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Saraiva desconstruindo impunidade DIREITO PENAL JUVENIL GARANTIAS IMPUTABILIDADE

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Prévia do material em texto

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Universidade de Brasília, DF, Brasil)
	Saraiva, João Batista Costa
V932	Desconstruindo o Mito da Impunidade
Um Ensaio de Direito (Penal) Juvenil/João Batista Costa Saraiva. - Brasília: 2002.
	131 p. : il.
	1. Direito da criança e do adolescente. 2. Adolescentes infratores. 3. Delitos e delinqüência juvenil. I. Saraiva, João Batista Costa. II. Título
CDU	343.915 (81)
	342.7-053.2
	301.162.2(81)
João Batista Costa Saraiva
Desconstruindo o Mito da Impunidade
Um Ensaio de Direito (Penal) Juvenil
João Batista Costa Saraiva
Foto da Capa: Rodrigo
Participante do Projeto Fotografia e Cidadania 
realizado com os internos da FEBEM 
de São Paulo, em 1999.
Nenhuma parde desta obra pode ser reproduzida 
ou duplicada sem autorização expressa do autor.
 2002 by Autor
Direitos para esta edição
Centro de Defesa dos Direitos 
da Criança e do Adolescente - CEDEDICA
Av. Venâncio Aires, 1705
Santo Ângelo - RS
Tel: (55) 3313-3003
e-mail: cededica@san.psi.br
www.cededica.cjb.net
Impresso no Brasil - maio de 2002
 
 Dedicatóriatc "Dedicatória"
Dedico este trabalho à minha Lili e a
 meus queridos filhos, de sangue e de coração.	
Faço minha homenagem neste trabalho a Emílio Garcia Mendez, por sua monumental contribuição ao Direito da Criança e do Adolescente na América Latina.
Sumáriotc "Sumário"
Palavras iniciais	13
Capítulo I - QUEM É O ADOLESCENTE?	17
1.	A adolescência	17
1.1	Condição peculiar de pessoa em desenvolvimento:
	Parecem-se com adultos, mas comportam-se 
	como crianças	20
1.2 Condição peculiar de pessoa em desenvolvimento: 
	sujeito de suas ações	25
Capítulo II - O MITO DA IMPUNIDADE	29
2. 	Com menor não dá nada	29
2.1 	O tríplice mito	33
2.2 	O mito da impunidade	39
CAPÍTULO III - O DIREITO PENAL JUVENIL	43
3.	O Direito Penal Juvenil: inimputabilidade 
	penal e responsabilidade penal juvenil	43
3.1	O Direito Penal Juvenil e o ECA: Nem Direito
	Penal Máximo, nem Abolicionismo Penal	47
3.2 	O tríplice sistema de garantias proposto pelo ECA	50
3.3	A Medida Socioeducativa	51
3.4	A proposta de uma Lei de Diretrizes 
	Socioeducativas em complemento ao ECA	55
3.5 	A crise de interpretação	57
3.6	Uma reflexão necessária	58
Capítulo IV - DESCONSTRUINDO O MITO
	DA IMPUNIDADE	63
4. 	A natureza jurídica da Medida Socioeducativa	63
4.1 	Os eufemistas e as crianças no Brasil	69
4.2	O Sistema Terceário de Garantias: natureza 
	sancionatória e conteúdo pedagógico	75
4.3	Medidas Socioeducativas em Meio Aberto	76
4.4	Medidas Privativas de Liberdade	79
Capítulo V - O PERFIL DO OPERADOR 
	DO SISTEMA	83
5. 	O perfil do Juiz e o Novo Direito da Infância 
	e da Juventude	83
5.1	Uma certa maneira de definir este perfil	85
5.2 	De menor a cidadão	88
5.3	Um novo Direito. Um novo Juiz?	91
5.4 	Um Juiz capaz de agir e interagir com a sociedade	94
Anexos
Entrevista	97
Quadro 1: Comparação européia da idade da 
responsabilidade penal juvenil, maioridade da 
idade penal e maioridade da idade civil	120
Quadro 2: Comparativo entre as diferentes medidas 
ou sanções contidas nas legislações da América Latina 
em face a Adolescentes em conflito com a Lei	121
Bibliografia	127
Prólogotc "Prólogo"
tc ""
tc ""
A leitura completa de Desconstruindo o Mito da Impunidade permite confirmar uma verdade nem sempre suficientemente relembrada: que o compromisso com a justiça e os direitos humanos se transforma em acionismo inútil sem o rigor científico, e que o rigor científico sem compromisso se converte em um diletantismo intranscendente. 
