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TEORIA DA SEPARAÇÃO DOS PODERES: DE MONTESQUIEU À CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 A Doutrina da Separação dos Poderes (ou da Tripartição dos Poderes do Estado) é a teoria de Ciência Política desenvolvida por Montesquieu, no livro O Espírito das Leis (1748), que visou limitar o Poder do Estado, dividindo-o em funções, e dando competências a órgãos diferentes do Estado. “O poder é uno – a distinção é entre os órgãos desempenhantes de funções” A gênese da teoria da separação dos poderes encontra-se em Aristóteles (382-322 a.C.). Na sua obra, “A Política”, o filósofo isolou três tipos distintos de atos estatais, quais sejam: o ato deliberativo, o executivo e os atos judiciais. No entanto, ele não tratou da funcionalidade dessa separação; não instituiu a independência entre poderes, o que só fora feito posteriormente. Tal estudo, contudo, não influenciou os governantes que o seguiram. A era depois de Aristóteles ainda fora marcada por grandes monarcas déspotas e tirânicos. A famosa afirmação de Luís XIV, “L´etat c´est moi" (O Estado sou eu) traduz claramente o poder ilimitado que se encontrava nas mãos dos monarcas. Foi este cenário que tornou propício a Maquiavel a feitura da sua mais importante obra, “O Príncipe”. Esta obra, apesar de ser um manual para a manutenção e o crescimento do poder de um monarca, também estabeleceu um tipo de sistematização do poder. Defendia ele um parlamento como um Poder Legislativo, dividindo poderes com um rei (Poder Executivo) e um Judiciário independente. O cenário em que se encontrava o crescente poder nas mãos de governos absolutistas, no entanto, se modificava aos poucos, pois estava em ascensão a burguesia, classe social baseada no comércio e que era ameaçada pela nobreza. Com as grandes navegações, foram conquistados novos mercados; os burgueses juntavam cada vez mais riquezas e, consequentemente, influência e poder. A concentração de poderes nas mãos de um só não era favorável à burguesia, que encontrava aí um limite para a sua expansão. Juntamente com a efervescência do pensamento filosófico da época, o crescimento da burguesia propiciou o nascedouro de um movimento chamado Iluminismo. O Iluminismo originou-se no século XVII, tendo se desenvolvido especialmente no século XVIII. Este movimento levou a burguesia a pensar num mundo onde não se teria limites à liberdade civil, trazendo um terreno fértil para esta classe prosperar. Defendiam os iluministas um Estado Constitucional, com uma autoridade dotada de poderes bem definidos. Ocorreu, então, gradativamente, a queda do clero e a conseqüente ascensão da burguesia. O grande pensador que emergiu nesta cultura de pensamentos e ideais foi John Locke, um inglês nascido em 1632 que se opunha ao regime absolutista vigente até então. Locke é considerado o pai do liberalismo político. Como leciona Brecho Mota, De acordo com sua teoria, os homens viviam antes num estado natural em que prevaleciam a liberdade e a igualdade absoluta, sem o controle de nenhuma espécie de governo. A única lei existente era a da natureza, isto é, cada indivíduo punha em execução sua própria lei para proteger seus direitos naturais: vida, liberdade e propriedade. Como cada um estabelecia sua vontade, o resultado final acabaria sendo o caos. (BRECHO; BRAICK, 1997, p. 254.) Locke, então, propunha um tipo de governo limitado, que seria exercido mediante um contrato entre a sociedade e o governante, evitando-se o caos e possibilitando a emergência do governo constitucional. A constituição seria o contrato estabelecido entre o governante e o povo para que ele pudesse governar. O governante poderia ser destituído a qualquer tempo pelo povo, sendo esse um dos aspectos marcantes da doutrina de Locke. Foi ele o primeiro a delinear os contornos da teoria da separação dos poderes. No entanto, sua teoria favorecia claramente a propriedade privada, o que foi de encontro ao progresso social. Locke não admitia a concentração de poder nas mãos do rei, já que o rei representava o Poder Executivo que, para Locke, era mero agente do Legislativo, esse sim o grande poder. Defendia ele a adoção de quatro funções divididas em dois órgãos. O Parlamento exerceria a função Legislativa. O rei exerceria a função Executiva; a Federativa (referente