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Os desafios para a integração das práticas conciliatórias ao novo Processo Civil

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The challenges on the integration of self-solution conflict in the new Brazilian Civil Procedure context
Michele Paumgartten
Doutoranda em Direito Processual UERJ. Advogada. michelepaumgartten@gmail.com
Área do Direito: Civil; Processual
Resumo: A restruturação da legislação processual brasileira reverbera a necessidade de uma
releitura da garantia do acesso à Justiça, cujo dimensionamento inadequado, tem, por via colateral,
povocado a obstrução do sistema jurisdicional e promovido um distanciamento cada vez maior entre
o Poder Judiciário e a população. A ideologia do novo Código de Processo Civil está pautada na
eficiência, no comportamento colaborativo e no incentivo às práticas conciliatórias como meio de
aprimorar a garantia, no entanto, a compreensão equivocada quanto às particularidades de cada
instrumento disponível poderá fazer ruir tal pretensão. O acesso à Justiça e a um processo eficiente
em sua plenitude dependerá da atuação responsável e consciente da sociedade a respeito da
utilização adequada dos instrumentos existentes para resolver seus conflitos.
Palavras-chave: MARC - Mediação - Conciliação - Acesso à Justiça - Processo civil.
Abstract: The restructuring of Brazilian procedural law reverberates the need for a review of the
access to justice as a path to ensure this constitutional right. Due to its inappropriate super
dimensioning, the effective access to the judicial system has been obstructed, increasing the gap
between the Judiciary and the population. The ideology of the new Brazilian Civil Procedure Code is
guided by efficiency principle, collaborative behavior, as well the conciliatory practices
encouragement as a mean of improving the constitutional guarantee. However, the misunderstanding
among the particularities of each instrument available to reach agreements can bring down such a
claim. The access to justice and an efficient process in its fullness depends on the responsible and
conscious action of society about the appropriate use of the instruments available to solve their
conflicts.
Keywords: ADR - Mediation - Conciliation - Access to Justice - Civil procedure law.
Sumário:
- 1.Premissas iniciais - 2.A normatização do sistema self-solution conflict - 3.A integração das
práticas conciliatórias ao Código de Processo Civil - 4.Atuação e conduta de mediadores e
conciliadores - 5.Considerações finais: o marco regulatório da mediação. Principais desafios -
6.Referências bibliográficas
Recebido em: 22.07.2015
Aprovado em: 28.08.2015
1. Premissas iniciais
Na esteira da EC 45/2004 que assegurou a todos, âmbito administrativo e judicial a razoável duração
do processo, uma gama de políticas e regras vem sendo projetadas no intuito de aprimorar a
resolução dos conflitos e principalmente, para acelerar o fluxo dos processos judiciais.
Apesar do constante apelo à celeridade, em virtude do elo anímico formado entre esta e a eficiência
processual, é de rigor entender que cada conflito e, portanto, cada processo, demanda um tempo de
maturação. É necessária a observância de certa ordem processual para que a controvérsia seja
regenerada sem atropelar as garantias conquistadas e que a própria Constituição celebra, como o
respeito ao devido processo legal e, especialmente, ao drama humano escondido por trás de cada
processo judicial.
Por isso, tornou-se imperiosa uma revisão dos mecanismos de tratamento de conflitos disponíveis
em nosso sistema normativo, com a disponibilização de novas estratégias destinadas a devolver ao
indivíduo a autonomia perdida, permitindo-lhe reconquistar o desígnio de encontrar respostas para
as suas demandas pela via que entender mais adequada.
No Brasil, destaque para o incentivo à autocomposição que se revelou através da Res. 125/2010 doPágina 1
CNJ, a exigência da promoção e estímulo ao uso da mediação e da conciliação por juízes,
advogados, promotores e defensores públicos no Código de Processo Civil de 2015, a Lei
13.129/2015 que promoveu modificações na Lei da Arbitragem e a Lei 13.140/2015 que surge como
marco regulatório da mediação entre particulares e no âmbito da Administração Pública.
Desde a publicação do Código de Processo Civil em 1973, o histórico processual civil brasileiro foi
pautado por microrreformas voltadas à efetivação da garantia do acesso à Justiça associada ao
direito fundamental a uma tutela jurisdicional célere, adequada e efetiva.
Contudo, o direcionamento exacerbado e indevido da garantia do acesso à Justiça ocasionou, por
via colateral, a obstrução do sistema jurisdicional, notadamente um problema crescente nos países
da América Latina e na Europa, e tem promovido na verdade, um distanciamento cada vez maior
entre o Poder Judiciário e a população. Embora a garantia do acesso à Justiça figure entre os
direitos e garantias fundamentais no Brasil, é imprescindível um reexame da expressão para que o
instituto não seja minimizado à mera oferta generalizada e incondicionada do serviço judiciário
estatal.1
Na quadra de transformação normativa hodierna (período compreendido entre 2005-2015), a
reconstrução processual que se instaurou com a aprovação do novo Código reverbera um acesso à
Justiça preocupado com a adequação, ou seja, um nível a mais em relação ao patamar até então
ocupado pela efetividade.
Um processo civil democrático será a tônica da novel legislação processual que entrará em vigor a
partir de 17.03.2016 (Lei 13.105), dentro do escopo de um acesso à Justiça qualificado e
reformulado a partir da garantia às partes da utilização do meio e dos instrumentos que entenderem
adequados para a resolução de seus conflitos.
2. A normatização do sistema self-solution conflict
A evolução do sistema extrajurisdicional para a resolução de conflitos tem adquirido notoriedade
diante da positiva aptidão para resolver conflitos intersubjetivos a partir de técnicas mais
consensuais, formuladas na esteira da justice de proximité francesa. Voltada a uma percepção
coexistencial e cooperativa baseada particularmente no conciliar, caminha ao encontro de uma nova
concepção de jurisdição, não mais compreendida a partir do monopólio do Estado, mas concebida
como uma entre as várias formas de solucionar as disputas surgidas na sociedade.
A desaprovação de modo geral, e em particular, pela acusação de promoção de uma justiça privada
sempre fez parte da história destes métodos e ainda prevalece em alguns setores. No entanto, o
desgaste da ideia de exclusividade estatal na resolução de conflitos é reforçado a cada dia, na
medida em que se evidenciam os valores de métodos compositivos que entoam maior
consensualidade em seus procedimentos do que o embate adversarial típico da arena judicial. Os
argumentos delineados favoravelmente às ferramentas conciliatórias (usualmente extrajudiciais)
focam na qualidade da resolução do conflito, pois as técnicas possibilitam maior envolvimento das
partes no desenvolvimento do processo de dissecamento do problema proporcionando maior
efetividade à solução.
Rechaçando a teoria liberal de que os conflitos seriam essencialmente de direito, exsurge a
constatação de que na maioria das vezes, o conflito teria como fundamento também os interesses
dos envolvidos e não apenas discussão de direitos. Carnelutti adotou a expressão conflito de
interesses para descrever o posicionamento antagônico entre duas ou mais pessoas sobre o mesmo
bem da vida. Para Niceto Alcala Zamora y Castillo, a relação entre a pessoa e o bem é qualificada
como interesse, que resultará em conflito, quando duas ou mais pessoas direcionarem seus
interesses para um mesmo bem.2 Ao contrário da discussão subjacente a um conflito de direito, é a
repartição da riqueza que é posta em jogo em um conflito de interesses, e o dissenso recai sobre o
quantum já distribuído ou ao direito resultante da distribuição. Reconhecendo a existência de
interesses de várias espécies que serão defendidos por quem deles se aproveita, o envolvimentodos interessados passa a ser essencial para que o conflito seja resolvido em sua essência e
alcançada uma justiça valorativa.
A partir da dimensão social assumida pelo Estado na segunda metade do século XIX
desencadeando uma feição mais protetiva, o valor justiça voltou a despertar interesse em detrimento
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da limitação formalista do acesso à Justiça e do positivismo extremado que se desenvolveu no
período liberal, exigindo, portanto, uma renovação da prestação jurisdicional.
Para que a renovação seja eficaz é preciso reconhecer a saturação da jurisdição estatal enquanto
via tradicional para a resolução de conflitos. Significa entender que a função judicial poderá atender
ao requisito da eficiência qualitativa e ser desempenhada satisfatoriamente quando retirar-se do
papel protagonista da resolução dos conflitos e colocar-se ao lado das demais técnicas disponíveis e
por vezes mais adequadas para o enfrentamento do problema.