A justa e equilibrada dose de exatidão (veracidade) e compromisso, fazem do livro de João Batista Costa Saraiva, que tenho o privilégio de prologar, um material de trabalho imprescindível para todos os operadores do sistema de administração de justiça da infância hoje no Brasil e, oxalá num futuro não muito distante, no resto dos países da América Latina.
Desde uma posição que reúne tanto uma prática profissional conseqüente/resultante (o mesmo é o juiz que prospecta) quanto um arsenal teórico de irrefutável riqueza, Saraiva firma as bases de uma tarefa urgente e necessária no Brasil. Refiro-me à desconstrução de mitos, conservadores e progressistas, relativos aos vínculos dos adolescentes com a questão penal. Se Saraiva é capaz de levar ao bom término os objetivos político-pedagógicos que se propõe, isto é devido ao feito de assentar-se em uma posição que, desde o começo, rejeita de plano e sem vacilos a falsa e demagógica autonomia do velho direito de menores. Posição que inclusive baixou uma suposta perspectiva progressista e tem sido amiúde contrabandeada no novo direito da infância. Do único que o direito de menores era autônomo, era o Direito Constitucional. Do que menos o novo direito da infância deve ser autônomo, é o Direito Constitucional.
Pelo contrário, Saraiva aceita desde o começo o certo: de confrontar-se sem ambigüidades com o melhor direito penal e, somente desde aí, planejar a especificidade da questão penal tal como aparece contida e desenvolvida no Estatuto da Criança e do Adolescente. 
Desconstruindo o Mito da Impunidade constitui a primeira reflexão jurídico-cultural significativa sobre o Direito Penal Juvenil no Brasil. Além disto, este livro não poderia ter surgido em um momento mais oportuno. Apesar da crise de implementação e interpretação, o ECA começa a entrar decididamente em uma etapa de maturidade e consolidação, não isenta de riscos e perigos. 
Muitos são os desafios e ameaças que ainda deverá enfrentar o ECA. Não obstante, animo-me a afirmar que os riscos maiores não são nem serão externos, mas continuarão provindo da persistência de concepções e atitudes, produto de uma cultura corporativa, que somente textos como este conseguirão neutralizar e reverter. Não esqueçamos que o corporativismo tende a produzir mesclas explosivas de ignorância e má fé. 
Neste contexto, o livro de Saraiva cumpre uma função básica e preciosa de esclarecimento, ordenando as linhas centrais de um debate que, sem a existência de contribuições como esta, colocaria em risco não só o ECA, mas também aspectos fundamentais da vida democrática.
Por último, o livro de Saraiva constitui também – e quiçá sobretudo – uma clara convocação a iniciar um debate sério e profundo com todo o mundo do direito. Oxalá penalistas e constitucionalistas, para começar, também o entendam deste modo.
Emilio Garcia Mendez
Aguas Dulces, 
Janeiro de 2002. 
Palavras iniciaistc "Palavras iniciais"
O que se busca neste trabalho é desmistificar a idéia de impunidade no que respeita a problemática do adolescente em conflito com a lei, informação (ou desinformação) muito presente na mídia.
Desconstruir o mito da impunidade passa necessariamente pelo apreender de um Novo Direito, tendo presente que o Estatuto da Criança e do Adolescente, o ECA, Lei 8.069/90, na esteira da Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança e da própria Ordem Constitucional, estabeleceu no País um sistema que se pode denominar de Direito Penal Juvenil, ou, se preferirem os eufemistas, um Direito Socioeducativo, fundado em premissas e preceitos extraídos do Direito Penal.Nesses anos de vigência do ECA é possível avaliar seus resultados. Sem fazer concessões a seus adversários, nem aos alarmistas nem aos poetas, nem aos defensores do retribucionismo hipócrita nem aos defensores do paternalismo ingênuo, no permanente confronto entre o Direito Penal Máximo e o Abolicionismo Penal, cumpre afirmar a Doutrina do ECA à luz de preceitos do Direito Penal Mínimo, incorporados ao sistema.
