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Francisco de Assis Maciel Tavares cionalista, que os tratados e os negócios jurídicos ado- tam a mesma forma contratual, razão pela qual um mesmo tratado poderá conter simultaneamente disposi- ções de uma e outra índole.11 Maarten Bos propõe uma posição mediadora, sustentando que os tratados são fon- tes do Direito Internacional desde que aumentem ou modifiquem o "corpus" de regras já existentes, e são fon- tes de obrigações quando, ao contrário, desempenham a função de um contrato no direito interno moderno.12 Internacionalistas modernos, como Focsaneanu, defendem a ideia de que um tratado só é fonte do Direito Internacional se ele realmente determinar de modo efe- tivo o comportamento dos Estados,13 14 lembrando, ain- da, que se pode admitir como fonte do Direito Interna- cional os acordos entre organizações de comércio exte- rior, que não são tratados. Como observado, a questão dos tratados como fonte do Direito Internacional é matéria controvertida entre os internacionalistas, todavia, compartilhamos do entendi- 11 Alfred Verdross - Derecho Internacional Publico - Madrid, Biblioteca Jurídica Aguilar, 6a ed., 1978, p. 129. 12 Maarten Bos, The Recognized Manifestation oí International Law - A New Theory of "Sources", 20 German Yearbook of International Law, 1977, pp. 20-24. 13 apud Celso D. de Albuquerque Mello, Curso de Direito Internacional Público, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, Ia vol., 8a ed., 1986, p. 141. 14 Na atual sociedade internacional descentralizada, a vontade ou o con- sentimento do Estado é o ponto inicial e necessário do processo de cria- ção de normas, mas não é o seu término: no processo de desenvolvimen- to do Direito, a conclusão final é constituída pelo consentimento acf idem de uma pluralidade de anuências individuais num convénio dos Estados. Desta forma, ainda que o consentimento individual do Estado seja rele- vante, não é definitivo: para a criação de uma norma jurídica internacio- nal é necessário que o consentimento de cada Estado cristalize-se no consentimento do grupo social de Estados. Sob este prisma evitar-se-ão falsas percepções do Direito Internacional como um Direito de voluntaris- mo individualista, in Alejandro J. Rodriguez Carrión, Lecciones de Derecho Internacional Publico, Madrid, Tecnos, 2a ed., 1990, pp. 165-166. Ratificação de Tratados Internacionais mento ministrado pelo internacionalista pátrio Hilde- brando Accioly de que, quando falamos em fontes do Direito Internacional, o que devemos ter em vista são os modos de formação ou manifestação desse direito, ou os modos de sua materialização, e dos quais derivam direta- mente os direitos e as obrigações dos sujeitos internacio- nais.15 Logo, todo e qualquer tratado deve ser considera- do como sendo fonte do Direito Internacional, apenas uns criam normas gerais (tratados-leis), enquanto outros criam normas particulares de conduta (tratados-con- tratos), podendo esta modalidade de tratado contribuir para a formação de uma norma geral quando as disposi- ções e regras avençadas são utilizadas em outros trata- dos da mesma natureza ou de natureza diversa, adquirin- do assim, um valor jurídico de preceito internacional. 1.3. A Convenção sobre o Direito dos Tratados A Comissão de Direito Internacional, quando do seu primeiro período de sessões, que data do ano 1949, reco- nhecendo a grande importância dos tratados, decidiu incluir o tema como matéria a ser normalizada. Contudo, a Comissão, envolvida em outros temas, só a partir de 1961 pôde abordar com profundidade o assunto. No ano de 1966 surge um projeto sobre o direito dos tratados, recomendando-se à Assembleia Geral das Nações Unidas a convocação de uma conferência internacional visando o desenvolvimento dos trabalhos de normaliza- ção. A Comissão se reuniu em Viena e, em 23 de maio de 1969, os trabalhos culminaram com a adoção da Con- 15 Hildebrando Accioly, Tratado de Direito Internacional Público, Rio de Janeiro, 2a ed., vol. l, 1956, p. 32. Francisco de Assis Maciel Tavares venção sobre o Direito dos Tratados. Os Estados partici- pantes, a partir de então, passam a reconhecer a impor- tância cada vez mais acentuada dos tratados como fonte do Direito Internacional e como meio de desenvolvimen- to da cooperação pacífica entre as nações. A supremacia dos tratados é verificada até sobre as Constituições dos Estados, prática já reconhecida internacionalmente e nas mais modernas Constituições. 