensinamentos do Egito e Oriente (Índia) e nos fez engolir algo como o "Mistério da Santíssima Trindade": um dogma e mistério, que nos foi imposto. Só existe "mistério" por causa da ignorância e orgulho dos sábios e "dogma" é a fórmula encontrada por aquele (ou aqueles) que mandavam ou mandam e sabem menos, impor a vontade dele, já que quem discordava era considerado como um exco- mungado ou herege. Tivemos que calar perante muitos pseudo- dogmas impostos como a verdade pura e cristalina. Como já disse que: "Deus não Perdoa Nunca" e isso ocorre porque Deus-Pai- Mãe é tão sábio, amoroso, bom, humilde, compreensivo e liberal que nunca foi ofendido. Como Deus nunca foi ofendido, nada tem que perdoar. Quem defende qualquer tipo de pecado, como ofensa a Deus, é um ignorante da sabedoria, perfeição e onisciên- cia de Deus. Também o conceito do "Inferno Eterno" para aqueles que ofenderam e ofendem a Deus é um grande e grave erro filósofo dos teólogos católicos e protestantes, que no fundo são mais bito- lados ainda, pois acreditam plenamente que tudo que está na Bíblia vem de Deus. Mas muitas coisas bíblicas vêm dos homens e de "falsos deuses", que defendiam e ainda defendem seus terri- tórios conquistados; isto é: aqueles que os temem e adoram cegamente. Nós temos que perdoar, quando sentimos a ofensa e pedir perdão a quem ofendemos. Quem é beneficiado, perante as leis evolutivas, é aquele que perdoa, e não quem recebe o perdão, já que foi este que causou a ofensa. Quem ofende agride a Lei evo- lutiva e Lei é sempre lei e é cega. É um erro e muito orgulho nosso pensar que temos capaci- dade de ofender a plenitude da perfeição divina ou a presença onisciente de Deus entre nós. Em "A terra dos justos e dos bons", podemos ver a constan- te busca do paraíso perdido. Ensinar que este encontro só acon- tece com a morte física do corpo é ainda uma decepcionante fór- mula de nos ensinar a beleza da vida, da libertação e da ressurrei- ção. Jesus mesmo já nos ensinou: "Conhecereis a Verdade e a Verdade vos libertará" (Jo 8,32) e "Eu vim para que tenham vida e vida em abundância" (Jo 10,10), também: "O Reino de Deus está dentro de vós". Temos que viver o "céu" já aqui na terra mesmo. Céu não é um lugar, mas um "estado de espírito". No capítulo XII: "Abraçar árvores", gostei de ler o relato de sua experiência e vivência com uma árvore. Mas é preciso ter muito cuidado para não cairmos no "monismo ou mesmo no pan- teismo", conceitos filosóficos contrários ao "dualismo". Quando nos sentimos como árvores, como a natureza ou deixamos de ser nós mesmos e a natureza deixa de ser a natureza, temos um retro- cesso com a negação do dualismo. Não existindo a dualidade, então é o mesmo que defender o nosso fim, pois sempre quando um ser inferior se aproxima do (ou soma com o) superior, aquele pode desaparecer na imensidão deste. É como o sumiço dos rios de água doce na vastidão das águas salgadas dos mares, quase infinitos. Tenho uma forte coincidência com o achado de Nag Hammadi, pois foram 45 textos descobertos em 1945 e nasci em 1945. Como para tudo existem planos e o dedo de Deus dirige tudo, respeitando plenamente a liberdade de todos, então a coin- cidência foi planejada. Em 1945, também, ocorreu o término da 2ª grande guerra européia, asiática e africana, pois não houve batalhas na América. Quem evolui somos nós, os seres humanos. Na hora certa, que só o Pai sabe, Deus-Pai-Mãe intervém e vai se revelando à medida que aparece alguém que pode receber, entender e divul- gara revelação do próprio "Espírito Incriado", que é Deus-Pai- Mãe. Esse alguém tem que ter coragem para enfrentar as estrutu- ras organizadas, que só aceitam aquilo que está de acordo com elas ou com o interesse de seus dirigentes. Jesus foi crucificado por causa disso. Quem escolhe os representantes de Deus na terra é o próprio Deus e não as estruturas humanas, que foram e são orientadas para só receberem aquilo que querem receber como 4 Casos Clin Psiquiatria 2002; 4(1):3-6 orientação do "Espírito Santo". Por isso tudo, muitas Verdades foram condenadas como heresias. Você sabe muito bem disso, já que sentou na mesma cadeira que foi utilizada por Galileu Galilei e Giordano Bruno. Um foi perdoado, porque retratou, e o outro, condenado a morrer na fogueira, já que era mais corajoso e cheio de fé, porque conheceu a Verdade, que liberta dos princípios que bitolam a nossa mente e a nossa liberdade de pensar. Se o nosso destino é Deus, ou melhor, o encontro com Deus, então teremos que buscá-lo primeiro dentro de nós e identificar- mo-nos quem somos, quem é Deus e ou o que é Deus. Então não precisamos pegar o "trem", mas viver bem a vida, em plenitude e abundância, seja lá onde estivermos. Não podemos correr atrás daquilo que ainda não temos ou não somos; ou mesmo querer- mos ser o que ainda não temos condição de ser. Lendo os livros: "Face Oculta da Mente" e os dois volumes de "As Forças Físicas da Mente", do Padre Oscar Gonzalez Quevedo, pode-se ver como a ignorância sobre DEUS por parte dos teólogos é imensa. Esse grande sábio da Hierarquia da Igreja Católica Apostólica Romana e da parapsicologia desviou a igno- rância dele sobre DEUS para o "inconsciente", dizendo que tudo tem sua razão e explicação no "inconsciente". Esses livros quan- do referem e explicam sobre a "mente consciente" são fantásticos mesmos, mas quando referem à "mente inconsciente", não valem nada mesmo; isto é: uma ignorância plena ao lado de uma grande sabedoria, que contradição! Para facilitar um pouco um provável diálogo, vou enviar-lhe as cartas que escrevi para o Frei T.A.Z. ofm. e para o Padre Z.A.X., deste apenas a quarta. Como você escreveu sobre sua fenomenal experiência com uma união, quase plena, vivida com uma árvore (cap. XII), vou resumir aqui uma experiência que vivi, quase indescritível e irreal mesmo para a medicina atual, que foi: - "No dia 31/1/1991, acordei às 3 horas da madrugada e tive uma fantástica visão, que foi assim: "Uma das paredes do meu quarto desapareceu e vi bem longe um grande e perfeito círculo. Dentro desse círculo, apareceu um rosto um pouco deformado, pois enchia todo o círculo, mas não tive nenhum medo, pois reco- nheci o rosto com facilidade. Imediatamente, essa visão começou a aproximar-se de mim e à medida que ia se aproximando, dimi- nuía de tamanho. Quando chegou a uma distância de uns três metros, tinha um raio de mais ou menos um metro e aí ouvi a seguinte frase: - "O código é desnatadeira" (1 + 6 + 1 + 12 = 20). Logo desa- pareceu toda a visão." Decodifiquei o código e agi imediatamen- te, chamando aquele que representava o código, o número 12, que é um Bispo Católico. Logo que chegou, dei a seguinte ordem, assim: - "Você tem superioridade ao Profeta Maomé, então vá a ele e dê a seguinte ordem: "Maomé vai ao Saddam Hussein, o líder do Iraque, e faz com que ele dê ordens para a retirada das tropas iraquianas do Kuweit, da forma que ele puder: seja por sonhos, por intuição ou mesmo por aparição física." Agora você não pode ir diretamente perante o chefe iraquiano, senão ele morrerá ime- diatamente" (A morte aconteceria por causa da imensa diferença da vibração religiosa). Logo em seguida, tudo voltou ao