Tais técnicas estão agrupadas no que chamamos de MARC (métodos alternativos – adequados – de
resolução de conflitos) ou ADR (alternative dispute resolution). Englobam programas que enfatizam
meios não judiciais para lidar com as disputas, sendo a mediação, a arbitragem e a conciliação as
que mais atraem as atenções, principalmente no Brasil. Inicialmente considerada uma Justiça
informal (não porque desprovida de rituais, mas porque extraordinária à Justiça estatal, oficial), prima
pela celeridade, busca o acordo e a resolução do conflito em toda a sua profundidade e mais do que
vencer ou perder, substitui o confronto pela harmonia e pelo consenso, a guerra pela paz3 (e não
apenas a pacificação momentânea), educando os contendedores a resolver seus próprios problemas
baseado no diálogo e respeito ao outro.
Não obstante servir inadvertidamente como a pretensa cura para a tormentosa incapacidade
jurisdicional numérica de solucionar os conflitos que lhe são submetidos (viés quantativo, mas que
macula a qualidade do resultado), estes mecanismos devem ser vistos na verdade, a partir de suas
bases constitutivas e valorativas, o que assume expressiva importância quando é observado um
caminhar na cena contemporânea em direção a institucionalização generalizada da mediação (como
já faz com a conciliação) e sua agregação ao Poder Judiciário.4
Não queremos dizer que a mediação ou a conciliação sejam mecanismos livres de qualquer ritual.
Ao contrário. Existem protocolos e regras que devem ser seguidas para o alcance do resultado
esperado. Estar ao mesmo nível e em harmonia com a jurisdição estatal é não perceber estas
técnicas de forma subsidiária, alternativa ou como um método de segunda classe para a resolução
de conflitos.
O que se pretende demonstrar é que no contexto da prática self-solution conflict, ao contrário do que
acontece no processo em que prepondera5 a tomada de decisão por um terceiro (métodos
heterocompositivos), os protagonistas são convidados a declinar suas razões, ao invés de lançarem
maldições uns aos outros, abrindo caminho ao espaço discursivo segundo uma ideia reguladora de
um consenso possível em torno do melhor argumento reconhecido por todos e não imposto por um
terceiro para neutralizar o conflito.
Esse viés torna-se mais claro ainda na mediação, que se desenvolve em um ambiente
estrategicamente dialogal discursivo que imerge profundamente no conflito para fazer emergir a real
motivação do problema numa perspectiva voltada ao consenso de forma plena.6
Quais seriam, então, as razões para a normatização de métodos conciliatórios de resolução de
conflitos?
Ao contrário da negociação, na mediação ou na conciliação existe a figura do terceiro facilitador.
Nestes casos, especialmente quando se desenvolvem de modo conectado ao tribunal, o terceiro é
suscetível de ser percebido como um representante do tribunal ou uma autoridade. Perceber o
mediador ou o conciliador como uma autoridade e o procedimento como um socially-sanctioned
decision-making process como qualifica Nancy Welsh,7 é mais evidente quando o procedimento é
designado por um juiz e se desenvolve dentro de um tribunal. Nesse sentido, importará muito aos
participantes (que integram originariamente um processo judicial e foram encaminhados à sessões
de mediação, p.ex.) o comportamento do terceiro facilitador, que interpretarão qualquer conduta do
profissional como uma atitude judicial direcionada a eles ou a sua disputa.
A retórica desenvolvida para introduzir a mediação nos tribunais e para persuadir os litigantes a
submeter o conflito a outro ambiente de resolução diferente daquele em que estão integrando
(processo judicial) também apoia a procedimentalização da mediação como é notada na Lei
13.140/2015, marco regulatório da mediação no Brasil. Um padrão normativo seria necessário para
regular a conduta do terceiro e garantir a qualidade do processo, apresentado aos litigantes como
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algo que poderá aprimorar a qualidade do processo de resolução do conflito no qual estão
envolvidos e consequentemente, os seus resultados.
Este movimento é novo no Brasil, portanto, a repercussão da qualidade da mediação judicial deverá
ser observada com atenção, e os tribunais terão a importante missão de garantir um tratamento
adequado ao conflito, sob pena de recrudescimento do problema e insatisfação ainda maior das
partes em disputa. Ao avaliar as estruturas de prestação de serviço de ADR pelos tribunais, Wayne
Brazil alertou que: “the goal of an ADR program that is sponsored by a public court cannot de simply
to have the disputing be over. The business of the courts is not business – it is justice. And the
dimension of justice for which includes, among many other things, assuring that all people stand
equal before the law and are greeted by the judicial system with the same presumption of respect. It
follows that the primary concern of any court that sponsors an ADR program must be with the process
fairness of the services that are provided in that court’s name. Those processes must be fully
respect-worthy”.8
A precaução é primordial nessa fase de implementação da nova ordem processual. Se aceitarmos a
procedimentalização destes métodos como relevante e essencial para a maximização dos seus
resultados e da capacidade de ocasionar um incremento da sua qualidade dentro do contexto do
tribunal, o próximo passo será a aplicação da doutrina processual tradicional para o novo modelo de
mediação que se propaga pelos tribunais e o risco desnaturação do método é relevante.
Antes de apurarmos as adaptações necessárias para que a mediação ou a conciliação conectada ao
tribunal compatibilize seus aspectos definidores e conceituais com procedimentos judiciais sem
perder sua natureza, analisaremos como estes métodos vem sendo integrados ao processo civil e
aos tribunais brasileiros.
3. A integração das práticas conciliatórias ao Código de Processo Civil
A institucionalização9 de métodos cujo desenvolvimento é característico da esfera extrajurisdicional
não é um movimento sentido apenas no Brasil. A União Europeia publicou em 2008 a Diretiva 52
exigindo que os Estados membros adotassem instrumentos processuais que conferissem celeridade
na resolução das demandas, primando especialmente, pela utilização de meios conciliatórios para
resolver questões já em curso nos tribunais ou de modo preliminar à demanda, de modo a evitá-la.
No Brasil a normatização com vistas a procedimentalizar a conciliação e a mediação, bem como a
sua realização nas dependências dos tribunais também já é uma realidade. Mais sensível dentre os
métodos conciliatórios da mesma jaez, por dispor de característica ímpar, a integração da mediação
ao Código de Processo Civil deve ser envolta em cuidados. A fusão entre a normatização e a
mediação a torna uma “importante parte de uma nova era do processo civil”.10 No entanto, o que a
primeira vista induz à ideia de avanço, pode, na verdade, enfraquecer as escolha das partes
envolvidasno conflito se não houver compreensão sobre as principais características e diferenças
em relação às demais técnicas, de modo que a sua utilização seja adequada ao conflito.
Delton Meirelles e Fernando Gama lembram que a história da Justiça conciliatória remonta a época
imperial em nosso País, mas com o avanço do cientificismo e da unificação legislativa foi abolida no
Código de Processo Civil de 1939, para ser retomada em seguida, com a publicação do Código
Processual de 1973. O estímulo à conciliação permaneceu com a instituição dos Juizados de
Pequenas Causas (Lei 7.244/1984), ganhando maior expressão com a instalação dos Juizados
Especiais (Lei 9.099/1995) diferenciando-se do procedimento ordinário por possuir uma etapa
conduzida exclusivamente por conciliadores. Em 1994, a Lei 8.952/1994 reformou o Código de
Processo vigente para impor ao juiz o dever de conciliar as partes durante qualquer fase do
processo, além de prever a realização de uma audiência específica para esse fim. Os autores
destacam ainda a regulamentação da arbitragem em 1997, que apesar de não ser um método
autocompositivo, prima pela conciliação dos participantes. Além do âmbito civil, registra-se a
transação penal prevista na Lei 9.099/1995, a remissão prevista no Estatuto da Criança e do
Adolescente e as práticas de Justiça restaurativa; na esfera trabalhista, a instituição das Comissões
de Conciliação Prévia.11
No tocante à mediação, Maria Nazareth Serpa noticia que em 1995 foi apresentada a primeira
Medida Provisória (n. 1.053)12 sobre mediação, que deveria ser realizada em caráter obrigatório. Em
seguida, outra Medida Provisória (n. 1.079)13 também publicada em 1995, substituiu a anterior, mas
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conferiu um caráter facultativo à mediação, apesar de necessária.14 Outras medidas como a Portaria
817, de 20 de agosto que atendia a delegação prevista no art. 7.º do Dec. 1.572/1995 estabeleciam
no âmbito trabalhista, os principais critérios para a participação do mediador na negociação de
conflitos coletivos dessa natureza. Nessa época era comum o legislador conferir uma conotação
conciliatória ao exercício da mediação, notada nas normas citadas, uma vez que buscava integrar a
prática ao processo de negociação coletiva, com o objetivo de oferecer às partes informações sobre
as consequências do conflito, exigindo do mediador uma postura de conciliador, com a tarefa de
formular propostas e recomendações às representações em litígio, estimulando-as para chegar a um
acordo.15
Tanto a mediação quanto a conciliação tem recebido grande atenção do legislador para contribuir na
democratização do processo e, portanto, garantir um acesso adequado à Justiça. Além da Res.
