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Mutações do Direito Administrativo

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Número 2 – junho/julho/agosto de 2005 – Salvador – Bahia – Brasil 
MUTAÇÕES DO DIREITO ADMINISTRATIVO NOVAS 
CONSIDERAÇÕES 
(AVALIAÇÃO E CONTROLE DAS TRANSFORMAÇÕES) 
Prof. Diogo de Figueiredo Moreira Neto 
Doutor em Direito da Universidade Federal do Rio de 
Janeiro, Pós-graduado em Direito Administrativo pela 
Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Professor 
de Direito Administrativo da Faculdade de Direito da 
Universidade Cândido Mendes. 
 
 
 
I – INTRODUÇÃO 
Por certo não remanescem dúvidas sobre a existência e a importância 
do fenômeno que se revisita neste ensaio. É inegável que o direito 
administrativo não é mais aquele que as várias gerações de bacharéis, e até 
mesmo, muitos das mais recentes, aprenderam nos bancos universitários. Há, 
indubitavelmente, um novo direito administrativo, que emergiu e ainda está se 
definindo no torvelinho das transformações que continuam a surpreender-nos 
por serem incrivelmente céleres e profundas. 
Embora, com a mesma denominação, continue a ser, 
fundamentalmente, aquela disciplina que romagnosi e laferrière fundaram 
cientificamente, a que otto mayer, orlando e santi-romano conferiram magnífica 
estrutura sistemática e que chegou aos anos de maturação silenciosa, em que 
despontaram as genialidades contemporâneas de eduardo garcía de enterría e 
de massimo severo giannini, ainda com as características doutrinárias quase 
originais, ela é hoje uma disciplina jurídica muito mais extensa, complexa e 
importante do que o foi no passado. 
No curso de dois séculos de evolução, o direito administrativo deixou de 
ser o ramo secundário, acessório e excepcional, derrogatório do direito privado, 
para em poucas décadas, parafraseando aqui a expressão de Enterría, 
amadurecer e anunciar sua presença, ascendendo em importância no estado 
contemporâneo, até ombrear-se com o milenar direito civil, hoje disposto como 
 
 
 2
um estatuto paralelo, afirmando-se como o direito comum das relações das 
pessoas com o estado, neste compreendidos os seus desdobramentos, 
personalizados ou não, e os seus delegatários de toda ordem. 
Essas mudanças, transformações ou mutações, qualquer que seja a 
denominação que se empreste ao fenômeno, foram detectadas por alguns 
autores de direito administrativo a partir do segundo pós-guerra, tratando-as, 
porém, eventual e fragmentariamente, mas o mérito de vir a estudá-las 
integradamente, já com a preocupação científica de identificar-lhes as causas 
e definir-lhes as tendências, coube, para nosso orgulho, à destacada jurista 
brasileira odete medauar, que, em 1992, pioneiramente, publicou a obra direito 
administrativo em evolução1. 
Seu inovador ensaio ecoava preocupações que já as nutria no final da 
década anterior, com notável antecipação sobre os mestres europeus, que 
viriam, nos anos seguintes, a se ocupar também do tema em obras que 
ganharam com justiça bastante notoriedade, como, por exemplo, a do francês 
jacques chevalier2, em 1993, e a do italiano sandro amorosino3 em 1994.4 
Esquematicamente, pode-se estudar este fenômeno sob três aspectos, 
embora de algum modo, reciprocamente interferentes: o sociológico, o teórico e 
o metodológico. 
A abordagem sociológica situa as transformações do direito 
administrativo no contexto cultural das sociedades contemporâneas, com suas 
raízes fincadas na concepção pós-moderna do próprio homem diante do 
estado, o que revitaliza o discurso ético liberal e antropocêntrico. 
Ainda que não se lhe confira a necessária profundidade, com a 
preocupação de não alongar o discurso de um ensaio que se pretende breve, 
essa visão é essencial para entender como o curso dos acontecimentos 
históricos tem influído sobre a vida em sociedade e as instituições do poder: a 
política e o direito. 
A abordagem teórica, que segue a linha evolutiva da dogmática jurídica 
sedimentada ao cabo de duzentos anos, procura identificar os institutos do 
sistema jurídico in fieri, que se vem estruturando sobre o declínio do 
dogmatismo jurídico positivista e refazendo conceitos básicos tradicionais, tais 
como os de legalidade, imperatividade, supremacia do interesse público, 
insindicabilidade do mérito administrativo e vários outros, que, como esses, 
resistiram intocados por muito mais de um século, para serem agora alterados 
com a introdução de novas e instigantes referências, tais como as da 
 
1 São Paulo, Ed. Revista dos Tribunais, com 2ª edição, aumentada, em 2003. 
2 Que organizou a obra Le Droit Administratif en Mutation (Paris, PUF). 
3 Que organizou a obra Le transformazione dil diritto amministrativo (Milão, Giuffrè). 
4 A modesta coletânea de minha lavra, Mutações do Direito Administrativo, somente 
viria à luz em 2000 (Rio de Janeiro, Editora Renovar, com 2ª edição no ano seguinte). 
 
