(O fármaco blo- queia os canais de sódio do miócito cardíaco durante a sístole, porém é muito lento para dissociar-se durante a diástole. Em conseqüência, pode deflagrar arritmias através da promoção de vias de reentrada.) Como a bupivacaína contém um centro quiral, ela ocorre numa mistura racêmica de enantiômeros R e enantiômeros S especulares. Os enantiômeros R e S possuem afinidades diferentes pelo canal de sódio e, conseqüentemente, diferen- tes efeitos cardiovasculares. O enantiômero S foi separado e comercializado como levobupivacaína, mais segura e menos cardiotóxica, assim como o seu correspondente estruturalmente homólogo, a ropivacaína. Articaína A articaína é um AL com ligação amida que foi aprovado para uso clínico nos Estados Unidos em 2000. Juntamente com a prilocaína, a articaína é singular entre os anestésicos locais, em virtude de seu grupo amina secundário. (Praticamente todos os outros AL possuem um grupo amina terciário.) A articaína também é estruturalmente singular, visto que contém um grupo éster ligado a um anel tiofeno; a presença do grupo éster sig- nifica que a articaína pode ser parcialmente metabolizada no plasma pelas colinesterases, assim como no fígado. O seu rápido metabolismo no plasma pode minimizar a toxicidade potencial da articaína. A articaína é atualmente utilizada em odontologia, mas poderá ter aplicações adicionais com a realização de mais estudos sobre as suas propriedades clínicas. EMLA A EMLA (Mistura Eutética de Anestésico Local) é uma combi- nação de lidocaína e prilocaína administrada topicamente como creme ou emplastro. A EMLA é clinicamente útil, visto que possui uma maior concentração de anestésico local por gota em contato com a pele do que as preparações tópicas con- vencionais. Mostra-se efetiva em diversas situações, incluindo função venosa, canulação arterial, punção lombar e procedi- mentos dentários, particularmente em crianças que têm pavor da dor das injeções. � Conclusão e Perspectivas Futuras Os anestésicos locais são vitais para a prática da medicina e da cirurgia, visto que são capazes de produzir bloqueio regional da sensação da dor. Suas ações clínicas envolvem o bloqueio dos neurônios de dor, denominados nociceptores. Os nocicep- tores são neurônios aferentes cujos axônios são classificados em fibras A� ou C. Os anestésicos locais bloqueiam todos os tipos de fibras nervosas que percorrem os nervos periféricos, incluindo as fibras dos nociceptores, bloqueando os canais de sódio regulados por voltagem nas membranas neuronais. Os AL atuam sobre os canais de sódio a partir do lado citoplasmático da membrana. Em geral, os anestésicos locais possuem um grupo aro- mático ligado a uma amina ionizável através de uma liga- ção éster ou amida. Essa estrutura é comum a quase todos os anestésicos locais e contribui para sua função. Tanto a hidrofobicidade, que é atribuível, em grande parte, ao anel aromático e seus substituintes, quanto a ionizabilidade (pKa) da amina determinam a potência dos AL e a cinética da ação anestésica local. As moléculas com valores de pKa de 8-10 (bases fracas) são as mais efetivas como anestésicos locais. A forma neutra pode atravessar as membranas, alcançando o sítio de ligação dos AL no canal de sódio, enquanto a forma protonada está disponível para ligar-se com alta afinidade ao sítio-alvo. O canal de sódio ocorre em três estados: aberto, inativado e em repouso. Existem também várias formas fechadas tran- sitórias entre os estados de repouso e aberto. Os anestésicos locais ligam-se fortemente às conformações fechada, aberta e inativada do canal de sódio. Essa ligação firme inibe o