125/10 do CNJ e da Lei 13.140/2015, o novo Código de Processo Civil não deixou de contemplar
estas modalidades de resolução de conflitos, dispostas entre os arts. 165 e 175.
Assim como na Res. 125 do CNJ, o novo Código de Processo Civil contempla apenas a mediação e
a conciliação realizadas no âmbito do Poder Judiciário, porém não impede que os sujeitos busquem
os serviços prestados por profissionais independentes na esfera privada ou oferecidos por órgãos
institucionais para a intermediação ou arbitragem dos seus conflitos, conforme dispõe o art. 175 do
CPC/2015. A regulamentação poderá ser feita por leis específicas, podendo ser utilizada, por sua
vez, as disposições do Código às câmaras privadas de conciliação e mediação, no que couber (art.
175, parágrafo único, do CPC/2015).
Coroando a ideologia que embasa o novo código processual, é garantia fundamental que não será
excluída da apreciação jurisdicional qualquer ameaça ou lesão a direito (art. 3.º do CPC/2015), cuja
solução integral do mérito deverá ser entregue em prazo razoável, incluída a atividade satisfativa
(art. 4.º do CPC/2015) e para tanto, todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que
se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e satisfativa (art. 6.º CPC/2015). A
conciliação, a mediação e outros métodos de solução consensual de conflitos deverão ser
estimulados por magistrados, advogados, defensores públicos e membros do Ministério Público,
inclusive no curso do processo judicial (art. 3.º, § 3.º, do CPC/2015), não obstante, a
responsabilidade do Estado promover, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos (art.
3.º, § 2.º, do CPC/2015).
O foco do novo Código está direcionado à mediação e à conciliação realizadas dentro da estrutura
do Poder Judiciário, o que não exclui, contudo, a possibilidade de utilização de outros meios de
solução de conflitos prévia ou enquanto tramita a ação judicial (art. 175 do NCPC),16 como já
mencionado. A utilização da técnica mediativa de modo institucionalizado é a aposta estatal para a
redução da quantidade de ações que tramitam perante o Judiciário brasileiro. Apesar das
expectativas, é importante que esforços sejam empenhados para que a mediação não esteja fadada
a seguir o mesmo caminho da conciliação, que vem há tempos integrando o ambiente jurisdicional
de resolução de disputas, mas sofre com expressiva inoperância que a reduziu a mera etapa
processual a ser cumprida, ultrapassada17 ou para servir de marketing aos tribunais que a
subutilizam como método de eliminação de processos através de questionáveis mutirões
conciliatórios.
Seguindo este atributo, o art. 139 do primeiro capítulo do título IV (Do juiz e dos auxiliares da Justiça)
do Código de Processo Civil de 2015, estabelece no inc. V que caberá ao juiz dirigir o processo,
cabendo-lhe promover a qualquer tempo, a autocomposição entre as partes, preferencialmente com
auxílio de conciliadores e mediadores.
Interpretando literalmente tal dispositivo, poderíamos concluir que seria possível a atuação do juiz
como conciliador (o que já ocorre na prática) e também como mediador, de modo que seria uma
faculdade a busca do auxílio de profissionais especializados para promover a tentativa de
composição entre as partes. Contudo, concordamos com Humberto Dalla que não considera uma
condição ideal a condução de sessões de mediação pelo mesmo juiz encarregado de julgar a causa,
18 pois o princípio da confidencialidade, norteador capital da mediação, seria fatalmente fulminado
nesta situação. Além disso, a formação do juiz, acostumado a praticar intervenções ortodoxas, não o
permite desvelar as profundezas do conflito como se espera que a técnica mediativa alcance.
Mais adiante, a fim de viabilizar o trabalho de mediadores e conciliadores, a norma processual
preceitua no caput e no § 1.º do art. 165, que os tribunais criarão centros consensuais de resoluçãoPágina 5
de conflitos, cuja composição e organização serão definidas pelo respectivo tribunal, responsáveis
pela realização de audiências de conciliação, sessões de mediação e também por programas
destinados a auxiliar, orientar e estimular a autocomposição, observadas as normas expedidas pelo
Conselho Nacional de Justiça. É um dispositivo que traduz o que já estava previsto na Res. 125/10
do CNJ, mas que agora assume um novo contexto, por estar prevista no Código de Processo Civil.
Importante previsão consta nos §§ 2.º e 3.º do mesmo dispositivo em comento. Para não pairar mais
qualquer dúvida sobre a atuação do conciliação e do mediador, o legislador optou por distinguir
objetivamente a mediação da conciliação com base na postura assumida pelo terceiro facilitador e
pelo tipo de conflito: “§ 2.º O conciliador, que atuará preferencialmente nos casos em que não houver
vínculo anterior entre as partes, poderá sugerir soluções para o litígio, sendo vedada a utilização de
qualquer tipo de constrangimento ou intimidação para que as partes conciliem. § 3.º O mediador, que
atuará preferencialmente nos casos em que houver vínculo anterior entre as partes, auxiliará aos
interessados a compreender as questões e os interesses em conflito, de modo que eles possam,
pelo restabelecimento da comunicação, identificar, por si próprios,soluções consensuais que gerem
benefícios mútuos.”.
Apesar de aparentemente desnecessária tal regra eminentemente conceitual, já que deveria ficar ao
encargo doutrinário traçar juízo teórico, o desconhecimento e a reiterada utilização indevida dos
termos exigiu esta conduta legislativa.
O art. 334 do CPC/2015 reflete o intuito conciliatório que se espera do magistrado na condução do
processo judicial sob a novel legislação. Se a petição inicial preencher os requisitos legais e não for
caso de improcedência liminar do pedido (art. 332 do CPC/2015), o juiz designará audiência de
conciliação ou de mediação, antes do oferecimento da contestação pelo réu.
Será prioritário que antes de qualquer decisão judicial, o magistrado busque a reconciliação das
partes, conforme preceitua o § 3.º do art. 3.º do CPC/2015, salvo quando a matéria não admitir a
autocomposição (que é mais amplo do que disponibilidade de direitos), ou quando ambas as partes
manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual. Neste caso, o autor deverá
indicar na petição inicial o seu desinteresse na autocomposição, e o réu, também por petição,
apresentada no prazo de dez dias que antecede a data da audiência; havendo litisconsórcio, o
desinteresse na realização da audiência deverá ser manifestado por todos os litisconsortes.
Nesse ponto, uma importante alteração foi promovida no texto do código. O texto original do PL
8.046/2010 mencionava que a audiência de conciliação não seria realizada se uma das partes
manifestasse, com dez dias de antecedência, seu desinteresse na composição amigável, sendo a
parte contrária devida e imediatamente intimada do cancelamento do ato.
Questão importante, portanto, refere-se ao fato de que a audiência de conciliação deixará de ser
realizada apenas se todas as partes assim desejarem, ao contrário do que previa o texto projetado,
que permitia o desinteresse exibido por apenas uma das partes. Inegável que o texto atual instiga as
tratativas extraprocesso entre as partes. A intenção de promover tentativas para a celebração de um
acordo deve partir de todos os lados e para atingir esse fim, a aproximação entre as partes será
indispensável, abrandando a polarização comum dos processos judiciais.
É nítida a intenção de promover a conciliação (apesar de utilizar inadvertidamente a mediação neste
contexto), assim como já ocorre no processo do trabalho e nos casos submetidos aos juizados
especiais, e que na esteira das inovações trazidas pelo processo judicial eletrônico, também poderá
ser realizada on-line nos termos da lei, conforme dispõe o § 7.º do art. 334 do CPC/2015 e prevista
timidamente nas Disposições Finais (art. 46) da Lei 13.140/2015.
Difere o novo Código de Processo Civil em relação ao Código de Processo Civil de 1973 quando
determina que as partes que não desejam participar da audiência de conciliação, informem tal
desiderato em momento específico. Se as partes não declinarem expressamente o desígnio em
participar da audiência, esta será realizada; se apenas o autor informar na petição inicial seu
desinteresse em participar da audiência, esta será realizada. A regra é a realização da audiência de
conciliação ou de sessões de mediação, ao contrário do Código de Processo Civil de 1973, em que a
audiência de conciliação só era designada quando havia interesse e era solicitada por uma ou
ambas as partes.
