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A CENSURA NA MÚSICA NO ESTADO NOVO (1937 1945)

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1 
A CENSURA NA MÚSICA NO ESTADO NOVO (1937-1945) 
 
Autora: Sandra Mara Pinheiro Maciel 
Orientadora: Profa. Dra. Roseli Boschilia 
Palavras-chave: Estado Novo, música, censura 
 
No final da década de 20, a queda da bolsa de valores de Nova Iorque 
desencadeou a Grande Depressão nos Estados Unidos, que afetou diversas partes do 
mundo, inclusive o Brasil. Com a redução do consumo mundial, os primeiros produtos a 
serem afetados foram os de menor necessidade para a sobrevivência, como o café, na 
época a base da economia brasileira. Assim, chegou ao Brasil a crise internacional.1 A 
crise econômica, a resistência à manutenção do poder político nas mãos das antigas elites, 
manifestada a partir de tentativas revolucionárias desde 1922, e um grande clamor de 
descontentamento por parte de industriais, classes médias urbanas e integrantes do exército 
e da administração pública, favoreceram a conspiração de 1930, que levou Getúlio Vargas 
ao poder.2 
A principal marca do governo Vargas no plano institucional, desde os seus 
primeiros tempos, foi a centralização do poder. A crença nas virtudes de um executivo 
forte vinha da ideologia positivista. Chefe do governo provisório, Getúlio Vargas dissolveu 
o Congresso e os legislativos estaduais e municipais. 
Logo que assumiu o poder, Vargas fez questão de acentuar o caráter 
nacionalista dos novos tempos, defendendo a necessidade de ser nacionalizada a 
exploração das riquezas naturais do Brasil e o aproveitamento das quedas d’agua como 
fonte de energia, assim como a exploração das estradas de ferro. Concretizou-se também a 
aproximação pragmática entre governo e Igreja Católica, pois Vargas percebeu a 
importância da Igreja como garantia simbólica da ordem e como instituição capaz de atrair 
setores que não estavam sob sua influência. 
Vargas enfrentou de início uma situação difícil, pois a crise provocara o 
desemprego nas maiores cidades e insatisfações de conteúdos diversos no âmbito do 
Exército. No começo do seu governo, Vargas dera mão forte aos militares, particularmente 
aos “tenentes”, nomeando-os para interventorias, que tiveram papel preponderante na 
subordinação das oligarquias do Norte e Nordeste. 
No contexto político, surgiram movimentos que alcançaram crescimento 
acentuado após 1932, como o PCB, Ação Integralista e a Aliança Nacional Libertadora - 
ANL, como resultado do descontentamento com os rumos que o governo Vargas vinha 
tomando. Valendo-se de instrumentos existentes, particularmente a Lei de Segurança 
Nacional, de abril de 1935, o governo dissolveu a ANL.3 
Na clandestinidade, os dirigentes do PCB lançaram-se aos preparativos de uma 
ação revolucionária, com o apoio da Internacional, culminando em 1935 com a Intentona 
comunista. Nenhuma ação teve efeito significativo contra o governo Vargas e, em meio ao 
quadro repressivo, surgem candidaturas para as eleições diretas de 1938. Getúlio não 
apoiou oficialmente nenhum dos candidatos, pois ele e a cúpula militar tinham planos de 
um novo golpe, que foi deflagrado no final de 1937. Surge então o Estado Novo, como a 
fórmula que permitiria realizar as tarefas de unificar o país, promover o desenvolvimento 
econômico, criar uma nova representação das classes produtoras e dos trabalhadores, 
 
1
 KERBER, Alessander. Dissertação apresentada ao PPGD em História da Universidade do Vale do Rio dos 
Sinos - UNISINOS, ano 2002, p. 21. 
2
 KERBER, p. 22. 
3
 FAUSTO, Boris. Getúlio Vargas: O poder e o sorriso. São Paulo: Companhia das Letras, 2006. p. 73. 