 
 3
legitimidade, da licitude (moralidade), da consensualidade e da confiança 
legítima, entre outras, voltadas ao balizamento do agir do estado. 
A abordagem metodológica se concentra nas mudanças ocorridas nos 
relacionamentos entre o estado e os administrados, caracterizando-se pelo 
estudo das aberturas formais, tais como a publicidade obrigatória dos atos do 
poder público, os institutos de participação do administrado, notadamente no 
controle de seus atos, a processualidade administrativa, que torna seguro 
esses relacionamentos e outros institutos do mesmo jaez. 
Este discurso, como se indicará a seguir, procurará não se cingir 
exclusivamente a nenhuma dessas abordagens, mas combiná-las, visando a 
oferecer um panorama diversificado sobre o tema, de modo a fundamentar 
satisfatoriamente a conclusão pretendida. 
Essa conclusão, antecipada em rápidos traços, sustenta que esses 
estudos voltados às transformações ou mutações de certos fenômenos sociais, 
são e serão, cada vez mais importantes para, pouco a pouco, possibilitarem a 
superação do acaso e o desenvolvimento crítico das ciências. 
No caso do direito administrativo, esses estudos contribuirão para que 
não seu desenvolvimento mais se limite ao acompanhar os acontecimentos 
apenas para acudir e prover a posteriori as soluções demandadas, mas, dando 
um passo adiante, para que se criem as condições de pesquisa prospectiva, 
cada vez mais necessária para a condução do o desenvolvimento científico 
pela previsão dos problemas, que se esboçam na evolução das tendências 
identificadas, de modo a que se possa antecipar as soluções institucionais pela 
orientação de seu próprio progresso, de forma criativa, ordeira e disciplinada. 
 
II - METODOLOGIA DA EXPOSIÇÃO 
O estudo de tendências nos vários ramos do conhecimento se firmou 
com a introdução da avaliação tecnológica, a partir da década de sessenta do 
século passado, surgida com a finalidade de acompanhar o progresso das 
pesquisas e das invenções delas decorrentes, de modo a se prever até que 
ponto elas concorrem para o atendimento de aspirações sociais ou, 
inversamente, até que ponto as prejudicam.5 
São recordadas, por isso, algumas noções sociológicas propedêuticas 
sobre esse complexo contexto em que operam essas transformações, 
envolvendo basicamente a sociedade, o estado e o direito, aproveitando como 
discurso de exemplo paradigmal o histórico das mutações tecnológicas, por 
serem essas por mais tempo estudadas, mais visíveis e por serem 
 
5 Na década de setenta surgiram muitas obras sob esta perspectiva, destacando-se 
aqui, para aprofundamento, a publicada pela OECD, em Paris, no ano de 1973, sob o título 
Society and the Assessment of Technology, de FRANÇOIS HETMAN. 
 
 
 4
responsáveis por profundos e duradouros impactos na convivência e no 
progresso da humanidade. 
Adotar-se-á também, como concepção central das transformações ou 
das mutaçõesa serem estudadas, as mudanças críticas relevantes porque 
passam ou possam passar os três referidos elementos propedêuticos – a 
sociedade, o estado e o direito – aceitando como conceito de crise aquela 
situação em que uma instituição existente perde vigência por não mais atender 
ao que dela se espera, possibilitando o surgimento de uma nova, mais apta a 
preencher as necessidades sem respostas: portanto, uma situação de perigo 
que desperta a inventividade. 
O ensaio se completa com a classificação e o exame de alguns vetores 
das mudanças em curso, que servirão para lastrear algumas breves 
conclusões sobre essa mutação crítica de segundo grau, que aqui mais 
interessa sublinhar, que é a atua sobre a própria concepção que se tem do 
progresso e do desenvolvimento. 
 
III - SOCIEDADE, DIREITO E ESTADO – FENÔMENOS INTERFERENTES 
São elementos propedêuticos do discurso sociológico: o poder, a 
segurança, a ordem, o direito e a organização política, esta última, 
entrelaçando-os e dirigindo-os a resultados pretendidos. 
A História do desenvolvimento social é a História do poder, um atributo 
da vontade, conatural ao homem, fenômeno original das sociedades e vetor da 
socialização. 
Porque existe o poder, emerge, em contrapartida, a permanente 
necessidade de segurança individual ou coletiva na convivência psicológica 
com o meio humano, ou seja, na convivência entre as pessoas, o que se torna 
tanto ou mais essencial quanto a segurança na convivência física com o meio 
ambiente. 
Ora, para que se alcance um nível aceitável de segurança na vida social, 
é necessário previsibilidade do curso dos acontecimentos, seguindo-se, assim, 
o conceito objetivo de ordem, como a disposição espontânea que evolui no 
meio social para nele organizar os fenômenos do poder, de modo a assegurar 
um razoável nível de previsibilidade dos comportamentos individuais e 
coletivos. 
Mas, desde cedo, a História demonstra a insuficiência da ordem, 
enquanto disposição espontânea, e a necessidade de estabelecer-se uma 
ordem artificialmente criada, dotada de autoridade e de imposição coativa em 
todo o meio social. Cria-se assim o Direito, como essa expressão cultural, 
desenvolvida a partir do ethos próprio dos grupos humanos superiormente 
evoluídos, para proporcionar os fundamentos de ordem e de segurança nas 
 
 
 5
relações humanas, que se sintetizam, a partir de seu aparecimento, no 
conceito de ordem jurídica. 
Esse novo tipo de ordem, possibilita, por sua vez, o surgimento de um 
outro tipo de ordem superior discilinadora dos fenômenos do poder - a 
organização política – que, em sua culminação histórica, produziu a 
modalidade institucional do Estado: o fenômeno político que atingiu o mais 
completo desenvolvimento, postando-se ao centro do discurso juspolítico. 
O dado novo, ao cabo dessa evolução da organização política, é que o 
Estado passa a ser não apenas produto de uma ordem jurídica, como toma a 
sim a função de, ele próprio, produzir e assegurar a ordem por ele criada. 
Em conseqüência, Estado e Direito passam a ser um binômio, duas 
realidades reciprocamente causais: o Estado é cada vez um Estado de Direito 
e o Direito é cada vez mais a essência do Estado, como inexcedivelmente 
ensinado na conhecida síntese de NORBERTO BOBBIO. 
A partir dos conceitos desses megafenômenos interferentes, que se 
apresentam com recíproca causalidade, torna-se possível, perscrutando sua 
íntima e complexa interação, analisar as transformações ocorridas na História 
próxima, para nela estreitar o foco no Direito Público e neste, no Direito 
Administrativo. 
 
