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0 BOLETIM CONTEÚDO JURÍDICO N. 564 (ano VIII) (15/03/2016) ISSN - ͧͦ͟͢-ͣ͢͢͞ BRASÍLIA ‐ 2016 Boletim Conteúdo Jurídico - ISSN – 1984-0454 5 1 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.554389 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 Conselho Editorial COORDENADOR GERAL (DF/GO/ESP) - VALDINEI CORDEIRO COIMBRA: Fundador do Conteúdo Jurídico. Mestre em Direito Penal Internacional Universidade Granda/Espanha. Coordenador do Direito Internacional (AM/Montreal/Canadá): SERGIMAR MARTINS DE ARAÚJO - Advogado com mais de 10 anos de experiência. Especialista em Direito Processual Civil Internacional. Professor universitário Coordenador de Dir. Administrativo: FRANCISCO DE SALLES ALMEIDA MAFRA FILHO (MT): Doutor em Direito Administrativo pela UFMG. Coordenador de Direito Tributário e Financeiro - KIYOSHI HARADA (SP): Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP. Coordenador de Direito Penal - RODRIGO LARIZZATTI (DF/Argentina): Doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidad del Museo Social Argentino - UMSA. País: Brasil. Cidade: Brasília – DF. Contato: editorial@conteudojuridico.com.br WWW.CONTEUDOJURIDICO.COM.BR Bo let im Co nte úd o J urı́ dic o Pu bl ica çã o d iá ria Cir cu laç ão : A ce sso ab ert o e gr atu ito 2 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 SUMÁRIO COLUNISTA DO DIA 01/02/2016 Rômulo de Andrade Moreira » A Execução Penal no Brasil e a sua compatibilidade com a Constituição Federal e com o sistema acusatório ARTIGOS 15/03/2016 Gustavo Bede Aguiar » O princípio da legalidade no âmbito administrativo 15/03/2016 Lincoln Rafael Horacio » Espécies de Sucessão no Direito Civil brasileiro 15/03/2016 Thomas Ubirajara Caldas de Arruda » A Defensoria Pública como expressão e instrumento da democracia no novo CPC 15/03/2016 Felipe Arruda Aguiar Sobreira da Silveira » Gadamer, a verdade e a compreensão nas ciências do espírito 15/03/2016 Isabela Maria Rosal Santos » O Caso dos Exploradores de Cavernas e a Introdução ao Estudo do Direito 15/03/2016 Tauã Lima Verdan Rangel » Tessituras ao Comentário Geral nº 13 acerca do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais: Aprofundamento ao Direito à Educação 15/03/2016 Lorena Carneiro Vaz de Carvalho Albuquerque » O direito de greve e a justa causa trabalhista MONOGRAFIA 15/03/2016 Álvaro Felipe câmara da Silva Fernandes » O Direito Fundamental à saúde e a obrigação de fazer do Estado no tratamento paliativo dos pacientes terminais 5 3 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.554389 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 AVALIAÇÃO DAS MANIFESTAÇÕES DE RUAS KIYOSHI HARADA: Advogado em São Paulo (SP). Especialista em Direito Tributário e em Direito Financeiro pela FADUSP. Professor de Direito Tributário, Administrativo e Financeiro. Conselheiro do Instituto dos Advogados de São Paulo. Presidente do Centro de Pesquisas e Estudos Jurídicos. Membro do Conselho Superior de Estudos Jurídicos da Fiesp. Ex Procurador‐Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo. No domingo último cerca de 3 milhões de brasileiros saíram as ruas demonstrando indignações contra o caos político-social e institucional a que conduziram os 14 anos de regime petista que se apossou do poder para benefício exclusivo de seus integrantes. A falta de pudor e o mínimo de bom senso desse governo que perdeu a legitimidade perante a opinião pública faz com que ele continue, de um lado, retirando a maior parcela das riquezas produzidas à dura pena pelos ordeiros trabalhadores e empresários honestos e, de outro lado, esbanjar bilhões de reais com organismos espúrios, como o MST, a CUT e outras siglas que nada produzem, pelo contrário, só semeiam atos de violência, destruição, paralisação das atividades econômicas por meio de movimentos sempre radicais. Essa concentração inusitada, que só em São Paulo reuniu cerca de 1,5 milhões de pessoas, deve significar algo mesmo para as instituições políticas em frangalhos. Deve reascender a tocha do impeachment com eventual revisão do rito processual definido pela STF que na prática inviabiliza o uso desse instrumento de soberania popular. Só que o impeachment com esse quadro político institucional completamente deteriorado não será fácil de viabilizar, mesmo com a retirada dos obstáculos processuais colocados no último julgamento da Corte Suprema. Ainda que o fosse possível 4 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 demandaria um tempo muito grande que o pais não pode mais esperar. Outrossim, se todo o aparelhamento estatal está gangrenado não cremos que a saída da Presidente irá melhorar as coisas. Talvez a agilização do processo de cassação de chapa, que elegeu os dois candidatos, pelo TSE em respeito da soberania popular fosse mais eficiente, pois ensejaria nova eleição direta ou indireta conforme a cassação ocorra na 1ª metade ou na 2ª metade do mando presidencial atual. Há ainda o perigo do golpe institucional mediante aprovação da Emenda que permite o atual Congresso desmoralizado implantar o sistema parlamentar do governo, nomeado o Primeiro Ministro alguém que possa dar sustentação a este regime exaurido, atolado até o pescoço em meio ao mar de corrupção. Daí porque até juristas de renome já estão sustentando a tese da intervenção das Forças Armadas destinadas “a defesa da Pátria, à garantia dos Poderes constitucionais e, por iniciativa de qualquer destes; da lei e da ordem”, conforme prescrição do art. 142 da CF. Não se trata de intervenção militar, mas de Intervenção Constitucional das Forças Armadas para cumprir o seu papel constitucional de estabelecer a lei e ordem que não mais existem no momento em que vivemos. Se interpretado o texto do art. 142 da CF, não de forma literal que exigiria provocação de um dos Poderes, mas de forma sistemática considerando a ordem constitucional como um todo onde se sobressaem os valores da Democracia, de Soberania, da cidadania, da dignidade da pessoa humana, a separação dos Poderes etc. a gigantesca manifestação popular do dia 13 último mais do que legitima a intervenção Constitucional das Forças 5 5 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.554389 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 Armadas. É do seu dever constitucional salvar a Pátria em perigo tanto quanto na hipótese de agressão externa. 6 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 O PRINCÍPIO DA LEGALIDADE NO ÂMBITO ADMINISTRATIVO GUSTAVO BEDE AGUIAR: Advogado. Resumo: O presente artigo visa discorrer, de maneira sintética, a respeito do princípio da legalidadeno âmbito da Administração Pública. Para tanto, após uma breve noção introdutória a respeito dos princípios gerais que regem o direito administrativo, traz a definição de legalidade administrativa, diferenciando-a do princípio da legalidade enquanto direito individual do cidadão, bem como tece considerações acerca de sua aplicabilidade no âmbito administrativo atual, no qual é visto como princípio da juridicidade. Por derradeiro, são realizados breves comentários concernentes às exceções ao mencionado princípio previstas constitucionalmente. Palavras-Chave: Princípio. Legalidade. Administração. Pública. 1. Introdução Os princípios fundamentais que norteiam a atuação da administração pública encontram-se, explícita ou implicitamente, na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Muito embora se observe em atos normativos infraconstitucionais a referência ou enumeração dos mais diversos princípios administrativos, todos são decorrência lógica do texto constitucional. Dentre os princípios orientadores da atuação da administração pública, avultam importância os expressos no art. 37, caput da Carta Magna, o qual, após a Emenda Constitucional nº 19/1998, estabeleceu que a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal 5 7 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.554389 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Da leitura do aludido dispositivo constitucional, infere-se que os princípios ali enumerados são de observância cogente para todos os Poderes, quando do exercício de suas funções administrativas, e para todos os entes públicos federativos, alcançando, inclusive, a administração direta e a indireta. No âmbito infraconstitucional, os princípios que regem a administração pública podem ser encontrados na Lei nº 9.784/99, a qual preconiza, no caput de seu art. 2º, que essa deve atenderá atender aos postulados da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. Dentre os referidos princípios administrativos, merece destaque o da legalidade, um dos corolários do Estado Democrático de Direito. Maria Sylvia di Pietro, majestosamente, leciona que o princípio da legalidade nasceu com o Estado de Direito e constitui uma das principais garantias de respeito aos direitos individuais. Para a ilustre autora, a lei, ao mesmo tempo em que os define, estabelece também os limites da atuação administrativa que tenha por objeto a restrição ao exercício de tais direitos em benefício da coletividade.