2 
introduzir enfim o governo técnico, acima das políticas partidárias.4 O governo Vargas 
caracterizou-se, também, pela “Ideologia do Trabalhismo”.5 
A sociedade brasileira, desde o advento da República, vinha sofrendo grandes 
transformações. Com a libertação dos escravos, as maiores cidades do país, como Rio de 
Janeiro, São Paulo, Recife e Salvador, receberam elevado número de pessoas que saíram 
do campo e vieram para a cidade. Estas pessoas chegavam sem trabalho, a maioria sem 
profissão, gerando problemas sociais nessas capitais; sem ter onde morar passaram a viver 
em condições precárias, instalando-se na periferia das cidades, formando cortiços e favelas. 
A radiocomunicação constituía um serviço público cuja utilização dependia de 
concessão do governo. O rádio tornou-se um dos maiores responsáveis pela propagação 
dos ideais de Vargas pelo país. Em 1938 foi ao ar, pela primeira vez, o programa Hora do 
Brasil, cuja transmissão, ainda hoje, é obrigatória em todas as emissoras do país.6 
Os anos 30, no Brasil, foram também a era do cinema, que passou a interferir 
diretamente na vida das pessoas e a ditar moda.7 O mercado de distribuição cresceu 
rapidamente e as salas de cinema se multiplicaram por toda parte.8 
O sentimento de nacionalismo foi o feito mais elementar da era Vargas, 
entendendo que sobre a escola se assentava a identidade nacional.9 Além do ensino de 
história e da geografia privilegiarem a expansão da nação, procurou-se impor a imagem de 
um Brasil de proporções continentais, unificado pela língua e pelos acidentes geográficos, 
fundamentando o patriotismo em dados tomados como objetivos.10 
O ensino da música nas escolas primárias e normais, através dos cantos corais, 
desde o início do século XX era defendido por muitos músicos como Mario de Andrade, 
Villa-Lobos e Fabiano Lozano, mas não encontravam apoio suficiente para que isso fosse 
possível até a conspiração de 30, quando o ensino do canto orfeônico foi implantado nas 
escolas do Rio de Janeiro, São Paulo, Pernambuco e outros estados.11 
Desde a consolidação do poder a partir da conspiração de 1930, Getúlio Vargas 
mostrava-se bastante preocupado em estruturar seu governo ancorado em mecanismos de 
propaganda e controle da opinião pública, como meio de difundir as idéias e os ideais que 
norteariam sua atuação política. 
Getúlio Vargas logo percebeu a importância que a música poderia assumir 
como via de acesso ao imaginário popular. Assim, a par das atitudes paternalistas que 
Vargas, de um modo geral assumiu em relação aos músicos, uma forte ação repressora 
passou a ser exercida pelo Estado.12 
Ainda em 1937, a nova Constituição instituiu a censura prévia para o cinema, 
imprensa, teatro, música e rádio, atendendo a uma antiga reivindicação dos músicos 
nacionalistas, conforme projetos e sugestões apresentados ao governo, logo após outubro 
de 1930.13 
Para tanto, foram criados sucessivos órgãos responsáveis pela censura, 
finalizando com a criação do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), em 
dezembro de 1939, que passou a exercer forte pressão sobre as diversas atividades 
artísticas. O órgão tinha como objetivo principal construir a imagem de Getúlio Vargas, 
cultuar a sua personalidade e controlar a opinião pública, apoiando a divulgação da música 
 
4
 FAUSTO, p. 90. 
5
 VICENTE, p. 5. 
6
 SANTOS, Marco Antonio Cabral dos. História Viva: Grandes Temas, nº 4, p. 45. 
7
 NOVAIS, p. 600. 
8
 NOVAIS, Fernando A. História da vida privada no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1998. v. 3, p. 598-599. 
9
 SOUZA, Maria Cecília Cortez Christiano de. A escola exacerba a identidade nacional. História Viva: Grandes Temas São Paulo. s/d., 
p. 39. 
10
 SOUZA, p. 39. 
11
 CONTIER, Arnaldo D. Passarinhada do Brasil: canto orfeônico, educação e getulismo. São Paulo. Edusc, 1998. p. 16. 
12
 VICENTE, p. 7. 
13
 CONTIER, p. 273. 
3 
nacionalista, como forma de transformá-la num eficaz instrumento de propaganda do 
governo estadonovista. 
