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2] Papéis familiares e o amor

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quarta-feira, 21 de agosto de 2013
DIÁRIO DE AULA - CICLO DE VIDA
CICLO DE VIDA FAMILIAR
PRIMEIRA PARTE
Ao longo do tempo a família sofre inúmeras e várias transformações. Tudo que é vivo um dia nasceu, cresceu e haverá de morrer. Considerando a família como um sistema ativo, analogamente a um organismo vivo, ela também nasce, cresce e morre. Talvez nos seja muito difícil vermos o ciclo de vida de uma família extensa ou ampliada, porém o mesmo não ocorre com a família nuclear. E é sofre o ciclo de vida da família nuclear que dedicaremos nossas próximas palavras e textos.
Um dos mais clássicos livros sobre família – daqueles que se deve ter em qualquer biblioteca de um profissional do campo da saúde mental – é o livro AS MUDANÇAS NO CICLO DE VIDA FAMILIAR, de Betty Carter e Monica McGoldrick, publicado no Brasil pela editora ARTMED. Com base nele é que desenvolvermos o assunto ora em pauta.
                Como bem destacou Erik Erikson, no tocante ao desenvolvimento pessoal, as etapas evolutivas são períodos adaptativos e, por isto mesmo, períodos de crise: crise adaptativa. Há ao longo da vida de um indivíduo crises que são normativas, visto que são crises normais, que fazem parte do desenvolvimento humano, tipo a crise da adolescência. Já há outras crises adaptativas que não são normais como, por exemplo, perda de emprego ou a perda dos pais na infância. Estas são chamadas de crises acidentais: podem acontecer ou não.
      Socialmente falando a família nuclear se inicia com a união conjugal. Lembremos que família nuclear, como aqui estamos trabalhando, é aquele fundada na conjugalidade. O casamento, ou a união conjugal, não somente forma um novo casal no pedaço, mas também representa a união entre duas famílias. Engana-se aqueles que achar que um casamento é uma coisa fácil. Casar pode até ser fácil, todavia continuar casado requer inúmeras tarefas adaptativas que o casal terá pela frente na formação e consolidação do sistema marital.
         Talvez quem nunca casou ainda possa alimentar que o ajustamento entre os cônjuges seja tarefa fácil. Um casamento requer que duas pessoas renegociem juntas uma gama de questões, grande parte delas advindas das famílias de origem de cada um (cultura familiar). Pode-se namorar anos a fio, cinco, sete, nove, dez... porém, quando se casa (morar juntos, dividir cotidiano, despesas e tarefas domésticas) alguns casais não se sustentam. Entra aquela tal de “incompatibilidade de gênios”.
                E não é somente o ajustamento entre os parceiros do casal. Existem igualmente a renegociação referente os relacionamentos com os demais da família ampliada (pais, irmãos) e até com amigos pessoais. Como escreve Carter e McGoldrick (obra citada acima): “às vezes, a incapacidade de formalizar, no casamento, um relacionamento de casal, quando as duas pessoas estão morando juntas, indica que elas ainda estão muito emaranhadas com suas próprias famílias para definirem um novo sistema”. Sabe aquela expressão popular que diz que a sogra deve ficar a uma média distância do casal, a ponto que não fique “nem tão perto que venha de chinelos, nem tão longe para que traga uma mala”.
               A próxima etapa adaptativa frequentemente é o surgimento de filhos. Agrega-se à  conjugalidade agora a progenitura. O sistema conjugal deve se ajustar para criar um espaço físico e afetivo para a chegada dos filhos. Há um novo realinhamento em questão: incluir os pais da família de origem de cada cônjuge no novo papel que é o de avós. É necessário que estes saibam passar para um papel secundário e com isto permita aos filhos assumirem a autoridade inerentes a seus papéis paternais. Outra vez não nos iludamos: o nascimento de um filho, embora até desejado e programado, desequilibra de alguma forma a homeostase do casal que agora não é mais uma díade e sim uma tríade.