a questões de segurança) e a função de fazer o bem público sem subordinar regras. Como já fora dito, o Poder Legislativo tem uma força preponderante na doutrina de Locke. Só com Montesquieu se tem a Teoria da Separação de Poderes tal qual se conhece hoje, trazendo a indicação dos mesmos como sendo o Legislativo, o Executivo e o Judiciário, bem como a idéia de que estes poderes são harmônicos e independentes entre si. Esta doutrina, além de identificar quais seriam as funções exercidas pelo Estado – como já o fizera Aristóteles – também defende a necessidade de que o exercício de cada uma dessas funções seja atribuído a diferentes titulares. John Locke já observava que a tentação de ascender ao poder é mais forte que a fragilidade humana; logo, “não convém que as mesmas pessoas que detêm o poder de legislar tenham também em suas mãos o poder de executar as leis, pois elas poderiam se isentar da obediência às leis que fizeram, e adequar a lei à sua vontade”. Montesquieu, já sob influência do Liberalismo, propôs a limitação da atuação do Estado, como uma maneira de reduzir o poder deste. Precisa-se, pois, de um mecanismo eficiente que impeça o poder exercido sem limites. Por isso, faz-se necessário a separação dos poderes, para que seja o poder descentralizado e, dessa forma, alcançar uma forma de governo ideal. Neste sentido, esta foi a prescrição das Constituições que pregariam a não separação de poderes implicaria na ausência de democracia. Esta separação é vista em alguns momentos históricos com a Declaração de Direitos da Virgínia de 1776, porém o maior enfoque se dá através da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, aprovada na França em 1789, no seu artigo 16. A proposta da separação dos poderes, além de buscar a proteção da liberdade individual, tinha por base também aumentar a eficiência do Estado, pois cada órgão do Governo tornar-se-ia especializado em determinada função. Com isso, estas duas bases da teoria de Montesquieu, acabavam por diminuir visivelmente o absolutismo dos governos. O momento histórico que retrata a fundamentação para a separação dos poderes é a passagem do Estado Absolutista para o Estado Liberal, o que vem influenciar vários textos constitucionais. No que diz respeito ao Brasil, suas Constituições sempre consagraram normativamente a clássica doutrina que separa os “poderes” (em verdade, as funções) em Legislativo, Executivo e Judiciário. A Constituição de 1824 trouxe ainda a previsão de um quarto poder, o chamado Poder Moderador, atribuído ao Imperador, e cuja existência era justificada na eventual necessidade de arbitramento de conflito entre os três poderes. Da forma como foi concebido, O Poder Moderador situava-se hierarquicamente acima dos demais poderes do Estado. Note-se que a própria denominação dos poderes possui correlação com as funções por eles exercidas: a. ao Legislativo, incumbe criar as leis da ordem jurídica estatal; b. ao Executivo, cabe administrar o Estado, executando as políticas definidas pelo Legislativo; e, c. ao Judiciário, compete dirimir conflitos entre pessoas, fundamentando-se para isto nas leis emanadas pelo Poder Legislativo. Esta correspondênciaentre as funções, contudo, não é exclusiva. Em outras palavras: a atividade do Legislativo não é exclusivamente legislar, assim como as atividades do Executivo e Judiciário não são exclusivamente administrar e julgar. Algumas dessas funções, que não têm relação direta com a denominação do “poder” respectivo, representam a chamada doutrina dos “Freios e Contrapesos” (Checks and Ballances), isto é, mecanismos com a finalidade de viabilizar o exercício harmonioso do poder entre os diferentes titulares. (parênteses) Sistema de Freios e Contrapesos: O sistema de separação de poderes, consagrado nas Constituições de quase todo o mundo, foi associado à idéia de Estado Democrático e deu origem a uma engenhosa construção doutrinária, conhecida como sistema de freios e contrapesos. Segundo esta teoria os atos que o Estado pratica podem ser de duas espécie: ou são atos gerais ou são especiais. a. Atos Gerais: que só podem ser praticados pelo poder legislativo, constituem-se na emissão de regras gerais e abstratas, não se sabendo, no momento de serem emitidas, a quem elas irão atingir. Dessa forma, o poder legislativo, que só pratica atos