IV - TRANSFORMAÇÕES EM CURSO NA SOCIEDADE 
Do panorama sociológico passa-se ao histórico, para destacar, a partir 
do exemplo do progresso científico-tecnológico, uma compreensão de como, 
nessa perspectiva, se processam as transformações, considerando o impacto 
de um avanço qualquer sobre o subseqüente e, assim, o papel do acaso 
espontâneo e o da pesquisa induzida no desenvolvimento. 
Três são os fenômenos básicos tomados como referências dessas 
transformações: 
1º - o fenômeno histórico da aceleração do progresso; 
2º - o fenômeno histórico da revolução científico-tencológica; e 
3º - o fenômeno histórico da revolução das comunicações e do 
surgimento da Era da Informação. 
Quanto ao primeiro fenômeno, no curso da Pré-história e da História, 
observa-se que o progresso começa muito lento e é sempre o acaso que 
determina os avanços. 
 
 
 6
Com efeito, entre os primeiros registros da presença dos hominídeos 
sobre a terra, que remontam a 4.500.000 AC, até a descoberta do fogo, 
provavelmente cerca de 450.000 AC, mediaram mais de 4.000.000 de anos. 
Da descoberta do fogo ao seguinte grande avanço tecnológico, a prática 
da agricultura e da criação de animais, que possibilitou o sedentarismo, com o 
estabelecimento dos grupos nômades em terras férteis, e, daí, a existência de 
vilas e, depois, das primeiras cidades, passaram-se mais 440.000 anos, ou 
seja, um lapso de tempo dez vezes menor entre um e outro avanço. 
Da agricultura até a descoberta da tecnologia do cobre e o início da Era 
que levou seu nome, foram mais 4.000 anos; até a Era do bronze, mais 2.000 
anos; e até a invenção da clepsidra, que permitiu a medição do tempo, 
transcorreram mais 1.600 anos. 
Como se observa, os imensos lapsos de tempo entre os grandes 
avanços desde a Pré-história, passando pela Antigüidade, se vão reduzindo 
progressivamente, até que, a partir do Século X da Era Cristã, época em que a 
Civilização ocidental passou a contar com a invenção da numeração, 
desenvolvida na Índia, com a do papel, na China, e com a redescoberta da 
riqueza do pensamento grego, trazidas todas pelos árabes e divulgadas pelas 
proto-universidades criadas na Península Ibérica, dispuseram-se as condições 
para mais uma importante etapa da aceleração do progresso: a proporcionada 
pelo Renascimento. 
Mas é de se notar que, até então, o avanço da ciência e da tecnologia 
ainda dependiam quase que exclusivamente do acaso. Seria necessário uma 
derradeira superação desse constrangimento, para que o avanço se tornasse 
rotineiro, como fruto da aplicação do espírito humano na pesquisa; faltava mais 
um passo, que seria a introdução de um avanço metodológico, o que 
finalmente ocorreria com a Revolução Científico-Tecnológica. 
Pode-se remontar o seu início ao final do século VIII, com a invenção da 
máquina a vapor, ganhando paulatina aceleração durante o século XIX, para 
alcançar uma inimaginável velocidade no século XX, quando praticamente se 
anulou, em termos históricos, a distância entre a pesquisa, o invento e a 
aplicação de uma nova técnica e, em conseqüência, o tempo preciso para 
produzir impacto sobre a vida humana. 
Com efeito, introduzida a rotina da pesquisa científica e tecnológica, o 
progresso deixava de vir ao acaso, mas seria planejado e induzido, de modo 
que, a partir de então, as descobertas começaram a se incorporar cada vez 
mais rapidamente ao quotidiano, passando a alterar profundamente a vida em 
sociedade em ritmo mais rápido do que era possível ordenar os seus efeitos e 
evitar os inconvenientes colaterais que escapam às previsões ordinárias. 
Por evidente, como essas mudanças não são nem estão sendo objeto 
de qualquer sistema regular de previsão, disso resulta que o progresso social 
 