Não obstante a necessidade de uma renúncia expressa bilateral (ou multilateral em caso dePágina 6
litisconsórcio) quanto ao interesse conciliatório, bem como a existência de um momento oportuno
para ofertá-la, não acreditamos tratar-se de um ato preclusivo. Imaginemos a seguinte situação: o
autor ingressa com ação e na petição inicial informa ao juiz a falta de interesse em conciliar; o réu
também apresenta petição informando que não tem interesse em conciliar. A audiência não será
realizada. O processo segue, é apresentada contestação e em momento posterior as partes
apresentam petições comunicando ao juiz o interesse em que seja designada uma audiência de
conciliação. Estaríamos diante de uma preclusão lógica? Se as partes declararam expressamente,
nos momentos determinados na lei, o desinteresse em participar do ato processual audiência,
pressupõe-se por lógica, que essa intenção deverá prevalecer durante todo o processo? O pedido
por uma audiência de conciliação seria uma atitude paradoxal em relação a renúncia expressa no
momento determinado na norma?
O desinteresse inicial das partes na participação de uma audiência de conciliação não pode enodar o
enredo processual, já que o estímulo ao uso da conciliação, da mediação e de outros mecanismos
mais adequados para a resolução do conflito apresentado é uma norma fundamental que assinala as
diretrizes pelas quais o novo ordenamento processual civil será delineado a fim de conferir plenitude
à prestação jurisdicional. O direito processual rege-se por normas ideais que representam uma
aspiração de melhoria do aparelhamento processual, neste aspecto apontadas como princípios
informativos.19 O processo deve ter o maior rendimento possível, impondo o menor sacrifício possível
às partes, assim como deve possibilitar a maximização da efetividade do acesso à Justiça com o
mínimo de dispêndio. Neste caso, a disposição das partes para a celebração de um acordo,
colocando fim ao processo atende a estes princípios informativos.
Apesar da mediação e da conciliação não serem procedimentos obrigatórios às partes no processo,
percebemos que esse direcionamento será um dos principais escopos do ofício gerenciador que o
juiz assumirá no novo processo e que exigirá toda a sensibilidade e conhecimento acerca do conflito
e das técnicas a sua disposição para o encaminhamento adequado.
Essa sensibilidade no encaminhamento do processo é o que se exigirá do juiz ao gerenciar o
processo. Retomando as hipóteses e ressalvas prescritas no art. 334 do CPC/2015, o juiz designará
o tratamento mais adequado para aquele conflito, ao identificar, por exemplo, que:
a) O conflito que se pretende resolver envolve, por exemplo, a disputa sobre um bem desfrutado em
condomínio por pessoas da mesma família. A proximidade entre os envolvidos e outras questões mal
resolvidas, com o passar do tempo, potencializam o conflito. Neste caso o juiz poderá recomendar às
partes que participem de sessões de mediação para que consigam resolver todos os problemas que
existem entre eles, inclusive aquele levado ao juízo. Possivelmente uma decisão imposta por um juiz
acarretaria a maximização da discórdia entre aos membros daquela família e procrastinaria o conflito
por não atingir o âmago da discórdia entre o grupo.
b) O conflito é de natureza patrimonial. Um casal recém casado contratou marceneiro, dono de
pequena fábrica de móveis, para a construção do mobiliário de quartos e cozinha no valor total de
trinta mil reais. O contratado entregou e montou os móveis, no entanto, passado um mês da
instalação, os adquirentes notaram algumas portas empenadas e vários outros defeitos. O
contratado, contactado, adia o conserto e o casal indignado, ingressa com ação judicial pleiteando a
devolução da quantia paga. Neste caso, o juiz poderá designar audiência de conciliação para que, se
for de interesse das partes, o contratado seja instado a consertar os danos no mobiliário. O aguardo
de uma decisão judicial neste caso poderia condenar o casal a ficar por longa data com os bens
danificados em casa, até a execução da sentença, ou ter que desembolsar novos valores para
substituição dos móveis avariados. Note-se que aqui não há outras questões a serem resolvidas,
pois não há qualquer envolvimento emocional entre as partes.
Para tal intento, as diferenças entre a conciliação, a mediação e a sua função judicial devem ser bem
compreendidas pelo juiz. Por outro lado, os tribunais devem se esforçar para formar quadros de
conciliadores e mediadores profissionais para que tais atividades não recaiamindevidamente sobre
os juízes aos quais cabe o dever precípuo de julgar.
A conciliação ou a mediação deverá ser feita, preferencialmente, por profissionais especializados
conforme dispõe a resolução do CNJ. Havendo conciliador ou mediador na comarca ou seção
judiciária, estes atuarão necessariamente na audiência de conciliação ou mediação, o que reforça o
entendimento de que, não existindo estes profissionais, mesmo que inapropriadamente, asPágina 7
audiências de conciliação e mediação poderão ser feitas pelo próprio juiz. Conforme o conflito em
questão, poderá ser destinada mais de uma audiência, não excedentes a dois meses da primeira,
desde que se perceba necessário à composição das partes (§§ 1.º e 2.º do art. 334 do CPC/2015).
As partes não serão intimadas pessoalmente sobre a data da audiência, mas será feita na pessoa do
seu advogado. O novo Código de Processo Civil permite que as partes compareçam na audiência de
conciliação ou nas sessões mediação acompanhadas de seus advogados ou defensores públicos,
bem como, sejam representadas por preposto através de procuração específica e com poderes para
negociar e transigir. Essa questão merece nossa atenção. Cabe aqui destacar que estamos tratando
de conciliação. Em uma mediação, apesar de não ser totalmente impróprio o acompanhamento das
partes por seus defensores, o mesmo não se pode dizer da representação por preposto. O objetivo
da mediação é tratar os conflitos entre pessoas que possuem laços sentimentais que precisam ser
preservados e portanto, como um preposto poderia ser admitido nas sessões de mediação
representando um ou todos os participantes?
Importante lembrar que quando designada a audiência de conciliação, o não comparecimento
injustificado da parte autora ou ré será considerado ato atentatório à dignidade da Justiça e será
sancionado com multa de até dois por cento do valor da causa ou da vantagem econômica
pretendida, revertida em favor da União ou do Estado. Mesma sanção não é imposta ao não
comparecimento às sessões de mediação. Apesar da possibilidade que os participantes tem de
interromper o seguimento do procedimento a qualquer momento, não significa que possam
abandoná-lo repentinamente. O desejo de não participar mais das sessões deve ser comunicada ao
mediador que a transmitirá ao juiz para o seguimento do processo judicial. Importante destacar que
durante as sessões de mediação ou audiências de conciliação o processo não estará suspenso, até
porque, durante a suspensão é vedada a prática de atos processuais o que não ocorre nestes casos.
Mesmo que a conciliação seja rechaçada pelas partes, é importante que o juiz perceba durante o
processo a necessidade de incentivar a aproximação entre as partes e a busca de uma solução
ativa, negociada. Já mencionamos que o NCPC (art. 3.º, § 3.º) encarregou também os advogados,
defensores públicos e membros do Ministério Público, além dos magistrados, de incentivarem a
realização de conciliação e mediação, seja previamente ou no curso do processo judicial. Note-se
que o procedimento prévio ou incidental deve ser estimulado, nunca mandatório às partes.
Esta premissa nos remete a outra ideologia delineada para o novo código. O dever de cooperação
sujeita as partes ao engajamento não apenas na solução do litígio, mas no tratamento da
controvérsia para o alcance do consenso.20 No processo cooperativo, ao contrário do tradicional
processo competitivo, cada parte deve ter consciência do empoderamento e da responsabilidade
pelas escolhas celebradas dentro de uma situação de conflito e que germinará um acordo a partir
das microdecisões tomadas pelos envolvidos. O acordo construído segundo este modelo provoca
maior comprometimento no seu cumprimento, enquanto a decisão imposta normalmente necessita
de procedimentos posteriores para se perfazer.
Assim é que se desenvolveu o atual estágio em que se encontra o processo civil inglês. Barbosa
Moreira relata o decisivo passo dado em 1994 quando o então Lord Chancellor incumbiu o
magistrado Lord Woolf of Barnes de empreender pesquisa relativa à situação da justiça civil inglesa e
de lhe oferecer sugestões para melhorar o seu desempenho, pois amargava uma excessiva lentidão
dos processos, custo exorbitante, desnecessárias complexidades e consequentes incertezas.