          Virar pai e/ou mãe é, sem sombra de dúvida, um momento marcante no ciclo de vida pessoal e familiar. Inúmeras alterações ocorrerão, inclusive na própria personalidade dos sujeitos envolvidos. Uma nova realidade descortina-se e eles devem fazer frete a tais mudanças. Sacrifícios e renúncias deverão ser feitas, principalmente quanto ao campo de vida social, bem como haverá de ser efetivar adequações psicológicas fundamentais. Não é raro, por exemplo, pais que se sentem como que excluídos daquela relação tão primária que é a relação mãe-filho. Faz-se, portanto, igualmente preciso encontrar um novo espaço para ele no âmbito desta nova família inicialmente a três.
                Para quem deseja aprofundar o tema oriento dá uma olhada no seguinte texto: PATERNIDADE: VIVÊNCIA DO PRIMEIRO FILHO E MUDANÇAS FAMILIARES (http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?pid=S1516-36872011000100011&script=sci_arttext)
             Os filhos crescem e com eles diminuem a importância e a autoridade dos pais. Quando bem pequenos eles são dependentes absolutos do ambiente familiar. Crescidos vão ficando cada vez menos dependentes. E eis que chega a adolescência, momento crítico por excelência. Talvez a principal tarefa adaptativa seja a de modificar a relação pais e filho(a) com vistas a possibilitar ao adolescente movimentar-se paulatinamente para fora do sistema familiar (leia-se fora como maior autonomia frente à família de origem dos mesmos).
                Paralelamente a independização dos filhos, os próprios pais geralmente enfrentam a crise da meia-idade, bem como os avós estão se fragilizando com o passar dos anos. Os pais, por sua vez, começam uma nova etapa de vida que é a de começar a cuidar da geração mais velha.
                Fica aqui mais uma sugestão de leitura: FAMÍLIA E ADOLESCÊNCIA: A INFLUÊNCIA DO CONTEXTO FAMILIAR NO DESENVOLVIMENTO PSICOLÓGICO DOS SEUS MEMBROS (http://www.scielo.br/pdf/pe/v12n2/v12n2a05.pdf).
                 E ainda quem quiser aprofundar-se mais na temática vai aí um ótimo livro sobre o assunto: 
continua amanhã
Joaquim Cesário de Mello
quarta-feira, 21 de agosto de 2013
DIÁRIO DE AULA: PAPEL SOCIAL
   
Centremos nossa atenção na família nuclear tradicional: casal com filho(s). Como grupo social que é, a família nuclear tem seus papéis sociais. O papel social é definido como um conjunto de normas e expectativas que condicionam o comportamento dos indivíduos pertencentes ao grupo, não tanto em conformidade com as características pessoais de cada indivíduo, mas pelo que se espera de quem ocupa determinada posição social. Sociologicamente falando o papel social é aquilo que se espera de alguém que tem um estatuto social. Neste sentido se pode dizer que o papel social tem o status do papel e o exercício ou desempenho do mesmo (função). Vejamos, pois, isto em termo de família nuclear.
       Considerando a família nuclear com base na conjugalidade e com finalidade de criação de filhos, então a mesma pode ter até quatro papéis sociais distintos, a saber:
                - papel conjugal (casal)
                - papel parental  (pais)
                - papel filial (filho)
                - papel fraterno (irmãos)
                O papel conjugal transcende ao ato de casar ou de uma pessoa se unir à outra. Duas pessoas casadas, ou que moram juntas, formam um casal enquanto status. Porém, há de se ver se funcionam como um casal. De antemão destaquemos que uma relação conjugal traz a expectativa que a parceria se estabeleça através de laços sexuais e afetivos, provenientes do desejo de compartilharem juntos a vida, independente de terem ou não filhos, bem como de ser esta união institucionalmente formalizada ou não.
              O papel conjugal pressupõe a interdependência entre seus membros e o exercício de tal interdependência envolve, por sua vez, compreensão, cooperação, compartilhamento, competição, cumplicidade e mutualidade. O papel conjugal não deve se confundir com o papel parental (cuidar de filhos), embora na esfera da conjugalidade resida a reprodução.