 
 7
passou, cada vez mais, a carecer de respostas preventivas e atempadas por 
parte ordem jurídica, voltadas a evitar ou a minimizar os efeitos indesejáveis 
que ele possa produzir sobre a convivência humana. 
Exemplos desse outro tipo de defasagem - a que se dá entre a 
velocidade das transformações sociais resultantes do progresso científico e 
tecnológico e a da adaptação dos institutos jurídicos, que devem assegurar a 
manutenção da supremacia dos valores e daordem deles decorrente - 
passaram a se multiplicar na vida contemporânea e, por isso, a deixar mais 
evidente que o Estado, como instrumento da sociedade, cada vez mais falha 
na prevenção e superação das crises, tornando os países e o mundo mais 
inseguros. 
Como culminância dessa crise, e, destacadamente, como subproduto da 
Revolução Científico-teconológica, irrompe em meados do século XX, a 
Revolução das Comunicações, inaugurando o que MANUEL CASTELLS 
batizou em sua festejada trilogia como a Era da Informação. 
Com ela, os impactos sobre a vida humana se aceleraram a níveis 
jamais sonhados: surge a aldeia global; dá-se a integração da civilização pela 
grande rede mundial da informática; reduzem-se as distâncias físicas, ao 
alcance da velocidade do pensamento... mas, em compensação, é cada vez 
maior a busca da identidade ameaçada e a eclosão de conflitos, para os quais 
inexistem – pois sequer foram pensados metodicamente – os instrumentos 
preventivos de uma ordem mundial, que se vem fazendo cada vez mais 
necessária. 
Como seria de se esperar, essa formidável difusão da informação 
possibilitou uma real difusão do poder, (lembrável sempre a advertência de 
FRANCIS BACON, de que conhecimento é poder), multiplicando-se as 
poliarquias nas sociedades do planeta, uma indissociável e inevitável 
conseqüência das demandas democráticas de populações cada vez mais 
politicamente conscientes. 
Nem por outra razão, findos os holocaustos bélicos, ergue-se 
auspiciosamente, no segundo Pós-guerra, uma onda planetária de afirmação 
da dignidade humana, como reação à longa dominação do Estado sobre a 
sociedade. 
Abre-se esta época, que se poderia definir como uma Idade da 
Democracia, afirmando-se simbolicamente com a queda do muro de Berlim e 
se expressando pelo progressivo isolamento das ditaduras, pela crítica às 
formas autocráticas e concentradoras de poder e por um insopitável anseio de 
participação difícil de ser ignorado por parte das estruturas políticas tradicionais 
que haviam sido desenvolvidas sob as premissas do estatismo e das ideologias 
estatizantes, que dominaram a primeira metade do século XX. 
 
 
 8
Para efeito do presente estudo, essa nova situação se caracteriza, entre 
outros, pelos seguintes fenômenos, aqui apenas alinhados por conveniência 
expositiva: 
1º - consciência dos próprios interesses; 
2º - maior nitidez dos valores; 
3º - globalização (nela incluídos os interesses e os valores); 
4º - pluralização e crescimento das demandas; 
5º - desenvolvimento do conceito de interesses transindividuais; 
6º - surgimento do público não estatal; e 
7º - reivindicação de maior participação 
 
V - O QUE VEM MUDANDO NO ESTADO 
Expostos alguns dos vetores das mudanças da sociedade de nossos 
dias, observe-se agora o que, em razão delas, as sociedades passaram a 
exigir dos respectivos Estados. 
Desde logo, sobressai a demanda por eficiência – uma óbvia 
conseqüência da pluralização e da maior nitidez das demandas, potenciada, 
por sua vez, pelo efeito demonstração das comunicações. Em síntese, não 
mais basta o simples desempenho dos entes e órgãos públicos (eficácia), para 
ser exigido o bom desempenho (eficiência), aquele que leva à satisfação dos 
usuários dessas atividades. 
Em conseqüência, surge a demanda por subsidiariedade, ou seja, passa 
a ser necessário que o atendimento prestado pelo Estado, seja atribuído 
racionalmente aos entes ou órgãos mais aptos a atuar com racionalidade, 
presteza e proximidade, sendo que esta desejável sempre que possível. 
A subsidiariedade desempenha um papel até certo ponto paradoxal, 
pois, de um lado, leva à criação de blocos de Estados, capazes de atuar com 
mais poder e maior competitividade na órbita externa, mas, de outro lado, 
provoca a redução de poderes de órgãos de maior envergadura política em 
benefício das reivindicações de autonomia das unidades intermédias e das 
comunas, na órbita interna. 
Para sublinhar a referida intercausalidade, cite-se ainda a demanda por 
democracia substantiva, que reivindica o incremento do diálogo e da 
participação, visando sobretudo à criação e à aplicação do direito, forçando a 
abertura dos processos decisórios e a instituição de instrumentos políticos e 
administrativos de interação de vários tipos e em vários níveis políticos e 
administrativos. 
 
 
 9
Esses e outros dados são os que levam à assim denominada crise do 
modelo de Estado, multiplicando-se as demandas de reformas e de 
redimensionamentos juspolíticos para adequá-lo às novas circunstâncias, que 
se sucedem e que deve enfrentar. 
Historicamente, considerando as recentes passagens do modelo liberal 
ao do bem-estar e, ainda, ao socialista e, mais proximamente, destes ao atual 
modelo do Estado Democrático e Social de Direito, tudo indica que esse ciclo 
de mudanças na instituição estatal ainda não se fechou, mas já parece certo 
que o súdito se tornou cidadão e o Estado, seu instrumento. 
Por derradeiro, duas observações se acrescem ao cabo desta 
apreciação sobre as transformações do Estado. 
A primeira, aponta o declínio do tradicional Estado-Nação, com a 
desmonopolização do poder, que lhe era generosamente atribuído pelas 
sociedades, e o empalidecimento do conceito bodiniano de soberania, com a 
pluralização das fontes do Direito e a formação de novas organizações políticas 
extra e supra-nacionais. 
A segunda observação é a constatação de que o século XX atingiu e 
marcou o apogeu do poder estatal e da submissão da sociedade e o início de 
uma busca de profícuo reequilíbrio entre esses dois protagonistas – Estado e 
sociedade. 
 