1.4. Definição e Terminologia A definição de tratado16 nos é dada pela Convenção sobre direito dos tratados, de 23 de maio de 1969, que em seu art. 2°. preceitua: 1. Para os efeitos da presente Convenção: a) entende-se por "tratado" um acordo in- ternacional celebrado por escrito entre Estados e regido pelo Direito Internacional, constante de um instrumento único ou de dois ou mais instru- mentos conexos e qualquer que seja sua deno- minação particular; Podemos verificar que a definição de tratado con- signada no art. 2a da Convenção de Viena de 1969 visa somente os tratados concluídos entre Estados, não 16 Nos comentários ao projeto de artigos sobre o direito dos tratados, ela- borado no 182 período de suas sessões, a Comissão de Direito Internacio- nal das Nações Unidas acentuou que o termo "tratado" se utiliza em todo o projeto de artigos num sentido genérico para determinar toda classe de acordos internacionais celebrados entre Estados e consigna- dos por escrito. Arnaldo Sussekind, Tratados Ratificados pelo Brasil, Rio de Janeiro, Freitas Bastos, 1981, p. 9. Ratificação de Tratados Internacionais fazendo menção aos tratados concluídos entre Estados e Organizações Internacionais. O próprio conceito de tratado que nos é dado pela Convenção de Viena demonstra a imprecisão terminoló- gica, tendo em vista que o termo tratado poderá ter qualquer denominação particular. A justificativa da abrangência do termo conferida pela Convenção de Viena de 1969, segundo Reuter,17 dá- se apenas por designar tratado como um "acordo" inter- nacional celebrado entre Estados por forma escrita e regulado pelo Direito Internacional, mas sem excluir que as regras que ela propõe se aplicam aos demais acordos internacionais. Como bem observa Albino Soares, o que realmente define esta fonte de Direito Internacional é o seu caráter plurilateral, a submissão da sua regulamentação ao Direito Internacional e a sua conclusão entre sujeitos deste ramo do direito, de nada importando, internacio- nalmente, a designação que lhe seja atribuída, em cada caso concreto.18 No Direito Internacional, como vimos, não existe uma terminologia uniforme para designar os acordos entre Estados. Das várias expressões empregadas (tra- tados; convenções; pactos; atos; declarações; protocolos etc.) nenhuma tem um significado muito preciso. A prá- tica internacional tem revelado que só uma parcela dos acordos internacionais celebrados por escrito entre sujeitos de Direito Internacional e regulamentado por este recebem a denominação de "tratados".19 17 Ob. cit., p. 68. 18 Albino de Azevedo Soares, Lições cie Direito Internacional Público, Coimbra, Coimbra Editora, editado pelo Autor, 3a ed., 1986, p. 123. 19 O Tribunal de Haya confirmou, ao examinar uma sentença de 19 de dezembro de 1978, a validade de um "comunicado conjunto" greco-turco Francisco de Assis Maciel Tavares Apesar da imprecisão do termo "tratados" decor- rente da liberdade das partes em adotar a terminologia que melhor lhe convier, e com o propósito meramente descritivo, podemos observar que: a) Tratados: o termo é usado habitualmente nos acordos bilaterais entre Estados que versem so- bre matérias de grande importância (paz, neu- tralidade, limites territoriais, extradição etc.); b) Convenção: é o tratado que cria normas gerais, não havendo divergência quanto à sua estrutu- ra. Como informa Hildebrando Accioly, houve época em que sepreferia a terminologia "con- venção" para compromissos referentes a maté- rias de natureza económica, comercial ou admi- nistrativa, reservando-se o termo "tratado" para ajustes mais importantes ou sobre assuntos de natureza política;20 c) Declaração: quando há a intenção de proclamar- se certas regras ou princípios de Direito Inter- nacional reconhecidos pelas partes contratan- tes, isto é, "acordos que criam princípios jurídi- cos ou afirmam uma atitude política comum". A esse conjunto de regras ou princípios chama-se declaração;2i 22 de 31 de maio de 1975 com fundamento de sua jurisdição. Admitiu o Tribunal que não existe regra de Direito Internacional que proíba que um "comunicado conjunto" constitua um acordo internacional....", in António Remiro Brotons, ob. cit., p. 36. 