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O Estado e a prestação de serviços Breve introdução: Quando o Estado consegue livrar-se da idade média e se tornar uma entidade única, a partir de um poder central, regulando a vida de seus súditos, o estado obteve variadas feições históricas. Inicialmente, o estado apresentou-se como liberal, o qual dividiu o público e o privado (estado cão de guarda). O estado estava somente preocupado com a igualdade formal, suprimindo as características primárias da era medieval. A principal conquista da Revolução Francesa foi a consecução da igualdade entre todos, respondendo igualmente perante a lei. Aqui, o estado não se preocupa com a prestação de serviços ou com a intervenção no domínio econômico, tendo tão somente o dever de manter a ordem. Assim, o legislativo detinha maior poder, em relação aos demais poderes, pois era quem proferia as leis. Já o poder judiciário somente atuava conforme a lei, sem espaço para interpretação. Em razão da exploração dos pobres pelos ricos, várias frentes e manifestações se organizaram, com o intuito de obter a igualdade material. Conseguintemente, surge a necessidade de o estado intervir na economia, pois esta não tinha condições de se auto-organizar, apresentando o Estado Social, que se mantém capitalista, mas impõe regras mínimas para a manutenção da coletividade. Nesse diapasão, ocorreu o fortalecimento do poder executivo, pois é o detentor das empresas públicas. Com a crise do Estado, naquele formato, o qual fez um mal uso de sua estrutura, fortalecida tal crise pela decadência econômica, fez com que as ideias liberais acordassem novamente, surgindo o movimento neoliberalista. Há uma instável tentativa de se chegar a um meio termo, onde o estado vai se afastar da atividade econômica, mediante o movimento das privatizações, mas procura um novo papel na economia. Dessa forma, o estado democrático de direito vai garantir os direitos mínimos, os chamados fundamentais. Esse crescimento na proteção pelos direitos fundamentais faz com que o poder judiciário ganhe mais poder. Por outro lado, o estado, ao procurar o seu novo papel na economia, torna o estado regulador, o qual se afasta da prestação de serviços, mas o regula, mediante a iniciativa privada, conforme os artigos 170, 173 e 174, todos, da CF/88. Destarte, o estado exerce, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento. Esquematizando a evolução dos objetivos estatais: I. Estado Liberal, mediante a revolução francesa, não intervendo na economia; II. Estado Social (século XIX e XX), com a questão social – exerce atividades econômicas, regulando a atividade privada. III. Estado Democrático de Direito – promove os direitos fundamentais, regulando a atividade privada. Excepcionalmente, atua diretamente na economia (segurança nacional e relevante interesse coletivo). Cuidado: não confundir essas três fases com as fases da administração pública, que são muito referidas na doutrina, quais sejam: I. Administração Patrimonialista: gerida por relações pessoais; II. Administração Burocrática: procedimentalista; III. Administração gerencial: algo em construção, que se busca uma administração eficiente. Considerando que o estado é um agente regulador da economia, surge nesse contexto a agência reguladora, que são pessoas jurídicas de direito público da administração indireta, que têm como função originária a regulação de uma atividade econômica, mediante o poder normativo (regulamentação da lei) e o poder de fiscalização (poder de polícia) sobre determinadas atividades. Ao lembrar-se das aulas anteriores, têm a entidade mãe (União, estado, Distrito Federal e municípios) que cria diversas entidades, a qual se destaca a autarquia, uma pessoa jurídica de direito público, submetida ao regime jurídico administrativo, podendo apresentar-se na modalidade Agência Reguladora (autarquia criada por lei com a função de normatizar e fiscalizar determinado mercado - são autarquias em regime especial). A lei criadora das agências reguladoras, que possuem regime especial, significa mais poderes, em relação às demais autarquias. Dentre seus poderes diferenciados destacam-se: I. Mandato fixo de seu dirigente, conferindo maior independência ao realizar sua função fiscalizatória e autonomia decisória; II. Independência