    Um casal quando tem um filho não deixa de ser um casal,mas um casal com filhos soma à conjugalidade um novo e outro papel, pois tornam os membros conjugais em pais. A díade (casal) torna-se agora tríade (casal + filho).
     Como dito acima, embora a reprodução esteja no âmbito da conjugalidada, os atributos, tarefas, exigências e funções inerentes pertencem ao exercício do papel parental. O nascimento de uma criança implica obrigações e prazeres, bem como dispêndio de energia ao projeto educativo parental. À guisa de melhor compreensão do papel parental, costuma-se distinguir as funções maternas e paternas. Funções materna e paternas não devem ser confundidas com pai ou mãe, homem ou mulher. Não se trata de biologia, nem questão de gênero. Estamos a destacar a funcionalidade. Uma mãe solteira, por exemplo, ao longo do crescimento de seu filho pode muito bem exercer os dois papéis em momentos distintos da vida, isto é, funcionar inicialmente como mãe e posteriormente como pai.
FUNÇÃO MATERNA
       Cabe a função materna nutrir e proteger a prole. No início da vida o bebê está exposto a medos, angústia e ansiedades frente aos quais não sabe lidar. A função materna, neste sentido, é a de ser continente das emoções existenciais do pequeno infante. A mãe (ou quem exerce o papel) auxilia a criança a "digerir" seus próprios afetos inominados através de uma postura responsivamente empática onde, como receptáculo,  além de mitigar a ansiedade dá sentido a mesma.
FUNÇÃO PATERNA
       A função paterna representa "soltar" o filho pro mundo. Soltar aqui está em aspas exatamente por não significar largar, mas sim ajudá-lo a andar com suas próprias pernas até não mais necessitar de pais para viver e/ou lidar com seus conflitos existenciais. Assim sendo, considerando que a função materna é simbolizada pelo colo, a função paterna é "tirar" do colo e ajudá-lo a prosseguir por seus próprios meios estrada à fora. Por isto que se diz que o papel paterno é dessimbiotizante, ou seja, se entrepor psicologicamente entre o filho e a mãe, dando curso ao processo de individuação da criança em crescimento.
      Confuso? Então, mais adiante, em outra aula, aprofundaremos o assunto.
PAPEL FILIAL
       É o papel centrado na dependência relacionada a prematuridade inicial do recém-nascido, pois este depende absolutamente de um outro para sobreviver. Quanto mais o filho cresce menos ele vai dependendo dos pais. O processo de individuação se faz assim da dependência absoluta, passando pela dependência relativa, rumo a independência.
PAPEL FRATERNO
       Havendo irmãos surge na família nuclear o papel fraterno. O mesmo é vivido na polaridade e antagonismo entre solidariedade e rivalidade. Com o tempo o termo fraterno foi sendo higienizado dos seus aspectos rivalizantes, e sendo destacado tão somente a solidariedade. Porém, ser irmão implica, também, disputas, entre elas a preferência e o amor dos pais.
Para leitura sobre o assunto sugerimos o capítulo dois do livro FAMÍLIA HOJE, de Luiz Carlos Osório, cujo título é "O que é família, afinal", bem como o texto publicado na revista Psicologia: Teoria e Pesquisa (mai-ago/2005), com o título "Compartilhar Tarefas? Papéis e Funções de Pai e Mãe na Família Contemporânea", que pode ser linkado em http://www.scielo.br/pdf/ptp/v21n2/a08v21n2.pdf
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PS: abaixo post ref. CICLO DE VIDA FAMILIAR
Joaquim Cesário de Mello
quinta-feira, 22 de agosto de 2013
DIÁRIO DE AULA - CICLO DE VIDA II
CICLO DE VIDA FAMILIAR
ÚLTIMA PARTE
Como dizíamos antes os filhos crescem. Crescendo chegam à adolescência e depois se tornam eles mesmo adultos. Como adultos é esperado que eles também queiram fazer suas carreiras profissionais, buscarem sua independência financeira e formar sua própria família nuclear. Chamamos esta importante etapa do ciclo de vida familiar de “saída dos filhos de casa”. Carter e McGoldrick (obra citada no post anterior), por sua vez, denominam de “lançando os filhos e seguindo em frente”.