[1] 2. As acepções do princípio da legalidade no direito público e no direito privado Muito embora o texto constitucional não traga a definição do princípio da legalidade no âmbito administrativo, a doutrina se encarrega desse mister com muita propriedade. Marcelo Alexandrino e Vicente Paulo assim conceituam o aludido postulado (ALEXANDRINO; PAULO, 2008, p. 194): 8 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 “A legalidade traduz a ideia de que a administração pública somente tem possibilidade de atuar quando exista lei que o determine (atuação vinculada) ou autorize (atuação discricionária), devendo obedecer estritamente ao estipulado na lei, ou, sendo discricionária a atuação, observar os termos, condições e limites autorizados na lei.” José dos Santos Carvalho Filho, por sua vez, afirma que “o princípio da legalidade é a diretriz básica da conduta dos agentes da Administração. Significa que toda e qualquer atividade administrativa deve ser autorizada por lei. Não o sendo, a atividade é ilícita.” [2] Verifica-se que, sob o manto do direito público, a legalidade traduz o critério de subordinação ou vinculação positiva à lei, uma vez que a atuação dos agentes públicos, direta ou indiretamente, depende de previsão legal. Consoante as lições de Alexandre Mazza: “A característica fundamental da função administrativa é a sua absoluta submissão à lei. O principio da legalidade consagra a subordinação da atividade administrativa aos ditames legais. Trata-se de urna importante garantia do Estado de Direito: a Administração Pública só pode fazer o que o povo autoriza, por meio de leis promulgadas por seus representantes eleitos. É o caráter infralegal da função administrativa.” No direito privado, por seu turno, o referido princípio traz consigo a ideia de não contradição ou vinculação negativa à lei, haja 5 9 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.554389 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 vista ser permitido, ao administrado, pautar suas ações da maneira que melhor lhe aprouver, desde que não contrariem o texto legal. O princípio da legalidade, sob esse enfoque, encontra-se no rol dos direitos individuais e está presente no art. 5º, inciso II da CFRB/88, o qual dispõe que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.” Frise-se que a previsão constitucional do princípio da legalidade no âmbito privado obteve inspiração do artigo 4º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, o qual preconiza, ipsis litteris: "A liberdade consiste em fazer tudo aquilo que não prejudica a outrem; assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem outros limites que os que asseguram aos membros da sociedade o gozo desses mesmos direitos. Esses limites somente podem ser estabelecidos em lei". Ora, ante as considerações acima referidas, infere-se que o princípio da legalidade apresenta, para a administração pública, um conteúdo mais restritivo em relação ao direito privado, o qual é regido pela autonomia da vontade. Nesse último, o referido postulado constitucional funciona como uma garantia para os cidadãos contra possíveis arbitrariedades dos agentes públicos. Em síntese, pode-se afirmar que enquanto que os particulares podem fazer tudo que a lei não proíbe, os agentes públicos apenas podem fazer o que a lei determine ou autorize. Em não havendo previsão legal, não subsiste a possibilidade de atuação administrativa. 3. Abrangência do princípio da legalidade administrativa 10 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 Muito se discute a respeito da abrangência do princípio da legalidade administrativa e para que se entenda a amplitude do termo para a doutrina moderna, é necessária a realização de uma breve digressão histórica. O princípio da legalidade floresceu juntamente com os ideais do Estado Liberal, modelo de organização político cuja principal preocupação consistia na imposição de limites à atuação estatal – Estado Absolutista -, funcionando a legalidade como uma verdadeira ferramenta limitadora de poder. De acordo com o principio da legalidade, na época entendida de maneira estrita, o Poder Público poderia tão somente agir dentro dos limites estabelecidos pelas normas aprovadas pelos representantes do povo. Ocorre que, com a ascensão do Estado Social, a ampliação do rol das atividades administrativas, a necessidade de prestaçõespositivas por parte do Estado e a utilização da vinculação estrita como justificativa, muitas vezes, para realização de arbitrariedades, passou a se falar não mais em legalidade, mas em princípio da juridicidade administrativa, segundo o qual a atuação administrativa deve se dar em conformidade não apenas com a lei, mas com todo o ordenamento jurídico vigente. A partir da noção de juridicidade administrativa, passa a se admitir a prática de atos administrativos praeter legem. Caso emblemático que obteve enorme repercussão na sociedade foi a declaração de constitucionalidade da Resolução nº 7, editada pelo Conselho Nacional de Justiça, a qual vedava a prática do nepostismo. Na ocasião, o Supremo Tribunal Federal, através da ADC 12, de Relatoria do Ministro Ayres Britto, decidiu que mesmo sendo um ato administrativo, o CNJ tem competência dar densidade normativa 5 11 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.554389 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 ao texto constitucional sem a necessidade de intermediação de uma lei em sentido estrito: AÇÃO DECLARATÓRIA DE CONSTITUCIONALIDADE, AJUIZADA EM PROL DA RESOLUÇÃO Nº 07, de 18.10.05, DO CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. ATO NORMATIVO QUE "DISCIPLINA O EXERCÍCIO DE CARGOS, EMPREGOS E FUNÇÕES POR PARENTES, CÔNJUGES E COMPANHEIROS DE MAGISTRADOS E DE SERVIDORES INVESTIDOS EM CARGOS DE DIREÇÃO E ASSESSORAMENTO, NO ÂMBITO DOS ÓRGÃOS DO PODER JUDICIÁRIO E DÁ OUTRAS PROVIDÊNCIAS". PROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. Os condicionamentos impostos pela Resolução nº 07/05, do CNJ, não atentam contra a liberdade de prover e desprover cargos em comissão e funções de confiança. As restrições constantes do ato resolutivo são, no rigor dos termos, as mesmas já impostas pela Constituição de 1988, dedutíveis dos republicanos princípios da impessoalidade, da eficiência, da igualdade e da moralidade. 2. Improcedência das alegações de desrespeito ao princípio da separação dos Poderes e ao princípio federativo. O CNJ não é órgão estranho ao Poder Judiciário (art. 92, CF) e não está a submeter esse Poder à autoridade de nenhum dos outros dois. O Poder Judiciário tem uma singular compostura de âmbito nacional, perfeitamente compatibilizada com o caráter estadualizado de uma parte dele. Ademais, o art. 12 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 125 da Lei Magna defere aos Estados a competência de organizar a sua própria Justiça, mas não é menos certo que esse mesmo art. 125, caput, junge essa organização aos princípios "estabelecidos" por ela, Carta Maior, neles incluídos os constantes do art. 37, cabeça. 3. Ação julgada procedente para: a) emprestar interpretação conforme à Constituição para deduzir a função de chefia do substantivo "direção" nos incisos II, III, IV, V do artigo 2° do ato normativo em foco; b) declarar a constitucionalidade da Resolução nº 07/2005, do Conselho Nacional de Justiça. Ampliada a noção tradicional de legalidade para juridicidade, a doutrina criou o chamado “Bloco de Legalidade”, devendo os agentes públicos observância às leis ordinárias, às leis complementares, às leis delegadas, à Constituição, às medidas provisórias, aos tratados e convenções internacionais, atos administrativos normativos, dentre outros. Alexandre Mazza, com maestria, discorre a respeito da questão: “O princípio da legalidade não se reduz ao simples cumprimento da lei em sentido estrito. A Lei federal n. 9.784/99 (Lei do Processo Administrativo), no art. 2°, paragrafo único, I, define a legalidade como o dever de atuação conforme a lei e o Direito. A redação do dispositivo permite contemplar o que a doutrina estrangeira tem chamado de princípio da juridicidade, isto é, a obrigação de os agentes públicos respeitarem a lei e outros instrumentos normativos existentes na ordem jurídica. A 5 13 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.554389 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 juridicidade é uma ampliação do conteúdo tradicional da legalidade. Além de cumprir leis ordinárias e leis complementares (lei em sentido estrito), a Administração está obrigada a respeitar o denominado bloco da legalidade. Significa dizer que as regras vinculantes da atividade administrativa emanam de outros veículos normativos, a saber: a) Constituição Federal, incluindo emendas constitucionais; b) Constituições Estaduais e Leis Orgânicas; c) medidas provisórias; d) tratados e convenções internacionais; e) costumes; f) atos administrativos normativos, como decretos e regimentos internos; g) decretos legislativos e resoluções (art. 59 da CF); h) princípios gerais do direito.” [3] 4. Restrições ao princípio da legalidade Consoante as lições de Celso Antônio Bandeira de Melo, o princípio da legalidade pode sofrer constrições diante de situações excepcionais mencionadas expressamente na Constituição da República Federativa do Brasil, as quais preveem que é facultado ao Presidente da República a adoção de providencias incomuns para enfrentar situações anômalas as quais exijam uma atuação sumária ou eventos gravíssimos que requeiram uma ação particularmente energética. É o caso das medidas provisórias, do estado de defesa e do estado de sítio.