Assim, sempre será possível aperfeiçoar o ECA, incluir a presença do Defensor na audiência de apresentação ao Ministério Público e, quem sabe, se assim for entendido oportuno, imaginando que em certas circunstâncias o Estado necessita de mais tempo para desenvolver sua ação socioeducativa em face o adolescente privado de liberdade ampliar o módulo máximo de internação, hoje fixado em três anos, criando espaços próprios para o atendimento de jovens-adultos (pessoas com mais de dezoito anos, autores de atos infracionais quando adolescentes). Há ainda que resolver melhor a questão dos adolescentes psicóticos, acometidos de doença mental, que, mesmo após completarem dezoito anos de idade, permanecerão inimputáveis, vez que o são não por terem menos de dezoito anos, mas especialmente porque são portadores de doença mental que os incapacita a discernir, nos termos do vigente art. 26, do Código Penal.
Como o disse L. N. A. em sua entrevista à Dra. Márcia Ribeiro, a integrar este trabalho, no estudo de caso realizado: do ponto de vista da privação de liberdade, da restrição ao direito de ir e vir, não há diferença entre o Presídio e a FEBEM. Ou seja, do ponto de vista da aflitividade da sanção que subtrai do sujeito o direito fundamental da liberdade, não há diferença entre a pena privativa de liberdade e a medida socioeducativa de internação.
A grande distinção entre esta e a pena há de ser o modo operativo de sua execução, o falado conteúdo pedagógico da medida, a sempre referida proposta pedagógica a ser desenvolvida. Nesta linha há que se afirmar que a medida socioeducativa tem natureza sancionatória e conteúdo prevalentemente pedagógico.
O Grupo de Trabalho da Associação Brasileira de Magistrados e Promotores da Infância e Juventude, encarregado de elaborar um anteprojeto de lei de execuções de medidas socioeducativas que resultou em uma proposta de Lei de Diretrizes Socioeducativas, alcançou a idéia de a proposta pedagógica constituir-se na oferta, por entidade ou programa, de princípios de conduta e ações que ensejem a superação de conflitos pessoais e sociais baseados em valores humanos e promoção da cidadania.
A idéia a ser desenvolvida neste estudo pode ser sintetizada nestas palavras iniciais: Quando se mitiga o conteúdo aflitivo da sanção socioeducativa está-se ignorando que esta tem uma carga retributiva, de reprovabilidade de conduta. A medida socioeducativa adequadamente aplicada será sempre boa, mas somente será sempre boa se o adolescente se fizer sujeito dela. Ou seja, somente será boa se necessária, e somente será necessária quando cabível, e somente cabível nos limites da legalidade, observado o princípio da anterioridade penal e o conjunto do sistema de garantias.
Capítulo Itc "Capítulo I"
tc ""
QUEM É O ADOLESCENTE?
Nossos adolescentes atuais parecem amar o luxo. Têm maus modos e desprezam a autoridade. São irrespeitosos com os adultos e passam o tempo vagando nas praças, mexericando entre eles... São inclinados a contradizer seus pais, monopolizam a conversa quando estão em companhia de outras pessoas mais velhas; comem com voracidade e tiranizam os seus mestres.
1.	A adolescênciatc "1.	A adolescência"
O epíteto acima expresso, a inaugurar este capítulo dando o perfil do adolescente, parece extraído do desabafo de um pai após digladiar-se com um adolescente seu filho, mergulhado em seu quarto em um som estonteante da Metálica, que faz estremecer o prédio, impondo a todos na casa (e também aos vizinhos) seu gosto musical..... Ou poderá ser de um professor de nossas escolas modernas diante dos diários conflitos enfrentados em sala de aula com seus jovens alunos, onde a autoridade se faz cada dia mais desgastada. Eis que, temeroso por passar por autoritário, aquele que deveria deter a autoridade abdica do exercício desta.