20 Hildebrando Accioly, ob. cit., vol. l, p. 544. 21 Verdross inclui ainda o termo "convénio" como sinónimo de "declara- ção", ob. cit., p. 129. 22 Declaração de Londres de 1909 sobre direito marítimo. 10 Ratificação de Tratados Internacionais d) Protocolo: é comum ter dois significados: - documento escrito sem forma de tratado, pelo qual se registram os resultados de uma Conferência diplomática;23 - documento em que são criadas normas jurí- dicas denominado "protocolo-acordo", che- gando alguns autores a afirmarem serem verdadeiros "tratados", utilizado como su- plemento a um acordo já existente;24 25 e) Ato: quando estabelece regras de direito;26 f) Pacto: é um tratado solene; g) Estatuto: é empregado para designar os trata- dos coletivos geralmente estabelecendo normas para os tribunais internacionais; h) Acordo: designação utilizada para os tratados que versem sobre matéria económica, financei- ra, comercial e cultural; i) "Modus vivendi": acordo temporário ou provisório; j) Concordata: dá-se a denominação de concorda- ta aos acordos que versem sobre assuntos reli- giosos. A concordata trata de assuntos que se- jam da competência comum da Igreja e do Estado; 1) Compromisso: versa sobre assunto a ser subme- tido à arbitragem; 23 Protocolos das conferências realizadas em Buenos Aires, em dezembro de 1870 e janeiro de 1871, entre os plenipotenciários do Brasil, Argentina e do Uruguai; aí se discutiu o projeto de tratado definitivo de paz com a República do Paraguai. 24 Ver Celso D. de Albuquerque Mello, ob. cit., vol. l, pp. 142-143. 25 Protocolo relativo à demarcação dos limites territoriais entre Brasil e a Venezuela, firmado no Rio de Janeiro em 24 de julho de 1928. 26 Ato Geral de Berlim de 1885; Ato de Chapultepec, pelo qual se tornou conhecida a resolução sobre assistência mútua, aprovada na Conferência Interamericana do México de 1945. 11 Francisco de Assis Maciel Tavares m) Troca de notas: são acordos sobre matéria admi- nistrativa e podem ter caráter temporário ou pro- visório; n) Carta: documento de forma solene pelo qual se estabelecem direitos e deveres, utilizado inclusive para constituir Organizações Inter- nacionais;27 o) Convénio: tratados que versem sobre matéria cultural ou de transporte. Na relação acima poderíamos ainda incluir os denominados "gentlemeris agreements" e o "pactum de contrabando". Quanto ao primeiro, é apenas um fato internacional, embasado em declarações de vontade pessoal de órgãos das relações exteriores de dois ou mais Estados. Há apenas uma ligação pessoal e moral entre as pessoas envolvidas, não criando uma obriga- ção jurídica para os Estados, não tendo o acordo cará- ter oficial. A segunda modalidade, poderíamos dizer que é um acordo preliminar de compromisso assumido pelo Estado em concluir um acordo final sobre determi- nada matéria. Como podemos observar, a questão da terminologia é irrelevante para o Direito Internacional. 1.5. Classificação dos Tratados Existem vários métodos de classificação dos trata- dos, atendendo a diferentes fatores como, por exemplo, a apreciação do objeto do tratado; o modo de execução; a época da conclusão etc. Como salienta Rousseau, 27 Carta da ONU. 12 Ratificação de Tratados Internacionais estes métodos de classificação são desprovidos de valor científico.28 Contudo, a classificação que apresenta um maior interesse metodológico é a que distingue os tratados em dois critérios, ou seja, o critério relativo à forma (tratados bilaterais e multilaterais) e sob o prisma material (trata- dos-leis e tratados-contratos). Quanto ao primeiro critério, este diz respeito ao número das partes contratantes, isto é, bilaterais quan- do há apenas duas partes e multilaterais quando há várias partes. O segundo critério, no que diz respeito aos tratados- leis (Law making Treaties), tem por finalidade fixar nor- mas de Direito Internacional e podem ser igualados a leis. São celebrados geralmente entre muitos Estados. Os tratados-contratos têm por finalidade regular