[4] 5. Conclusão À guisa de conclusão, percebe-se a importância do postulado da legalidade – ou juridicidade – no âmbito da Administração Pública. Ao limitar as condutas dos agentes públicos apenas àquilo que é permitido em lei, assim entendida latu sensu, nos termos e 14 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 limites por ela estabelecidos e segundo o interesse público, o princípio da legalidade constitui uma verdadeira ferramenta de limitação de poder e um instrumento de garantia aos administrados, consagrando a segurança jurídica no Estado Democrático de Direito. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009, página 105/106. PAULO, Vicente; ALEXANDRINO, Vicente. Direito Constitucional Descomplicado. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2008, página 194. FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de direito administrativo. São Paulo: atlas, 2015, página 20. MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2015, página 101. MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009, página 105/106. NOTAS: [1] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. São Paulo: Atlas, 2013. Página 64/65 [2] FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de direito administrativo. São Paulo: atlas, 2015, página 20. [3] MAZZA, Alexandre. Manual de direito administrativo. São Paulo: Saraiva, 2015, página 101. [4] MELO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2009, página 105/106. 5 15 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.554389 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 ESPÉCIES DE SUCESSÃO NO DIREITO CIVIL BRASILEIRO LINCOLN RAFAEL HORACIO: Graduado em Direitopela Universidade Estadual de Londrina (UEL) no ano de 2014. Pós Graduando em Direito Penal pela Faculdade Damásio de Jesus. Aprovado e nomeado em concurso para técnico administrativo da UTFPR no ano de 2014. Aprovado e convocado em concurso para advogado da Sociedade de Economia Mista Sercomtel Telecomunicações no ano de 2016. Aprovado em concurso para Procurador do Estado do Paraná (PGE-PR) no ano de 2015. RESUMO: Em que pese haja mais de uma modalidade de sucessão post mortem no direito civil brasileiro, o crescente desuso na atualidade da modalidade de sucessão testamentária faz com que os operadores do direito deixem de aprofundar seus estudos sobre esta modalidade de sucessão que, muitas vezes, melhor atende aos interesses do autor da herança, já que permite a esse dispor de parte de seu patrimônio para depois de sua morte como entender melhor ou, quem sabe, mais justo. Desta forma, conhecer as espécies de sucessão, suas modalidades, assim como as características específicas de cada uma é que se pretende através do estudo esposado neste trabalho. PALAVRAS CHAVE: Espécies de sucessão. Sucessão post mortem. Sucessão legítima. Sucessão testamentária. INTRODUÇÃO O direito sucessório brasileiro é regido por suas modalidades de sucessão: legítima e testamentária. A primeira comporta regras de natureza cogente, não abrindo margem a manifestação de vontade já que quando de sua aplicação não é possível fugir do que estritamente definido na lei. Trata-se, pois, de modalidade de sucessão mais próxima a natureza de ato jurídico, onde não se há manifestação de vontade dos envolvidos, mas tão 16 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 somente, incidência das disposições legais e produção dos efeitos que lhes são atinentes. A segunda, por sua vez, abre margem para que o autor da herança manifeste sua vontade no tocante à disposição de seu patrimônio para depois da morte, tendo, portanto, a natureza jurídica mais assemelhada a dos negócios jurídicos, incidindo sobre si, inclusive, o regime das nulidades civis. 1 ESPÉCIES DE SUCESSÕES PÓS-MORTE A sucessão tem por finalidade dar continuidade à relação jurídica de propriedade patrimonialmente valorada com a transmissão dos bens do de cujus para os seus sucessores. Por expresso comando constitucional, as dívidas do falecido não são repassadas aos herdeiros, senão até o limite do patrimônio transmitido para esses na sucessão. Existem dois tipos de sucessão em caso de morte, a sucessão testamentária no caso de o falecido ter deixado disposição de última vontade quanto ao seu patrimônio e a legítima que advém dos preceitos legais, cujas disposições devem ser estritamente observadas. Resumidamente, a sucessão pode ser legítima ou testamentária. Assim dispõe o artigo 1.786 do Código Civil: Art. 1.786. A sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade. Também neste sentido ensina Washington Monteiro de Barros: Efetivamente, o art. 1.786 do Código Civil de 2002, a exemplo do que dispunha o de 1916, preceitua que “a sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade”. Prevista se 5 17 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.554389 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 acham, neste dispositivo legal, as duas formas de sucessão do nosso ordenamento jurídico, a legítima, resultante da lei, e a testamentária, decorrente do testamento. (MONTEIRO, 2003, p.10). Vejamos em separado cada uma delas com as suas definições e principais características. 2 SUCESSÃO LEGÍTIMA A sucessão legítima, também conhecida como sucessão ab intestato ou ainda não testamentária, é aquela decorrente das disposições legais. Não havendo testamento, necessariamente a sucessão será legítima, passando o patrimônio do falecido na ordem da vocação hereditária às pessoas indicadas pela lei, chamados herdeiros (CAHALI, 2003, p. 28). Regra geral, a presença uma classe de herdeiros mais próxima por vínculos hereditários ou legais com o autor da herança conforme enumeração legal exclui a classe subseqüente da partilha. Sobre esse tipo de sucessão, Washington de Barros assim se pronuncia: Se não há testamento, se o falecido não deixar qualquer ato de última vontade, a sucessão é legítima ou ab intestato, deferido todo o patrimônio do de cujus às pessoas expressamente indicadas pela lei, de acordo com a ordem de vocação hereditária (CCB, art. 1829). Assim estabelece o art. 1788: ‘morrendo a pessoa sem testamento, transmite a herança aos herdeiros legítimos; o mesmo ocorrerá quanto aos bens que não forem compreendidos no testamento; e subsiste a sucessão legítima se 18 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 o testamento caducar, ou for julgado nulo. A essas hipóteses acrescenta-se a revogação do testamento (MONTEIRO, 2003, p.9). Em outras três hipóteses a sucessão também será realizada pelas disposições da legítima. Primeira, quando em seu ato de última vontade o autor da herança não dispõe da integralidade de seus bens, isto é, consta parte deles em testamento e sobre outra parte nada manifesta. Segunda, caso houver caducidade do testamento ou, por fim, se o testamento for considerado nulo. Nesse caso, a sucessão será deferida na ordem legal de vocação hereditária às pessoas expressamente indicadas no art. 1.829 do CC. Sucessão legítima, portanto, é a que é deferida por determinação legal (MONTEIRO, 2003, p. 9). Preceitua o art. 1.829 do CC: Art. 1.829 - A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I- aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares; II- aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III- ao cônjuge sobrevivente; IV- aos colaterais. 