completo silêncio da madrugada e só ouvia o pulsar do meu coração. No dia 2/2/1991, voltei a acordar de madrugada, sentindo uma grande tremura indolor no meu coração, que depois esva- ziou-se por completo, como se um balão liberasse todo o ar con- tido dentro dele. Senti um profundo silêncio interior, cheguei a pensar que tinha morrido ou melhor finalmente libertado e res- suscitado para a Vida Maior. Quando iniciou a tremura e forte pressão no meu coração, fechei os olhos. Após uns instantes e como me sentia bem calmo, pensei: "Se morri, tenho que assumir a minha nova realidade e não adianta ficar parado", então abri os olhos e observei todo o quarto, só com o giro dos olhos: tudo estava igualzinho. Após um momento, tive coragem e levantei a perna esquerda, olhando rápido para ver se havia uma separação (como aquelas do filme "Ghost, do Outro Lado da Vida", a que só assisti depois) e como não houve nenhuma alteração ou sepa- ração, exceto a parada absoluta do meu coração, tentei sentir, observar e pegar o meu pulso e nada. Levantei devagarinho e fui ao banheiro, acendi a luz: eram 3 horas da madrugada. Olhei-me bem no espelho, não observei mudanças físicas, voltei a tentar sentir o batimento do meu coração: nada mesmo, tudo em com- pleto silêncio e profunda tranquilidade ou calmaria interior. Sentia como se houvesse um vazio dentro do meu tórax. Decidi não ir para nenhum hospital, onde poderia morrer nas mãos de excelentes médicos, pois poderia ficar sob a respon- sabilidade de médicos sem escrúpulo e puramente cientistas, que poderiam fazer de mim uma simples cobaia, já que dentro de um hospital estaria entregue à decisão e vontade deles, que saberiam facilmente envolver os meus parentes. Essa minha decisão tam- bém teve como base o meu "quase enforcamento dentro da clíni- ca Pinel", no dia 12/1/1980, e por isso tive medo de entrar num hospital daquele jeito. Não queria correr nenhum risco da parte dos profissionais da medicina. Sabia o que acontecia e isso dava- me muita coragem, confiança e fé na vitória final, pois estava com Deus. Tudo tinha que ficar oculto da medicina... Voltei para a cama, acordei calmamente minha esposa e disse para ela: - "Veja como estou, como falo e vou andar aqui para você ver, já que vou lhe contar algo que irá assustá-la muito". Ela quis saber imediatamente o que acontecia, quando relatei para ela o que estava se passando comigo, dizendo: "O meu coração parou de bater!". - "O quê! Você está louco!". Disse-me ela, mas também ten- tou sentir a minha pulsação e nada, colocou as mãos espalmadas no meu pescoço e nada sentiu, por fim colocou o ouvido no meu peito e nada ouviu. Aí ela ofereceu para levar-me a algum hospi- tal, dizendo-me assim: - "Você quer que o leve para um hospital agora?". - "Do jeito em que estou, só entro em algum hospital amar- rado!". Respondi decidido. Ela aceitou a minha decisão. Ficamos conversando até amanhecer. Ali pelas 6 horas levantamos e tomei um bom banho. Depois fomos para Contagem, uma cidade da Grande BH, com o nosso filho de um ano e quatro meses, sendo eu o motorista do carro. Não consegui alimentar com nada de sólidos, devido ao meu estado emocional, e só tomei líquidos. Quando voltávamos para a casa, às 18h30, e passávamos debaixo do viaduto do Carlos Casos Clin Psiquiatria 2002; 4(1,2):3-6 5 Fé e vida sem vida até* Prates, senti o meu coração dar um forte pulo dentro do meu peito, como se fosse dada uma bombada muito forte dentro de um balão vazio e depois voltou à plena calmaria. Contei à minha esposa e ela perguntou-me se precisava parar o carro, disse que não e que tudo estava sob controle. Os pulos foram repetindo e diminuindo o intervalo de tempo entre eles, até que voltou tudo ao normal, após uns seis a sete minutos". Depois vim a saber que tudo que aconteceu comigo no dia 2/2/1991 foi um terrível ataque de alguém (um espírito), que que- ria me enganar e derrotar, como ocorreu na luta de Jacó com um anjo (um espírito, que agia contra o Patriarca Jacó) e também no "drama do Getsâmani com Jesus". O objetivo desse espírito era me retirar do plano físico pela desencarnação, pois eu estava atra- palhando os planos delee ainda desejava aparecer como o meu libertador, mas ele não sabia quem eu realmente era e quem era e é o meu protetor. Eu estava trabalhando mentalmente para o fim da "Guerra do Golfo" e agia contra os objetivos dele. Ele queria a vitória do Iraque e eu, mentalmente, forçava a retirada das tro- pas iraquianas do Kuweit, por forçar mentalmente uma decisão do líder iraquiano, Saddam Hussein, em abandonar o Kuweit. O "Velho Jó" me orienta para trabalhar para a "PAZ PLENA" em todo o Planeta Terra e em qualquer situação. Aqui está a principal razão dessa carta: PAZ PLENA para todos. Um abraço de quem é dirigido pelos poderes de São Francisco de Assis e de São João Evangelista, como João Batista "caminhou com o espírito e poder de Elias..." (Lc 1,17). Desejo-lhe muita paz, luz e liberdade... Paulo B. Linhares 6 Casos Clin Psiquiatria 2002; 4(1):6-8 NASCI E MORRI LOUCO BORN AND DIED CRAZY N.C.T.* De repente surge uma sensação gostosa e incontrolável. E eu, a partir deste momento, não comando mais o meu senso crítico, as regras da sociedade ou as leis não existem, e começa o surto ou a fase da crise “maníaca” da doença identificada como Transtorno Bipolar. Na maioria das situações, existiu um motivo para que eu tivesse agido daquela forma, em outras, não. É como se “algo” me dominasse e fizesse com que eu agisse daquela forma, sem raciocinar ou avaliar em conseqüências pre- sentes ou futuras. É como um arrepio enorme, e uma força inte- rior que me domina e me impulsiona a agir através do meu corpo, apesar de eu, muitas vezes, não concordar com o que estou fazen- do. Mas a partir do momento que eu começo, não consigo, de forma natural, parar. E vai num crescendo, agindo de acordo com o momento e com as oportunidades. Estes são os meus momen- tos de “euforia” ou de “mania” denominados pelos médicos. O outro lado da doença, que se chama Transtorno Afetivo Bipolar, é a depressão. É impressionante como estou mais vulne- rável a depressões do que a maioria das pessoas. E também, quan- do ela me pega, parece que é mais profunda e mais duradoura. Depois de três a sete dias que ocorre um motivo para a depres- são, vou sentindo lentamente que ela está chegando e vou per- dendo as energias e me entregando a ela. Interessante que o meu médico psiquiatra atual já identificou por duas vezes que eu esta- va em depressão, mas que foi considerada normal e não patológi- ca. Tinha realmente motivos fortes para estar em depressão. Nos últimos anos tive a oportunidade de conhecer algumas pessoas portadoras do Transtorno Afetivo Bipolar. E a conclusão a que cheguei é que, apesar do diagnóstico ser o mesmo, cada caso é um caso. Alguns têm tendência a ter crises de mania, outros de depressão, outros podem intercalar ou misturar essas crises. O período das crises também pode variar muito. Existem casos de pacientes que já ficaram até 15 anos sem a manifestação de alguma crise, apesar de a doença não ter cura. Outro aspecto importante é que essa doença é, na maioria dos casos, hereditária. Na minha família