VI - O QUE VEM MUDANDO NO DIREITO 
Como, já se sublinhou, Estado e Direito são fenômenos reciprocamente 
interferentes e reciprocamente causais, de modo que as alterações do primeiro 
provocam mudanças no universo jurídico, sendo de se destacar os seguintes 
quatro aspectos: o enriquecimento ético do Direito; a perda de expressão do 
direito positivo; a emergência de uma principiologia dotada de eficácia; e a 
afirmação do constitucionalismo, como fonte direta de direito. 
Na raiz dessas tendências, registra-se o ocaso do sonho positivista, a 
quimera de um Direito puro, asséptico, sem transcendência. Em seu lugar, o 
novo Direito volta a ampliar seus fundamentos filosóficos e a abeberar-se na 
metodologia das Ciências, especialmente na Epistemologia crítica, 
desvendando um amplo universo de possibilidades para que os seus 
formuladores e não apenas estes, como os seus aplicadores atinjam, cada vez 
mais e melhor, os ideais de segurança e de justiça. 
Nesse caminho, destaque-se exemplarmente o vigor do magistério 
transformador de um KARL LARENZ, como o fez desde o prefácio de 1960 à 
sua Metodologia, às suas profícuas lições na cátedra da Universidade de 
Munique, em que lançava o desafio ao estudante de optar entre a enganosa 
facilidade do rechaço do novo e a perplexidade estimulante de aceitar uma 
 
 
 10
compreensão imperfeita, mas que tinha a imensa potencialidade de 
amadurecer, como de fato ocorreu. 
Com essas e outras decisivas contribuições, tanto na tradição doutrinária 
romano-germânica, como na anglo-saxônica, ficava desanuviado o horizonte 
dogmático para a o brilho da alvorada de uma nova ética do poder, marcando a 
transição de um Direito do Estado sobre o Homem, para um Direito do Homem 
no Estado. 
Juridiciza-se o conceito de Estado-instrumento, como contribuição 
compensatória das duras lições políticas sobre a insuficiência da legalidade 
estrita na conceituação da juridicidade e da passagem da referência jurídica da 
lei ao Direito. 
Assim ocorreu a entronização da legitimidade como elemento referencial 
integrante da juridicidade, como brilhantemente vem exposto em livro de 
PAULO OTERO, culto autor de expressão portuguesa, sob o títulosuficientemente explicativo de Legalidade e Administração Pública – O 
sentido da vinculação administrativa à juridicidade.6 
Mas um segundo aprofundamento ético do Direito ainda sobreviria, para 
fechar o século XX, com a revivescência do conceito de licitude com relação à 
atuação do Estado - o viés da moralidade, a somar-se aos dois outros 
elementos, a legalidade e a legitimidade, para integrar a idéia de juridicidade, 
rejuvenescendo o velho, tormentoso, mas fascinante debate sobre as relações 
entre moral e direito. 
Portanto, constatada a impossibilidade de uma ciência jurídica asséptica 
e geométrica, erguida apenas sobre uma dogmática de conceitos e expressa 
por uma infinidade de preceitos, embora cada vez mais desgastados por uma 
persistente inflação legislativa, pelas disfunções de linguagem, pelo 
distanciamento dos legisladores e pela banalização do descumprimento, tantas 
vezes sem alternativa, tornou-se fatal a perda de unidade e de coerência entre 
as fontes e a superposição de ordenamentos concorrentes de diversos tipos, 
apressando-se, com isso, o esgotamento do positivismo e a abertura de 
espaço para um ressurgimento impetuoso dos valores no Direito. 
Recolheram-se as velhas lições de flexibilidade e de adaptação, próprias 
da common law, para a recriação de um Direito não mais apenas obra de 
legisladores, olímpicos e distantes, mas também a de juízes e de juristas, de 
operadores do Direito, no dia a dia de sua interpretação e aplicação. 
Dá-se então uma parcial regressão a um Direito também jurisprudencial, 
com reminiscências do pré-moderno, marcado pelo colapso da capacidade 
reguladora exclusiva das lei e a revivescência do papel integrativo dos 
operadores - o juristenrecht, do qual, na atualidade, é o mais eloqüente 
 
6 Porto, Editora Almedina, 2003. 
 
 
 11
exemplo, a criativa jurisprudência desenvolvida pelo Tribunal Europeu das 
Comunidades. 
Comenta, por isso, o atento jurista italiano, LUIGI FERRAJOLI: “Assim a 
racionalidade da lei, que Hobbes havia contraposto à ‘juris prudentia ou 
sabedoria dos juízes desordenados’ do velho direito comum, foi dissolvida por 
uma legislação obra de legisladores ainda mais desordenados...”.7 
Tudo, portanto, com ganho de proximidade, de precisão e de justiça, 
mas com perda de certeza e de segurança jurídica – a serem reconquistadas 
nesse novo contexto pela preparação de gerações de profissionais de Direito 
para tarefas muito mais demandantes que as que enfrentavam no passado 
recente. 
Como conseqüência, reintroduz-se no Direito o patamar dos princípios, 
que passam a ser entendidos não apenas como expressão de núcleos de valor 
ou de referências doutrinárias integrativas, mas como normas dotadas de 
eficácia própria, aptas a operarem de vários modos os seus efeito.s 
Entre outros benéficos resultados de sua reentronização, os princípios 
proporcionaram o rápido desenvolvimento da teoria dos direitos fundamentais, 
erguida sobre a noção transcendental da dignidade da pessoa, incorporada à 
noção jurídica de cidadania e, desse modo, contribuindo decisivamente para 
que o Direito Público deixasse de ser apenas um Direito do Estado para ser 
primacialmente um Direito do Cidadão. 
Por derradeiro, mas não sem menor importância, a mutação alcança as 
Constituições, que passam a desempenhar um novo papel, qual seja o de 
oferecer a superior referência positiva de princípios fundamentais, aos quais se 
vão acrescentando princípios gerais e até setoriais, para vários ramos do 
Direito, tais como, e.g., os da Constituição Econômica, da Constituição Cidadã, 
da Constituição Social, de um proto-estatuto para o Servidor Público e outro, 
para Magistratura, e até de um, para os serviços públicos, que atraem a si a 
referência aplicativa do Direito e possibilitam a sua aplicação direta, rompendo 
a metodologia geométrica da pirâmide normativa kelseniana. 
Enfim: está encetada a marcha, aparentemente irreversível, da 
constitucionalização do Direito, desvendando ricos desdobramentos aplicativos 
da Lei Maior a serem garimpados e ainda por serem desenvolvidos: um 
fenômeno sobre o qual muito já se tem escrito ultimamente sob a designação 
de neo-constitucionalismo. 
Com a ampliação da cidadania, dilargam-se também os espaços de 
autonomia normativa, que se combina de várias formas com os institutos 
tradicionais da tradição heteronômica no Direito Público, transfundindo-se em 
 