5 19 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.554389 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 A partilha do patrimônio do autor da herança é realizada por classes, havendo hierarquia de preferência da primeira em relação às demais que lhe estão abaixo, da segunda em relação às demais que lhe estão abaixo e assim por diante, de acordo com a ordem hierárquica de parentesco estabelecida pela lei. Há uma presunção de que a relação escalonada de preferências na ordem de vocação hereditária seria o desejo do autor da herança. Assim, o artigo 1.829 do Código Civil adotou a seguinte ordem de preferência no chamamento à herança: descendentes, ascendentes, cônjuge e colateral até o quarto grau, sendo que o cônjuge concorre com descendentes, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares, ou com os ascendentes, em não havendo descendentes (TARTUCE, 2012, p. 1275). Na falta de todos os herdeiros listados nos incisos do art. 1.829 ou de companheiro ou em caso de renúncia de todos eles, o direito sucessório será transmitido ao Município ou ao Distrito Federal. Osbens passam ao domínio do Poder Púbico por meio de sentença declaratória de vacância dos bens após cinco anos da abertura da sucessão. Vale ressaltar que o Poder Público não é considerado herdeiro, não lhe sendo reconhecido o direito de saisine que decorre do conhecido Princípio da Saisine segundo o qual a herança transmite-se automaticamente no momento da abertura da sucessão, ou seja, no momento da ocorrência do evento morte. Por isso, não entra na posse e propriedade da herança pelo fato da abertura da sucessão, mas sim por força de sentença. (CARVALHO, 2002, p. 74). 3 SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA 20 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 Testamento pode ser definido como negócio jurídico solene pelo qual alguém, nos termos da lei, dispõe de seus bens, no todo ou em parte, para depois de sua morte (CAHALI, 2003, p. 28). Neste sentido dispõe o artigo 1.857 do Código Civil: Art. 1.857. Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte. § 1o A legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no testamento. § 2o São válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que o testador somente a elas se tenha limitado. Há maior número de artigos regulamentando a sucessão testamentária do que a sucessão legítima em nossa lei civil. Em síntese, a sucessão testamentária é conduzida pelo testamento, sendo que este instrumento pode contemplar herdeiros, que sucedem a título universal, ou legatários, que sucedem a título singular. Além disso, o testamento assume natureza de negócio jurídico por se tratar de uma declaração de vontade que produz efeitos jurídicos, ainda que post-mortem. Assume também o caráter de instrumento solene, pois somente pode ser escrito e sempre atendendo as formalidades previstas na lei, sob pena de ser declarado inválido (GAMA, 2006, p. 364). Há limites ao direito de testar. O autor da herança tem grande liberdade, mas a lei impõe limites a serem observamos em favor dos herdeiros necessários. É neste sentido o texto do artigo 1.846 do Código Civil: Art. 1.846. Pertence aos herdeiros necessários, de pleno direito, a metade dos bens da herança, constituindo a legítima. 5 21 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.554389 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 É possível que o testamento contenha cláusulas extrapatrimoniais, como é a cláusula que reconhece a paternidade ou estabelece determinações sobre o funeral via testamento, porém, a regra, é que se disponha via testamento de bens patrimoniais do autor da herança (Código Civil, artigos 1.857, 1.609, III e 1.634, IV). Merecem destaque, ainda, as seguintes características do testamento (RODRIGUES, 2002, p. 145). Primeira. O testamento é revogável. Seu autor pode se arrepender e mudar alguma disposição testamentária ou mesmo revogá-lo por completo. Assim dispõe o Código Civil: Art. 1.858. O testamento é ato personalíssimo, podendo ser mudado a qualquer tempo. Vale anotar, inclusive, que não é possível ao autor da herança renunciar o direito de revogar o testamento, sobretudo porque este instrumento de disposição de últimas vontades apenas produz efeitos após a sua morte (TARTUCE, 2010, p. 296). Segunda. O testamento é ato pessoal, ou seja, só o autor da herança pode testar, de modo individual e exclusivo, não se admitindo testamento por terceiros, ainda que com procuração. Também não se admite testamento feito em comunhão por duas ou mais pessoas. Neste sentido é a norma do Código Civil (GAMA, 2006, p. 365): Art. 1.863. É proibido o testamento conjuntivo, seja simultâneo, recíproco ou correspectivo. Também é característica do testamento a possibilidade de dispor que filhos não concebidos até a morte do testador podem também adquirir parte de seu patrimônio se houver previsão, desde que o testador indique a pessoa que conceberá seu filho e esta esteja viva quando da abertura da sucessão. Integram este rol os filhos nascidos por reprodução assistida. Assim estabelece a previsão legal do Código Civil: 22 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder: I - os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão; 4 CONCLUSÃO Com base das definições, conceituações e características das modalidades de sucessão descritas acima, podemos concluir que na legislação brasileira, a sucessão patrimonial não se reduz à sucessão legítima, uma vez que, ainda que em desuso, a sucessão testamentária conta com ampla regulamentação legal e, muitas das vezes, vem de encontro aos interesses do autor da herança, possibilitando-lhe manifestá-los através de sua disposição de última vontade. 5 REFERÊNCIAS CAHALI, F. J., Curso Avançado de Direito Civil: Direito das Sucessões. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo, p. 28, 2003. CARVALHO, L. C. P., Saisine e astreinte. Editora Revista dos Tribunais. São Paulo: v. 802, 2002. CARVALHO NETO, I. Introdução ao direito das sucessões. In: Cassetari, Christiano; Menin, Márcia Maria (Coords.). Hironaka, Giselda M. Novaes (Org). Direito das Sucessões. v. 8, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008. GAMA, R. Dicionário Básico Jurídico. Editora Russel. Campinas, 2006. MONTEIRO, W. B. Curso de Direito Civil: direito das sucessões. Editora Saraiva, São Paulo, p. 1-32, 1998. 5 23 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.554389 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 MONTEIRO, W. B. Curso de Direito Civil Direito das Sucessões. Editora Saraiva, São Paulo, ed 35, v.6, p. 9-10, 2003. RODRIGUES, S. Direito Civil. Editora Saraiva. São Paulo. Ed 25, v.7, p.3-25. 2002. TARTUCE, F. Manual de Direito Civil – Volume Único. Editora Método. São Paulo. 24 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 A DEFENSORIA PÚBLICA COMO EXPRESSÃO E INSTRUMENTO DA DEMOCRACIA NO NOVO CPC THOMAS UBIRAJARA CALDAS DE ARRUDA: Advogado. Assistente Jurídico da Defensoria Pública de Segunda Instância de Mato Grosso. Pós‐graduando em Direito Civil Contemporâneo pela UFMT. Às vésperas de entrar em vigor (março/2016), o novo Código de Processo Civil vem gerando grande ansiedade (e dores de cabeça) nos operadores do direito. Não poderia ser diferente, já que as mudanças são significativas. São novos princípios e normas que ganham destaque por romperem os paradigmas encrustados no CPC de 1973, primando pela interdisciplinaridade como auxílio à atividade hermenêutica. É o que se chama de constitucionalização do direito processual civil, característica que se denota já no artigo preambular: “o processo civil será ordenado, disciplinado e interpretado conforme os valores e as normas fundamentais estabelecidos na Constituição da República Federativa do Brasil”. Foram mais de cinco anos de intensos debates e incontáveis audiências públicas, com a participação de juristas de renome, para alcançar um modelo normativoprocessual que realmente considerasse as diretrizes da Constituição Federal de 1988 e os ideais de racionalidade e objetividade que há muito tempo vinham sendo clamados pela doutrina e jurisprudência. A incorporação de novos institutos, extinção de outros e a flexibilização de procedimentos judiciais reflete o antigo desejo de otimização do processo e desapego a formalismos exagerados. A própria concepção do cooperativismo processual logo no art. 6º do código concretiza a ideia de necessidade de colaboração entre as partes que integram o processo para a obtenção de uma decisão justa, célere e efetiva. Na verdade, dá luz à noção de policentricidade, ou seja, todos os sujeitos da relação jurídico- processual são igualmente responsáveis para que o processo seja conduzido e finalizado de acordo com os princípios processuais constitucionais. 