só conhecia a existência de um tio materno, que era esquizofrênico. Posteriormente, vim a saber e descobrir que, na família do meu pai, também existiram alguns tios e primos com problemas mentais, apesar de nunca terem sido declarados como tal para o restante da família. Endereço para correspondência: COOPMED Casos Clínicos em Psiquiatria Av. Prof. Alfredo Balena, 190 30130-100 Belo Horizonte MG * N.C.T. também escreve neste volume na seção “Casos Literários” Com 18 anos de convivência com esse diagnóstico, procuro descrever as minhas crises e todas as conseqüências desta doença para mim e para os que me cercam, como uma forma de contri- buir para que determinadas situações constrangedoras que acon- teceram comigo não ocorram com outros pacientes, familiares e médicos, pois estão em jogo a vida e a aceitação deste ser huma- no na sociedade onde ele está inserido. Muita tristeza, dor e sofri- mento poderiam ter sido evitados se a postura e o comportamen- to das pessoas, inclusive o meu e, principalmente, o dos médicos psiquiatras e psicólogos, tivessem sido diferentes. O meu diagnóstico foi dado em 1985, quando me obrigaram a me internar num hospital psiquiátrico, que nem existe mais. Disseram para os meus familiares que eu tenho PMD, que signi- fica Psicose Maníaco-Depressiva. Nessa época, eu era consultor de importante banco e de importantes empresas, além de sócio em casas de alimentação conhecidas na cidade. Estava casado, já tinham nascido minha filha, que hoje tem 18 anos, e meu filho, que hoje tem 17 anos. É importante dizer que perdi tudo. Meu casamento acabou, os clientes esperaram terminar os contratos e os negócios quebraram. Em pouco tempo, materialmente falan- do, eu já não tinha mais nada, em relativamente curto espaço de tempo. Os fortes medicamentos prejudicavam o meu raciocínio e começaram os primeiros sinais de discriminação e preconceito. Lembro-me do meu primeiro médico psiquiatra, que aconselha- va: “deixe que te chamem de qualquer coisa, até de veado, mas não deixe que te chamem de louco”. A sociedade não aceita, tal- vez porque todos nós temos um pouco de loucura. Segundo outro médico psiquiatra, com quem me tratei e gostei muito, todos nós temos um diagnóstico na área psíquica. Quando me tratei com outro excelente médico psiquiatra, tive a curiosidade de perguntar a uma colega dele na clínica sobre alguma bibliografia da minha doença e fui para a Escola de Medicina conhecer mais detalhes. É uma doença que não tem cura. Chamava-se Doença da Afetividade e hoje é mais conheci- da como Transtorno Bipolar. É hereditária. O que mais me inco- moda é o desconhecimento por parte das pessoas em geral, prin- cipalmente da família, de que essa doença é cíclica em função da variação do humor, podendo, entretanto, o portador viver parte ou grande parte da sua vida no mesmo nível de normalidade de uma pessoa comum. No meu caso, após cerca de 60 dias que passo por alguma “crise”, já estou pensando e agindo em função de algum novo projeto produtivo. Minha família me coagiu a doar meu apartamento para meus filhos e construíram uma casinha para eu morar, que é de todos. Como não consegui trabalho nos últimos anos, todo projeto que apresentei para fazer em casa, com meus próprios recursos, foi unanimemente rejeitado pela família, por uma razão ou outra. Sei que aos 50 anos de idade, com uma experiência dura de cinco prisões, 15 internações em hospitais psiquiátricos (muitas à força) e mais de 35 médicos psiquiatras e psicólogos, quatro casa- mentos, esportista e profissional de sucesso, acredito que ainda tenho muita coisa para fazer e contar. Na minha adolescência e início da vida adulta, tive uma car- reira brilhante como atleta, chegando à Seleção Brasileira que dis- putou torneios no exterior. Tive uma vida com muito sucesso na área de administração, tendo inclusive freqüentado curso de Mestrado em Administração Pública na Fundação Getúlio Vargas, interrompido por um acidente automobilístico. Minha vida profissional, desde adolescente, foi rica em experiências como estagiário e executivo de grandes empresas multinacionais, o que me possibilitou morar em vários países e regiões do país. Fui empresário de micro e pequenas empresas, professor univer- sitário e, durante mais de 20 anos, consultor empresarial, nova- mente em grandes, médias, pequenas e microempresas. Sou pobre, mas sou feliz. Não devo nada a ninguém, reagi a toda tentativa de falcatrua que pudesse me envolver, nunca fui corrupto nem corruptível, e faria tudo novamente se fosse preci- so. O maior privilégio de minha vida é poder deitar tranqüilo, com a consciência limpa e sabendo que meus princípios, na minha visão, sempre foram preservados, e me considero uma pes- soa de caráter. Gostaria de ver “um” falar algo da minha pessoa ou da minha conduta sincera, honesta e verdadeira.Não acredito em polícia, advogado ou justiça no Brasil e, quando foi necessá- rio, resolvi os assuntos à minha maneira. Se considerarem isso doença, sou louco e louco assumido. O ócio é como o cigarro. Mata devagarinho. A solidão é o caminho do crescimento espiritual, se vista como solicitude. O que não posso admitir é a preguiça e a falta de criatividade para podermos, de alguma forma, contribuir para uma ou várias pes- soas, que muitas vezes, ou na sua maioria, estão em situações pio- res do que a nossa, por mais incrível que isso possa parecer. Mas é. É só procurar que achamos, às vezes bem ao seu lado, um parente ou um vizinho ou sua empregada. Foi em 2000, no dia 20 de março, meu aniversário, que por volta das 22h30 eu tomei uma das decisões mais importantes da minha vida. Não tendo recebido nenhum telefonema, nenhuma visita e já discriminado e vivendo cheio de preconceitos pela sociedade, somado ao fato de ter sido tratado por um médico psi- quiatra que me assegurou que se tomasse o medicamento cloza- pina (cujo único inconveniente seria a dosagem semanal de san- gue) eu “nunca mais teria crise”. Coloquei um anúncio fúnebre no jornal de maior circulação no estado, comunicando o meu próprio falecimento. Telefonei para o jornal, perguntei sobre o preço, tamanho e demais condi- ções e passei um fax, confirmando o anúncio, com todos os deta- lhes, excluindo, propositadamente, os nomes dos meus filhos. A seguir, telefonei para um primo meu em outra cidade e lhe comu- niquei o que havia feito, solicitando para que ele no dia seguinte, no sábado, ligasse para minha mãe, por volta das 6h30, para avisá-la que não era verdade, pois a mesma já sofre do coração e tem o hábito de logo olhar os anúncios de óbito, ao receber dia- riamente o jornal. E fui dormir. No dia seguinte, no dia do “enter- ro”, peguei meu carro e fui até a fazenda do meu ex-sogro, para avisar aos meus filhos Letícia e Luís José que tudo não passava de uma “armação” e que eu estava bem e vivo. Casos Clin Psiquiatria 2002; 4(1,2):6-8 7 Nasci e morri louco Comentário I: “Feridas-Cicatrizes” Luiz Ferri de Barros* Meus comentários a propósito do auto-relato apresentado nada podem dizer a respeito do relatado. Isso porque o editor da revista de Casos Clínicos em Psiquiatria me solicitou explicita- mente que os apresentasse na condição de portador de transtor- no