retorno do canal ao estado de repouso, prolonga o período refratário e inibe a transmissão de potenciais de ação. Os anestésicos locais parecem ter efeitos além da inibição dos canais de sódio nas fibras nervosas. Alguns desses efeitos auxiliares representam uma promessa terapêutica e podem levar potencialmente a outras indicações dos AL. Por exemplo, foi relatado que os AL afetam a cicatrização de feridas, a trombose, a lesão cerebral induzida por hipoxia/isquemia e a hiperativida- de brônquica. Os AL também estão sendo pesquisados para uso 144 | Capítulo Dez no manejo da dor crônica e neuropática, como aquela obser- vada em pacientes com neuropatia diabética, neuralgia pós- herpética, queimaduras, câncer e acidente vascular cerebral. O desenvolvimento de AL de ação ultralonga (cujos efeitos podem estender-se por vários dias) continua sendo investigado; esses estudos envolvem a alteração da estrutura dos AL em nível molecular, o uso de variedade de sistemas de liberação do fármaco e a descoberta de diferentes classes de bloqueadores do impulso neuronal. O efeito potencial dos AL sobre a resposta inflamató- ria representa uma área muito interessante de pesquisa. Foi constatado que os AL inibem o recrutamento e a função dos granulócitos polimorfonucleares (PMN). Como os PMN não expressam canais de sódio, o mecanismo de inibição provavelmente difere do mecanismo de anestesia induzi- da pelos AL. Estudos preliminares verificaram que os AL afetam várias etapas da inflamação, incluindo a liberação de citocinas, a migração de PMN no local de lesão, e o seu acúmulo neste local e a liberação de radicais livres. No momento atual, estão sendo investigadas aplicações a doen- ças nas quais a resposta inflamatória é hiperativa como a síndrome de angústia respiratória aguda (SARA), a doença intestinal inflamatória e o infarto do miocárdio e lesão de reperfusão. � Leituras Sugeridas Cousins MJ, Bridenbaugh PO. Neural blockade. 3rd ed. New York: Lippincott-Raven; 1998. (Texto detalhado mas de leitura agra- dável. Uma boa referência para os conceitos apresentados neste capítulo.) McLure HA, Rubin AP. Review of local anaesthetic agents. Minerva Anestesiol 2005;71:5974. (Discussão clara de conceitos gerais e agentes específicos.) Strichartz GR, Berde CB. Local anesthetics. In: Miller RD, et al, eds. Miller�s anesthesia. Philadelphia: Elsevier Churchill Livingstone; 2005. (Resumo dos mecanismos e, principalmente, das aplicações clínicas dos anestésicos locais.) Ulbricht W. Sodium channel inactivation: molecular determinants and modulation. Physiol Rev 2005;85:12711301. (Excelente revisão técnica.) Yanagidate F, Strichartz G. Local anesthetics. In: Stein C, ed. Anal- gesia: handbook of experimental pharmacology, vol. 177. Ber- lin: Springer-Verlag; 2006. (Revisão detalhada e complexa para os leitores que desejam conhecimentos mais profundos sobre os anestésicos locais.) Farmacologia dos Anestésicos Locais | 145 Re su m o Fa rm ac ol óg ic o Ca pí tu lo 1 0 Fa rm ac ol og ia d os A ne st és ic os L oc ai s Fá rm ac o A pl ic aç õe s Cl ín ic as Ef ei to s A dv er so s G ra ve s e Co m un s Co nt ra -I nd ic aç õe s Co ns id er aç õe s Te ra pê ut ic as A N ES TÉ SI CO S LO CA IS C O M L IG A ÇÃ O É ST ER Me can ism o In ibe m os can ais de só dio re gu lad os po r v olt ag em na s m em bra na s e xci táv eis Pr oca ína 2-c lor op roc aín a An est esi a i nfi ltra tiv a An est esi a o bst étr ica , adm ini str açã o e pid ura l a nte s d o par to (2- clo rop roc aín a) Pa rad a c ard íac a e hi po ten são em co nse qü ênc ia da ab sor ção sis têm ica ex ces siv a, dep res são ou ex cit açã o d o