no âmbito fiscalizatório do ente ao qual está vinculado; III. Autonomia financeira. Em relação ao regime jurídico dos servidores das agências reguladoras, deve-se mencionar tal discussão. Antes da CF/88, haviam servidores regidos pela CLT e outros regidos pelo Regime Estatutário. Com a promulgação da CF/88, em seu artigo 39, estabeleceu-se o chamado regime único - planos de carreiras da administração direta, bem como as fundações públicas e autarquias. Então, os servidores celetistas passaram para o regime estatutário. Em 1998, o Brasil vivia o movimento da reforma do estado, momento em que foi constatada a ineficiência do referido regime único, o Estatutário. Pela EC 19 foi alterada a redação do artigo 39, com o intuito de extinguir o regime jurídico único. Todavia, foi ajuizada uma ADI (n. 2135-40) em face da EC 19, onde o STF concedeu uma liminar, suspendendo tal alteração, em virtude da constatação da aludida emenda constitucional. O mérito não foi julgado até o presente momento. Em razão disso, não há, atualmente, servidores celetistas nas agências reguladoras, por força do art. 39 da CF/88. Cuidado: · Regime de exercícios dos servidores públicos: Estatutário: aplica-se mediante o Estatuto (lei) a todos os servidores não celetistas; Celetista: regidos pela CLT. É verificado na administração pública, nas empresas públicas e sociedades de economia mista. · Regime de ingresso dos servidores públicos: Concurso público: confere estabilidade, salvo para desembargadores e ministros; Sem concurso público: agentes políticos eleitos, contratados temporários, servidores comissionados, restringindo-se a agência pública, que exercem funções de direção, chefia ou assessoramento. · Regime previdenciário dos servidores públicos: Próprio: é aplicado aos servidores públicos estáveis; Geral: é o INSS, o qual é aplicado aos servidores sem vínculo permanente, exceto os celetistas. Obs.: os celetistas também realizam concurso público, salvo nas hipóteses que dispensam tal condição. O aludido poder regulador (poder normativo) é decorrente da Constituição, a qual permite a inovação. Já o poder regulamentar decorre da lei, sendo impossível tal inovação. Na prática, as agências reguladoras acabam exercendo um papel de regulação muito além da previsão em lei. A doutrina afirma que é inevitável a inovação por parte dessas autarquias, em razão da velocidade que o mundo caminha. A agência reguladora subordina-se a lei criadora. Na condição de autarquia, a agência reguladora submete-se aos demais controles realizados sob as demais entidades públicas. Assim, a agência reguladora procede ao autocontrole, mediante autotutela (dever-poder de anular seus próprios atos, quando ilegais e revoga-los, quando inconvenientes ou inoportunos à administração pública). Ainda, submete-se à tutela (vinculação à administração central, mesmo que essa tutela seja mais branda que a sofrida por outras autarquias), bem assim é submetida ao controle externo (controle parlamentar, das CPIs, do Tribunal de Contas respectivo e Ministério Público) e ato da AGU n. 51/06, aprovado pelo presidente da República, o qual menciona que os pareceres da AGU vinculam as agências reguladoras. Os problemas decorrentes da estrutura regulatória são os seguintes: I. Teoria da Captura: como essas entidades trabalham com universos específicos e pequenos, fazem com que o regulado capture o regulador, exercendo influênciasindevidas; II. Tecnicismo (alto grau técnico): é a pouca transparência de informações ao cidadão. As normas das agências reguladoras são, cada vez mais, complexas, tendo como consequência a dificuldade de controle. III. Pouca Legitimidade democrática (tecnocracia): as agências reguladoras constituem um elemento de um regime no qual os gestores não devem satisfação ao público, agindo de forma objetiva e técnica. Entretanto, sabe-se que, por mais que uma área seja extremamente técnica, sempre há espaço à subjetividade. IV. Softlaw/ Quase Direito/ Deslegalização: há dúvida no sentido de se saber até que ponto as normas emanadas pela agência reguladora inovam no ordenamento jurídico. Por outro lado, o fenômeno regulado é tão mutável, que se torna impossível regulá-lo por lei. Esse problema recebe esses nomes, em virtude de a doutrina perceber que isso é mais que