Sob o governo Vargas (1930-1945), Villa-Lobos consolidou um amplo projeto 
em prol da catequese do povo brasileiro através de atividades artísticas.14 Tais projetos 
apresentavam um eixo comum: a organização da músicano Brasil deveria ser pensada a 
partir de um projeto de natureza hegemônica e fortemente centralizadora. Assim, 
implicitamente, as noções de civismo, de centralismo, da intromissão do Estado no campo 
artístico e cultural, da necessidade da censura para evitar abusos contra esse projeto, entre 
outras questões, foram harmonicamente assimiladas pelo governo Vargas, em especial, a 
partir de 1937.15 
“Profissionais da música” tornaram-se presença constante nos eventos 
promovidos pelo regime, dentre outros, alguns dos compositores em destaque na época 
como Francisco Alves, Carmen e Aurora Miranda, Ary Barroso, Almirante, Orlando Silva 
e Carlos Galhardo.16 Outros, como Donga, Dalva de Oliveira, Wilson Batista, Ataulfo 
Alves, Geraldo Pereira, Lamartine Babo, Herivelto Martins, Nássara, João de Barro etc. 
também se destacaram. 
O estudo da música também tem sido fortemente valorizado na historiografia a 
partir da década de 80, podendo-se citar Eduardo Vicente, Arnaldo Daraya Contier, 
Antonio Pedro Tota, Roberto M. Moura, João Ernani Furtado Filho, Tânia Regina de Luca, 
Décio de Almeida Prado, Adalberto Paranhos, José Ramos Tinhorão, Marcos Napolitano 
etc, historiadores e musicólogos que têm se dedicado ao tema. 
Diversos desses autores afirmam que a música foi utilizada pelo governo 
Vargas para difundir seus ideais trabalhistas e ao mesmo tempo incutir na população novos 
hábitos, principalmente em relação à importância do trabalho e incentivando o abandono 
da malandragem, tema central de diversas canções da época. 
Alguns deles defendem a hipótese de que o DIP cerceava a liberdade dos 
cantores e compositores. Adalberto Paranhos, por exemplo, aponta que os compositores 
populares, em especial os sambistas, passaram a ser estrita e estreitamente vigiados. 
Paralelamente, buscava-se atrair os artistas para a área de influência governamental, 
usando a moeda de troca dos favores oficiais, tentando-se capturá-los na rede do culto ao 
trabalho. Através da atuação do DIP, a ditadura estadonovista procurava assegurar a 
instauração de um determinado tipo de sociedade disciplinar, simultaneamente à fabricação 
de um perfil identitário do trabalhador brasileiro dócil à dominação capitalista.17 
Arnaldo Contier18 menciona que a censura era vista com bons olhos pelos 
autores eruditos, pois estes sentiam uma certa repulsa em face da música vulgar. Cita, 
ainda, que o Estado, através do DIP, somente censurou letras de músicas populares 
consideradas ofensivas à moral e aos bons costumes ou que pudessem incutir, nos jovens, 
ideais ligados à malandragem, incompatíveis com a ideologia estadonovista.19 
Já Eduardo Vicente cita que uma importante questão imposta ao DIP era 
identificar uma forma de eliminar a figura do malandro e o elogio à malandragem da 
produção musical da época. Segundo ele, o Departamento utilizou duas linhas de ação: a 
cooptação, quando esta fosse possível e uma rigorosa censura às composições que lhe 
 
14
 CONTIER, p. 116. 
15
 CONTIER, p. 227. 
16
 VICENTE, Eduardo. A música popular sob o Estado Novo (1937-1945) p. 22. Disponível em: <www.multirio.rj.gov.br> 
Acesso em: 15/03/2007. 
17
 PARANHOS, Adalberto. A historiografia e o “samba de uma nota só” do “Estado Novo”. Disponível em: <www2.csh.clio.pro.br> 
Acesso em: 30/03/2007. 
18
 CONTIER, p. 325. 
19
 CONTIER, p. 338. 