A epígrafe que serve de mote a este texto, entretanto, foi recolhida pelo Dr. Cyro Martins de um fragmento de Sócrates. A expressão é de antes de Cristo e nos soa tão atual, afirmando o eminente psicanalista: 
Isso de que acusam os adolescentes, hoje, contém, na essência e às vezes na minúcia, as mesmas queixas que há 2.500 anos registrava, com amargura, o filósofo. 
O texto é citado por Ronald Pagnocelli de Souza no perfil da adolescência que faz em seu trabalho Nossos Adolescentes1 . 
Desta lição, na construção do perfil do adolescente, pode-se extrair que:
na verdade, do adolescente só o que se costuma salientar é o seu aspecto, ou seus maneirismos, ou seus trajes esquisitos, sua tendência a ser buliçoso, preguiçoso, contestador. O mínimo que costumamos fazer é considerá-lo delinqüente. Poucas vezes consideramos que a maioria estuda e, além de estudar, trabalha. É sabido que contestam valores tradicionais, mas sempre lutam por condições justas, opõem-se às guerras e, de alguma forma, contribuem para a Nação. São dotados de uma enorme capacidade de amar e se deixam apaixonar com grande facilidade. Quem sabe não está justamente aí, nessa invejável e desprendida capacidade de amar, o forte elemento gerador das dificuldades que muitos adultos têm em aceitar o adolescente assim como ele é. (Souza, 1989)
Se a invenção da infância, com o reconhecimento do direito a brincar, divertir-se, data da época dos descobrimentos, como bem enfoca o trabalho de Liliana Sulzbach, no filme de curta metragem A Invenção da Infância2 , coloca-se a invenção da adolescência, com o reconhecimento de uma especial condição de desenvolvimento do homem anterior à idade adulta, ao tempo de revolução industrial, com a intensa absorção de mão-de-obra infantil nas linhas de produção. 
As primeiras leis de proteção à criança trabalhadora, surgidas diante das denúncias e reivindicações da sociedade, principalmente dos trabalhadores, vêm da Inglaterra, a partir de 1802, com a Carta dos Aprendizes. Segundo documento da CUT, esse ato legislativo instituía a jornada de trabalho de no máximo doze horas e proibia trabalho noturno (!). 
Quanto ao conceito de criança, do antes mencionado trabalho de Liliana Sulzbach se extrai que em um dicionário francês do início do século XVIII, o termo criança era definido como um termo cordial utilizado para saudar alguém ou agradar alguém, ou, ainda, para levá-la a fazer alguma coisa. Assim, diz, por exemplo: “Minha criança, vá buscar meu copo”. Um Mestre dirá aos trabalhadores: “Vamos crianças, trabalhem”. Um Capitão dirá a seus soldados: “Coragem crianças, agüentem firme”; e os soldados da primeira fila, que estavam mais expostos ao perigo, ele os chamava de “crianças perdidas”.
Se a idéia de criança remonta ao renascimento, o conceito de adolescência é, pois, bem mais recente na história do homem. A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, de 1989, não estabelece distinção, tratando criança como toda a pessoa entre zero e dezoito anos de idade3 .
		
1.1. Condição peculiar de pessoa em tc "1.1. Condição peculiar de pessoa em "desenvolvimento: Parecem-se com adultos, mas tc "	desenvolvimento\: Parecem-se com adultos, mas "
	comportam-se como criançastc "	comportam-se como crianças"
Embora exista uma diversidade de concepções de infância e adolescência, cada sociedade termina por estabelecer aquelas que são consideradas paradigmas válidos para toda a sociedade. Assim, as constantes referências à infância e adolescência, referem-se em realidade, a uma concepção predominante aceita legal e institucionalmente... (Santos,1996)
O direito brasileiro estabelece a imputabilidade penal a partir da idade de 18 anos completos, dando ao agente com menos de dezoito anos um tratamento especial através do Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei 8.069 de 13.07.1990. Como dito antes, esta decisão legal não é fruto aleatório do legislador brasileiro, que seguindo tendência mundial sobre o novo direito da criança e do adolescente preconizado pela Organização das Nações Unidas, reconhece tal grupo como sujeito de direitos, destinatário da doutrina da proteção integral e prioridade absoluta das políticas públicas. 