Contudo, para o jurista, “o nó vital da reforma inglesa situa-se na mudança que ela imprime no
processo civil inglês, riscada até há pouco, segundo a linha de versuta tradição, no território central
do adversary system”. O litigation cost vinha de longa data sendo motivo de grave preocupação para
a sociedade inglesa. Diante disso, a ideia central nos relatórios de Lord Woolf era de que a cultura
adversarial deveria ceder espaço a uma visão mais cooperativa das relações entre as partes, o que
conduziria ao encontro do incentivo a solução consensual dos conflitos. Tal orientação fica clara a
partir da enumeração na rule 1.4 (2) sobre as modalidades do programa do active case managment
em que o órgão judicial é instado a implementar, esperando dele, dentre outras ações, que estimule
as partes a cooperar entre si na condução do feito e que incentive as partes a valer-se de um método
alternativo de solução do litígio, se lhe parecer apropriado, facilitando o respectivo uso e auxilie os
contendedores a entrar em acordo, total ou parcial, quanto à matéria litigiosa.21
De volta à legislação pátria, o novo código determina que o acordo judicial obtido deverá ser
reduzido a termo e homologado por sentença operando assim, a extinção do feito com julgamento doPágina 8
mérito. A sentença que homologar o acordo obtido em conciliação ou mediação, judicial ou
extrajudicial, será título executivo judicial, conforme designa o art. 515, II e III, do CPC/2015. Em
sede de cumprimento de sentença, admite-se que a autocomposição judicial envolva sujeito estranho
ao processo e poderá versar sobre relação jurídica que não tenha sido deduzida em juízo (art. 515, §
2.º, do CPC/2015), ratificando a possibilidade de celebração do acordo mesmo após a sentença
condenatória, durante a execução e envolvendo terceiros.
O último parágrafo que encerra o art. 334 do CPC/2015 determina que a pauta de audiências de
conciliação e de mediação será organizada de modo a respeitar o intervalo mínimo de vinte minutos
entre o início de uma e o início de outra. A malfadada prática dos tribunais de estabelecer audiências
de conciliação sequenciais, destinando exíguos períodos para o seu desenvolvimento não deve
encontrar mais espaço na nova ordem, especialmente no que se refere à mediação. Conciliadores e
mediadores devem disponibilizar tempo razoável para ouvir os participantes e permitir que estes se
sintam ouvidos e assim, dispostos a resolver a questão.
4. Atuação e conduta de mediadores e conciliadores
Mediadores, conciliadores (cadastrados ou não no tribunal) ou a câmara privada de conciliação e
mediação poderão ser escolhidos pelas partes, em comum acordo, e não havendo concórdia, o caso
será distribuído para conciliador/mediador registrado no tribunal, observada a sua formação. Sempre
que recomendável e o conflito assim o exigir, poderá ser designado mais de um conciliador ou
mediador para atuar no caso (art. 168 do CPC/2015).
A regra processual autoriza a cada tribunal a criação de setor de conciliação e mediação ou
programas destinados a estimular a autocomposição. O Código não engessa o programa com
prazos para que os tribunais criem tais setores, ficando ao encargo de cada instituição a
normatização interna necessária para a sua instalação. A técnica legislativa na elaboração do código
de processo difere-se da regulamentação prevista na resolução 125, pois o CNJ, sabidamente
incompetente para legislar sobre matéria processual, é uma instituição pública que visa aprimorar o
trabalho desenvolvido no âmbito do sistema Judiciário brasileiro, primando pela eficiência dos
serviços judiciais e nesse sentido, elaborou programapara fomentar uma política pública para
submeter os conflitos de interesse a um tratamento adequado dos conflitos e consequentemente
lograr maior efetividade no trato do sistema jurisdicional.
A redação inicial do novo Código de Processo Civil (PLS 166/2010) determinava que os mediadores
fossem necessariamente advogados,22 excluindo-se as demais áreas e consequentemente o viés
interdisciplinar que se busca com a utilização destes mecanismos. Na província de Quebec, as
sessões de mediação familiar são compostas basicamente por psicólogos, advogados, além da
possibilidade da convocação de profissionais de outras áreas para participarem da comediação,
dependendo dos laços que precisam e devem ser preservados.
O substitutivo apresentado em seguida retificou o equívoco da proposta inicial, e ressalvou que o
conciliador e o mediador – de qualquer profissão – ficam impedidos de assessorar, representar ou
patrocinar qualquer das partes, pelo prazo de um ano contado do término da última audiência. Se
advogado, ao se inscrever no cadastro nacional e de Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional
Federal, estarão impedidos de exercer a advocacia nos juízos em que exerçam suas funções.
Nesse ponto retomamos a incansável discussão sobre o papel das universidades na formação dos
novos bachareis. O profissional da área jurídica é formado em uma estrutura curricular positivista
forjada numa filosofia belicista, voltada a instigar e lembrar as partes constantemente que o opositor
é um adversário e que o único objetivo é vencer. A meta do trabalho do advogado é obter uma
sentença favorável e para isso a palavra submerge no agir estratégico que reina na arena judicial,
nem sempre preocupada com a Justiça valorativa. Ao novo advogado abre-se novo nicho de atuação
para o qual deverá estar preparado, mas também tem papel importante no novo cenário processual,
de cooperação, ao instigar seu cliente a buscar a solução do conflito através de um ambiente
conciliatório, despojado das estratégias e filigranas processuais, sempre que possível.
O art. 167 do CPC/2015 traz norma de organização judiciária ditando o procedimento que os
Tribunais de Justiça ou os Tribunais Regionais Federais deverão adotar para registrar o conciliador,
o mediador e as câmaras privadas de conciliação e mediação, conforme as suas áreas de atuação.
Primeiro, é necessário que o profissional tenha se submetido a curso de capacitação realizado pelo
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próprio tribunal ou entidade credenciada, conforme parâmetro definido pelo CNJ em conjunto com o
Ministério da Justiça. Certificado, poderá requerer o seu registro no cadastro nacional e do Tribunal
de Justiça ou de Tribunal Regional Federal, de acordo com a sua área profissional, o que poderá ser
precedido de concurso público. Após, o tribunal remeterá o registro ao diretor da comarca ou da
seção judiciária para que possa constar em lista para efeito de distribuição alternada e aleatória,
obedecendo-se a igualdade dentro da mesma área profissional.
Importante o que diz os §§ 3.º e 4.º do art. 167 do CPC/2015. No registro das câmaras, dos
conciliadores e dos mediadores, constarão todos os dados revelantes referentes a atuação dos
profissionais, tais como número de causas em que atuou, o sucesso ou o insucesso da atividade, a
matéria sobre a qual versou a controvérsia, bem como quaisquer outros dados que o tribunal
entender relevantes. Esses dados serão sistematizados pelo tribunal que publicará, para
conhecimento da população, fins estatísticos e para avaliação da conciliação, da mediação, dos
conciliadores e mediadores. Notamos que a intenção é fazer uma apuração numérica da eficiência
do método e dos facilitadores, assim como as metas de eficiência que o CNJ tem imposto aos juízes.
Um mediador/conciliador que atua em mais sessões ou que celebra mais acordos não é
necessariamente melhor que outro com menos produtividade numérica. O foco deve ser a satisfação
dos participantes e a recidiva dos casos ao tribunal. O primor pela quantidade não deve ser o norte
na elaboração de sentenças, menos ainda, na celebração de acordos através de métodos (como a
mediação) que tem a missão precípua de chegar às raízes do conflito e desmanchá-lo. Como bem
lembram Fabiana Spengler e Bolzan de Moraes nem sempre a falta de êxito após sessões de
mediação pode ser considerado desperdício de energia dos participantes, pois o objetivo principal é
restabelecer a comunicação interrompida ou truncada pelo conflito e não fazer acordos.23
Conciliadores e mediadores são auxiliares da Justiça na forma do art. 149 do CPC/2015 e são,
portanto, sujeitos aos mesmos motivos ensejadores do impedimento e da suspeição do juiz,
previstos nos arts. 144 e 145 c/c o 148, II, do CPC/2015.
No caso de impedimento arguido previamente ao início das sessões, o conciliador ou mediador
deverá comunicar o fato imediatamente ao juiz ou ao coordenador do centro Judiciário de solução de
conflitos e cidadania, de preferência por meio eletrônico, devolvendo-lhes imediatamente os autos
para que seja feita nova distribuição. Se, por outro lado, o impedimento for detectado após o início
das atividades, o procedimento deverá ser interrompido, lavrando-se ata com o relatório do ocorrido
e a solicitação de distribuição para novo conciliador ou mediador.
Outras hipóteses podem acarretar a exclusão do profissional do cadastro de conciliadores ou
mediadores ou o seu afastamento: (i) quando o profissional agir com dolo ou culpa na condução da
conciliação ou mediação sob sua responsabilidade; (ii) violar os deveres de confidencialidade e
sigilo; (iii) atuar em procedimento de mediação, apesar de impedido ou suspeito. Nestes casos,
devido à natureza punitiva e, portanto, definitiva, deverá ser apurada em regular processo
administrativo. Quando o juiz da causa ou o coordenador do centro de conciliação e mediação
verificar a atuação inadequada do conciliador ou do mediador poderá afastá-lo de suas atividades
por até cento e oitenta dias, por decisão fundamentada, informando ao tribunal para que instaure o
respectivo processo administrativo. Neste caso, ao contrário da hipótese anterior, o profissional será
afastado temporariamente do serviço, mediante requerimento do profissional.