mental - que sou - e sem utilizar-me de minha experiência edu- cacional e acadêmica na matéria. Ainda que há mais de década eu atue na área de saúde mental, sendo inclusive meu mestrado e doutorado em História e Filosofia da Educação, o primeiro, e Filosofia da Educação, o segundo, ambos na área de saúde men- tal. O pedido de que eu me pronuncie apenas como portador, feito pela Faculdade de Medicina da UFMG, representa, assim, a mesma estigmatização que também enfrentei junto à Faculdade de Medicina da USP, que recusou meu pós-doutorado, apesar de seu Departamento de Psiquiatria o ter aceito. A diferença é que o estigma que me atinge vindo do Prof. Maurício Viotti é ameno e diluído na simpatia mineira da fala mansa, enquanto os mandões da Medicina uspiana costumam ser sempre gente sisuda de cara feia e sem tempo pra prosa de café com broa. Não creio que os melhores médicos tenham preconceitos, como é o caso do Prof. Viotti e de muitos sisudos paulistas, o que sucede é que o estigma me persegue. Uma das principais características do estigma, segundo ensina Erwin Goffmann, é a identificação na pessoa ape- nas de seus traços distintivos referentes às suas feridas-cicatrizes, deixando-se de se enxergar a pessoa como o todo que ela é e por todo o seu potencial. De tal sorte, pondero que se estivesse dis- posto a atender às ordens de catedráticos, sejam mineiros ou pau- listas, eu poderia comentar o texto conforme solicitado, na con- dição de portador, e, neste caso, inevitavelmente estaria apresen- tando novo auto-relato meu. O que não é minha intenção no momento, até porque a prioridade de publicação pertence ao auto-relato que recebi para análise. Não me sentiria à vontade, tampouco, analisando auto-relatos de pessoas que sofrem ou sofreram tanto quanto sofri e por vezes volto a sofrer. Diante deles, cabe-me o respeito, e não a análise. Comentário II Ricardo A. Moreno** O senhor N.C.T. faz um relato didático evidenciando aspec- tos característicos da clínica, evolução e ônus causados pela doen- ça bipolar. Nos primeiros parágrafos, relata a evolução da mania, descreve seu curso autônomo e a perda progressiva da crítica e da capacidade de julgar a realidade. Relata a progressão rápida do episódio depressivo e aponta para possíveis sintomas residuais que muitas vezes passam desapercebidos para o médico. Vale a pena ressaltar este fato já que sintomas depressivos residuais são um dos principais desafios do tratamento e se correlacionam com risco aumentado de recorrência e com a manutenção do prejuízo funcional. O caráter cíclico e recorrente da doença, o padrão individual variado dos episódios depressivos, maníacos e do intervalo livre de sintomas também é descrito. A identificação de novos casos na família de N.C.T. é outro aspecto relevante e acontece com freqüência em portadores e quando ele diz: “Muita tristeza, dor e sofrimento poderiam ter sido evitados, se a postura e o comportamento das pessoas, inclu- sive o meu e principalmente o dos médicos psiquiatras e psicólo- gos, tivessem sido diferentes” aponta para a necessidade de inter- venção educacional para o paciente, sua família, seus amigos e demais interessados, sobre o Transtorno Bipolar. Infelizmente a vida do senhor N.C.T. não é muito diferente da de alguns clien- tes bipolares, que tiveram prejuízos importantes na esfera pes- soal, marital, profissional, declínio no status socioeconômico e até problemas judiciais. Isso evidencia o ônus que o Transtorno Bipolar pode ocasionar em função de baixa adesão ao tratamen- to, recorrências sucessivas ou efeito colateral de medicamentos, entre outros. Por outro lado, o senhor N.C.T. não perde a espe- rança e pensa no seu futuro, relatando ainda ter muitas coisas para fazer. Mudanças no estilo de vida e aprender a conviver com a doença são fatores que melhoram o prognóstico e dão esperan- ça para os portadores. Novos tratamentos, como os relatados pelo paciente, também aumentam a chance de uma vida normal ou no mínimo com qualidade. 8 Casos Clin Psiquiatria 2002; 4(1):6-8 *Mestre em História e Filosofia da Educação - USP - Doutor em Filosofia da Educação - USP - Administrador de Empresas - FGV - E-mail:: lfbarros@hydra.com.br **Professor do Departamento de Psiquiatria da FMUSP Coordenador do Grupo de Estudos de Doenças Afetivas (GRUDA) – Instituto de Psiquiatria – HC FMUSP Antônio L. Teixeira-Jr,* João V. Salgado** Resumo Sintomas psiquiátricos estão freqüentemente associados com a doença de Parkinson (DP). Incluem sintomas depressivos, ansiosos, psicóticos e cognitivos. Descrevemos o caso de uma paciente de 43 anos com DP complicada por flutuações motoras, discinesias e sintomas depressivos. Durante internação hospitalar para otimizar o tratamento, a paciente manifestava intencional- mente sinais de parkinsonismo, sobretudo bradicinesia. Foi diag- nosticado, então, transtorno factício. No seguimento, não houve melhora do quadro clínico da paciente. Este é o primeiro relato na literatura de transtorno factício no curso da DP avançada. Palavras-chave: Doença de Parkinson; Transtorno de Humor Depressivo; Transtorno Factício. Introdução A doença de Parkinson (DP) é tradicionalmente classificada no grupo dos transtornos do movimento, em que sintomas moto- res, como rigidez, bradicinesia, instabilidade postural e tremor são característicos. Recentemente, sintomas psiquiátricos e com- portamentais vêm sendo valorizados no contexto da DP, tendo em perspectiva a significativa incapacidade a eles associada.Incluem alterações da personalidade, depressão, ansiedade, psi- cose, demência e distúrbios do sono. Esses quadros podem cor- relacionar-se com o processo neurodegenerativo da DP, ao efeito dos medicamentos antiparkinsonianos, ou mesmo à limitação funcional secundária à DP1,2. Relatamos a seguir o caso de uma paciente portadora de DP avançada, em que sintomas ansiosos, depressivos e factícios foram identificados como possíveis contribuintes para a falência do tratamento clínico antiparkinsoniano e para a significativa incapacidade funcional. Caso clínico Identificação AM, sexo feminino, 43 anos, divorciada, professora aposentada por invalidez, procedente do interior de Minas Gerais. História da Moléstia Atual e Antecedentes Pessoais A paciente foi encaminhada para internação na enfermaria do serviço de neurologia do Hospital das Clínicas da UFMG com quadro de descompensação de DP avançada, marcado por disci- nesias e flutuações motoras significativas, com períodos off (aci- nesia) duradouros, e intolerância aos efeitos colaterais da levodo- pa, como náuseas, vômitos e hipotensão ortostática. A paciente era assintomática até os 31 anos de idade, quando ini- ciaram-se sintomas de fadiga e lentificação motora. Aos 32 anos, desenvolveu tremores de repouso, sobretudo em dimídio esquer- do, recebendo o diagnóstico de DP após a exclusão de causas secundárias de parkinsonismo. A terapêutica inicial consistiu no emprego de anticolinérgicos. Contudo, diante da ineficácia des- ses medicamentos, a paciente foi colocada em levodopa-terapia aos 33 anos de idade, com tolerância parcial aos efeitos gastroin- testinais desta. Posteriormente, utilizou vários esquemas de dro- gas