de outras sensações e da informação motora não é afetada. Os anestésicos locais atuam através de um mecanismo dife- rente. Esses agentes inibem a condução de potenciais de ação em todas as fibras nervosas aferentes e eferentes, geralmente no sistema nervoso periférico. Por conseguinte, a dor e outras modalidades sensoriais não são transmitidas efetivamente ao cérebro, e os impulsos motores tampouco são transmitidos efe- tivamente aos músculos na periferia. CLASSES E AGENTES FARMACOLÓGICOS Os anestésicos locais podem ser classificados em AL com liga- ção éster ou AL com ligação amida. Como todos os AL com- partilham propriedades semelhantes, a seção seguinte enfatiza os princípios gerais da farmacologia dos AL. Os AL específicos são discutidos no final deste capítulo. In te n s id a d e d a d o r Tempo (s) Tempo (s) Tempo (s)Estímulo doloroso Estímulo doloroso Estímulo doloroso In te n s id a d e d a d o r In te n s id a d e d a d o r Primeira dor Segunda dor A Primeira dor e segunda dor (sem bloqueio) B Efeito do bloqueio das fibras Aδ C Efeito do bloqueio das fibras C Fig. 10.2 Primeira dor e segunda dor. A primeira dor, que é transmitida por fibras A�, é aguda e altamente localizável. A segunda dor, que é transmitida pelas fibras C, é de aparecimento mais lento, mais indistinta e de maior duração (A). Pode-se evitar a primeira dor através do bloqueio seletivo das fibras A� (B), enquanto a segunda dor pode ser evitada por bloqueio seletivo das fibras C (C). Como as fibras A� são mais suscetíveis do que as fibras C ao bloqueio por anestésicos locais, a primeira dor freqüentemente desaparece em concentrações de anestésico mais baixas do que as necessárias para eliminar a segunda dor. Medula espinal cervical Medula oblonga Ponte Mesencéfalo Cérebro Núcleo ventral póstero-lateral do tálamo Neurônio 1º (nociceptor) Gânglio da raiz dorsal Neurônios 2º Os neurônios 1º e 2º fazem sinapse no corno dorsal da medula espinal O neurônio 2º faz sinapse com o neurônio 3º no tálamo O neurônio 3º projeta-se para várias regiões do cérebro Córtex somatossensorial primário Fig. 10.3 Vias da dor. Os nociceptores primários (1o) possuem corpos celulares no gânglio da raiz dorsal e fazem sinapse com neurônios aferentes secundários (2o) no corno dorsal da medula espinal. Os aferentes primários utilizam o neurotransmissor glutamato. Os aferentes secundários seguem o seu trajeto nas áreas laterais da medula espinal, alcançando finalmente o tálamo, onde fazem sinapse com neurônios aferentes terciários (3o). O processamento da dor é complexo, e os aferentes 3o têm muitos destinos, incluindo o córtex somatossensorial (localização da dor) e o sistema límbico (aspectos emocionais da dor). Farmacologia dos Anestésicos Locais | 135 QUÍMICA DOS ANESTÉSICOS LOCAIS Todos os anestésicos locais possuem três domínios estruturais: um grupo aromático, um grupo amina e uma ligação éster ou amina unindo esses dois grupos (Fig. 10.4). Conforme discutido adiante, a estrutura do grupo aromático influencia a hidrofo- bicidade do fármaco, a natureza do grupo amina influencia a velocidade de início e a potência do fármaco, e a estrutura do grupo amida ou éster influencia a duração de ação e os efeitos colaterais do fármaco. Grupo Aromático Todos os anestésicos locais contêm um grupo aromático que confere à molécula grande parte de seu caráter hidrofóbico. O acréscimo de substituintes ao anel aromático ou ao nitrogênio amino pode alterar a hidrofobicidade do fármaco. As membranas biológicas possuem um interior hidrofóbico, em virtude de sua estrutura de dupla camada lipídica. A hidro- fobicidade de um AL afeta a facilidade com que o fármaco atravessa as membranas das células nervosas para alcançar o seu