O art. 169 do CPC/2015 propõe que o mediador e o conciliador recebam por seu trabalho
remuneração prevista em tabela fixada pelo tribunal, conforme parâmetros estabelecidos pelo CNJ,
com exceção daqueles que fazem parte de quadro próprio do tribunal e ingressam através de
concurso público. Admitem, contudo, a realização de trabalho voluntário, observada a legislação e o
regulamento do tribunal.
É importante a valorização do profissional que atuará nessa função. Os tribunais não podem permitir
uma evasão de bons profissionais como acontece hoje na perícia judicial. As dificuldades em
parametrizar honorários periciais, especialmente em processos com gratuidade de Justiça, tem
afastado bons profissionais dificultando a produção da prova técnica pelos juízes em alguns setores.
Talvez, para evitar este efeito, o legislador previu que será determinado pelo tribunal o percentual de
audiências não remuneradas que deverão ser suportadas pelas câmaras privadas de conciliação e
mediação, com o fim de atender aos processos em que o benefício da gratuidade da Justiça tenha
sido deferido, como contrapartida de seu credenciamento. Com a devida vênia, não entendemos que
essa medida seja suficiente. A questão da remuneração dos auxiliares da Justiça é a pedra de toquePágina 10
nos processos judiciais. Peritos, mediadores e conciliadores deveriam fazer parte dos quadros do
tribunal e só assim teríamos profissionais vocacionados e qualificados para o desempenho destas
imprescindíveis funções.
Outra importante área de atuação de mediadores e conciliadores é em ações de família. O novo
Código de Processo Civil determina que todos os esforços deverão ser empreendidos para a solução
consensual da controvérsia,devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de
conhecimento para a mediação e conciliação. Além disso, o juiz poderá suspender o processo, a
requerimento das partes, durante o tempo em que estejam participando de sessões de mediação
extrajudicial ou a atendimento multidiciplinar.
Neste capítulo que trata das Ações de Família, o legislador previu a possibilidade de suspensão do
processo a requerimento das partes para que participem de sessões de mediação. Importante
destacar que na parte geral não foi disposto no art. 313 do CPC/2015 a hipótese de suspensão
processual quando as partes optam conciliar ou mediar extrajudicialmente, mas o inc. VIII, autoriza a
suspensão “nos demais casos que este Código regula”.
A conciliação/mediação que está prevista no código de processo é a judicial. Durante a suspensão
processual é vedada a prática de ato processual, entretanto a conciliação/mediação judicial é um ato
processual, portanto, o processo estará tramitando e não suspenso. A suspensão processual será
possível no trâmite de uma ação de família, se as partes decidirem participar de sessões de
mediação extrajudiciais. Se a mediação for judicial o processo também não será suspenso.
Prevista no rol de procedimentos especiais no novo código, ao receber a petição inicial em ação de
família, será ordenada a citação do réu para comparecer à audiência de conciliação ou mediação,
devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para melhor
condução das sessões. A audiência poderá ser divida em quantas sessões sejam necessárias para
viabilizar a solução consensual, sem prejuízo dos procedimentos jurisdicionais necessários para
evitar o perecimento de direito. Frustrada a conciliação, o processo seguirá as normas do
procedimento comum e o réu deverá apresentar defesa conforme prevê o art. 335 do CPC/2015.
Especialmente em ações de família, é ideal que as partes sejam atendidas por conciliadores e
mediadores, ou melhor, equipes multidiciplinares, conforme a sensibilidade da questão em
discussão. Já mencionamos que na província de Quebec, referência quando falamos de mediação
em ação de família, as partes envolvidas são atendidas por uma equipe formada por mediadores,
psicólogos, assistentes sociais, advogados, enfim, uma gama de profissionais que será destacada
para atuar na dissolução do conflito. A redação do art. 694 do CPC/2015 exige que o juiz busque o
apoio de outros profissionais para atuar na conciliação/mediação. Uma interpretação deste artigo
pode sugerir que o juiz atuará em conjunto com os demais profissionais. Não entendemos desta
forma. O procedimento especial a que está submetida a ação de família prioriza a conciliação.
Contudo, por envolver normalmente matérias sensíveis, o juiz deve estar bem atento ao
desempenho de sua função gestora no processo. O encaminhamento das partes para uma audiência
de conciliação quando o melhor seria a participação delas em sessões de mediação, poderá criar
uma rejeição das partes a estes métodos, já que para elas não surtirá o efeito esperado, e na pior
hipótese, causará o recrudescimento do conflito existente.
Destacamos ainda o intento do legislador em incentivar a prática da mediação e da conciliação no
âmbito da Administração Pública federal, estadual e municipal. A União, Estados, Distrito Federal e
os Municípios poderão criar no âmbito administrativo, câmaras de mediação e conciliação, com o
objetivo de dirimir conflitos envolvendo órgãos e entidades da Administração Pública, avaliar a
possibilidade dos pedidos de resolução de conflitos no âmbito da Administração Pública e para
promover, quando couber, a celebração de termo de ajustamento de conduta. A Lei 13.140/2015
dispõe sobre a mediação de conflitos no âmbito da Administração Pública.
Não restam dúvidas que a proposta do novo Código de Processo Civil visa estimular o uso da
mediação e da conciliação e por enquanto, tem afastado o anseio em torná-los condição da ação
como fez a Lei 9.958/2000 ao instituir as comissões de conciliação prévias no âmbito do processo do
trabalho24 ou como estabeleceu o ordenamento italiano que determinou a mediação prévia e
obrigatória como condição da ação em algumas matérias.
No entanto, a tarefa que se avizinha será árdua. Além da superação da etapa que consistiu na
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confecção do importante marco regulatório da mediação, os operadores do Direito devem estar
engajados para administrar a oferta de possibilidades além da adjudicação, estudando e conhecendo
os meios disponíveis para direcionar o tratamento do conflito ao meio mais adequado.
O meio acadêmico tem a nobre incumbência de desenvolver pesquisa mais aprofundada sobre o
tema a elidir o simples transplante legislativo que não raro sofre rejeição em nossa cultura jurídica. A
importação da mediação para o ambiente jurisdicional, por exemplo, deve ser estudada com atenção
para que não seja, por um lado, comprometida a sua credibilidade e eficácia, bem como, por outro
lado, não viole a garantia da duração razoável do processo. Além disso, ao incluirmos métodos não
judiciais no cenário jurisdicional satisfazemos aqueles que bradam pela inafastabilidade de
jurisdição, mas a alternativa passa a ser uma figura retórica. A partir do momento em que o acesso
ao método não judicial é contraditoriamente viabilizado com o ingresso no sistema judicial, o modelo
jurisdicional continua assumindo uma figura protagonista no processo de solução dos conflitos e não
uma dentre a agenda de opções possíveis para o tratamento da controvérsia.
Também é perigoso simplificar o processo de construção do consenso, calcado na autonomia
privada, sem se preocupar em assegurar as condições materiais necessárias para que essa
autonomia seja efetivamente exercida por todos os indivíduos, muitos sem instrução suficiente para
empreender um discurso e se esforçar para resolver por si próprio o conflito, para entender as
propostas ou até mesmo sem condições mínimas para escolher o meio mais adequado para a
resolução do seu conflito.
5. Considerações finais: o marco regulatório da mediação. Principais desafios
O ímpeto de adequação das fórmulas processuais ao modelo constitucional e democrático de acesso
à Justiça desafiou a redação de um marco legal para a mediação em nosso País. Apesar da forte
pressão para que a mediação fosse tratada como condição de procedibilidade da ação, o Anteprojeto
de Lei da mediação demonstrou a clara opção da Comissão de Juristas pela forma facultativa, ao
revés da obrigatoriedade de sua utilização. Importante enfatizar esta questão, eis que no passado a
obrigatoriedade de submissão à mediação em todos os processos de conhecimento, salvo algumas
exceções, alçou expressiva polêmica entre os juristas.25 No entanto, a questão volta à cena com a
obrigatoriedade de se submeter à sessão inicial da mediação quando existir cláusula de mediação
previamente pactuada entre as partes conforme prevê o § 1.º do art. 2.º da Lei 13.140/2015,
ressalvando que ninguém será obrigado, contudo, a permanecer no procedimento.