gerais, não atua concretamente na vida social, não tendo meios para cometer abusos de poder nem para beneficiar ou prejudicar uma pessoa ou um grupo em particular. b. Atos Especiais: Só depois de emitir a norma geral é que se abre a possibilidade de atuação do poder executivo, por meio de atos especiais. o Executivo dispõe de meios concretos para agir, mas está igualmente impossibilitado de atuar discricionariamente, porque todos os seus atos estão limitados pelos atos gerais praticados pelo legislativo. E se houver exorbitância de qualquer dos poderes surge a ação fiscalizadora do poder judiciário, obrigando cada um a permanecer nos limites de sua respectiva esfera de competência. (Dalmo de Abreu Dallari). (volta a matéria) Assim, não existe uma separação absoluta entre os poderes, pois todos eles legislam, administram e julgam. Cada Poder possui uma função típica, exercida com preponderância, e uma função atípica, exercida secundariamente. A função típica de um órgão é atípica dos outros. Desta forma: a. O Órgão Legislativo (Poder Legislativo) tem como função típica legislar e exercer a fiscalização contábil, financeira, orçamentária e patrimonial do Executivo. E tem como função atípica, por exemplo, dispor sobre sua organização – provendo cargos, concedendo férias, licenças a servidores – (natureza executiva); e ainda o julgamento do impeachment do Presidente da República pelo Senado Federal nos crimes de responsabilidade (natureza jurisdicional). b. O Órgão Executivo (Poder Executivo) tem como função típica a prática de atos de chefia de Estado, chefia de Governo e atos de administração. E são exemplos de sua função atípica a adoção de medida provisória com força de lei pelo Presidente da República (natureza legislativa); e o julgamento de defesas e recursos administrativos pelo Poder Executivo (natureza jurisdicional). c. O Órgão Judicial (Poder Judiciário) exerce a sua função típica ao dizer o direito no caso concreto, dirimindo os conflitos que lhe são levados, ao aplicar as leis. E há a função atípica quando os Tribunais elaboram seus regimentos internos (natureza legislativa); e também quando os Tribunais concedem licenças e férias aos magistrados e serventuários (natureza executiva). No ordenamento jurídico brasileiro, através da Constituição Federal de 1988, a organização dos poderes se dá através do Título IV. Dentre as funções básicas estatais, o Brasil também faz sua divisão de poderes entre Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário, o que não difere da maioria dos outros países. O “Sistema de Freios e Contrapesos” é previsto também na Carta Magna de 1988. Isto significa dizer que a separação de poderes não é rígida, havendo sempre a possibilidade de interferência recíproca, ou seja, além de cada poder exercer suas competências (funções típicas), estes fiscalizariam as competências dos outros (exercendo funções atípicas, por exemplo). Em suma, como concretização da Teoria da Separação dos Poderes ou Teoria da Tripartição dos Poderes, a Constituição Brasileira de 1988, estabelece, em seu artigo 2º, que os Poderes devem ser independentes e harmônicos entre si, o que significa que, para a existência de uma verdadeira democracia, os órgãos estatais devem atuar de forma independente, sem conflitos ou subordinação, com a finalidade de assegurar o bem comum de todos. Significado da Independência entre os Poderes: - O legislativo, o Executivo e o Judiciário são Poderes independentes entre si, estabelece o artigo 2º da CF. De que maneira é revelada essa independência? Em primeiro lugar pela circunstância de cada Poder haurir suas competências no Texto Constitucional. Nenhuma norma infraconstitucional pode subtrair competência que foram entregues pelo constituinte. Há mais, entretanto para garantir a independência de que se trata. Quanto ao Legislativo: No caso do poder legislativo, o artigo 53 da CF garante a inviolabilidade dos deputados e senadores no exercício do mandato, por sua opinião, palavras e votos. A razão desse dispositivo é garantir a atuação independente do Legislativo. Certas manifestações que, feitas por cidadãos, podem caracterizar delito não o são se efetivadas por parlamentares. (estas prerrogativas parlamentares objetivam impedir cerceamentos, mesmo que psicológicos, na atividade daqueles representantes