7 Nuevos tiempos para el constitucionalismo, in Neoconstitucionalismo. Edição de 
Miguel Carbonell, Madri, Editorial Trotta, 2003, pág. 20. 
 
 
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novas dimensões constitucionais para as funções do Estado, não mais 
confinadas à trilogia clássica. 
 
VII - MUTAÇÕES NO DIREITO ADMINISTRATIVO 
As transformações no Direito Administratrivo, uma Ciência jovem, com 
pouco mais de duzentos anos, tanto quanto as dos demais ramos do 
Conhecimento, como se expôs na introdução deste ensaio, começam com 
lentidão e ganham impulso à medida em que superam a inércia e o 
conservadorismo, que opõem resistência às mudanças, e desenvolvem uma 
metodologia própria para absorvê-las e até mesmo, em uma segunda etapa, 
para desenvolvê-las controladamente. 
Assim, lentas no seu primeiro século, as transformações no Direito 
Administrativo também começam a ganhar impulso na primeira metade do 
século XX e, tanto quanto a Ciência do Direito e as Ciências em geral, 
ganharam uma vertiginosa velocidade a partir do final da Segunda Guerra 
Mundial, o que torna, por vezes, quase impossível até mesmo acompanhá-las 
todas satisfatoriamente. 
Seguem-se, portanto, algumas notas, limitadas apenas a dois 
importantes vetores de mudança, destacados desta última fase: a emergência 
do Estado Democrático de Direito e a modernização da Administração Pública. 
Quanto ao Estado Democrático de Direito, passa a ser este o novo dado 
juspolítico com vocação ecumênica a ser considerado: não mais basta que o 
Estado se submeta ao Direito conformado pelas leis, que é seu próprio produto; 
é necessário que estas leis se submetam ao Direito, que é produto da 
sociedade. 
Por outro lado, o grande objetivo a que passa a servir o aparato estatal é 
a atualização da atividade de administração pública, na linha dos princípios 
liberais e democráticos revividos, recuperando o atraso que apresentava, no 
particular, em relação às suas atividades estatais coirmãs, de legislação e de 
jurisdição, com a finalidade de levar à eficiência de desempenho, sem incorrer 
em deficiência de juridicidade. 
Para que se logre alcançar esses complexos patamares em que se 
conjugam eficiência e juridicidade, o Direito Administrativo precisou varrer os 
focos de atraso acumulados, que eram, em lista incompleta: 
1º a imperatividade sem limites, à outrance; 
2º a intangibilidade de atos políticos da Administração Pública; 
3º a insindicabilidade da discricionariedade administrativa; 
 
 
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4º a exclusão do administrado das decisões, inclusive por deficiências 
processuais; e 
5º a persistência mítica do conceitos de razões de Estado e de 
supremacia do interesse público. 
Vários temperamentos foram necessários para superar esses cinco 
pontos críticos (oferecidos também em lista exemplificativa): 
1º a introdução da consensualidade sempre que possível; 
2º a submissão jurídica ao controle de qualquer ato da Administração 
Pública; 
3º os controles de realidade e de razoabilidade do ato discricionário; 
4º as garantias de crescente participação do administrado; e 
5º a afirmação da supremacia dos direitos fundamentais, notadamente 
do megaprincípio da dignidade da pessoa humana. 
 
Outros vetores podem ainda ser acrescentados a este quadro, tais como 
a multiplicação dos aportes técnicos da Ciênciada Administração, da 
Economia e da Sociologia, bem como os de inúmeros outros ramos do 
Conhecimento, exigindo necessárias e permanentes filtragens para que 
ingressem solidamente na ordem jurídica, o que a torna cada vez mais 
complexa, especializada e exigente em termos de interpretação. 
São princípios elementares dessa filtragem autopoiética aqueles que 
mais eloqüentemente exprimem as novas exigências cidadãs, destacadamente 
os da eficiência, da transparência (melhor dito, da visibilidade) e da 
participação. 
Primo, na linha da eficiência, o conceito de administração por objetivos 
passa a ser mais bem atendido com a aplicação de novas técnicas de 
descentralização e de delegação, especialmente a de deslegalização, que 
contribui para a existência de regramentos mais flexíveis e adequados aos 
fenômenos setoriais a que se dirigem. 
Ainda na linha da eficiência, atende-se ao conceito de desburocratização 
com a distinção entre decisão político-administrativa e decisão técnica 
Secundo: na linha da transparência, sobressai o avanço da 
processualidade administrativa, inclusive da admissão da processualidade 
aberta, em hipóteses de interesses difusos, interesses coletivos ou mesmo de 
interesses individuais homogêneos, que possibilitam a abertura de processos 
administrativos a um atendimento mais amplo e mais célere dos administrados. 
 