5 25 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.554389 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 O novo CPC reservou à Defensoria Pública um título exclusivo, assim como ao Ministério Público e à Advocacia Pública, onde são enumeradas, dentre outros, as finalidades institucionais do órgão, como se vê do texto insculpido no artigo 185: “A Defensoria Pública exercerá a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa dos direitos individuais e coletivos dos necessitados, em todos os graus, de forma integral e gratuita”. O reconhecimento formal da Defensoria Pública no NCPC é reflexo da importância revelada pelo órgão no cumprimento de sua missão institucional nos últimos anos, fator que implica em evidente fortalecimento como signo de “expressão e instrumento do regime democrático” (art. 1º, Lei Complementar nº 80/94). Nas palavras do professor Elpídio Donizetti, membro da Comissão de Juristas encarregada da elaboração do Anteprojeto do Novo CPC e autor da proposta que inseriu um título específico para a Defensoria Pública, “o enquadramento da Defensoria Pública como garantia fundamental constitucional, incumbida, principalmente, da promoção do acesso à justiça – direito fundamental consubstanciado no art. 5º, XXXV, da Constituição de 1988 – levou a instituição a ser considerada pela maioria da doutrina como integrante do núcleo essencial de um Estado Democrático de Direito”.¹ A doutrina admite até mesmo que, em razão do grau de importância, a Defensoria não pode ter suas atribuições restringidas nem mesmo por meio de emenda constitucional, “sob pena de indefensável retrocesso no cumprimento do objetivo fundamental de construção de uma sociedade livre, justa e solidária”.² A previsão no artigo 7º do NCPC, da paridade de tratamento entre as partes, desdobra do princípio da igualdade processual, assegurando a garantia da prestação jurisdicional sem qualquer discriminação e reduzindo as dificuldades do acesso à justiça. Em essência, traduz os objetivos primários da Defensoria Pública, dispostos na Lei Complementar nº 80/1994, dentre eles a primazia da dignidade da pessoa humana, a afirmação do Estado 26 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 democrático de Direito, a redução das desigualdades sociais, a prevalência e efetividade dos direitos humanos e a garantia da ampla defesa e do contraditório, princípios aplicáveis também no âmbito processual. Em prestígio à legislação especial que rege a instituição, restou consagrado na nova norma, mais especificamente no artigo 72, parágrafo único, o exercício da curatela especial da Defensoria Pública nos processos em que forem partes: I) o incapaz que não possuir representante legal ou se os seus interesses colidirem com os daquele, enquanto durar a incapacidade e; II) o réu preso revel, bem como o réu revel citado por edital ou com hora certa, enquanto não for constituído advogado. A intenção da norma processual é proteger não somente os necessitados financeiramente, mas também os juridicamente hipossuficientes. Destaca-se, também, a previsão no §5º do artigo 95 da vedação da utilização de recursos do fundo de custeio da Defensoria Pública para o pagamento dos honorários periciais em ação judicial. Percebe-se aqui uma clara reafirmação da autonomia administrativa e financeira da defensoria nos moldes do §2º do artigo 134 da Constituição Federal, introduzida pela Emenda Constitucional nº 45/2004. Outro ponto que merece especial atenção é o artigo 186 e parágrafos seguintes, que traz a reprodução das prerrogativas da intimação pessoal e da contagem em dobro dos prazos processuais para a Defensoria Pública, conforme já previstas na Lei 1.060/50 e Lei Complementar nº 80/94, observando que a contagem em dobro não prevalece quando há previsão de prazo específico para a instituição – art. 186, §4º. Ressalte-se que a prerrogativa do prazo em dobro passa a ser aplicada também aos núcleos de prática jurídica das faculdades de Direito e às entidades que prestam assistência jurídica em convênio com a Defensoria (art. 186, §3º). O §1º do art. 186 do NCPC dispõe que o prazo iniciar- se-á com a intimação pessoal do defensor público, nos termos do art. 183, §1º. Já este último afirma que a intimação pessoal será 5 27 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.554389 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 realizada por meio de carga, remessa ou meio eletrônico. Neste caso parece que o legislador quis que as duas formas – intimação pessoal e eletrônica - se equivalessem (para garantir maior agilidade e eficiência na prestação jurisdicional), em atenção Lei nº 11.419/2006 que trata da comunicação eletrônica dos atos processuais, onde dispõe o art. 4º, §6º: “as intimações feitas na forma deste artigo, inclusive da Fazenda Pública, serão consideradas pessoais para todos os efeitos legais”. Ao inaugurar um título exclusivo para a Defensoria, o novo CPC fez questão de dirimir um imbróglio instalado na doutrina e jurisprudência há algum tempo: quando se inicia a contagem dos prazos para a Defensoria Pública? Enquanto uns afirmavam que o termo inicial seria a data em que o defensor tomava ciência do ato processual, outros defendiam a tese de que os prazos começariam a correr no momento em que os autos adentravam a instituição. Pois bem, neste aspecto a celeuma foi solucionada. Quando a intimação for realizada por meio de remessa ou carga, não restam dúvidas de que a contagem dos prazos para interposição de recurso pelo Ministério Público ou Defensoria Pública começa a fluir da data do recebimento dos autos, com vista do respectivo órgão, e não da ciência do seu membro no processo, conforme entendimento já fixado no julgamento do Habeas Corpus nº 126663. Na ocasião, o relator Ministro Gilmar Mendes consignou que, “a despeito da presença do defensor público em audiência, a intimação pessoal da Defensoria somente se concretiza com a entrega dos autos com vista, em homenagem ao princípio constitucional da ampla defesa”. Importante destacar que a retirada dos autos do cartório ou da secretaria pelo defensor implicará em intimação de qualquer decisão constante no processo, conforme dispõe o §6º, do art. 272 do NCPC. Quanto ao termo inicial dos prazos quando se tratar de intimação eletrônica já há previsão legal expressa no sentido de que a intimação se efetiva na data em que o intimando realizar a consulta eletrônica. Como já ocorre no microssistema dos juizados28 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 especiais (PROJUDI), a consulta eletrônica deverá ser feita em até 10 dias corridos contados da data do envio da intimação, considerando-se automaticamente realizada no término deste prazo (art. 5º, §§1º e 3§ da Lei nº 11.419/2006). No entanto, cabe ressaltar que a intimação eletrônica somente será perfectibilizada quando o intimando estiver credenciado em portal próprio do Poder Judiciário (PJE) e em processos que tramitem integralmente na forma eletrônica, caso contrário o ato processual deverá ser praticado de acordo as regras processuais ordinárias. Veremos quais serão as orientações do Conselho Nacional de Justiça em relação a este e a outros pontos que induvidosamente serão objetos de controvérsias na prática forense (o art. 196 do NCPC dispõe expressamente que caberá ao CNJ e, supletivamente, aos tribunais, a regulamentação da prática e a comunicação oficial dos atos processuais). O parágrafo 2º do artigo 186 reconhece a precariedade estrutural das Defensorias Públicas e demonstra um olhar atento do legislador às dificuldades enfrentadas diariamente pelos defensores, tanto na limitação orçamentária (e consequente déficit de recursos humanos), quanto no excesso de trabalho despejado nos gabinetes dos defensores. O texto legal prevê a prerrogativa do membro da Defensoria Pública de requerer a intimação pessoal do assistido, quando a efetivação do ato processual depender de providência ou informação que somente por ele possa ser realizada ou prestada. A norma, que deverá ser obrigatoriamente observada pelo magistrado, facilitará sobremaneira a atuação dos defensores que sofrem para se comunicar com os assistidos, viabilizando maior amplitude à defesa técnica. Na hipótese acima, importante levantar uma observação quanto ao termo inicial do prazo para a prática do ato processual. A melhor lógica indica que o prazo começa a correr a partir da intimação pessoal do próprio assistido, posteriormente ao requerimento do defensor público e não da intimação pessoal deste último. Ora, a norma seria vazia se a contagem do prazo iniciasse antes mesmo da intimação da parte, pois ao revés de assegurar o contraditório e a ampla defesa, estaria limitando-os, o que seria inconcebível. 