uma simples regulamentação, mas ainda é menos que a lei, tornando-se de difícil definição. Agências Executivas (Decreto n. 2487/98): são autarquias em regime especial, mas esta não decorre de lei, e sim de celebração de contrato com o órgão regulador, ou seja, ela não se origina como agência, torna-se uma. Assim, essa autarquia celebra contrato de gestão com o respectivo ministério, concedendo status de agência executiva, a qual receberá as metas que deverá cumprir em um determinado prazo, sob pena de desqualificação da presente condição executiva. Delegação de serviços públicos: surge no momento em que o estado deve prestar um determinado serviço público, mas não o fará de forma direta, tão pouco criará uma entidade para presta-lo. Dessa forma, o estado delegará a prestação do serviço público a um particular, mediante contrato, atuando como delegatário do estado. A titularidade do serviço público sempre permanece com o poder público, definido por lei se tal detentor é a União, estados, Distrito federal ou municípios. Por exemplo, o INSS, sendo o seu titular a União. Na delegação ocorre a transferência tão somente da execução do serviço público, não sendo este o titular de tal prestação de serviços. Relembrando: O estado pode executar serviço público de duas formas: I. Direta: o estado presta com seus próprios servidores. Exemplo: Receita Federal – órgão da união; II. Indireta: o serviço público é prestado por terceiros, não titulares do respectivo serviço prestado, podendo ser: a. Outra pessoa jurídica de direito público (outorga); b. Pessoa jurídica criada pelo poder público, mas de direito privado (empresa pública e sociedade de economia mista); c. Particular desvinculado do estado (descentralização por delegação). O meio utilizado para que o estado relacione-se com um particular, na hipótese de descentralização por delegação é o contrato administrativo. Este documento é um acordo firmado entre o particular e o estado, sob um regime de direito público. A sua característica principal é a presença de várias normas de direito público, promovendo a desigualdade entre as partes, em virtude das cláusulas exorbitantes. O referido contrato é regulado pela lei n. 8666/93, a partir do art. 59. Destacam-se as seguintes condições para celebração do contrato administrativo: I. Exigência de garantia: o estado pode exigir uma garantia do particular, de modo que se este cometer algum erro na execução do serviço, o estado possa se ressarcir de alguma forma; II. Rescisão unilateral: em razão de um problema de interesse público mais urgente que o presente serviço prestado, o estado pode rescindir o contrato administrativo de forma unilateral; III. O estado pode fiscalizar a atividade do seu contratado; IV. O estado pode aplicar penalidades ao contratado, mediante constatação de má prestação de serviços públicos; V. O estado restringe a utilização da execução do contrato não cumprido, ou seja, se o estado atrasar o pagamento, o contratado não pode interromper a prestação do serviço público; VI. Equilíbrio Econômico – financeiro do contrato administrativo: essa garantia está prevista na CF/88 e explicada na lei n. 8666/93, dizendo o seguinte: “a equação econômica inicialmente estabelecida no contrato deve ser mantida.”. Teorias Importantes: I. Fato do Príncipe: é a alteração decorrente de determinação do Estado, que não tem relação com o contrato, atingindo a todos, de forma geral. Os contratados têm o direito de manter o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. II. Fato da Administração: nesse caso, em vez de o contrato ser afetado acidentalmente, a deliberação administrativa for dirigida diretamente ao contrato administrativo. É um ato do poder público que altera a execução do contrato administrativo de forma específica; III. Teoria da Imprevisão (álea econômica): na hipótese em que ocorre uma mudança importante, em nível mundial, de forma imprevista, gerando consequências graves ao contrato administrativo, inviabilizando a execução deste, o contratado pode pedir a readequação contratual. Observação: o reequilíbrio econômico-financeiro somente é possível para riscos imprevisíveis no contrato administrativo, caso contrário, no momento da celebração contratual, o particular estará assumindo tais riscos. Modalidades de delegação