antiparkinsonianas associadas à levodopa, incluindo agentes anticolinérgicos e dopaminérgicos, sempre com o relato de into- lerância aos efeitos colaterais das medicações. Considerava nunca ter alcançado controle satisfatório dos sintomas parkinsonianos, além de deterioração progressiva do quadro motor, sobretudo da lentificação e da dificuldade de mar- cha. O esquema antiparkinsoniano da paciente usado então con- sistia apenas no emprego de levodopa/carbidopa 50/12,5 mg de 4/4 h (SIC). Dizia tolerar mal doses mais elevadas de levodopa, desenvolvendo náuseas, vômitos e discinesias intensas, envolven- do todo o corpo. Afirmava permanecer a maior parte do dia dei- tada ou sentada, sendo capaz de andar e movimentar-se apenas nos breves intervalos, de aproximadamente 30 minutos, de efeito terapêutico da levodopa. Casos Clin Psiquiatria 2002; 4(1,2):9-11 9 * Médico psiquiatra e neurologista. Assistente da Clínica de Distúrbios do Movimento do Serviço de Neurologia do Hospital das Clínicas, UFMG. Bolsista do CNPq, doutorando em Biologia Celular pela UFMG. Membro da Associação Acadêmica Psiquiátrica de Minas Gerais – AAP-MG. ** Médico psiquiatra, Doutor em Neurociências pela Universidade Louis Pasteur de Estrasburgo e pela USP-Ribeirão Preto. Professor de Neuroanatomia e Neurofisiologia da Faculdade Metropolitana, Belo Horizonte, MG. Membro da AAP-MG. Endereço para correspondência: Antônio Lucio Teixeira-Jr Alameda das Amendoeiras, 581, Ouro Velho, Nova Lima MG. 34000-000 E-mail:altexjr@hotmail.com Artigos Originais SINTOMAS PSIQUIÁTRICOS NA DOENÇA DE PARKINSON AVANÇADA PSYCHIATRIC SYMPTOMS IN ADVANCED PARKINSON’S DISEASE Sintomas Psiquiátricos na doença de Parkinson Avançada Além da incapacidade motora, a paciente queixava-se de sin- tomas depressivos presentes há um ano, acentuados nos dois meses que antecederam a internação. Descrevia sentimentos de tristeza e fadiga intensos, além de idéias recorrentes de desvalia e morte, enfatizando: "Estou no meu limite." Referia também a ocorrência de episódios esporádicos de ansiedade intensa, acom- panhada de taquicardia, sudorese, dispnéia e idéia de morte, sobretudo quando encontrava-se sozinha. Queixava-se de solidão e da precariedade do suporte familiar. História social Aposentada desde os 37 anos de idade, morava com o filho de 16 anos. Uma empregada doméstica a auxiliava nos cuidados com a casa e, eventualmente, nos cuidados pessoais. História familiar: ndn Exame clínico: A paciente mostrava-se alerta, eufásica, nor- motenaz, orientada, com pensamento de curso normal, lógico, com idéias de desvalia, humor deprimido, emotiva e choro fácil. O escore no miniexame do estado mental foi 28/30. Encontrava- se restrita ao leito, com grande dificuldade para realizar movi- mentos voluntários com os membros, praticamente acinética. Exibia tremores de repouso de grande amplitude, sobretudo em dimídio esquerdo, e significativa rigidez. Discinesias não foram observadas no primeiro exame. Evolução clínica A paciente foi submetida a extensa avaliação laboratorial que não mostrou qualquer alteração. Modificações no esquema anti- parkinsoniano foram sendo progressivamente implementadas e o antidepressivo nortriptilina foi iniciado. Nos primeiros dias de internação, apresentava episódios de choro de longa duração associados a sentimentos de angústia e idéias de morte. Dizia que "não iria resistir à internação". O dis- curso limitava-se a questionar a gravidade da doença e as perspec- tivas terapêuticas. Queixava-se de múltiplas dores pelo corpo. Com o acompanhamento, os sintomas ansiosos e depressivos atenuaram-se. Entretanto, a despeito da otimização da terapêuti- ca antiparkinsoniana, a paciente mantinha inalteradas as queixas de fadiga e de imobilidade. Mostrava ainda crescente incômodo com as mudanças nos medicamentos, questionando a eficácia dos mesmos e reclamando, reiteradamente, "que não era compreen- dida". Passamos, então, a examinar a paciente, pelo menos, qua- tro vezes ao dia, procurando observá-la em períodos on (sob pos- sível efeito da levodopa, portanto, após a administração da droga) e em períodos off (na ausência de efeito da levodopa). Nos exa- mes clínicos, independentemente do horário, a paciente sempre se mostrava muito lentificada, incapaz de levantar-se do leito ou deambular. Discinesias difusas e de moderada amplitude eram observadas nos exames após a administração da levodopa. Entretanto, outros pacientes da enfermaria e os técnicos de enfer- magem relataram-nos que a paciente freqüentemente saía do leito para ir ao banheiro ou para dirigir-se a outros setores do hospital. Fomos surpreendidos, em uma oportunidade, com mudança súbita de estado off para on da paciente, com boa capacidade de deambulação, conforme sua própria conveniência. Era capaz de comer sozinha, irritando-se se insinuassem auxílio. Foi flagrada também consumindo medicações que trazia consigo e desprezan- do as que lhe eram oferecidas pela enfermagem. Eventualmente, suplicava à enfermagem a administração de maior dose de levo- dopa que a proposta na prescrição. Diante das evidências de alternância de acinesia e de capaci- dade de movimentos conforme a presença do médico-assistente e sem associação com o uso da levodopa, e de manipulação volun- tária das drogas antiparkinsonianas com recusa e/ou automedica- ção, levantamos a hipótese diagnóstica de transtorno factício. Outro dado que corroborou essa hipótese foi a incongruência entre o relato de imobilidade praticamente contínua e o fato de ser relativamente autônoma no domicílio. Optamos, então, por manter o seguinte esquema antiparkin- soniano: levodopa/benserazida 100/25 mg de 3/3 h e tolcapone 100 mg BID, evitando efetuar novas modificações. Mantivemos também a nortriptilina 75 mg MID. Não confrontamos a pacien- te com a hipótese levantada. Mostrou-se impermeável a uma intervenção psicoterápica breve, limitando o conteúdo discursivo a questões relacionadas à DP. Após 20 dias de internação, a paciente recebeu alta hospita- lar, com quadro motor parkinsoniano inalterado. Relatava ate- nuação dos sintomas depressivos, não tendo referido episódios de pânico no período deinternação. Recusou acompanhamento psi- quiátrico em nível ambulatorial. No acompanhamento após a alta hospitalar, a paciente man- teve o quadro de DP avançada estático, com discinesias significa- tivas e flutuações clínicas. Manteve o relato de imobilidade prati- camente contínua, a despeito de ainda morar apenas com o filho e desempenhar algumas atividades domiciliares sem ajuda. Sintomas ansiosos e depressivos persistentes, menos intensos, também foram relatados. Modificou, por conta própria, o esque- ma de uso da levodopa, assim como suspendeu a nortriptilina e o tolcapone. Discussão A paciente apresenta DP de início precoce (antes dos 40 anos de idade), já avançada clinicamente, com significativas complica- ções motoras. As discinesias observadas, capazes de dificultar a execução de inúmeras tarefas motoras, exibiam típico padrão de pico de dose de levodopa e não podiam ser suprimidas nos exa- mes clínicos, dado o caráter involuntário das mesmas. A "acine- sia" da paciente, por outro lado, não apresentava relação com