interesses recíprocos dos Estados contratantes. Em geral seus signatários são pouco numerosos. Não há qualquer impedimento no sentido de serem adotadas as duas modalidades em um só tratado, como ocorreu no caso do tratado de paz de Versailles de 1919, o qual continha disposições contratuais e normativas. A doutrina mais atual vem mencionando outras categorias de tratados como, por exemplo, os tratados multilaterais-gerais e os tratados multilaterais-restritos. Quanto aos primeiros, estes tendem para a irrelevância do número de partes signatárias, e o segundo tende a dar importância ao número de signatários que neles participam.29 28 Charles Rousseau, Droit International Public, Paris, Dalloz, 8a ed., 1976, p. 24. 29 Albino de Azevedo Soares, ob. cit., p. 153. 13 Francisco de Assis Maciel Tavares Ratificação de Tratados Internacionais 1.6. Condições de Validade dos Tratados Todo Estado goza, por definição, em virtude de sua soberania, do ius ad tractatum, isto é, da capacidade para celebrar tratados, sendo esta uma manifestação capital da personalidade jurídica internacional.30 Não existem em Direito Internacional regras técni- cas sobre a formação de tratados.31 São válidos neste campo, em larga medida, os princípios gerais que regem os contratos entre particulares com algumas caracterís- ticas próprias. Os requisitos ou elementos essenciais para que um determinado tratado possa ser considerado válido po- dem ser assim enumerados: a) capacidade das partes contratantes; b) habilitação dos agentes signatários; c) consentimento mútuo; d) objeto lícito e possível. a) Capacidade das Partes Contratantes Todo Estado soberano tem capacidade para contra- tar ou para contrair direitos e obrigações por meio de tratados.32 Esta capacidade estende-se, ainda, às Or- ganizações Internacionais, aos beligerantes, à Santa Sé e a outros entes internacionais. Devemos ressaltar que somente os acordos regidos pelo Direito Internacional são tratados, excluindo-se, assim, os acordos entre Estados regulados pelo direito interno como, por exemplo, o acordo de compra de uma área levado a termo por um governo a outro. Os Estados dependentes ou os membros de uma federação também podem concluir tratados internacio- nais, contudo, esta condição deverá ser prevista e per- mitida pela Constituição dentro dos limites estabeleci- dos por esta.33 E salientada por Verdross a existência de certos pre- ceitos jurídicos-internacionais gerais ou particulares que declaram obrigatórios na esfera internacional os compro- missos assumidos por determinados órgãos estatais, independentemente de que estejam ou não autorizados a celebrar acordos pelo ordenamento interno (ex.: coman- do militar em tempo de guerra tem a faculdade para cele- brar acordos em matérias militares (armistícios) em virtu- de de um antigo costume internacional).34 O direito de "concordata" sempre foi garantido à Santa Sé. Os beligerantes e governos no exílio também são reconhecidos como sujeitos de DireitoInternacional com capacidade de concluir acordos relacionados à sua con- dição, dependendo para tanto do reconhecimento por terceiros desta condição.35 Em termos gerais, também são aplicados aos "mo- vimentos de libertação nacional" os mesmos direitos de reconhecimento como sujeitos de Direito Internacional, como os garantidos aos beligerantes e governos em exí- lio. Sua capacidade de concluir acordos depende do aval 30 António Remiro Brotons, ob. cit., p. 49. 31 J. L. Brierly, ob. cit., p. 324. 32 Hildebrando Accioly, ob. cit., vol. I, p. 560. 33 Como observa Celso Mello, "os Estados-membros de uma federação e os dependentes possuem geralmente o direito de convenção apenas para determinadas matérias". Ob. cit., vol. l, p. 144. 34 Alfred Verdross, ob. cit., p. 144. 35 O reconhecimento dos revoltosos como beligerantes surge como institu- to de D.I. no início do século XIX na prática diplomática, principalmente inglesa e também norte-americana... Os revoltosos quando não reconhe- cidos pelo governo legal ou por terceiros estados podem se encontrar em uma de duas situações: a) a das convenções de 1949; b) a do Protocolo II de 1977. Celso D. de Albuquerque Mello, Guerra Interna e Direito Inter- nacional, Rio de Janeiro, Renovar, 1985, pp. 49 e 56. 