Nessa perspectiva, como fundamenta a Equipe Técnica da Fundação de Desenvolvimento Social e Cidadania de Maringá, em documento que produziu, torna-se cada vez mais necessário esclarecer o significado do Direito4  e das garantias mínimas de vida saudável, deixando claro que os avanços legais sob essa ótica representam a possibilidade de ampliar ou criar condições para implantar uma política de atendimento integral, introduzindo uma série de inovações na política de promoção e defesa dos direitos da criança e do adolescente, a ser aplicada a todas as pessoas com idade inferior a dezoito anos em qualquer situação.
O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA estabelece como um de seus princípios norteadores o reconhecimento de que crianças e adolescentes gozam de uma condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, expressos, por exemplo, em seus artigos 65 , 156  e 1217 , na esteira do mandamento constitucional insculpido no art. 227, § 3º, inc. V8 .
Esta peculiar condição de pessoa em desenvolvimento faz-se inquestionável, a justificar a existência de um sistema diferenciado de atendimento deste segmento da população. Nem sempre, porém, esta condição especial é percebida por todos. Ao menos nem sempre é percebida como uma condição que atinja a todos que se encontram na mesma etapa de desenvolvimento. Estabelece-se uma distinção entre os que podem e os que não podem adolescer.
Veja-se, por exemplo, a maneira como os formadores de opinião de nossos meios de comunicação tratam da matéria. São eles, invariavelmente, absolutamente complacentes com os jovens atletas de futebol (na maioria das vezes tratados a pão-de-ló em seus clubes), quando submetidos às disputas esportivas, erram lances elementares bisonhamente. Logo surgem justificações, como muito verde, inexperiente, é apenas um menino, contemporizando os erros que cometem, a par de muitas vezes já estarem estes jovens recebendo salários extraordinários apesar de seus 17, 18 anos de idade. 
Estes mesmos formadores de opinião, todavia, não têm a mesma complacência, com erros cometidos por jovens destas mesmas idades, muitas vezes (se não na maioria absoluta das vezes) desprovidos de quaisquer oportunidades na vida, quando cometem pequenas infrações, reclamando para estes um tratamento adulto, pois aqui não são considerados nem meninos, nem muito verdes, são marginais.
Funciona uma certa lógica, em especial com a adolescência excluída, de que estes seriam adolescentes diferentes dos outros (os incluídos). 
No tratamento distinto que é dado aos jovens, a uns tudo justificando e a outros implacavelmente cobrando uma postura adulta, resulta a conclusão de que seriam eles diferentes entre si. 
Afigura-se algo como aquela conversa que seguidamente se escuta em um encontro de tias para um chá, ou em um verão abrasador, sob o frescor de um ar condicionado; ou no inverno gelado, no aconchego de uma lareira, quando alguém, entre um canapé e outro, sempre indaga: “Como será que os pobres agüentam?”. Imaginam por certo que estes, sendo diferentes, teriam uma resistência desumana ao frio ou ao calor, quando na verdade, sabe-se: passam muito frio ou padecem intensamente no calor.
Lembro-me de episódio havido em 1992, quando houve na FEBEM em São Paulo um grande motim, durante o III Seminário Latino Americano do Avesso ao Direito, Da Situação Irregular à Proteção Integral da Infância e Adolescência na América Latina. Em um jornal de grande circulação houve, na época, editorial criticando duramente a então Secretária do Menor do Estado de São Paulo por haver esta se referido aos internos amotinados como meninos. Falava o editorialista do equívoco desta linguagem, dizendo que havia delinqüentes, do tipo de Mike Tyson, dentre os revoltosos, sugerindo que aquela seria uma linguagem paternalista, de utilização imprópria. Tangenciando a propriedade ou não da expressão utilizada, o fato é que aquele mesmo jornal, que tão duramente criticara a Secretária por tratar de meninos os adolescentes amotinados, estampava manchetes, em suas páginas esportivas, saudando os Meninos de Ouro do Brasil, referindo-se à equipe olímpica de voleibol, que na época a todos vencia, com seus atletas de quase dois metros de estatura e todos com mais de dezoito anos de idade...