A mediação, particularmente, é essencialmente um mecanismo extrajudicial para resolver conflitos,
que deve ser buscada espontaneamente pelas partes que se encontram envolvidas em um problema
e não conseguem, por esforço próprio, resolvê– lo. Através de técnicas que tem como objetivo a
pacificação dos indivíduos, o mediador facilitará a abertura dos caminhos dialógicos para que os
próprios protagonistas envolvidos no conflito envidem esforços para encontrar uma solução para o
impasse, consensualmente, contribuindo assim, para a preservação de relacionamentos que
precisam ser mantidos, compondo a matriz de uma Justiça coexistencial.
Apesar das qualidades, a mediação não é a panaceia para solucionar qualquer conflito ou para
resolver a crise do Judiciário.26 Cada caso detém características peculiares e o primeiro desafio para
resolvê-los, é justamente encontraro mecanismo mais adequado dentro do leque de opções
disponíveis à sociedade.
Por isso, é imprescindível o cuidado com a preservação do papel da mediação para que não seja
confundida com a conciliação, ou ainda, para que não se tranformem em um espaço de negociação
entre advogados (apesar da existência de um terceiro), minimizando a participação das partes na
resolução do problema. Assim, para que a mediação seja corretamente indicada e o mediador seja
acertadamente escolhido, magistrados, advogados e partes precisam conhecer e compreender a
nova ordem que se busca estabelecer.
Admitindo-se expressamente todas as vantagens da mediação, em qualquer etapa ou procedimento,
é forçoso reconhecer que não parece ser ideal a solução que preconiza um sistema de mediação
incidental muito bem aparelhado, eis que já terá havido a movimentação da máquina judiciária,
quando, em muitos dos casos, isto poderia ter sido evitado.
Em países como o Brasil, onde predomina o culto ao Estado e às leis, a via judiciária reina na
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preferência dos indivíduos para resolver seus impasses, e por isso, a sociedade se manteve distante,
observando com desconfiança a utilização dos MARCs, já que a opção pelos métodos era arriscada,
insegura, sem garantias. Sem outras opções legítimas para solucionar seus problemas, a decisão
imposta pelo juiz seria a única via disponível, e por isso, o jurisdicionado se acostumou a
congestionar os tribunais para buscá-la, pois as supostas virtudes institucionais são indiscutíveis.
Anos depois da regulamentação da arbitragem e da conciliação ser apontada como a principal base
do sistema de juizados especiais e experimentar o vilipêndio e desvirtuação de seus princípios
norteadores, a mediação se torna pivô em meio aos demais métodos de resolução de conflitos, com
a missão de se tornar um instrumento de política pública garantidor do acesso à Justiça.
Inserida no contexto judicial, a mediação se torna instrumento a compatibilizar o dogma da
efetividade da atividade jurisdicional, e passa a ter o dever de funcionar direcionada à justiça.
Jacques Faget observa que esta dinâmica conduz a mediação à dois modos de existência paralela:
uma prática, não oficial, que lhe confere uma concepção mais prescritiva do que normativa, na
maioria das vezes criticada, pois gera um sentimento de insegurança por estar supostamente sujeita
a equívocos, devido a ausência de regulamentos e da supervisão de um juiz (Estado); e a outra
prática, estabelecida à sombra de uma existência oficial, a qual desloca a mediação para uma
realidade diferente, mas que lhe confere posição de legitimidade, garantido-lhe maior aceitabilidade.
A mediação passa a ter duas existências, ou double vie, uma mais legítima que a outra.27
Uma das principais razões para esse fenômeno reside na dificuldade de construção de uma
problematização científica sobre estes mecanismos. A mediação é uma ferramenta útil, não há
discordância relevante quanto a essa ideia, mas ao aproximá-la do direito, o afastamento da sua
essência é inconteste.28
Os sujeitos que aceitam participar de sessões de mediação são informados que a comunicação será
facilitada o que permitirá na maioria dos casos a resolução definitiva do impasse. Logo, os
participantes querem e exigem uma oportunidade real para contar as suas histórias, pois precisam
sentir que seus relatos estão sendo ouvidos e considerados, bem como acreditar que estão sendo
tratados de modo imparcial, respeitoso e digno. Deste modo, algumas questões não devem ser
negligenciadas: (i) os conflitantes devem ser os principais personagens nas sessões de mediação,
evitando-se que o procedimento seja dominado por negociações entre advogados; (ii) o mediador
deve estar consciente de seu papel facilitador e não de orientação ou avaliação; (iii) privilegiar as
sessões de participação conjunta dos sujeitos envolvidos no conflito em detrimento das oitivas
individuais (caucus) que devem acontecer excepcionalmente, quando imprenscindível para a
continuidade do procedimento.
Enfim, as expectativas quanto a jurisdicionalização da mediação são variadas e as perspectivas
quanto aos resultados aos cidadãos e à Justiça brasileira ainda se encontram em estágio latente.
Certamente a incorporação da mediação pelo sistema jurisdicional brasileiro reservam inúmeras
implicações que merecerão dedicada pesquisa e acompanhamento, entretanto, o modo de
implementação da lei no Brasil já indicará se a hipótese da jurisdicionalização será um sucesso ou
um fracasso. Dois grandes desafios deverão ser enfrentados pela mediação nesse novo contexto: (i)
a iniciativa legislativa deverá ombrear um sério trabalho voltado a compreensão popular sobre o
instrumento que estará à disposição de todos, bem como o aprimoramento dos profissionais do
direito acerca do método; (ii) a remodelação da mediação à feição processual, sem que isto fulmine
suas características principiológicas, compatibilizando-a com demais princípios constitucionais,
processuais e com a garantia da realização de um processo justo, dogma da efetiva entrega da
tutela jurídica.
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TARUFFO, Michele. International Association of Procedural Law International Colloquium, 2008,
Valencia. Oral and written proceedings: efficiency in civil procedure. Valencia: Universitat de
València, 2008. vols. 1-2.
WELSH, Nancy. Making deals in court-connected mediation: what’s justice got to do with it?
Washington University Law Quarterly, vol. 79, p. 788-861, 2001, p. 833.
WELTER, Nelsi Kistemacher. John Rawls: A importância da posição original como procedimento
equitativo de determinação de princípios de Justiça. Revista Tempo da Ciência, n. 27, p. 89-105, 1.º
sementre, Cascavel, 2007.
1. MANCUSO, Rodolfo de Camargo. A resolução dos conflitos e a função social. São Paulo: Ed. RT,
2009. p. 58.
2. CASTILLO, Niceto Alcalá Zamora y. Proceso, autocomposición y autodefensa. 3. ed. México:
Universidad Nacional Autónoma de México, 1991. p. 17-18.
3. Por se apresentar como uma boa alternativa à jurisdição Laura Nader constata que a ADR “atraiu
parceiros muito inesperados – políticos de direita preocupados com o sucesso das pautas de
direitos, comunidades religiosas, grupos de psicoterapia, firmas cansadas de pagar altas quantias
por honorários advocatícios, administradores e mesmo ativistas da década de 60” (NADER, Laura.
Harmonia coercitiva. A economia dos modelos jurídicos. Revista Brasileira de Ciências Sociais, n. 26,
ano 9, p. 18-29, São Paulo, out. 1994, p. 21.
4. Cf.: PINHO, Humberto Dalla Bernandina de; PAUMGARTTEN, Michele Pedrosa. Os efeitos
colaterais da crescente tendência à judicialização da mediação. Revista Eletrônica de Direito
Processual Civil, vol. XI, ano 7, p. 184-216, jan.-jun. 2013.
5. Prepondera porque mesmo na arbitragem ou na adjudicação existirá espaço para a prática
autocompositiva.
6. Para Theofilo de Azeredo Santos e Mauricio Vasconcelos Galvão Filho, “a mediação é instituto e
instrumento. Como instituto, concentra no seu âmago todas as características científicas
relacionadas à sua evolução ao londo da história humana. Na qualidade de instrumento, abrange as
possibilidades e virtudes da sua utilização para fins de prevenção e resolução de conflitos, e
specialmente em relações de natureza continuada, na qual, por muitas vezes, a solução do conflito é
tão importante quanto a manutenção das relações humanas, comerciais, sociais ou estatais
subjacentes à controvérsia existente” (SANTOS, Theofiolo de Azeredo; GALVÃO FILHO, Maurício
Vasconcelos. A mediação como método (alternativo) de resolução de conflitos. In: MUNIZ, Joaquim
de Paiva; et al. Arbitragem e mediação. Temas controvertidos. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p.
455).
7. WELSH, Nancy. Making deals in court-connected mediation: what’s justice got to do with it?
Washington University Law Quarterly, vol. 79, p. 788-861, 2001, p. 833.
8. BRAZIL, Wayne David. Comparing structures for de delivery of ADR services by Courts: critical
values and concerns. Ohio State Journal of Dispute Resolution, Ohio, n. 715, 1999, p. 727-728.