       A saída dos filhos de casa representa a célebre crise chamada de "ninho vazio". O casal encontra-se, assim, de novo a sós, tal como no início da formação familiar. Podemos, inclusive, afirmar que é uma etapa de vida caracterizada por novas descobertas, conflitos e definições ou redefinições. É como se fosse um novo casamento, só que agora fincado na elaboração do luto da “perda” dos filhos. Dentro da crise do ninho vazio temos os confrontos com a finitude da vida. Novos valores e prioridades podem surgir.
        O casal agora sem filhos coabitando é um casal que se reencontra, livre das obrigações e tarefas parentais. Sentimentos e afetos ambivalentes podem predominar, tais como liberdade e vazio da perda. Uma nova realidade se faz presente ao casal.
        Destaque há de se dar a esta etapa na maneira como os filhos afetivamente saem de casa. Sair de casa aqui não é mudar de endereço, é se desligar psicologicamente dos pais infantis. Como descreve Carter e McGoldrick, ao adulto jovem inicia-se um novo ciclo pessoal e familiar de vida “cujo encerramento da tarefa primária de chegar a um acordo com sua família de origem influencia profundamente quem, quando, como e se eles vão casar, e como executarão todos os outros estágios seguintes do ciclo de vida familiar”. Sobre isto e sua fundamental importância retornarei logo abaixo.
              Chegamos, então, a última etapa de vida do ciclo familiar que está relacionada ao estágio tardio da vida. Os pais envelheceram, os pais destes já não mais existe, aliás não há mais uma geração anterior a morrer. É momento, pois, de aceitar as mudanças nos papéis geracionais, entre eles manter os interesses próprios e/ou do casal em face ao declínio físico e as limitações da idade avançada. Os filhos precisam abrir espaços em suas vidas para apoiar à geração mais idosa. É um período de perdas (amigos, parentes, cônjuge), mais também de revisão de vida e integração de ego.
                Após a morte do último cônjuge, acaba-se aquela família nuclear que começou lá atrás na união do casal. E a vida continua, assim como as outras família nucleares e seus novos ciclos de vida familiar.
               Cabe aqui um esclarecimento. O ciclo de vida familiar compreendendo desde a formação do casal, passando pelo nascimento do(s) filho(s), crescimento dos mesmo, adolescência, saída dos filhos de casa, velhice dos cônjuges e morte do último cônjuge, representa a evolução da família nuclear do ponto de vista social. Do ponto de vista psicológico, ou mais precisamente do ponto de vista psicoafetivo, temos uma complexidade peculiar.
                Psicológica e afetivamente falando a família nuclear não se inicia com a união conjugal, mas sim com a saída dos filhos de casa. Como assim? Vejamos. A forma e maneira como os filhos vão se desapegando dos pais (lembremos que inicialmente a ligação do bebê com a mãe tem forte caráter fusional e simbiótico), isto é, vão diminuindo sua idealização dos mesmos, bem como sua dependência psicológica, muito influenciará ou até mesmo determinará os futuros apegos afetivos. A formação de um novo casal pode ter significativas marcas dessa passagem da endogamia para a exogamia. Muito do como amamos e queremos ser amados tem resquícios de nossos primeiros vínculos amorosos (pais). E é neste sentido que o lançamento dos filhos para o mundo extrafamiliar inaugura, psicologicamente, o começar da futura família nuclear que este irá criar conjugadamente a seu parceiro(a) e este(a) com ele também. Afinal, não é tão difícil assim observarmos algumas pessoas que mesmo crescidas, trabalhando, com independência financeira, casadas e até com filhos, mantendo um laço muito estreito com sua família de origem a ponto de continuarem emocionalmente dependente dos pais. Ou até pessoas que transferem sua dependência filial para os atuais cônjuges, a ponto de estes poderem chegar a dizer algo do tipo “eu não sou sua mãe”.