 
 14
Tertio: na linha da participação e da consensualidade, destaca-se o 
desenvolvimento da negociação referida ao atendimento do próprio interesse 
público, o que possibilita aperfeiçoar-se a sua satisfação além e melhor do que 
o previsto nos preceitos. 
Essa negociação da execução do interesse público tanto pode ser 
substantiva como modal, dependendo do tipo de abertura legal que a suporte, 
comportando, ainda, modalidades individuais ou coletivas, neste caso, com a 
possibilidade de abertura para a variedade atualíssima da normatividade 
substitutiva (os acordos substitutivos). 
Ainda na linha da participação, assume magna importância o papel 
reservado às funções essenciais à justiça na promoção e cura dos distintos 
interesses da sociedade a elas cometidos, que são, fundamentalmente, além 
dos interesses dos particulares, cometidos à advocacia privada, os interesses 
indisponíveis, os interesses públicos e os interesses dos hipossuficientes, 
cometidos aos três ramos da advocacia pública, respectivamente: aos 
membros do ministério público, procuradores estatais e defensores públicos. 
Trata-se, em suma da releitura cidadã dessas três funções estatais 
acima referidas, na qual se reafirma que aqueles interesses não são 
exclusividade de nenhuma expressão, seja funcional ou orgânica, do Poder do 
Estado, mas que todas elas concorrem, em seus respectivos campos, mesmo 
com alguma superposição, para promovê-los, ampará-los e defendê-los, pois a 
afirmação de superiores interesses da cidadania se sobrepõe a feudos e a 
formas. 
 
VIII. CONCLUSÕES 
As mutações do Direito Administrativo obedecem a necessidades, além 
das teorias e das doutrinas políticas e jurídicas que procuram explicá-las: trata-
se, antes de mais nada, de um sistema de ordem destinado atender às 
necessidades práticas da época. 
Ora, como uma das necessidades mais em destaque em nossos tempos 
tem sido a de que essa ordem venha impregnada de valores éticos, hoje, mais 
do que nunca, as mutações seguem também à busca da legitimação. 
Como o atendimento de necessidades é o móbil da busca do 
Conhecimento, seja empírico, científico ou filosófico, há que descobrir-se a 
melhor maneira de realizá-lo, daí o desenvolvimento de técnicas de toda 
natureza, inclusive de técnicas sociais, dentre as quais o Direito é a mais 
importante. 
Todavia, no passado, essa busca se processava aleatoriamente, 
isolada, rarefeita e dificilmente concentrada em termos de meios e de objetivos, 
de modo que os avanços assim mesmo alcançados se deviam mais ao acaso 
 
 
 15
que à aplicação em encontrar essas respostas para as indagações e soluções 
para os problemas. 
Ora, como se expôs, durante toda a História foi muito lenta a passagem 
de uma tecnologia rotineira para uma rotina tecnológica, ou seja: da repetição 
de antigas soluções à experimentação de novas soluções. 
A diferença crucial entre ambas está em que a rotina da repetição só 
podia ser alterada pelo acaso, enquanto que a rotina da experimentação, uma 
vez introduzida, alterou o modo pelo qual os homens satisfazem suas 
necessidades – desde as mais elementares, como alimentação, abrigo e 
defesa, até as mais sofisticadas, como essa de que aqui se cogita, que é a 
necessidade derivada de as sociedades se prevenirem diante da possibilidade 
de eclodirem novas necessidades. 
Assim, estudo prospectivo, experiência e pesquisa, são as atividades 
derivadas, que a humanidade desenvolve ao atinar que a prevenção é sempre 
solução melhor que a correção, daí a necessidade de o progresso passar a 
incorporar essas atividades, vocacionadas ao atendimento daquelas 
necessidades de segundo grau. 
Mas, no Direito, a prospecção científica, primeiramente, não era 
conhecida e, depois, não foi reconhecida. Enquanto nas disciplinas da natureza 
logo se assentou a necessidade de antecipar-se aos problemas, a Ciência do 
Direito, como tradição, se mantinha reativa, mais voltada ao passado, ou seja, 
aguardando a eclosão das crises para só então desenvolver soluções. 
A mudança de atitude só viria com as primeiras tentativas de indução de 
condutas pelo Direito Público, no século XIX; a princípio, timidamente, de modo 
quase exclusivamente indicativo, praticamente restrito a enunciar princípios e 
regras programáticas, para, somente pouco a pouco serem expressos em 
institutos preventivos e de fomento público que pudessem ser imediatamente 
eficazes. 
Hoje, os conceitos de previsão e de prevenção encontram-se 
incorporados ao dia-a-dia do Direito Público e, até mesmo, já é 
abundantemente empregado no Direito Tributário, com a finalidade de 
estimular condutas não apenas para atender a necessidades atuais, como para 
poder atender a futuras necessidades, estas, por certo, desde que 
razoavelmente previsíveis. 
Mas há muito ainda o que fazer para explorar amplamente este veio 
promissor, e não apenas na atividade de fomento público, mas também nas de 
polícia, de serviços públicos, de ordenamento econômico e de ordenamento 
social, pois em todas elas se pode produzir frutuosos exercícios de prospectiva 
científica, para definir tendências, uma tarefa cada vez mais fácil nesta era em 
que as informações abundam sobre praticamente qualquer setor da atividade 
humana. 
 