5 29 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.554389 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 Talvez um dos mais importantes institutos criados pelo NCPC seja o Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR), baseado no procedimento-modelo do direito alemão (Musterverfahren), que será cabível quando houver, simultaneamente, efetiva repetição de processos com controvérsia referente a idêntica questão de direito e risco de ofensa à isonomia e segurança jurídica. Trata-se de instrumento para erradicar as divergências interpretativas em processos envolvendo causas congêneres. E reconhecendo o papel da Defensoria como instituição essencial a função jurisdicional do Estado, foi que o legislador atribuiu legitimidade ao órgão para a propositura do IRDR (art. 977, III), bem como para fiscalizar o cumprimento dos prazos previstos em lei de modo a garantir o princípio constitucional da duração razoável do processo (art. 233 e 235). Outra inovação importantíssima e que será muito utilizada na rotina dos defensores públicos está contida no texto dos artigos 554, §1º e 565, §2º. A primeira disposição trata da obrigatoriedade de intimação da Defensoria Pública nas ações possessórias multitudinárias, ou seja, aquelas compostas de vários demandados e que envolvam pessoas em situação de hipossuficiência, já a segunda refere-se à intimação do órgão nos litígios coletivos pela posse de imóvel proveniente de turbação ou esbulho quando houver parte beneficiária da justiça gratuita. Nos dois casos, percebe-se que a atuação da Defensoria se dá de acordo com o seu perfil institucional e como meio de garantir aos seus assistidos o exercício do direito ao contraditório e ampla defesa, com recursos e meios a estes inerentes. Por fim, como previsto no código anterior, o novo diploma processual civil, carregando em sua natureza medidas que estimulam a mediação e autocomposição, valoriza a Defensoria Pública como solucionadora de conflitos ao manter o instrumento de transação referendado pelo órgão defensorial no rol de títulos executivos extrajudiciais (art. 784, inciso IV). Como se vê, o NCPC atesta a existência da Defensoria Pública, especificando o seu papel dentro do processo civil. Sob a ótica do novo código, a defesa integral dos hipossuficientes somente é possível com o fortalecimento do ente 30 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 que os representa e a sistematização da sublime função do defensor público. Muito mais que isso, reitera a importância desta instituição para a sociedade em geral, de modo a preservar o acesso à justiça aos necessitados e garantir a aplicação dos princípios constitucionais ao sistema processual. NOTAS 1 DONIZETTI, Elpídio. A Defensoria Pública e o novo CPC. Disponível em: http://portalied.jusbrasil.com.br/artigos/293075746/a-defensoria- publica-e-o-novo-cpc 2 GIUDICELLI, Gustavo Barbosa. A Defensoria Pública Enquanto Garantia Fundamental Institucional. Releitura do papel da Defensoria Pública no cenário jurídico brasileiro. Disponível em:https://www.anadep.org.br/wtksite/cms/conteudo/17278/A_Def ensoria_P_blica_enquanto_direito_fundamental_institucional.pdf REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BAHIA, Alexandre Melo Franco; NUNES, Dierle;PEDRON, Flávio Quinaud; THEODORO JR., Humberto. Novo CPC: fundamentos e sistematização. Rio de Janeiro: Forense, 2015. 5 31 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.554389 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 GADAMER, A VERDADE E A COMPREENSÃO NAS CIÊNCIAS DO ESPÍRITO FELIPE ARRUDA AGUIAR SOBREIRA DA SILVEIRA: Resumo: Objetiva-se estudar e analisar a hermenêutica jurídica à luz de Hans-Georg Gadamer, com ênfase na sua principal obra, “Verdade e Método: elementos de uma hermenêutica filosófica”, mais especificamente na segunda parte dela, denominada “a extensão da questão da verdade à compreensão nas ciências do espírito”. Iniciar-se-á com um breve histórico dos principais autores da hermenêutica que antecederam Gadamer, com foca em Heidegger, base do pensamento gadameriano. Traçado esse panorama histórico, passa-se à apreciação do objeto precípuo desse trabalho, a teoria gadameriana, segundo pontos livremente designados pelo autor como fundamentais para o entendimento da matéria. Palavras-chave: Hermenêutica. Heidegger. Gadamer. Abstract: Purpose-to study and analyze the legal interpretation in the light of Hans-Georg Gadamer, with emphasis on its main work, "Truth and Method: elements of a philosophical hermeneutics", specifically in the second part of it, called "the extent of question of fact to understand the science of the spirit ". It will start with a brief history of the main authors of hermeneutics leading Gadamer, with focuses on Heidegger, base gadameriano thought. Tracing this historical overview, it goes to the appreciation of the preciput object of this work, Gadamer's theory, according to point freely designated by the author as fundamental tothe understanding of matter. Key words: Interpretation. Heidegger. Gadamer. SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO. 2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA. 3 A HERMENÊUTICA FILOSÓFICA DE GADAMER. 3.1 A Negativa da Busca pelo Método e a Inexistência de uma Verdade Absoluta. 3.2 32 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 O Preconceito como Condição da Compreensão. 3.3 O Círculo Hermenêutico. 3.4 A Importância da Distância Temporal. 3.5 O Papel Fundamental da Aplicação. 3.6 Noções de Experiência Hermenêutica . 3.7 A Consciência Verdadeiramente Histórica. 3.8 A Dialética Gadameriana . 3.9 A Estrutura da Interrogação e a Fusão de Horizontes . 4 CONCLUSÃO . REFERÊNCIAS . 1 INTRODUÇÃO Hans-Georg Gadamer, filósofo alemão, foi uma figura decisiva no desenvolvimento da Hermenêutica do século XX, sendo bastante influenciado pelos estudos de Martin Heidegger, de quem foi aluno e assistente na Philipps-Universität Marburg. Por meio de sua obra-prima Verdade e Método: elementos de uma hermenêutica filosófica, publicada pela primeira vez em 1960, Gadamer revolucionou a hermenêutica ocidental moderna. Em um único volume, ele apresenta ao mundo não só uma revisão crítica da estética moderna e da teoria da compreensão histórica, como também uma nova hermenêutica filosófica baseada na ontologia da linguagem[1]. Com a publicação de Verdade e Método, o estudo dessa ciência da interpretação entra em uma nova e importante fase, denominada de Hermenêutica Filosófica. Isso se deve, principalmente, ao fato desta deixar de se definir enquanto auxiliar das disciplinas humanas, passando a buscar, a partir da experiência, compreender o próprio ser, constituindo uma tentativa filosófica de avaliar a compreensão enquanto processo ontológico do homem. Hans-Georg exprime, em sua obra, de um modo totalmente sistemático, as concepções de Heidegger acerca da compreensão, transpondo para a sua teoria os entendimentos básicos deste 5 33 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.554389 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 filósofo acerca do pensamento, da linguagem, da história e da experiência humana, a partir dos quais Gadamer forma o alicerce da sua obra hermenêutica e filosófica. O próprio estatuto do método é posto em causa na obra de Gadamer. Isso pode ser notado a partir do título do seu livro, mostrando-se este irônico, uma vez que o método não é, na verdade, o caminho para a verdade. Pelo contrário, a verdade zomba do homem metódico. O presente trabalho intenta estabelecer um esboço da hermenêutica de Hans-Georg Gadamer, dando ênfase na segunda parte de sua obra, denominada a extensão da questão da verdade à compreensão nas ciências do espírito. Para tanto, faz-se necessário estabelecer, em princípio, um breve histórico, perpassando, inicialmente, pelo advento do período iluminista, que se postou veementemente adverso à idéia de pré- conceito, para então, simplificadamente, explanar em que consistiu a tendência romântica na hermenêutica, encabeçada principalmente por Shcleirmacher e por Dilthey. Posteriormente, traçar-se-á as noções da hermenêutica filosófica de Heidegger, hermenêutica essa que serviu como base para a formulação da teoria gadameriana. Após essa lacônica aclaração acerca do processo evolutivo que precedeu a publicação da obra prima de Gadamer, iniciar-se-á, de fato, a exposição daquilo que consiste o objeto desse trabalho: a teoria gadameriana. Sendo assim, alguns pontos a respeito da segunda parte da obra Verdade e Método foram livremente designados como fundamentais para o entendimento da teoria gadameriana, constituindo o desenvolvimento do estudo em questão. 