A fase do jovem adulto é um marco , pois requer que o jovem adulto se separe da família de origem sem romper relaçõesou fugir reativamente dela para uma espécie de refúgio emocional substituto.
Quanto mais satisfatoriamente se diferenciarem emocionalmente da família de origem , melhores serão as chances de enfrentarem os ciclos de vida em sua nova família de maneira autônoma. Um filho que sai de casa emocionalmente mais maduro pode melhor escolher o que levará emocionalmente de sua família de origem, o que não levará e aquilo que ele construirá sozinho com seus novos parceiros afetivos.
Joaquim Cesário de Mello
quarta-feira, 28 de agosto de 2013
DIÁRIO DE AULA: AMOR
SOBRE O AMOR:
PRIMEIRAS CONSIDERAÇÕES
       Freud já no início do século XX dizia que a escolha do objeto amoroso na vida adulta parte em parte dos primeiros objetos amorosos da infância. Segundo a visão freudiana um ser humano tem originalmente dois objetos sexuais: ele mesmo e a mãe.
     Creio que não se é preciso ter minimamente qualquer conhecimento de Psicologia para se reconhecer que primeira experiência amorosa do ser humano é com os pais, mas precisamente com a mãe ou quem ocupe o lugar da função materna.
       Ninguém nasce amando. Os afetos inatos ou primários são a ansiedade, o medo e a raiva. Afetos secundários – chamados pelos americanos de “afetos sociais”, visto serem desenvolvidos através de experiências interpessoais – são ciúme, pudor, vergonha, culpa, gratidão e amor, entre outros. São emoções complexas construídas sob o contato com os outros e a cultura, e que têm como base as emoções primárias. Nossa primeira escola afetiva é a infância e é de lá que trazemos muito de nossa bagagem emocional à vida adulta.
                O ser humano nasce sem ainda conhecer o mundo que o circunda e muito menos as pessoas que nele habitam. A mente humana primariamente é solitária, isto é, vazio de pessoas. A mente rudimentar é, portanto, anobjetal e amúndica, sem qualquer noção da existência de qualquer coisa que não seja ela mesma. Sabemos que isto é uma pura ilusão da mente que originariamente continua funcionando fora do útero materno como se fetal ainda fosse. Como bem descreve Margaret Mahler, o nascimento psicológico vem depois do nascimento biológico. No início da existência humana além do útero a noção de Eu é tão somente um potencial a se realizar. E o Eu nasce, posteriormente ao nascimento biológico, através da relação com o ambiente cuidador. 
   O bebê vai gradualmente descobrindo-se dependente de alguém. É como se o psiquismo fosse aos poucos se dando conta de que não é uma solidão existencial. A mente descobre a mãe, ou mais precisamente seu primeiro objeto, seu primeiro não-eu.
    É através dos cuidados maternos, no interjogo das gratificações e frustrações, que surge o objeto externo frente aos olhos infantis. É a mãe quem o sustenta, é a mãe quem o alimenta, é a mãe quem o protege, é a mãe quem o agasalha, é a mãe quem atende suas mínimas necessidades, é a mãe...
       É com este objeto materno que o ser humano toma contato e desenvolve seus primeiros afetos secundários. Decididamente, a mãe é o primeiro objeto para onde a energia psíquica e atenção do bebê se dirige. A mãe é o objeto que satisfaz, ou frustra, nossos mais íntimos desejos de então.