populares). OBS – Não é garantia do parlamentar, apenas. É garantia da instituição. É modo de assegurar o mecanismo da liberdade de atuação do Legislativo. - Outras previsões legais neste mesmo sentido: Artigo 54, I e II da CF. – Artigo 53 § 1º - confere também ao legislativo a competência para dispor sobre sua organização, política e provimento de cargos de seus serviços – artigos 51, IV, e 52, XIII, da CF. Em relação ao judiciário a constituição também pretende proteger parlamentares com as imunidades. Quanto ao Judiciário: Também foram conferidas garantias: - O artigo 95 assegura aos juízes os seguintes predicamentos: I – Vitaliciedade; II – Inamovibilidade; III – Irredutibilidade de vencimentos. Também as proibições têm por finalidade a independência dos poderes – Artigo 95, parágrafo único. - O judiciário também organiza seus serviços auxiliares, provendo-lhes os cargos, na forma da lei. Cuida de todo o aparato administrativo necessário para dar suporte ao desempenho de sua atividade típica. Quanto ao Executivo: Tem sua independência revelada pelas competências privativas quie lhe são atribuídas e, ainda, porque a constituição lhe confere, independentemente de autorização legislativa ou do Judiciário, a direção superior da administração pública, conferindo ao seu chefe (Presidente da República) o comando supremo do braço civil e militar da polícia. PROBLEMAS NA SEPARAÇÃO DOS PODERES NO BRASIL Como já mencionado, a separação tripartite de poder fora adotada no Brasil como forma de sistematizar as funções estatais. Encontra-se consagrada na Constituição Federal de 1988, em seu art. 2°, onde lê-se: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.”. De fato, como se infere da leitura do artigo constitucional citado, os poderes que compõem a estruturação estatal brasileirasão, a priori, independentes, por isso não devem se submeter uns aos outros, devendo, portanto, terem autonomia. Devem, também, serem harmônicos, comprometendo-se ambos os poderes a obedecerem parâmetros adotados, possibilitando, assim, a co-existência entre eles. No entanto, ao se estudar a forma como estão dispostos os poderes no Brasil, não é isso, de fato, que se observa. Há uma evidente preponderância do Poder Executivo sobre os outros poderes, exercendo este poder nos outros uma ingerência que aqui se entende como indevida. Não se percebe, aqui, uma separação dos poderes tal qual ela deveria estar disposta, posto que concede-se ao Poder Executivo poderes tais que desvirtuam o propósito da doutrina estudada. O fato de este Poder ter a faculdade de legislar “excepcionalmente”, e indicar toda a composição da mais alta corte do Judiciário brasileiro o torna verdadeiramente o grande Poder da República Brasileira, comprometendo o funcionamento ideal da máquina estatal do país. Atribui-se a este fato a grande crise pela qual passa, inclusive, a democracia representativa brasileira. Defende-se que a forma como se encontra dispostos os poderes da República acaba por favorecer clima propício para o florescimento da corrupção. Isso ocorre devido ao fato de não se observar, no Brasil, as leis da política sistematizadas por Montesquieu, leis essas que por este pensador foram elaboradas, mas que antecede à sua própria existência, devendo, portanto, serem atendidas. A primeira dessas leis é: “Todo homem que tem o poder é levado a dele abusar.” (MONTESQUIEU, 1987, p. 198). Ora, conceder poderes exorbitantes ao Poder Executivo acarreta no desvirtuamento dos ocupantes das suas cadeiras. Isso ocorre, pois a eles é oportunizado “abusar” dos poderes que lhe são concedidos. Este fato possibilita, também, que sejam, tais ocupantes, alvos de pressões e influências que deveriam ser afastadas pela disposição estatal dos poderes. A solução para essa problemática é a segunda lei da política de Montesquieu, qual seja: “Para que não possam abusar do poder é necessário que, pela disposição das coisas, o Poder freie o Poder.” (MONTESQUIEU, 1987, p. 198). É pela falta de atendimento desta segunda lei de Montesquieu que ocorre a crise da separação de poderes no Brasil. O poder executivo não se encontra “freado”, ao contrário, é dotado de “grandes poderes” que o permitem tanto “manipular” um dos Poderes da República quanto “usurpar funções” do outro Poder.
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