alvo, que é o lado citoplasmático do canal de sódio regulado por voltagem (Fig. 10.5). As moléculas com baixa hidrofobi- A Anestésico local com ligação éster (procaína) B Anestésico local com ligação amida (lidocaína) H2N O O N Forma básica Grupo aromático (R) Amina terciária (R’) Ligação éster Amina terciária (R’) Ligação amida Grupo aromático (R) H2N O O NH + H+ H+ H+ H+ Forma protonada (ácida) Forma básica Forma protonada (ácida) H N O H+ N H N O N Fig. 10.4 Protótipo dos anestésicos locais. A procaína (A) e a lidocaína (B) são protótipos dos anestésicos locais com ligação éster e com ligação amida, respectivamente. Os anestésicos locais possuem um grupo aromático em uma das extremidades e uma amina na outra extremidade da molécula; esses dois grupos estão conectados por uma ligação éster (-RCOOR’) ou amida (-RHNCOR’). Em solução em pH alto, o equilíbrio entre as formas básica (neutra) e ácida (com carga) de um anestésico local favorece a forma básica. Na presença de pH baixo, o equilíbrio favorece a forma ácida. Em pH intermediário (fisiológico), são observadas concentrações quase iguais das formas básica e ácida. Em geral, os anestésicos locais com ligação éster são facilmente hidrolisados a ácido carboxílico (RCOOH) e a um álcool (HOR’) na presença de água e esterases. Em comparação, as amidas são muito mais estáveis em solução. Em conseqüência, os anestésicos locais com ligação amida possuem geralmente maior duração de ação do que os anestésicos com ligação éster. 1 2 1 LA LA LA 2 1 4 3 LA LA LA LA C Anestésico local extremamente hidrofóbico A Anestésico local pouco hidrofóbico Extracelular Sítio de ligação do anestésico local Canal de Na+ regulado por voltagem H+ Intracelular Região de ligação B Anestésico local moderadamente hidrofóbico Fig. 10.5 Hidrofobicidade, difusão e ligação dos anestésicos locais. Os anestésicos locais atuam através de sua ligação ao lado citoplasmático (intracelular) do canal de Na+ regulado por voltagem. A hidrofobicidade de um anestésico local é que determina a eficiência de sua difusão através das membranas lipídicas e a intensidade de sua ligação ao canal de Na+, governando, assim, a sua potência. A. Os AL pouco hidrofóbicos são incapazes de atravessar eficientemente a dupla camada lipídica: (1) O AL neutro não pode sofrer adsorção ou penetrar na membrana celular neuronal, visto que o AL é muito estável na solução extracelular e possui uma energia de ativação muito alta para penetrar na membrana hidrofóbica. B. Os anestésicos locais (AL) moderadamente hidrofóbicos são os agentes mais efetivos: (1) O AL neutro sofre adsorção sobre o lado extracelular da membrana celular neuronal; (2) o AL difunde-se através da membrana celular para o lado citoplasmático; (3) o AL difunde-se e liga-se a seu sítio de ligação sobre o canal de sódio regulado por voltagem; (4) uma vez ligado, o AL pode passar de sua forma neutra para a protonada através de ligação e liberação de prótons. C. Os AL extremamente hidrofóbicos são retidos na dupla camada lipídica: (1) O AL neutro sofre adsorção sobre a membrana celular neuronal (2), onde fica tão estabilizado que não consegue se dissociar da membrana ou atravessá-la. 136 | Capítulo Dez cidade distribuem-se muito precariamente na membrana, visto que a sua solubilidade na dupla camada lipídica é muito baixa; essas moléculas ficam restritas, em grande parte, ao ambiente extracelular aquoso polar. À medida que a hidrofobicidade de uma série de fármacos aumenta, a permeabilidade da mem- brana celular a esses fármacos também aumenta. Entretanto, em determinada hidrofobicidade, essa relação inverte-se, e um aumento adicional na hidrofobicidade resulta em diminuição da permeabilidade. Esse comportamento