14 15 Francisco de Assis Maciel Tavares das Organizações regionais das áreas a que pertençam (OUA, Liga Árabe...), isto é, reconhecimento de que são representantes legítimos dos povos que aspiram à inde- pendência. Na parte introdutória do presente trabalho mencio- namos que a Convenção de Viena de 1969 definiu o trata- do como um acordo entre Estados (art. 2), devendo-se tal limitação unicamente ao propósito de facilitar o esforço codificador do Direito dos Tratados (art. 1), resguardando expressamente o indiscutível valor jurídico dos acordos internacionais dos quais figuram como partes contratan- tes outros sujeitos de Direito Internacional (art. 3.a.). As Organizações Internacionais já tiveram a sua personalidade internacional reconhecida pela Corte Internacional de Justiça, que considerou terem elas os direitos necessários para a realização dos fins para que foram constituídas. A prática das Organizações Interna- cionais de concluírem tratados data da Liga das Nações e se desenvolveu com a ONU e as Organizações criadas após a II Guerra Mundial.36 Temos como certo que, face à evolução e intensifica- ção das relações internacionais em todas as áreas, sur- girão novos sujeitos de Direito Internacional, por obra e reconhecimento dos Estados. b) Habilitação dos Agentes Signatários Geralmente cabe ao direito interno de cada Estado a determinação da competência dos órgãos, que podem exprimir a vontade do Estado nas relações internacio- nais e, portanto, autorizar a celebração de tratados. 36 Celso D. de Albuquerque Mello, ob. cit., vol. l, p. 144. 16 Ratificação de Tratados Internacionais As pessoas ou órgãos investidas desses poderes (plenos poderes) são denominadas plenipotenciários. O instituto dos plenos poderes se desenvolveu no Renascimento por influência do Corpus Júris Civilis, sendo regulado pelas normas do mandato, isto é, do direito civil, tendo surgido face à intensificação das rela- ções internacionais. Ao lado desta, surge outra questão de fundamental importância. O instituto se tornou neces- sário para evitar que os tratados obrigassem imediata- mente os Estados, como era comum ocorrer quando estes eram assinados diretamente pelo Chefe de Estado. c) Objeto Lícito e Possível A Convenção de Viena de 1969, no seu art. 53, de- termina que um tratado será nulo quando for contrário a uma norma imperativa do Direito Internacional, ou seja, uma norma internacional de jus congens. A norma internacional de jus congens, como é defi- nida pela Convenção, é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional de Estados como um todo, como uma norma que não é permitida a derroga- ção, podendo, somente, ser modificada por uma subse- quente norma de Direito Internacional geral com o mes- mo caráter. d) Consentimento Mútuo Como nos acordos em geral, os tratados internacio- nais pressupõem um consentimento mútuo das partes contratantes com respeito ao seu objeto, forma etc. Não poderemos falar de tratado válido sem que haja, expres- samente e inequivocadamente, o consensus, acordo de vontade referente ao seu conteúdo. 17 Francisco de Assis Maciel Tavares Entre os contratantes estabelece-se uma relação, cujos termos elementares são a oferta ou a promessa e a aceitação.37 Verificando-se que a vontade de consentimento num tratado padeceu de vício, considera-se, em geral, que o tratado é nulo ou anulável. Havendo contradições entre a vontade declarada e a vontade real de uma das partes o tratado também padecerá de vício. Como vícios de consentimento temos que conside- rar o dolo, o erro e a coação: a) O Dolo O conceito de dolo é observado na maioria dos orde- namentos jurídicos, como sendo toda espécie de mano- bras ou de artifícios dirigidos a induzir uma parte na con- clusão de um tratado, provocando erro ou aproveitando- se do erro existente (dolo positivo ou dolo negativo).38 No Direito Internacional os precedentes são escas- sos e não permitem uma determinação precisa do senti- do exato do conceito. Face à imprecisão do termo aplica- da à prática internacional, a Comissão de Direito In- ternacional não definiu o dolo, deixando a prática inter- nacional e a jurisprudência determinar a fixação e o alcance do termo. Os casos de dolo imputáveis a uma Organização Internacional são muito raros, tendo em vista que seus atos convencionais se decidem na maioria das vezes em nível de órgãos colegiados e é difícil incorrer em dolo mediante uma deliberação coletiva.39 37 Hildebrando Accioly, ob. cit., p. 562. 