os níveis séricos de levodopa, mas com a presença do médico-assis- tente nas avaliações. A paciente tendia ainda a superdimensionar, em seu relato, a duração e a gravidade dos períodos off. Essas observações associadas ao fato da paciente manipular deliberada- mente a prescrição médica, rejeitando drogas ou automedicando- se, motivou o diagnóstico de transtorno factício. A primeira distinção necessária seria com simulação (ou malingering, do inglês). A paciente não apresentaria qualquer benefício objetivo, seja de ordem financeira ou legal, assumindo intencionalmente atitudes que poderiam prejudicar a si própria, o que torna improvável a hipótese de simulação. O caráter inten- 10 Casos Clin Psiquiatria 2002; 4(1):9-11 cional/voluntário dos atos e comportamentos exclui transtornos somatoformes. As queixas de solidão e precariedade de suporte familiar, por outro lado, podem indicar a motivação dos compor- tamentos assumidos, que seria o de reforçar o papel de doente (do inglês, sick role). Isso corrobora o diagnóstico de transtorno factício3. Especula-se que, além de questões psicodinâmicas, fato- res orgânicos cerebrais poderiam contribuir na determinação de transtorno factício4,5. Não encontramos relatos de transtornos factícios no curso da DP1,2. A literatura descreve apenas casos de "parkinsonismo psi- cogênico", em que as causas prováveis de quadros parkinsonia- nos são atribuídas a fatores psicogênicos6,7. O estudo de Lang et al.7 apresenta a maior série de casos de parkinsonismo psicogêni- co, incluindo 14 pacientes selecionados em três grandes clínicas de transtornos do movimento. Segundo os autores, quadros de parkinsonismo psicogênico seriam infreqüentes, correspondendo 0.17% dos pacientes parkinsonianos de um dos serviços estuda- dos, o do Hospital da Universidade de Columbia, Nova York. Os autores apontam a busca de compensação financeira como a con- dição mais freqüente nos casos de parkinsonismo psicogênico, sendo relatada em cinco casos. Diagnóstico psiquiátrico foi defi- nido em alguns pacientes: conversão (quatro casos), transtorno somatoforme (três casos) e depressão (quatro casos). Ressalta-se que depressão estava associada ou a outros diagnósticos psiquiá- tricos (dois) ou à busca de compensação financeira (dois). Entre os sintomas parkinsonianos, a lentificação motora (bradicine- sia/acinesia) foi o único presente em todos os indivíduos. Doze pacientes apresentavam tremor, enquanto apenas seis, rigidez. No acompanhamento dos casos de parkinsonismo psicogênico, ape- nas três remitiram o quadro, enquanto os demais permaneceram com os sintomas praticamente inalterados. Em concordância com essas observações, foram identificadas na paciente síndromes depressiva e ansiosa concomitantes e len- tificação motora como sintoma parkinsoniano manipulado. A evolução da paciente mostrou, ainda, a persistência dos sintomas motores "psicogênicos", nesse caso, de caráter factício. A nosso ver, o mau prognóstico correlaciona-se, em parte, à impermeabi- lidade da paciente a intervenções psicoterápicas, o que é comum no transtorno factício3. Depressão é o transtorno psiquiátrico mais freqüente na DP, acometendo 30% a 40% dos pacientes1,2,8,9. Postula-se que sua manifestação esteja correlacionada ao processo neurodegenerativo na DP8,9. Alguns autores defendem inclusive a incorporação da síndrome depressiva na definição da DP9. Certos pacientes podem exibir sintomas depressivos mais intensos nos períodos off, com melhora nos períodos on1. Como a paciente exibia sintomas depressivos proeminentes no início da internação, com longos períodos de choro, não foi possível estabelecer a presença desse fenômeno. Entretanto, o comportamento de busca de levodopa apresentado pela paciente pode sugerir uma forma de alcançar ou alívio de sintomas depressivos ou mesmo euforia, o que caracteri- zaria dependência da droga. Síndromes ansiosas, como ansiedade generalizada e transtorno do pânico, também estão freqüentemen- te associadas à depressão, como na paciente1,2. Concluindo, a presença de sintomas psiquiátricos no curso da DP pode comprometer significativamente a qualidade de vida dos pacientes1,2. No caso, a concomitância de sintomas ansiosos, depressivos e factícios ainda contribuiu para a falência do trata- mento clínico antiparkinsoniano e para a significativa incapacida- de funcional da paciente. Summary Psychiatric problems associated with Parkinson's disease (PD) are frequent and include several syndromes, such as depression, anxiety, psychosis and cognitive dysfunction. We present a case of a 43 year-old woman with PD complicated with motor fluctua- tions, dyskinesias and depressive symptoms. During hospital stay for therapeutic optimization, the patient showed motor signs of parkinsonism, notably bradykinesia. Then factitious disorder was diagnosed. On the follow-up there was no improvement in the clinical status of the patient. To our knowledge this is the first case report of factitious disorder in the course of advanced PD. Keywords: Parkinson's Disease; Depressive Disorder; Factitious Disorder. Referências Bibliográficas 1. Melamed E. Neurobehavioral abnormalities in Parkinson's disease. In: Watts RL, Koller WC. eds. Movement disorders: neurologic principles and practice. New York: McGraw-Hill, 1997:257-262. 2. Rabinstein AA, Shulman LM. 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Leentjens AFG, Verhey FRI. Depression and Parkinson's disease: a conceptual challenge. Acta Neuropsychiatrica 2002; 14:147-153. Casos Clin Psiquiatria 2002; 4(1,2):9-11 11 ABUSO DE SUBSTÂNCIA PSICOATIVA: RELATO DE TRÊS CASOS PSICOATIVE SUBSTANCE ABUSE: THREE CASES REPORT José Antônio Zago*; Sérgio Augusto Monteiro dos Santos**; José Carlos Salzani*** Resumo São apresentados três casos por abuso de substância psicoa- tiva, atendidos no programa terapêutico para dependentes deálcool e drogas do Instituto Bairral de Psiquiatria – Itapira, SP. São evidenciadas e discutidas as dificuldades tanto para a compreensão teórica do fenômeno quanto as dificuldades na terapêutica. Palavras-chave: Abuso de Substância; Alcoolismo; Dipsomania; Cocaína. Introdução O objetivo deste estudo é apresentar três casos, atendidos no programa terapêutico para dependentes de álcool e drogas do Instituto Bairral de Psiquiatria1 por abuso de substância psicoati- va, evidenciando as dificuldades envolvidas tanto na compreen- são do fenômeno quanto na prática terapêutica. No trabalho clínico diário, com pessoas em tratamento na comunidade terapêutica para superar a dependência de substân- cia, são raros os casos de abuso que procuram o ambiente prote- gido como forma de ajuda. Para Ferreira et al2, não existe fronteira nítida entre o que é uso, abuso e dependência, mas um continuum. A droga vai assu- mindo gradativamente papel central na vida do indivíduo, surgin- do depois problemas decorrentes, que podem ser familiares, sociais, jurídicos, financeiros, etc. A rigor, o ponto de passagem para diagnosticar abuso ou dependência é arbitrário e convencio- nado nacional ou internacionalmente. Segundo a CID-103, o uso nocivo da substância é diagnosti- cado na ocorrência de dano real para a saúde física ou mental