34 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 2 EVOLUÇÃO HISTÓRICA No início da Idade Moderna, influenciados por uma corrente de pensamento denominada Iluminismo, diversos pensadores e filósofos propuseram o rompimento de toda e qualquer influência do passado recente no modo de pensar atual. Intitulada, por eles mesmos, de Idade das Trevas, a Era Medieval era um período a ser esquecido, uma vez que, no decorrer dos séculos que a compõem, não teria sido promovido para a posteridade nenhum engrandecimento intelectual. Destarte, eles acreditavam que a verdade das coisas só poderia ser apreendida mediante o sepultamento de todas as tradições, porquanto, só assim, o homem poderia pensar de forma totalmente racional[2]. Seria necessário, para isso, desconsiderar a historicidade dos sujeitos, na medida em que os pré-conceitos dela oriundos representavam um entrave à razão. Os pré-conceitos, conforme defendiam os iluministas, portanto, adviriam do respeito à autoridade, desprovida de qualquer critério, o que induziria ao erro. Para superar todo esse condicionamento, os homens deveriam valer-se do próprio entendimento, norteados por um método, um procedimento passível de ser refeito e comprovado por todo aquele que assim o desejasse. Posteriormente, em contrapartida a esse entendimento, o teólogo-liberal Schleiermacher propôs o retorno à valorização da tradição. Representando um dos propulsores dessa nova tendência de pensamento, que se convencionou chamar de Romantismo, esse pensador defendia que, no processo interpretativo, era necessário entender o autor melhor que ele mesmo, afirmando a possibilidade de reconstruir na compreensão a determinação original de uma obra. Para tanto, dever-se-ia realizar, inicialmente, uma interpretação gramatical e posteriormente uma interpretação técnica, que, por sua vez, dividir-se-ia em: divinatória e comparativa. 5 35 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.554389 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 Nesta, o sentido intencional do autor deveria ser buscado a partir da comparação de diversos elementos objetivos, tais como: escritos, fatores históricos, gênero literário, entre outros. Somando-se a esse método objetivo, era proposta também uma metodologia subjetiva, a partir da qual o interprete colocar-se-ia no lugar do autor, na busca de entender sua seara psicológica, apreendendo assim o sentido real do texto. Uma vez que o também teólogo Schleiermacher considerou a Bíblia como um simples texto de natureza histórico-literária, ele propôs um método que passou a servir para a elucidação não só da Escritura, mas também de todos os textos que possuíssem essa natureza. Por conseguinte, sua teoria acabou por repercutir posteriormente no Direito, principalmente por meio da ênfase exagerada dada à vontade do legislador[3]. Malgrado essa revalorização do passado, empreendida inicialmente por Schleiermacher, parecer ter se libertado dos ideais iluministas, passou-se a verificar, na verdade, uma prisão ao objetivismo e à verdade inquestionável conferida pela crítica histórica.[4] Esse cárcere só foi superado com os ensinamentos de Heidegger e de Gadamer acerca principalmente da historicidade e da tradição. Dilthey, filósofo e biógrafo de Schleiermacher, representando outro expoente desse período, não se opôs ao entendimento de seu predecessor, corroborando para a efetivação de uma hermenêutica metodológica. Ele teve como principal contribuição o fato de haver levado a hermenêutica para as especulações mais profundas, introduzindo- ana epistemologia e tornando-a reconhecida como teoria científica da interpretação. 36 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 Dilthey foi responsável, ainda, por fornecer uma das bases que alicerçaram a interpretação sistemática da ciência jurídica, segundo a qual se entende as normas pelo ordenamento jurídico e o ordenamento pelas normas. Segundo ele, um texto deveria ser estudado pelo contexto, sendo o autor instrumento do espírito de sua época. No entanto, a unidade da vida (percebida por um mergulho nas forças sentimentais de uma época) seria conhecida pelas objetivações do espírito nas diversas produções culturais. Assim, a parte (objetivações do espírito) seria compreendida pelo todo (unidade da vida) e o todo, pela parte, em uma circularidade hermenêutica[5]. Esse filósofo explicitou ainda a relação que existiria entre compreensão e interpretação. Para ele, aquela seria gênero, enquanto esta seria espécie, de modo que compreensão referir-se- ia a qualquer objeto cultural e interpretação teria ligação apenas com a compreensão de textos. Essa tendência romântica, representada aqui por Schleiermacher e Dilthey, só foi superada após os ensinamentos de Martin Heiddeger, professor e maior entusiasta da teoria gadameriana. Para esse filósofo, a hermenêutica não estabeleceria um método ou uma teoria normativa da compreensão, como propunham os seus antecessores, uma vez que, segundo seu entendimento, as produções culturais não tinham um sentido objetivo igualmente válido para todos, mas, antes, eram instrumentos para a manifestação do Ser. Cada intérprete, segundo seu mundo existencial e sua historicidade, percebia uma abertura diferente do Ser.[6] Segundo Heidegger, a hermenêutica seria filosófica, e não científica; ontológica, e não epistemológica; existencial, e não metodológica. Seria responsável por procurar a essência da 5 37 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.554389 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 compreensão, e não a normatização do processo compreensivo. O estudo da compreensão confundir-se-ia com o estudo da existência, uma vez que permitiria o conhecimento do Ser. Heidegger deu um desenvolvimento filosófico à idéia de círculo hermenêutico, contrariando o pensamento diltheriano e contribuindo sobremaneira com a filosofia de Gadamer. Segundo seu entendimento, o círculo hermenêutico heideggeriano estabelece que partimos inicialmente de uma pré-compreensão para chegarmos a uma compreensão mais aprimorada, pois, se partíssemos do vazio, não chegaríamos a nenhuma conclusão, uma vez que não haveria de onde extrair os desdobramentos da compreensão. Nesse sentido, ensina Emerich Coreth que teríamos, inicialmente, um conhecimento intelectivo (sintético) do todo e, em seguida, um conhecimento racional (analítico), através da divisão em partes, procedendo-se à nova formação do todo, ensejando a repetição do processo em direção ao infinito. Heidegger lecionava, ainda, que a pré-compreensão é condicionada por nosso horizonte, o qual seria a dimensão externa ou o limite de nosso mundo antropológico ou existencial, distinto do mundo cosmológico ou da natureza. 3 A HERMENÊUTICA FILOSÓFICA DE GADAMER 3.1 A Negativa da Busca pelo Método e a Inexistência de uma Verdade Absoluta É salutar, inicialmente, compreender a distinção entre a hermenêutica filosófica de Gadamer e a hermenêutica que se orienta para os métodos e para a metodologia, empreendida principalmente por Shcleiermacher e Dilthey. Gadamer, ao contrário destes, não se preocupa diretamente com os problemas práticos da formulação de princípios interpretativos corretos, mas antes 38 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 pretende esclarecer o próprio fenômeno da compreensão. Isso não significa que ele negue tais princípios; pelo contrario, ele os reconhece como necessários às disciplinas interpretativas. Isso significa, na verdade, que Gadamer tem por objetivo maior a indagação sobre uma questão preliminar e fundamental, qual seja: como é possível a compreensão, não só nas humanidades, mas em toda a experiência humana sobre o mundo?[7] Essa é uma questão que, malgrado se colocar também às disciplinas da interpretação histórica, vai muito além delas. Sendo assim, Gadamer conclui que a verdade não pode ser alcançada metodicamente, mas dialeticamente, vez que o método seria incapaz de revelar uma nova verdade, apenas explicitando a verdade já implícita no próprio método. Pode-se deduzir, portanto, da teoria gadameriana, que é insustentável a idéia de um conhecimento universalmente válido, de uma verdade absoluta que poderia ser generalizada a partir de uma experiência particular e histórica, uma vez que inexistequalquer método científico que garanta uma certeza jurídica ou uma verdade hermenêutica. Isso se deve, em parte, pelo fato de a compreensão do texto estar sempre condicionada por pré- conceitos ou pré-juízos. 3.2 O Preconceito como Condição da Compreensão Contrariando Shleiermacher e Dilthey, que defendiam, com grande abertura de espírito, que uma época histórica não deveria ser julgada em termos de outra, Gadamer aponta que não podemos abandonar o presente e enveredar pelo passado, de modo que o significado de uma obra passada não pode ser visto unicamente sob seus próprios termos. Pelo contrário, o significado da obra passada define-se em termos das questões que se lhe colocam a partir do presente. 