9. Cf. PAUMGARTTEN, Michele Pedrosa. Novo direito processual civil. Métodos adequados de
resolução de conflitos. Curitiba: Juruá, 2015.
10. NOLAN-HALEY, Jacqueline M. The Merger of Law and Mediation: Lessons from Equity
Jurisprudence and Roscoe Pound. Cardozo Journal of Dispute Resolution, vol. 6, p. 57, 2004.
11. MEIRELES, Delton Ricardo Soares; MIRANDA, Fernando Gama de. Reflexões sobre a
conciliação e a mediação civil no âmbito judicial e extrajudicial. In: MUNIZ, Joaquim de Paiva et al.
Op. cit., p. 289-291.
Página 15
12. MedProv 1.053, de 30.06.1995: “Art. 11. Frustrada a negociação direta, as partes deverão,
obrigatoriamente, antes do ajuizamento do dissídio coletivo, solicitar ao Ministério do Trabalho que
designe mediador para o prosseguimento do processo de negociação coletiva. § 1.º A parte que se
considerar sem as condições adequadas para, em situação de equilíbrio, participar da negociação
direta poderá, desde logo, solicitar ao Ministério do Trabalho a designação de mediador. § 2.º A
designação recairá em pessoa indicada de comum acordo pelas partes, ou, na falta de acordo, em
mediador indicado na forma da regulamentação de que trata o 5.º deste artigo. § 3.º O mediador
designado terá prazo de até trinta dias para a conclusão do processo de negociação, salvo acordo
expresso com as partes interessadas. § 4.º Não alcançado o entendimento entre as partes, o
mediador lavrará, no prazo de cinco dias, laudo conclusivo sobre as reivindicações de natureza
econômica, que obrigatoriamente instruirá a representação para instauração da instância” (grifo
nosso).
13. MedProv 1.079, de 28.07.1995: “Art. 11. Frustrada a negociação entre as partes, promovida
diretamente ou através de mediador, poderá ser ajuizada a ação de dissídio coletivo. § 1.º O
mediador será designado de comum acordo pelas partes ou, a pedido destas, pelo Ministério do
Trabalho, na forma da regulamentação de que trata o § 5.º deste artigo. § 2.º A parte que se
considerar sem as condições adequadas para, em situação de equilíbrio, participar da negociação
direta, poderá, desde logo, solicitar ao Ministério do Trabalho a designação de mediador, que
convocará a outra parte. § 3.º O mediador designado terá prazo de até trinta dias para a conclusão
do processo de negociação, salvo acordo expresso com as partes interessadas. § 4.º Não alcançado
o entendimento entre as partes, ou recusando-se qualquer delas à mediação, lavrar-se-á ata
contendo as causas motivadoras do conflito e as reivindicações de natureza econômica, documento
que instruirá a representação para o ajuizamento do dissídio coletivo” (grifo nosso).
14. SERPA, Maria Nazareth. Teoria e prática da mediação de conflitos. Rio de Janeiro: Lumen Juris,
1999. p. 75.
15. Para uma análise do desenvolvimento histórico da mediação no âmbito das relações de trabalho,
cf.: PAUMGARTTEN, Michele Pedrosa. A mediação de conflitos trabalhistas no Brasil e a mediação
judicial no Tribunal do Trabalho do Reino Unido. Revista Eletrônica de Direito Processual Civil, vol.
XIV, p. 411-437, jun.-dez. 2014.
16. PINHO, Humberto Dalla Bernadina de. Mediação e o Código de Processo Civil projetado. RePro
207/213-238, São Paulo, 2012, p. 230.
17. Nos Juizados Especiais Federais a audiência inicial passou a ser dispensada quando o juiz
verifica que a questão a ser tratada é meramente de direito.
18. PINHO, Humberto Dalla Bernadina de. A mediação e o Código de Processo Civil projetado.
RePro 207/216, Rio de Janeiro, 2012.
19. CINTRA, Antônio Carlos de Araújo; GRINOVER, Ada Pelegrini; DINAMARCO, Cândido Rangel.
Teoria geral do processo. 23. ed. São Paulo: Malheiros, 2007. p. 57.
20. Para Fabiana Spengler o consenso significa voltar a comunicação ao entendimento na busca de
um acordo. Portanto, a participação consensual se insere na dicotomia dos mecanismos
conflituais/mencanismos consensuais para o tratamento de conflitos. Tradicionalmente o direito
propõe o recurso ao Judiciário estruturado como poder do Estado encarregado para dirimi-los,tornando-os responsáveis pela pacificação social. Por outro lado, na mediação há a participação
consensuada, possibilitando sair da estagnação para chegar à mudança, permitindo a passagem de
uma participação normatizada para uma participação consensual em que os indivíduos podem se
confrontar e se pronunciar no decorrer de uma deliberação, sem constrangimento ou limitação de
tempo (SPENGLER, Fabiana. Da jurisdição à mediação. Ijuí: Unijuí, 2010. p. 358-359).
21. MOREIRA, José Carlos Barbosa. Uma novidade: O Código de Processo Civil Inglês. Revista
Brasileira de Direito Comparado 18/148-162, Rio de Janeiro, jan.-jul. 2000, passim.
22. O art. 148, § 1.º, do PL 166/2010 determinava os requisitos que deveriam ser exigidos pelos
tribunais, dentre os quais, além da capacitação mínima, necessariamente a inscrição na Ordem dosPágina 16
Advogados do Brasil.
23. BOLZAN DE MORAIS, José Luis; SPENGLER, Fabiana Marion. Op. cit., p. 208.
24. Em sua redação original, pois o STF reconheceu a inconstitucionalidade da obrigatoriedade, por
afronta ao princípio do acesso à Justiça e da inafastabilidade jurisdicional, remanescendo a opção do
empregador de formar e do empregado de participar de uma CCP antes de ingressar com a ação
trabalhista.
25. Para que se entenda melhor esse processo, é importante nos reportarmos ao relato histórico
delineado por Humberto Dalla sobre a rota traçada pela mediação desde a primeira proposta de
regulamentação em 1998 com o PL 4.287/1998. Este projeto de autoria da Deputada Zulaiê Cobra
formatava em linhas gerais a definição de mediação e elencava algumas disposições a respeito.
Aprovado na Câmara dos Deputados em 2002 pela Comissão de Conciliação e Justiça e enviado ao
Senado Federal, recebeu o número PLC 94/2002. A matéria ficou sem movimentação desde então, e
com o início das atividades de estudo para a elaboração de um novo Código de Processo Civil,
incrementaram-se os debates sobre a necessidade do reconhecimento institucional de meios de
resolução de conflitos alternativos à jurisdição para desafogar o Poder Judiciário, o que incentivou a
criação de uma comissão especial para o exame do texto. Após a análise pela consultoria do
Senado, foi apresentado em 25.08.2011, o Projeto de Lei do Senado que recebeu o número 517.
Aprovado terminativamente pela Comissão de Conciliação, Justiça e Cidadania do Senado em
12.02.2014, a proposição foi remetida à Câmara dos Deputados e o Projeto de Lei recebeu o número
7.169/2014. Em 26.06.2015 a Lei da Mediação – Lei 13.140 – foi sancionada pela Presidência da
República. Imperiosa a leitura do roteiro legislativo para a elaboração do projeto de lei da mediação
descrito por Humberto Dalla (Cf. PINHO, Humberto Dalla Bernadina de. Mediação e o Código de
Processo Civil projetado. Op. cit, p. 213-238).
26. Cf: PAUMGARTTEN, Michele; PINHO, Humberto D. Bernadina de. A institucionalização da
mediação é a panacea para a crise do acesso à Justiça? In: COUTO, Monica Bonetti; MEIRELLES,
Delton Ricardo Soares; MATOS, Eneas de Oliveira (org.). Acesso à Justiça. Florianópolis: Funjab,
2012. p. 370-396.
27. FAGET, Jacques. La double vie de la médiation. Reveu Droit et Société 29/25-38, Paris, 1995, p.
26.
28. Etienne Le Roy pontua que os principais temas recorrentes nas definições da mediação são de
origem jurídica ou detem forte conotação jurídica: “autoridade, autonomia, responsabilidade,
imparcialidade, independência, poder de decisão ou consultivo, prevenção ou regulamentação”. Na
mediação estes tópicos devem aparecer necessariamente associados a uma ideia dominante de
justiça. Etienne afirma que “essa aproximação, geralmente, é aceita pelos práticos. No entanto,
pode-se notar que tal interpretação não reconduz à essência da mediação. (…) a mediação não é
justiça, nem mesmo de forma amena” (LE ROY, Ethiene. O lugar da juridicidade na mediação.
Meritum, vol. 7, n. 2, p. 289-324, Belo Horizonte, jul.-dez., 2012, p. 297-301).
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