38 Celso D. de Albuquerque Mello, ob. cit., vol. l, p. 147. 39 Vide art. 49 da Convenção de 1986 - comentários ao Projeto final dos arti- gos da Comissão de Direito Internacional de 1982. 18 Ratificação de Tratados Internacionais b) O Erro São raros também os casos de erro gerando vício de consentimento que venha a afetar a validade dos tratados. Apesar de serem raras as alegações de erro, admite-se que possam ocorrer erros de fato como, por exemplo, erros geográficos nos mapas, versando sobre delimitação territorial.40 Como observado, o dolo e o erro, apesar de raros na vida internacional, são comumente admitidos como vício de consentimento e são previstos nos artigos 48 e 49 da Convenção de Viena. Doutrinariamente a admissão do dolo e do erro como vícios de consentimento não é de todo pacífica. Lê Fur sus- tenta a ideia de que o dolo e o erro, como causas em geral mencionadas, no direito interno, como suscetíveis de infectar a vontade, são normalmente excluídas, quando se trata de acordos internacionais. A base de sustentação de tal ideia repousa no fato segundo o qual as partes contra- tantes, na ordem externa, costumam operar com grandes precauções, com o perfeito conhecimento de causa ao assumirem determinados compromissos, apoiando-se, geralmente, em informações seguras e precisas.41 c) A Coação A coação, como vício de consentimento, pode ma- nifestar-se de duas maneiras: a) contra a pessoa do re- presentante do Estado; e b) contra o próprio Estado. 40 Vide casos Groenlândia Oriental e o Templo de Preah Vihear - in José A. Pastor Ridruejo, Curso cie Derecho Internacional Publico y Organizaciones Internacionales, Madrid, Tecnos, 3z ed., 1989, pp. 130-131. 41 Louis Erasme Lê Fur, Précis de Droit International Public, Paris, Dalloz, 4a ed., p. 226. 19 Francisco de Assis Maciel Tavares Quanto à coação contra a pessoa do representante do Estado, a história tem mostrado um certo número de casos onde o representante do Estado foi forçado a assu- mir compromissos contra a sua vontade.42 A codificaçãodo Direito dos Tratados não põe em dúvida que esta modalidade de coação vicia o consenti- mento, o que gera a nulidade do tratado concluído. Apesar da coação ser exercida sobre a pessoa do agen- te e não contra o órgão do Estado, o tratado padecerá de vício. O artigo 51 da Convenção de Viena de 1969 dispõe que a manifestação do consentimento de um Estado em obrigar-se por um tratado não poderá ser obtida por coa- ção sobre o seu representante mediante atos ou amea- ças dirigidas contra ele. Ocorrendo tal vício o ato carece- rá de todo efeito jurídico. A mesma garantia é prevista na Convenção de 1986. O ato de corrupção do representante do Estado tam- bém pode ser invocado como vício do consentimento. Com relação à coação direta contra o próprio Estado ou contra uma Organização internacional, através do uso ou ameaça da força é a mais importante e moderna causa de nulidade dos tratados. Como bem salienta Hildebrando Accioly, o desenvolvimento do espírito de cooperação internacional e dos métodos de solução 42 Exemplo clássico de coação à pessoa do representante do Estado foi o fato ocorrido em 1808 quando Fernando VII, Rei da Espanha, dirigiu-se ao encontro de Napoleão em Bayona. Tendo sido feito prisioneiro, foi amea- çado de morte por alta traição a seu pai Carlos IV, a menos que abdicas- se, o que ocorreu, renunciando aos seus direitos em favor de Napoleão, que por sua vez cedeu tais direitos a seu irmão José. Estes fatos foram considerados nulos por dolo e violência pela Corte de Cádiz em 1811, que declarou através de Decreto a nulidade de qualquer compromisso assu- mido por Fernando VII, in António Remiro Brotons - Ob. cit., p. 438. 