4 
parecessem inadequadas, abrangendo as letras e a linguagem utilizada, visando eliminar 
gírias e vícios de linguagem.20 
Mas o trabalho acadêmico sobre esse tema que mais ressoou no circuito 
universitário data de 1980, segundo Adalberto Paranhos, e é de autoria de Antonio Pedro 
Tota. Seu ponto de partida está na premissa de que o “Estado Autoritário” lançou mão de 
alguns gêneros da canção popular (notadamente samba e marcha), como ideologia do 
trabalhismo, com vistas a cooptar os trabalhadores e legitimar-se junto a eles.21 Paranhos 
discorda de Tota, afirmando que na década de 30, a maioria das canções remetia a jogos 
amorosos, nada tendo a ver com a apologia ou a resistência ao ideário trabalhista ou com o 
ufanismo estado-novista. Para Paranhos, Tota acata sob vários aspectos a “teoria do 
rebaixamento” a que se refere Peter Burke. Os conteúdos manipulados pelo agente 
transmissor, no caso o Estado/DIP, teriam sido interiorizados sem mais pelos receptores. 
Em síntese, o receptor é praticamente reduzido a locutor da fala alheia, ao ser rebaixado à 
função de “locutor-papagaio”.22 
Fábio Gomes cita que os sambistas se viram forçados a mudar de filosofia no 
final da década de 30 e que o DIP, além de censurar, dava orientações aos compositores, 
que deviam abandonar a malandragem e incentivar o trabalho, a família e o casamento.23 
Contrariando esse entendimento em relação à atuação do DIP, Tânia Costa 
Garcia cita que o malandro passava a integrar o mundo do trabalho e a malandragem ficava 
diluída no ritmo e na harmonia da canção. Esta cooptação dos cantores e compositores 
populares, pelo poder, chegou ao clímax com o samba exaltação. O DIP, ao mesmo tempo 
em que proibia a execução de músicas, cuja letra pudesse soar como desacato à ordem 
estabelecida pela conspiração de 1937, motivava os compositores à elaboração de canções 
que exaltassem o trabalhador e a pátria.24 
Os autores mencionados levantam a questão de que os compositores no período 
do Estado Novo sofreram controle em sua produção musical. Por outro lado, Adalberto 
Paranhos cita que um dos maiores pesquisadores da música popular no Brasil, o jornalista 
Sérgio Cabral, afirma não haver maiores dúvidas quanto aos superpoderes ostentados pelo 
Estado, especialmente pelo DIP, em relação ao controle da produção musical e ao estímulo 
ao enaltecimento do trabalho. Ele garante que, a partir de 10 de novembro de 1937, o 
regime tinha “absoluto controle da música popular brasileira e de qualquer tipo de 
manifestação a ela relacionada”.25 
A partir dessa problemática, este trabalho teve como objetivo analisar a censura 
na música, no período do Estado Novo (1937-1945), a partir da produção dos compositores 
Ataulfo Alves (1909-1969) e Geraldo Pereira (1918-1955). Através das letras das canções 
gravadas antes, durante e depois do Estado Novo, investigou-se as estratégias que os 
compositores utilizaram para fazer frente às interferências impostas pela censura e 
continuar gravando suas composições e até que ponto esses autores alteraram seu ponto de 
vista em relação à boemia e à malandragem, duramente combatidas pelo governo durante o 
Estado Novo. 
Para análise da produção musical, a metodologia utilizada para realização do 
trabalho constituiu-se na investigação das letras das músicas inseridas nas fontes 
bibliográficas, quando existentes, bem como a musicografia e discografia dos autores 
 
20
 VICENTE, Eduardo. A música popular sob o Estado Novo (1937-1945). Disponível em: <www.multirio.rj.gov.br>. Acesso em: 
15/03/2007. 
21
 PARANHOS, p. 6. 
22
 PARANHOS, p. 6. 
23
 GOMES, Fábio. O Trabalho na Música Popular Brasileira. Disponível em: <www.brasileirinho.mus.br> Acesso em: 
24/11/2006. 
24
 GARCIA, Tânia Costa. A canção popular e as representações do nacional no Brasil dos anos 30: a trajetória artística de Carmem 
Miranda. História: Questões & Debates. Curitiba, v. 31, p. 67-94, jul-dez 1999. 