         No principiar da vida é da natureza psíquica humana ser narcísica. Narcisisticamente nos “achamos” ou nos sentimos TUDO. Pensamos (e aqui o pensamento ainda não é linguístico ou simbólico, nem regido por qualquer Princípio de Realidade, mas sim pelo Princípio do Prazer, um pensar primitivo e sensório-motor) que somos AUTO SUFICIENTES, ONIPOTENTES, COMPLETOS, enfim PERFEITOS. Contudo isto não condiz com a realidade, pois na verdade um bebê humano é DEPENDENTE ABSOLUTO, IMPOTENTE e frágil frente à satisfação de suas próprias necessidades, INCOMPLETO, enfim IMPERFEITO. Eis aí nossa primeira adaptação psíquica, que conjuga-se ao se ajustar a um mundo extrauterino, nosso primeiro e fundamental conflito entre o Princípio de Prazer e o Princípio de Realidade. Caso o bebê não venha ao mundo com nenhum “defeito de fábrica” a realidade sempre vence, ao menos em grande parte.
                O descobrir-se dependente, vulnerável, incompleto e imperfeito não deve ser uma tarefa mental fácil ao psiquismo ainda em formação. Aos poucos vai se desvanecendo as ilusões narcísicas, e a realidade, o mundo, a mãe e os outros vão tomando forma e contorno no campo perceptivo e sensível do aparelho psíquico. Mas a mente ainda vai lutar para manter a ilusão narcísica de onipotência, completude e plenitude. Descoberta a mãe, e sua dependência em relação a esta, a mente que antes se “achava” TUDO cede espaço à mãe ilusoriamente fálica, isto é, se antes o psiquismo de um bebê se considerava TUDO, agora – reconhecida a existência do objeto cuidador – ele é TUDO para a mãe.   
        Mais um vez nossa mente nos engana, ilude-se. Embora possa ser a criança a coisa mais importante da vida de uma mãe, ela não é TUDO para a mãe. Saudavelmente mesmo que um filho represente a realização de muitos dos desejos maternos, o filho não é a realização de todos os desejos maternos. Estamos, pois, no âmbito da simbiose.
       Acima retratamos a capa do livro “O Nascimento Psicológico da Criança”, de Margaret Mahler. Reporto, pois, o leitor àquele livro, bem como "O Processo de Separação-Individuação", publicado no Brasil pela ARTMED, tempo em que me utilizarei um pouco de suas ideias e construtos teóricos.
                Mahler chama os anos iniciais de vida de ‘Processo de Separação-Individuação”, que são anos determinantes na estruturação psíquica do indivíduo. Vamos resumir alguns conceitos básicos de sua compreensão e que nos dão luz a esta área do estudo psicológico chamada de ENDOPSIQUISMO:
	FASE
	FAIXA ETÁRIA
	CARACTERÍSTICAS
	AUTISMO NORMAL
	Primeiras 4 semanas
	Inexistência de percepção de objeto
Ausência de noção de EU
	SIMBIOSE NORMAL
	¾ semanas a 4/5 meses
	Percepção rudimentar do Objeto
Ainda não há senso de individualidade
Bebê e mãe são um só, como se existisse uma barreira entre o par e o resto do mundo
	SEPARAÇÃO-INDIVIDUAÇÃO
	5 meses a 24 meses
	Desenvolvimento de limites e diferenciação bebê-mãe
Desenvolvimento do senso de identidade
Consolidação do EGO
Desenvolvimento de habilidades cognitivas
Saída da “concha simbiótica” com abertura para conexões humanas
                Sugeriria, também, a leitura do seguinte artigo: “OS PRIMÓRDIOS DA CONSTRUÇÃO DO PRÓPRIO NO CONTEXTO DA INTERAÇÃO MÃE-BEBÊ”, de Bárbara Figueiredo, através do linkhttp://repositorium.sdum.uminho.pt/bitstream/1822/4230/1/Os%20prim%C3%B3rdios%20do%20pr%C3%B3prio%20%282003%29.pdf.
                  Creio que temos agora algumas ideias de como funciona da mente em seus primórdios e que muito nos auxiliará na compreensão da dinâmica tanto da paixão quanto do amor, assunto este que 
continuaremos no próximo post-aula. Até quarta próxima...
Joaquim Cesário de Mello

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