20 Ratificação de Tratados Internacionais pacífica dos litígios tem determinado reação contra os processos abusivos da força.43 44 As sucessíveis etapas que marcam a progressão normativa da proibição do uso ou ameaça da força das relações internacionais têm repercussões sobre a valida- de dos tratados. Sabemos que o Direito Internacional clássico permitia a guerra como forma suprema de auto- tutela jurídica.45 Contudo, o Direito Internacional con- temporâneo, na forma da Carta das Nações Unidas (art. 2, ai. 4), reprova e proíbe a prática da ameaça e da força levadas a cabo contra a independência política ou inte- gridade territorial de qualquer Estado. Por derradeiro, é de grande valia observarmos o que preleciona Brierly quanto ao tratado imposto pela força e a necessidade da subordinação deste à força do direito. Para o mencionado autor, o tratado imposto por coação só tem de tratado a simples aparência exterior. Na sua essência, trata-se de um ato que pertence a uma categoria jurídica diversa, pois que traduz realmente o que o Estado ou os Estados que o impõem se arrogam o direito de legislar em relação ao Estado coagido. A verdadeira anomalia do direi- to vigente não consiste na possibilidade de se impor a um 43 Ob. cit., vol. l, p. 564. 44 Entre as duas grandes guerras mundiais a nulidade dos tratados resul- tantes do uso ou da ameaça da força era mais uma pretensão política do que jurídica, ressaltando-se que o reconhecimento de tais tratados por terceiros era somente mais um passo nesta direção. 45 Dentro de um processo evolutivo, o próprio conceito e o conteúdo do Direito Internacional está intimamente ligado à guerra e aos seus desdo- bramentos. Santo Agostinho (354-430) já questionava sobre a legitimida- de da guerra e a distinção entre a guerra justa e guerra injusta; inspira- ria, depois, S. Isidoro de Sevilha (570-632), que aprofundaria a teoria de S. Agostinho, distinguindo várias "espécies" de guerra; e chegaria até Grócio que, na sua famosa obra De iuie belli ac pacis, afirmaria, pela pri- meira vez, a divisão do Direito Internacional em Direito de Paz e da Guerra. In André Gonçalves Pereira e Fausto de Quadros, Manual de Direito Internacional Público, Coimbra, Almedina, 3a ed., 1993, p. 24. 21 Francisco de Assis Maciel Tavares Estado obrigações que lhe desagradam, mas na possibili- dade de que tais obrigações sejam ditadas pelo Estado que ficou vencedor numa guerra. A modificação desejável não se resume em eliminar a coação de todas as negocia- ções, mas sim em garantir que ela só seja utilizada para um objetivo lícito e por um processo lícito, e não de forma arbitrária, como pode acontecer atualmente. Para Brierly, o problema dos tratados impostos pela força não é na reali- dade um problema que diz respeito ao regime jurídico dos tratados. E antes um aspecto particular de outro problema muito mais vasto, que contende com todo o ordenamento internacional - precisamente o problema da subordinação da força ao direito.46 47 1.7. O Processo de Conclusão dos Tratados Antes de desenvolvermos o procedimento referente à conclusão dos tratados internacionais, faremos breves considerações quanto à sua composição. Quanto à sua forma, geralmente os tratados são con- signados por escrito, porém não há nenhuma regra que obrigue tal procedimento e nem quanto ao modelo a ser adotado. Geralmente os tratados se compõem de duas par- tes, ou seja, o preâmbulo e a dispositiva. O primeiro con- tém uma exposição das finalidades do tratado e a nume- ração das partes contratantes.48 A parte dispositiva é redigida por artigos. 46 J. L. Brierly, ob. cit., pp. 325-326. 47 Quanto ao tratado de paz, a sua validade tem sido reconhecida face ao princípio da efetividade. 48 Na antiguidade e no período medieval havia invocação dos deuses. Atualmente só a Santa Sé e alguns países islâmicos procedem desta forma. 