do usuário. Quanto ao uso episódico ou dipsomania, é classificado como dependência de substância. De acordo com o DSM-IV4, a característica essencial do abuso de substância é um padrão mal-adaptativo de seu uso, que ocorre em certas ocasiões especiais, de algumas horas a dias, seguido por períodos mais longos (semanas ou meses) de absti- nência ou de uso ocasional e não-problemático. O comportamen- to mal-adaptativo é os riscos decorrentes dos efeitos do uso adverso da substância, por exemplo, complicações médicas, aci- dentes, negligência de responsabilidades, problemas de relacio- namento familiar e social, dificuldades ocupacionais, dificuldades financeiras, problemas legais. Em suma, o abuso difere de depen- dência por não apresentar padrões de uso compulsivo, nem de tolerância, nem sintomas de abstinência. Relato de casos Caso 1 47 anos, brasileiro, sexo masculino, professor universitário, católico. Bebe abusivamente por vários dias interrompendo um perío- do de abstinência. A primeira situação de abuso de alcoólicos ocorreu em janeiro de 1998, a segunda, em fevereiro de 1999, e a terceira, em maio de 1999. Nesta última necessitou de internação em hospital clínico para tratar os efeitos da intoxicação alcoólica. Após, decidiu buscar ajuda em ambiente protegido. Antes da internação já havia tentado tratamento ambulatorial com naltrexone e citalopram e, mais recentemente, com diazepan e cloridrato de clomipramina. Nega depressão ou idéias de suicídio. Associa sua relação com o álcool quando está em dificuldade financeira. Afirma que quando vem o desejo de beber não tem como se controlar. O que mais teme é que esses abusos com álcool venham prejudicar sua carreira universitária, já que é dedicado e considerado entre seus pares na sua profissão. Está em seu segundo casamento. O primeiro terminou após 16 anos por problemas de relacionamento. Tem um filho com 20 e outro com 17 anos. O paciente é filho único. Sem antecedentes psiquiátricos na família. Há dez anos fez estágio profissional no exterior, quando teve seus primeiros contatos com bebida alcoólica. É tabagista. Ficou 17 dias internado, saindo a pedido, melho- rado. Foi orientado a buscar ajuda psicoterápica e indicado o uso, se necessário, de diazepam 10 mg quando da vontade de usar o alcoólicos. Caso 2 Paciente de 28 anos, brasileiro, sexo masculino, solteiro, escolaridade média, comerciante, católico. * Psicólogo do Instituto Bairral de Psiquiatria – Itapira – SP; Mestre em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba ** Psiquiatra do Instituto Bairral de Psiquiatria – Itapira - SP *** Psiquiatra do Instituto Bairral de Psiquiatria – Itapira - SP Endereço para correspondência: José Antônio Zago Rua Padre José Maurício, 11 Itapira – SP - 13974-040 E-mail: joseantoniozago@ig.com.br ou bairral@bairral.com.br 12 Casos Clin Psiquiatria 2002; 4(1,2):12-15 Seu primeiro contato com cocaína aspirada foi aos 18 anos. A primeira internação em clínica psiquiátrica ocorreu aos 21 anos. Várias internações em clínicas psiquiátricas. O abuso de cocaína ocorre periodicamente, de seis em seis meses. Sem motivo aparente, desaparece de casa por três ou quatro dias e é encontrado em cidades vizinhas ou distantes. Nessas ocasiões, fica exposto porque carrega consigo muito dinheiro e dirige seu carro por estradas vicinais. Por duas vezes foi detido e uma vez ficou na prisão por um mês. Responde novamente a processo por porte de droga. Nos períodos de abstinência, não faz uso de álcool e, geral- mente, a recorrência à droga começa quando utiliza alcoólicos de forma não-abusiva. Não sabe explicar os motivos que o levam a buscar a droga. Disse que quando sente vontade de usar cocaína não consegue ter controle. Nessas ocasiões, manipula os familia- res para poder sair e usar a droga. Nos períodos de abstinência, tem uma vida recatada. Trabalha nos negócios da família, com certa dificuldade para cumprir todas as suas obrigações. Também, no período de absti- nência, não apresenta distúrbios de comportamento. É instável nos seus relacionamentos amorosos. Já fez uso de antidepressivos. Mãe, falecida, tinha depressão. Tem um irmão mais novo. Bom relacionamento com o pai e o irmão. Já fez terapia por dois anos e durante a mesma apresentou as recorrências semestrais. A cada crise pede para ser internado. Apresenta bulimia durante os períodos de sobriedade. Permaneceu 30 dias internado, saindo a pedido, melhorado. Caso 3 24 anos, brasileiro, sexo masculino, separado, escolaridade média, trabalha no laticínio da família, evangélico. O primeiro contato com cocaína foi aos 16 anos. Acha que começou a usar a droga por influência de colegas. Aos 19 anos experimentou cannabis. O uso de cocaína aspirada ocorre a cada 30 ou 60 dias. Nas ocasiões de uso da droga, fica fora de casa por um ou dois dias. Anda de carro dia e noite usando a droga e, quando melhora, volta para a casa. Não consegue caracterizar o que o leva a procurar cocaína. Refere que quando vem a vontade de usar a droga não consegue o controle e, nessas ocasiões, torna- se manipulador. Quando isso ocorre, há um descontrole total na sua vida. No final de semana anterior a esta internação, ficou três dias fora de casa usando a droga. Ele mesmo pediu para ser inter- nado, sendo esta a sua segunda internação. Quer ficar bem, pois pretende fazer um curso para piloto de avião. Nos períodos de sobriedade é trabalhador e cumpridor de suas obrigações, embora sem muita iniciativa, ou seja, é preciso programar e determinar a ele o que tem de ser feito. Não tem dis- túrbios de conduta nos períodos de sobriedade. Não faz uso de bebida alcoólica. Já fez tratamento ambulatorial com alprazolam e carbamazepina. Nessa ocasião, ficou seis meses abstêmio. O casamento durou seis meses, após três anos e meio de namoro. Para o paciente, a separação foi decorrente de freqüen- tes intervenções da família da esposa no relacionamento conjugal. Entretanto, para os pais do paciente, a questão do abuso de droga foi igualmente um dos fatores da separação. Tem um filho de cinco meses. É o filho do meio. Tem duas irmãs solteiras. Pais vivos. Os pais têm problemas de relacionamento. Ficou 15 dias internado, saindo a pedido, melhorado. Discussão Na prática clínica diária, temos observado que o abuso de substância é apenas um período intermediário no continuum para a dependência. E, geralmente, os abusos são em freqüência mais ou menos semanal. Ou seja, essa constatação está conforme o DSM-IV4 para o qual o diagnósticode abuso é mais provável em indivíduos que recentemente começaram a usar a substância. Contudo, nos casos apresentados, as ocorrências de abuso de substância ocorrem em períodos de tempo maiores: dois meses, no caso 1; a cada seis meses, no caso 2; e de 30 a 60 dias, no caso 3. Diferente, portanto, dos históricos de dependência, em que os períodos entre os abusos vão diminuindo progressivamente, ao ponto de a droga ser transformada em centro da vida do depen- dente, abandonando, por isso, quase por completo as atividades diárias como escola, trabalho, lazer, vida familiar, etc. O abuso de substância dos casos apresentados segue certa regularidade de tempo e não evolui para a dependência. É