25
 PARANHOS, p. 5. 
5 
selecionados. As músicas foram ouvidas para analisar inserções que pudessem alterar a 
conotação original das letras aprovadas pelos censores. 
Para a análise de conteúdo foi escolhida uma amostra de 42 músicas de Ataulfo 
Alves, compostas no período 1933-1960, e 26 músicas de Geraldo Pereira, compostas no 
período 1940-1954. As obras foram divididas pela sua data de composição entre antes, 
durante e depois do Estado Novo, parafins de comparação. Cabe salientar que Geraldo 
Pereira começou compor suas músicas a partir de 1940, prejudicando a análise de possível 
exaltação à malandragem e ao não trabalho por parte desse compositor anteriormente ao 
Estado Novo, que vigorou entre 1937-1945. 
Como suporte teórico para análise do contexto histórico do Estado Novo e a 
interferência do governo sobre a produção musical, apoiamo-nos nas reflexões de Pierre 
Bourdieu. Esse autor afirma que o poder é uma espécie de “círculo cujo centro está em 
toda parte e em parte alguma”, é necessário saber descobri-lo onde ele se deixa ver menos, 
onde ele é mais completamente ignorado, portanto reconhecido: o poder simbólico é, com 
efeito, esse poder invisível que só pode ser exercido com a cumplicidade daqueles que não 
querem saber que lhe estão sujeitos ou mesmo que o exercem. 
Bourdieu argumenta ainda que a cultura dominante contribui para a integração 
real da classe dominante (assegurando uma comunicação imediata entre todos os seus 
membros e distinguindo-os das outras classes); para a integração fictícia da sociedade no 
seu conjunto, portanto, à desmobilização (falsa consciência) das classes dominadas, para a 
legitimação da ordem estabelecida por meio do estabelecimento das distinções 
(hierarquias) e para a legitimação dessas distinções. Para o autor, enquanto instrumentos 
estruturados e estruturantes de comunicação e de conhecimento, os “sistemas simbólicos” 
cumprem a sua função política de imposição ou de legitimação da dominação de uma 
classe sobre outra (violência simbólica) dando o reforço da sua própria força que as 
fundamentam e contribuindo, segundo a expressão de Weber, para a “domesticação dos 
dominados”. 
O resultado da análise do conteúdo das letras de seis músicas de Ataulfo Alves 
relativas ao período anterior ao Estado Novo não apresentam relacionamento com a 
boemia, malandragem ou apologia ao não trabalho, não se confirmando a hipótese de que 
este compositor fazia apologia à malandragem, à boemia e ao não trabalho em suas 
composições da época. Destaca-se, no entanto, que as seis composições foram 
interpretadas por outros cantores, o que pode explicar esse fato. 
Apesar dessa amostra não ter apresentado relacionamentos com apologia à 
malandragem e ao não trabalho, Maria Ângela Salvadori, em “Malandras canções 
brasileiras”, afirma que o samba malandro é aquele das estratégias, é aquele que quer se 
preservar e por isto ora resiste à política do estado, atacando de maneira irônica o trabalho, 
o operário e a pátria, e ora participa dela ao cantar as virtudes do malandro regenerado.26 
Outro historiador, Eduardo Vicente, cita que os sambistas Ataulfo Alves e 
Wilson Batista se comportaram malandramente até quando alteraram os versos originais da 
música “O Bonde São Januário”, pois a rítmica do samba não confere “seriedade” à 
mensagem da letra. Ou seja, o ouvinte acaba por relativizar seu conteúdo, em função do 
caráter afirmativo da melodia sincopada.27 
Diante da afirmativa dos dois historiadores e dos exemplos comuns citados por 
ambos, pode-se concluir que Ataulfo Alves, antes da ação imposta pela censura, 
comportava-se em suas músicas como autêntico malandro. 
 
26
 SALVADORI, Maria Ângela Borges. Malandras canções brasileiras. Revista Brasileira de História. v.7, São Paulo-SP, 1986-87. 
p.120. 
27
 VICENTE, p. 28. 