de serviços públicos: há uma polêmica em relação a esse assunto. A CF/88 prevê duas espécies, quais sejam: a permissão e a concessão. Já a doutrina aponta uma terceira modalidade: a autorização. I. Concessão: divide-se em dois grandes gêneros: a. Concessão comum: a lei n. 8987/95 prevê ainda 2 espécies: concessão de serviços públicos e concessão de serviços públicos precedidos de obra pública, o que são quase a mesma coisa. Observa-se que não existe no Brasil concessão de obra tão somente. Assim, concede-se a obra para depois prestar o serviço público. Exemplo: pedágio. b. Concessão especial: é a parceria público-privada (PPP), prevista na lei n. 11079/04, que estabelece duas modalidades de concessão: a patrocinada e a administrativa. Concessão de serviço público simples: É o contrato administrativo pelo qual a administração pública transfere a pessoa jurídica privada o exercício de determinada atividade. Sendo esta remunerada pelas tarifas cobradas pelos usuários. As principais características são: · O concessionário será escolhido exclusivamente pelo processo licitatório; · As empresas estatais de direito privado também podem ser concessionárias de serviços públicos. Tanto podem ser criadas por um ente público para prestar serviços dele próprio, como também pode ser concessionária de serviço público; · A remuneração da concessão comum é realizada por intermédio de tarifas cobradas dos usuários do serviço público ora prestado; · O serviço é prestado nos moldes do regime público; · Como é um serviço público, este não pode ser negado de forma arbitrária, desde que seja paga a tarifa pelo usuário; · A responsabilidade do concessionário pelo serviço prestado é objetiva (independe da comprovação de culpa), conforme o artigo 37, § 6º da CF/88; · Não existe concessão sem prazo determinado. Entretanto, a lei não prevê um prazo máximo, de forma geral. Permissão de serviço público: é a prestação de serviço público precedido de licitação. O que a diferencia da concessão comum é que esta é realizada por um contrato comum, enquanto que a permissão é firmada por um contrato de adesão. Conceito de permissão de Maria Sylvia Zanella di Pietro: a permissão é um ato unilateral, discricionário e precário, pelo qual o poder público transfere ao particular a execução de um serviço público para que o exerça mediante pagamento de tarifa paga pelo usuário. Para Celso Bandeira de Mello, a modalidade seria cabível quandoo serviço não exige grande investimento por parte do concessionário, de modo que a precariedade não significaria um problema. Extinção da concessão ou da permissão: I. Encerramento do prazo: muito embora a lei não preveja o prazo máximo do contrato em questão, estes têm sempre prazo determinado, o qual varia, de acordo com o investimento realizado pelo contratado. Após o término do lapso temporal em comento, o contrato estará extinto automaticamente. II. Anulação do contrato: decorrente da ilegalidade na sua celebração; III. Rescisão: por iniciativa do concessionário, o qual não terá o pedido acatado pela administração pública, por força do princípio da continuidade dos serviços públicos. Sendo assim, o contratado deverá ingressar com tal pedido na esfera judicial, mediante comprovação do inadimplemento por parte do poder concedente. IV. Caducidade: ocorre pelo descumprimento de cláusulas contratuais pelo concessionário. É um ato unilateral do poder concedente, que depende de prévio procedimento administrativo, que garante o amplo direito de defesa do concessionário; V. Encampação: é a retomada unilateral do serviço pelo poder concedente, por razões de interesse público. Depende de lei que autorize e o concessionário terá direito a indenização; VI. Falência ou extinção da empresa. Observação: a caducidade ocorre quando há o descumprimento de cláusula contratual pelo contratado, mediante processo administrativo. Assim, não confundir caducidade (inadimplemento do contratado) com prazo de extinção. Destinação dos bens: Encerrada a concessão ou a permissão, o patrimônio do concessionário que prestava o serviço público será submetido à reversão, ou seja, a afetação dos bens, os quais, mesmo sendo particulares, serão destinados ao Estado (artigos 35 e 36 da lei de Concessões).
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