Efetivamente em uma sociedade como a nossa, onde por meio de uma mídia avassaladora e mecanismos de merchandising extraordinários se impõe a todos um intenso sofrimento porque não têm coisas de que não precisam, em uma assustadora prevalência do TER sobre o SER, não é de se admirar que se imagine existir duas adolescências: a dos que podem adolescer e a dos que não podem. 
Ocorre que a adolescência, como etapa de desenvolvimento físico e psíquico, é adolescência para todos, dos bairros mais nobres à periferia, submetidos às mesmas aflições próprias desta época, alcançados todos pelos mesmos apelos de mídia, todos destilando hormônios, todos desejantes, todos fascinados pelo mesmo tênis importado.
A contribuir com esta reflexão, discorre Souza:
Torna-se mais fácil compreender suas aflições quando consideramos com atenção o que se passa com seu corpo e sua mente.
Num determinado momento, por comando do hipotálamo e da hipófise, na base do cérebro, as glândulas do aparelho reprodutor, entre outras que participam menos intensamente do processo, começam a produzir grandes quantidades de hormônios e sob o efeito desses passa a ocorrer uma série de transformações orgânicas. Há um grande crescimento estatural (período de estirão), surgem os caracteres sexuais secundários; seios, distribuição de pêlos no corpo – pêlos axilares, pêlos pubianos, aspecto dos cabelos e desenvolvimento da barba. Modificam-se as proporções do corpo, com o aumento da bacia e distribuição da gordura na mulher, e dos ombros e da musculatura no homem. A libido – energia que alimenta a conduta sexual – que na fase anterior estava dirigida à atividade muscular e às especulações intelectuais (no período de latência – dos seis aos dez ou doze anos), é agora dirigida à genitalidade. O interesse heterossexual passa a predominar e, habitualmente, entre as brincadeiras, carícias e masturbação os adolescentes treinam para o intercurso sexual, amadurecendo em direção da sexualidade adulta.
Isso não se passa abruptamente, mas nem sempre os três ou quatro anos em que esses fatos se sucedem constituem tempo suficiente para que o amadurecimento mental acompanhe o desenvolvimento físico. 
Torna-se comum a análise: Parecem-se com adultos, mas comportam-se como crianças. (Souza, 1989:7-9)
Por fim, cumpre ilustrar esta reflexão com o pronunciamento de Arminda Aberastury: 
Entrar no mundo dos adultos – desejado e temido – significa para o adolescente a perda definitiva de sua condição de criança. É o momento crucial na vida do homem e constitui a etapa decisiva de um processo de desprendimento que começou com o nascimento9 .
1. 2. Condição peculiar de pessoa em desenvolvimento: sujeito de suas açõestc "1. 2. Condição peculiar de pessoa em desenvolvimento\: sujeito de suas ações"
Conceituar adolescente, este indivíduo em condição peculiar de desenvolvimento, buscando compreender o tratamento diferenciado a que faz jus, não se constitui em tarefa simples. 
Vê-lo como sujeito de suas ações, vê-lo como sujeito de direitos e, em conseqüência, titular de direitos e obrigações, nem sempre dá-se de forma a ser perfeitamente compreendidapor todos. Até porque há mitos e preconceitos impedindo esta compreensão, além de um equivocado entendimento da ordem legal, resultando no que Emílio Garcia Mendez (2000) define como a crise de interpretação do ECA.
Viajando por lições de Freud, Lacan e Winnicott, em uma incursão psicanalítica sobre o tema, a professora Sonia Carneiro Leão10  oferece outras reflexões sobre a adolescência, destacando o imaginário adulto frente a adolescência, uma época onde tudo é permitido e nada seria cobrado, segundo este ideal adulto da adolescência. 
A propósito disso, cumpre realçar, com especial relevo, que o ignorar a existência de um Direito Penal Juvenil, que adiante será abordado, conduz a esta sensação equivocada de impunidade na adolescência, aspecto que ainda mais contribui para o mito sobre esta fase, quase idolatrada pelo mundo adulto, ao mesmo tempo que a inveja e condena. 