 
 16
Esse trabalho prospectivo mais fácil e estimulante se apresenta, ao se 
considerar a inevitável internacionalização da administração pública e do 
Direito Administrativo, sobre o que AGUSTÍN GORDILLO tem dado seu 
depoimento, fato que propicia não apenas maior riqueza de elementos 
comparáveis, até mesmo para a conformação de um banco de dados sobre 
tendências, como a possibilidade de permanente acompanhamento das 
experiências e dos trabalhos prospectivos desenvolvidos em outros países. 
Outro argumento que concorre para estimular-se a prospecção científica 
no campo do Direito Administrativo vem a ser a despolitização paulatina da 
atividade estatal de administração pública. 
Com efeito, com a separação, cada vez mais nítida, entre, de um lado, a 
atividade de planejamento, formulação e condução de políticas e, de outro, a 
de gerenciamento da execução dessas políticas, possibilita-se a redução das 
interferências daquela atividade, por natureza conflituosa e de corte 
voluntarista (política), sobre a outra distinta atividade, por natureza regrada e 
predominantemente técnica (administrativa), embora se tenham mantido 
ambas, por tradição, no âmbito do, assim denominado, tambémtradicionalmente, de Poder Executivo, muito embora, na prática, sua mais 
importante função não seja a administrativa, mas a política: a de governo. 
Não se imagine, porém, como alguns observadores propalaram, que 
essa dicotomia de funções, ao produzir adiante uma clivagem mais nítida entre 
Governo e Administração, como aliás já se mostra mais evidente nos países de 
regime parlamentarista, levará ao amesquinhamento do campo e da 
importância do Direito Administrativo. 
A tendência é exatamente a contrária a esse equivocado anúncio, aliás, 
bem mais jornalístico do que científico, como concorrem em confirmação 
respeitados autores, que se debruçaram sobre essas idéias, para criticar essa 
propalada tendência de fuga para o Direito Privado ou de anunciada retração 
do Direito Administrativo 8, como quer que se denomine essa conclusão 
aligeramente extraída como uma conseqüência das privatizações ocorridas nas 
últimas décadas. 
A realidade é bem outra, pois jamais o Direito Administrativo enriqueceu-
se tanto, ampliou-se tanto e diversificou-se tanto, quanto nestas últimas 
décadas, sob o benéfico influxo das mutações, aqui revisitadas. 
Tal afirmação já era conclusão de nossa autora pioneira, ODETE 
MEDAUAR, como se depreende do que averbou em considerações escritas em 
1990, portanto, quando estava em preparo a primeira edição de sua obra, nas 
conclusões lidas em seu Capítulo 8 (item 9. p. 267 e ss.)9: 
 
8 Como exemplos, o francês Jean Bernard Auby e o italiano Marco d’Alberti. 
9 Obra citada na Nota 2, supra, página 267/268. 
 
 
 17
“O administrativista contemporâneo tem consciência da diversificação e 
capilaridade das funções do Estado atual, realizadas, em grande parte, 
pela atuação da Administração Pública. Por conseguinte, o direito 
administrativo, além da finalidade de limite ao poder e garantia dos 
direitos individuais ante o poder, deve preocupar-se em elaborar 
fórmulas para a efetivação dos direitos sociais e econômicos, de 
direitos coletivos e difusos, que exigem prestações positivas. O 
direito administrativo tem papel de relevo no desafio de uma nova 
sociedade em constante mudança. A transformação sociopolítica é 
propícia à mudança de conteúdo e de forma do direito administrativo 
para que se torne mais acessível nos seus enunciados, para traduza 
vínculos mais equilibrados entre Estado e sociedade, para que priorize o 
administrado, isolado ou em grupos, e não a autoridade. O enfoque 
evolutivo do direito administrativo significa, sobretudo, o intuito de 
seu aprimoramento como técnica do justo e, por isso, da paz 
social.” (n/ grifos) 
Esta observável ascensão do Direito Administrativo e a sua projeção 
natural como um dos mais importantes instrumentos da ordem jurídica do 
nosso e de qualquer outro país, assim como, do mesmo modo e até com maior 
clareza, de qualquer bloco político de países, em que impere o conceito de 
Estado Democrático de Direito, mais se consolidará e, em conseqüência, ainda 
mais antecipativas serão as palavras acima recolhidas, à medida em que as 
suas transformações levem adiante um contínuo aperfeiçoamento institucional. 
Não mais, porém, se dando apenas de forma reativa, como fruto de acaso 
histórico ou da eventual vontade política deste ou daquele governo de plantão, 
mas de forma metódica, criativa e preventiva, voltada à previsão de 
necessidades e de crises, que poderão ser, assim, evitadas ou superadas 
menos traumaticamente para a sociedade. 
Eis a nova missão - que se franqueia para o Direito Administrativo e para 
sua doutrina fértil e estuante - como se apresenta nesta virada de século e de 
milênio, que é, agora e para adiante, a de orientar o progresso das relações 
entre o homem e o Estado e, no coletivo, entre a sociedade e os centros de 
poder público: sempre e cada vez mais, no sentido da afirmação do império 
dos valores sobre quaisquer outros interesses. 
Teresópolis, outono de 2004. 
 
 
 
Referência Bibliográfica deste Trabalho (ABNT: NBR-6023/2000): 
NETO, Diogo Figueiredo Moreira. Mutações do Direito Administrativo: novas 
considerações (avaliação e controle das transformações). Revista Eletrônica sobre 
a Reforma do Estado, Salvador, Instituto de Direito Público da Bahia, nº. 2, 
 
 
 18
junho/julho/agosto, 2005. Disponível na Internet: 
<http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em: xx de xxxxxxxx de xxxx 
 
Obs. Substituir x por dados da data de acesso ao site www.direitodoestado.com.br 
 
 
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