impor- tante destacar que o contato com a substância não é recente na história de vida de cada um: o caso 1 conhece alcoólicos há dez anos; o caso 2 teve seu primeiro contato com cocaína há dez anos; e o caso 3, há seis anos. Outro aspecto a ser sublinhado é que, nos períodos de absti- nência, esses indivíduos têm uma vida praticamente normal, isto é, inseridos na família, na sociedade, no trabalho e sem distúrbios de comportamento. Essas considerações sugerem discutir algumas dificuldades relativas à compreensão dos casos. A primeira quanto ao diagnóstico. Já que o uso episódico de substância ou a dipsomania está classificada como síndrome de dependência pela CID-103, cada caso não preenche, a rigor, três ou mais critérios para, de fato, caracterizar a síndrome de dependência. Os casos preenchem cri- térios de abuso de substância, comportamento mal-adaptativo, conforme o DSM-IV.4 Desse modo, abuso de substância psicoa- tiva seria um diagnóstico mais preciso, haja vista, principalmente, a ausência da tolerância e da abstinência. Quanto ao desejo incontrolável de usar a substância nas ocasiões de abuso, pode ser considerado um padrão compulsivo ou impulsivo. O comportamento compulsivo tem como objetivo prevenir o sofrimento ou reduzir a ansiedade, enquanto o comportamento impulsivo buscar prazer. Ambos acontecem independentemente da vontade ou do controle do indivíduo, podem coexistir num mesmo indivíduo e são padrões repetitivos de comportamento (Del Porto, 1996).5 No caso 1, o abuso de alcoólicos, como forma de aliviar a angústia conseqüente de problemas financeiros, poderia ser entendido como comportamento compulsivo; e, nos casos 2 e 3, impulsividade. No entanto, a compulsão implica continuidade, fato que não ocorre no caso 1, pois, como apontado, há períodos Casos Clin Psiquiatria 2002; 4(1,2):12-15 13 Abuso de Substância Psicoativa: Relato de Três Casos de sobriedade. A impulsividade seria, então, o fator determinan- te dos três casos? Vallejo Nagera6 descreve dipsomania como ingestões perió- dicas de alcoólicos por indivíduos aparentemente normais, inte- grados na vida familiar, social e do trabalho e que não são alcoo- listas. Os períodos de abstinência tendem a diminuir. Essas inges- tões alcoólicas ocorrem repentinamente, sem relação com estímu- los ambientais, como se fosse um “ataque”. Por isso, alguns auto- res acreditavam que a dipsomania seria um equivalente epilépti- co. Provas eletroencefalográficas e resultados de testes projetivos, como o Rorschach, de pacientes com dipsomania não comprova- ram a hipótese da equivalência epiléptica. O autor supõe que a etiologia da dipsomania pode ser um transtorno afetivo. Entretanto, sua causa permanece desconhecida, nem existe orien- tação terapêutica confirmada. Também, explicações psicodinâmi- cas não são convincentes. Bons resultados, dentro do mau prog- nóstico da dipsomania, têm sido obtidos com medicações antide- pressivas, ansiolíticas ou psicoterapia. Estudo conduzido por Silveira e Jorge7 sobre comorbidade psiquiátrica em dependentes de substâncias psicoativas confir- mam outras pesquisas de que os transtornos depressivos estão mais freqüentemente associados às dependências. Para Ribeiro8, é impossível afirmar de maneira definitiva sobre a causalidade e a casualidade de transtornos de personali- dade ou condições psiquiátricas no alcoolismo especificamente. Simon9 refere que a drogadição aguda, mesmo em indivíduos não-adictos, é resultante de uma crise adaptativa por aquisição ou perda. Ou seja, diante de uma situação de sucesso ou de fracasso o indivíduo, adicto ou não, pode partir para a ingestão abusiva de uma substância, como se o “remédio-droga” aliviasse a angústia, sentimento predominante da crise adaptativa, frente ao novo ou ao desconhecido. Nos casos estudados, não foram detectados transtornos de personalidade ou situação de crise adaptativa. No caso 1, que associa o abuso de alcoólicos com problemas financeiros, talvez possa ser considerada uma crise adaptativa. Entretanto, no con- tato com o paciente, esse argumento parecia mais um mecanismo de racionalização. Quanto à comorbidade psiquiátrica, o caso 2 apresenta buli- mia nos períodos de abstinência. Para Halmi10, não é incomum um transtorno alimentar em dependentes químicos, sendo mais freqüente no alcoolismo. Smukler (1984), citado por Halmi10, afirma que a bulimia se enquadra bem na adição. Assim, a buli- mia como comorbidade da dependência de substância psicoativa é também uma forma de conduta adita. Provavelmente, como maneira de substituir o uso da substância, já que a bulimia se manifestava no período de abstinência. O comportamento do caso 1 está conforme a definição de Vallejo Nagera (1976, p. 327-328)6: “La dipsomania es un síndrome complejo en el destacan episodios accesionales de ingestión de alcohol en indivi- duos que, en realidad, no son alcohólicos o que al menos lo son de un modo completamente distinto a todos los demás”. Na definição de dipsomania, “episodios accesionales” seria sinônimo de impulsividade? O abuso de cocaína, casos 2 e 3, pode também ser considerado uma forma de dipsomania ou semelhante à dipsomania? A dipsomania é uma forma rara de alcoolismo (Kerbikov et al).11 Os dois casos de abuso de cocaína, sem evolução para a dependência, à semelhança da dipsomania, também são raros em nossa casuística. Na literatura especializada, as referências sobre dipsomania são igualmente raras e apenas descrevem esse tipo de transtorno. Qual ou quais causas determinariam o comportamento des- ses pacientes para usarem abusivamente, de modo periódico, a substância, mantendo vida normal na abstinência? Parece que é difícil compreender esses casos de abuso de substância que não evolui para a dependência apenas pela ótica de adição à substância. Pedinielli et al 12 questionam a CID-103 e o DSM-IV4 por separarem os vários transtornos de adição: os relacionados à substância (alcoolismo e outras drogas), dos transtornos da ali- mentação (anorexia, bulimia) e dos transtornos dos impulsos (cleptomania, jogos patológicos, comportamento de risco). Embora sejam entidades nosográficas diversas, para esses auto- res, a questão da dependência ou da adição permite um agrupa- mento porque suas características comportamentais e psicopato- lógicas são comuns. Assim, o conceito de adição compreenderia um universo mais abrangente do que especificamente relacionado à substância psicoativa: num primeiro círculo, as relacionadas às substâncias; num segundo, os transtornos da alimentação; e, num terceiro cír- culo, as condutas como cleptomania, condutas de risco, gestos suicidas interativos, gestos repetitivos para as adições sexuais e jogos patológicos.12 Esse enfoque pode abrir novas perspectivas de pesquisas para a questão do abuso de substância que não evolui para a dependência. Quer dizer, não vinculando essa forma de abuso exclusivamente em relação à substância, mas na expansão do uni- verso das adições, ou seja, levando-se em conta, por exemplo, os hábitos alimentares do paciente (o beber e o consumir drogas aqui não poderiam ser considerados formas alteradas de alimen- tação?) e
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