6 
Quanto às músicas de Ataulfo Alves gravadas no período do Estado Novo 
(1937-1945), na amostra selecionada de 21 músicas é possível perceber duas situações 
distintas: a primeira, antes da criação do DIP, em dezembro de 1939, os temas das músicas 
são quase que em sua totalidade voltados ao amor; a segunda situação é a apologia ao 
trabalho, à regeneração do malandro e o abandono à boemia, presentes em três das sete 
músicas gravadas entre 1940 e 1945. 
Esta mesma situação é confirmada por Sérgio Cabral, citando a letra da música 
“Ó seu Oscar”, composta em 1940 por Ataulfo Alves e Wilson Batista e que foi a 
vencedora de um concurso musical.28 Cabral cita ainda que Ataulfo Alves e Wilson 
Batista, os vencedores da competição, vinham marcando a sua obra com sambas em que a 
malandragem e a vadiagem eram sempre homenageadas, sendo que Wilson começou a sua 
polêmica com Noel Rosa exatamente porque se apresentava como um malandro de lenço 
no pescoço, navalha no bolso etc. e proclamava que tinha “orgulho de ser vadio”. Na letra 
de “Ó seu Oscar”, no entanto, ele se apresentava como um sujeito que chegou “cansado do 
trabalho”, para enfrentar o abandono da mulher, que, ela sim, só queria viver na orgia.29 
Das 14 músicas (uma delas presente em ambos os discos) de Ataulfo Alves 
gravadas após o período do Estado Novo, verifica-se que este interpretou a maioria delas. 
Outra situação evidente na análise é a alteração da temática das canções, retornando à 
situação anterior à criação do DIP, exceção feita à música “A Carta”, de 1958, onde o 
cantor apóia o governo, de Juscelino Kubitschek de Oliveira. 
O resultado da análise de conteúdo das letras de oito músicas de Geraldo 
Pereira, gravadas no período abrangido pelo Estado Novo, é possível perceber que os 
temas de quase todas elas são voltados ao amor, com duas tratando da regeneração do 
malandro, como no caso de “Vai, que depois eu vou” e “Bonde da Piedade”, justamente na 
época em que o DIP manteve-se muito atuante na censura musical. 
No que se refere às 12 músicas gravadas após o período do Estado Novo, 
percebe-se a mudança da temática, tendo significativa ênfase na apologia à malandragem. 
Apesar disso, duas músicas chamam atenção dentre a amostra: “Pedro do Pedregulho”, que 
trata de um malandro regenerado e “Ministério da Economia”, cujo tema é uma crítica à 
criação do Ministério da Economia, no segundo Governo Vargas. 
Assim, em relação a ambos os compositores, é visível a atuação do DIP no 
período do Estado Novo, a ponto de alterar significativamente a temática das canções 
destes que foram compositores e cantores de sucesso na época. 
Pode-se observar também em algumas das letras das músicas analisadas, que 
para conseguir gravar suas composições os sambistas escreviam palavras que diziam uma 
coisa, mas que continham outro significado, seja pelo uso das síncopas, seja pelo tom 
irônico, conseguindo com isso o sucesso desejado driblando a censura da época. 
Essa investigação corrobora o aspecto citado pelo historiador Eduardo Vicente30 
de que alguns deles de fato, assumiram esse papel, no entanto não mais do que o tempo em 
que estavam submissos a forte censura da época, com temas, radicalmente contrários ao 
padrão então adotado pelos compositores e cantores, envolvendo exaltação a família, ao 
casamento e ao trabalho. 
Conclui-se ainda que o DIP apoiou a divulgação da música nacionalista, 
visando transformá-la em instrumento de propaganda do governo estadonovista, no qual a 
música popular sofreu, fortemente, a ação da censura, porque veiculava uma série de temas 
que ameaçavam, por exemplo, o ideal de disciplina e de trabalho, pilares da ideologia do 
Estado Novo. 
 
28
 CABRAL, Sérgio. A MPB na era do Rádio. São Paulo: Moderna, 1996, p. 75. 
29
 CABRAL, Sérgio P. 77. 
30
 VICENTE, p. 28

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