5 39 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.554389 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 Os pré-conceitos, na filosofia gadameriana, são muito mais do que simples juízos individuais. São, na verdade, elementos essenciais para a formação da realidade histórica do ser, representando a base da capacidade que temos de compreender a história. Desse modo, não temos a faculdade de aceitá-los ou recusá-los, eles farão parte do processo de compreensão independentemente da nossa vontade. Contrariando os filósofos esclarecidos, Gadamer não atribui, portanto, à expressão pré-conceito ou pré-juízo um sentido pejorativo, mas afirma que elas indicariam apenas a evidente existência de conceitos pressupostos à interpretação. Passou-se a reconhecer, assim, o valor da tradição decorrente da herança histórica, e não da autoridade[8]. O fato de o homem pertencer a uma realidade histórica faz com que sua visão de mundo e, consequentemente, suas possibilidades de conhecimento partam dos preconceitos que o cercam, tornando-se impossível extirpá-los por completo para que se possa ter uma verdade absoluta, conforme apregoavam os iluministas.[9] Pode-se enunciar, portanto, que não pode haver qualquer interpretação desprovida de pressupostos. A compreensão, posto que seja uma estrutura básica historicamente acumulada e historicamente operativa, está subjacente, até mesmo na interpretação científica. Destarte, diante da impossibilidade de existir uma interpretação sem pressupostos, pode-se inferir, conforme o supramencionado, que a noção de interpretação absolutamente correta é um ideal impensável. No entanto, diante da imprescindibilidade de existência de pré-conceitos no processo de compreensão, torna-se necessário40 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 que o intérprete examine esses pré-juízos no que diz respeito a sua origem e a sua validade; averiguando, no decorrer da interpretação, a legitimidade de cada conceito prévio, sob consequência de comprometer a validade da compreensão, caso os devidos cuidados não sejam tomados. Isso remete ao conceito de círculo hermenêutico. 3.3 O Círculo Hermenêutico O círculo hermenêutico, de acordo com a ótica de Gadamer, tem um sentido ontologicamente positivo na compreensão, porquanto, segundo ele, o intérprete sempre elabora um projeto sobre aquilo que se vai interpretar, de modo que, no decorrer da interpretação, a elaboração de novos projetos se faz sucessivamente necessária. Destarte, os preconceitos provenientes da historicidade do intérprete são devidamente analisados em sua veracidade, possibilitando assim uma compreensão verdadeiramente coerente. A circularidade, portanto, está no fato de que a interpretação inicia-se com conceitos prévios, que, com o passar do tempo, são geralmente substituídos por outros mais adequados. Dessa forma, o primeiro projeto vai se corrigindo na medida em que o objeto vai sendo decifrado. Isso se daria, ainda, na forma de um espiral, uma vez que o sentido seria inesgotável e a compreensão, sempre sujeita a ampliações e a aprofundamentos. Portanto, partindo do raciocínio de Gadamer, pode-se afirmar que todos pertencemos a um contexto, seja ele histórico ou cultural, o qual nos fornece os pressupostos para nos relacionarmos com o mundo. Sempre que vamos ao encontro do novo, temos antecipadamente pré-compreensões que favorecem a compreensão daquilo que até então era estranho e desconhecido. 5 41 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.554389 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 Alexandre Araújo Costa faz uma interessante analogia com a primeira vez em que se assiste a um filme sem final previsível: tem- se uma primeira idéia, um entendimento motivado pela leitura da sinopse e por outros fatores, como a experiência de vida e os valores de cada um. Assim, atribui-se determinado sentido a uma cena inicial, mas, no decorrer da exibição, suspende-se o juízo da primeira pré-compreensão, considerando que se refletiu e foram obtidas novas informações, podendo isso acontecer inúmeras vezes[10]. 3.4 A Importância da Distância Temporal A distância temporal entre o intérprete e o objeto a ser interpretado representa um papel fundamental no processo que analisa os pré-juízos decorrentes da historicidade do Ser. Com a ontologia fundamental, essa distância deixou de constituir um abismo, passando a ser, nos dizeres de Almeida “o fio condutor que liga horizontes distintos e que, pelo processo dialógico, torna possível a fusão entre eles”[11]. Para evidenciar a importância que tem a distância temporal na elaboração de uma analise idônea sobre determinado objeto, cita-se o exemplo da dificuldade que tem a crítica de arte para examinar e interpretar as produções contemporâneas, uma vez que nestas os preconceitos encontram-se profundamente arraigados. Verifica-se que, apenas com o tempo, o que realmente é significativo na obra se destaca daquilo que não o é, sendo esta é a função do tempo: eliminar aquilo que não é essencial, deixando que o verdadeiro significado oculto da coisa torne-se evidente. A despeito disso, cumpre ressaltar que Gadamer não defende a possibilidade de neutralidade do interprete em relação ao objeto, mesmo porque tal façanha seria impossível. Ele, na verdade, sugere que haja abertura por parte do intérprete, de modo que este permita a existência de um diálogo, de um confronto de opiniões 42 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 entre ele e o texto. Ele sugere, pois, a existência de uma dialética, matéria a ser analisada posteriormente. Nesse sentido, aduz o próprio Gadamer em sua obra Verdade e Método: Quem quiser compreender um texto deve estar pronto a deixar que ele lhe diga alguma coisa. Por isso, uma consciência educada hermeneuticamente deve ser preliminarmente sensível à alteridade do texto. Essa sensibilidade não pressupõe 'neutralidade' objetiva nem esquecimento de si mesmo, mas implica numa precisa tomada de consciência das próprias pressuposições e dos próprios pré-juízos (...).[12] 3.5 O Papel Fundamental da Aplicação Gadamer, por meio da historicidade da compreensão, veio relembrar a importância de um fator que durante muito tempo fora desprezado na hermenêutica histórica e literária: a aplicação. Segundo esse filósofo, em contrapartida ao entendimento de Shleiermacher, a aplicação não seria uma etapa distinta do processo de compreensão; constituindo, na verdade, parte deste, de modo que possui um papel fundamental na atividade hermenêutica, uma vez que não haveria nenhum caso em que a compreensão e a explicação geral de um texto far-se-iam suficientes para restar concluído o processo interpretativo. Conclui- se, portanto, necessário tornar explícito o modo como o texto fala à condição presente. Gadamer não pretende, assim, que nos entreguemos acriticamente às exigências do texto, negando o presente; requer, na verdade, que deixemos as reclamações do texto mostrarem-se 5 43 Disponível em: http://www.conteudojuridico.com.br/?artigos&ver=2.554389 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 tais quais são, por meio principalmente da fusão de horizontes, questão a ser analisada posteriormente. A interpretação deve incluir, portanto, não só a explicação do que o texto significa no seu próprio mundo, como também o que significa em termos do momento atual. Ou seja, compreender o texto é sempre já aplicá-lo[13]. O significado que determinada obra tem para nós é um produto de integração da obra com o nosso atual contexto, de forma que em todo ato de compreensão se dá uma aplicação ao presente. A ilusão de que, ao lermos uma peça de Shakespeare, por exemplo, regressamos ao seu mundo só nos mostra que o encontro estético conseguiu tornar invisível o fator da aplicação[14]. A aplicação não se trata, no entanto, de dar literalmente ao passado as aparências do presente; trata-se sim de trazer o que é essencial do passado para o presente pessoal. 3.6 Noções de Experiência Hermenêutica Gadamer começa a análise da experiência hermenêutica criticando o conceito dominante que tende a defini-la de um modo orientado totalmente para o conhecimento científico. Na ótica científica, experiência é tudo aquilo que pode ser repetido por quem quer que deseje a qualquer tempo, ou seja, liga- se fundamentalmente a um método objetivador do conhecimento. Logo, não se pode falar de qualquer historicidade interna da experiência, já que esta é a própria retirada das contingências em favor da cientificidade[15]. Dessa forma, Gadamer faz uma revisão do conceito ora analisado, perpassando diversos matizes filosóficos, para que se livre das amarras de sua intrínseca correlação com as ciências 44 Bo le tim Co nt eú do Ju ríd ico n. 56 4 d e 1 5/ 03 /2 01 6 ( an o V III ) IS SN ‐ 1 98 4‐0 45 4 naturais e se permita vislumbrar sua possibilidade hermenêutica, até alcançar a real nuance
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