22 Ratificação de Tratados Internacionais Com referência ao idioma no qual será redigido o documento, este é escolhido livremente pelos signatá- rios. Tendo as partes o mesmo idioma este será utilizado, e quando houver divergência de idiomas geralmente adota-se o seguinte critério: a) redige-se o documento em tantas línguas quanto forem necessárias, atendendo-se aos idiomas dos signatários; b) adota-se por escolha um terceiro idioma; c) cumpre-se o informado no item a e um texto diverso redigido em outro idioma para dirimir as dúvidas porventura existentes nos demais documentos. Para que um tratado passe a vigorar, é necessário a prática de uma série de atos sucessivos cuja realização depende de um processo moroso e complexo. Alguns fatores contribuem para complexidade do pro- cesso de formação dos tratados, entre os quais podemos destacar: a necessária acomodação de interesses entre os sujeitos intervenientes; a dificuldade da matéria que cons- titui o seu objeto; o número de Estados participantes. Podemos considerar o processo de formação dos trata- dos como sendo o conjunto de atos mediante os quais se concebe e elabora-se, até o nascimento, um tratado, ressaltando-se que cada um dos atos cumpre sua função diferenciada na formação e celebração de um tratado inter- nacional. Todavia, na prática diplomática, alguns desses atos podem sintetizar-se em uma única expressão formal. Merece destaque o fato de que, paralelamente a um processo extenso e complexo, a prática internacio- nal atual utiliza-se com grande frequência de tratados com procedimentos de conclusão mais simplificados e céleres, os chamados "acordos do executivo", conforme veremos mais adiante. Os interessados na celebração de um determinado tratado dispõem de liberdade de adoção do procedimen- to que melhor atender seus interesses na condução das 23 Francisco de Assis Maciel Tavares negociações. Contudo, a liberdade conferida pelas nor- mas internacionais aos interessados na condução das negociações, estão subordinadas ao direito interno de cada sujeito interveniente, conforme dispõe o artigo 1o- da Convenção sobre Tratados.49 Com relação ao procedimento adotado na conclusão dos tratados internacionais, a análise clássica distingue três fases: a) negociação; b) assinatura; c) ratificação. a) NegociaçãoNegociar é participar na elaboração do texto do tra- tado, apresentando propostas e discutindo as já apre- sentadas que irão compor as cláusulas do documento. Na negociação a competência geral é sempre do Chefe de Estado, entretanto outros elementos do Poder Executivo passaram a ter uma competência limitada. A iniciativa da negociação pode proceder-se atra- vés de um Estado interessado no acordo, este atuando livremente ou em virtude de um "pactum de negotiando" ou de "contrahendo", de uma conferência de represen- tantes estatais ou de um órgão de uma Organização Internacional. Normalmente o início das negociações se faz pelos canais diplomáticos ordinários. b) Assinatura A assinatura50 era um dos modos de manifestação do consentimento do Estado em obrigar-se a um tratado. 49 Assinada em Havana (VI Conferência Internacional) a 20 de fevereiro de 1929. Sancionada pelo Decreto na 5.647, de 08 de janeiro de 1929. Ratificada a 30 de julho de 1929 e promulgada pelo Decreto ns 18.956, de 22 de outubro de 1929. 50 A assinatura aqui versada é aquela que ao término dos trabalhos de nego- ciação, tem o só efeito de fixar e autenticar o texto de negociação, ficando o comprometimento definitivo do Estado a depender de oportuna ratificação. 24 Ratificação de Tratados Internacionais No período no qual vigorou a teoria do mandato, a assi- natura de um tratado pelo plenipotenciário era de vital importância. Neste período a ratificação era somente a confirmação pelo chefe do Estado dos plenos poderes outorgados ao seu representante. Devido aos riscos desta prática de conclusão dos tratados, uma vez que os plenipotenciários poderiam comprometer o Estado, foi introduzida uma cláusula nos tratados que reservava ao Chefe de Estado o direito de dar por si mesmo o valor obrigatório ao tratado através de uma formalidade dis- tinta da assinatura. c) Ratificação Neste item apenas faremos algumas considerações sobre o instituto, tendo em vista que o mesmo será abor- dado detalhadamente no capítulo seguinte, por ser a fase mais importante do processo de conclusão dos tra- tados e tema central do presente trabalho. Em linhas gerais, a ratificação é a aprovação do tratado pelos órgãos internos constitucionalmente competentes para confirmar ou declarar que este deva produzir seus efei- tos. Como salienta Vazques, a ratificação é a operação que dá aos tratados sua força obrigatória".51 51 Modesto Seara Vazquez, Derecho Internacional Publico, México, Porrúa, 8a ed., 1982, p. 200. 25
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