Diz Leão:
Sensação de plenitude o adolescente sente, realmente. O adulto o inveja, invariavelmente. Por causa dessa plenitude o adolescente vê o mundo com as cores mais intensas. O mundo adulto já ficou um tanto desbotado.
O jovem acha que pode tudo.
Há bem pouco tempo eram crianças submetidas aos padrões éticos de suas famílias, reproduzindo fielmente os desejos do meio em que viviam. Agora têm estilo próprio. Vestem-se de modo peculiar. Cantam músicas que lhe são destinadas especialmente, e já têm pontos de vista próprios. (Leão, 1990:80)
Prossegue a eminente psicanalista carioca:
As crianças de 6 a 9 anos são muito reacionárias. Tudo o que elas pedem é que lhes seja dada bem pouca liberdade. Educadores severos para conterem seus impulsos descontrolados é o que elas reclamam. É esta a fase áurea da formação do superego, instância prepotente e dominadora que, se não for muito vigiada, vigiará o sujeito para o resto de sua vida, incapacitando-o freqüentemente a buscar novos prazeres.
Na adolescência há como que a busca de uma trégua do superego. Isso não significa que o jovem não internalizou esta instância psíquica. Ela está lá, só que, agora, numa espécie de latência. Digamos que o adolescente percebe o seu cão de fila superegóico, farejando bem de perto seus impulsos sexuais. Mas ele agora sabe driblar o vilão. Então já pode ir ao encontro do grande amor, já pode ir buscar o seu desejo. Esta é a idade em que a libido está solta, dentro e fora do sujeito, nele e no outro, ao mesmo tempo.
O adolescente não quer tomar o lugar dos pais. Quer apenas um lugar para ele próprio. Os pais já não são os super-heróis da infância, não são mais a causa do desejo. O desejo está alhures. Onde? Em toda a parte. O jovem luta nos esportes e faz poesia. Trabalha árduo na escola e namora com paixão. Está sempre pronto para agir e parar. Sorrir e chorar. Bater e perdoar. (Leão, 1990:81)
O adolescente, enquanto sujeito em peculiar condição de desenvolvimento, carece de uma atenção especial, em um país que, se tem dito, ao invés de mãe gentil tem sido uma madrasta megera de seus filhos. 
O atendimento diferenciado, respeitada esta condição especial, é conceito universal, estampado na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança e em toda a normativa internacional que trata da matéria. O conjunto desta normativa resulta na chamada Doutrina das Nações Unidas de Proteção Integral à Criança, contemplando, além da Convenção, As Regras Mínimas das Nações Unidas para Administração da Justiça de Menores, As Regras Mínimas das Nações Unidas para a Proteção dos Jovens Privados de Liberdade e as Diretrizes das Nações Unidas para a Prevenção da Delinqüência Juvenil. Este corpo de legislação internacional tem força de lei interna para os países signatários, entre os quais o Brasil. A Doutrina da Proteção Integral foi adotada pela Constituição Federal, que a consagra em seu art. 227, tendo sido acolhida pelo plenário do Congresso Constituinte pela extraordinária votação de 435 votos contra 8. O texto constitucional brasileiro, em vigor desde o histórico outubro de 1988 antecipou-se à Convenção11 .
Por fim, afirmada, por força da normativa internacional e por uma imposição de uma constatação biológica e psicológica, há que ser reconhecida a adolescência como uma etapa especial de desenvolvimento, não se admitindo o ignorar desta situação.
Maria Auxiliadora Minahim, em obra contemporânea à edição do Estatuto da Criança e o Adolescente, discorre sobre a visão do direito penal e a imputabilidade em face à idade, fazendo uma análise histórica do tema, afirmando, no capítulo final de seu trabalho: 
Se as emoções variam de uma identificação positiva para uma identificação negativa com os adultos, em relação à criança e ao adolescente o fenômeno é ainda mais acentuado. Isso ocorre ainda mais pela indiscutível sedução que a infância exerce, ao menos nos primeiros anos, como promessas de uma vida que se instala só de pureza e bondade. No entanto, e como tudo na natureza, a uma qualidade opõe-se outra, o que deveria conduzir à procura do todo que, em sua essência, é diferente da soma das partes. A humanidade, todavia, insiste em fragmentar percepções do maturo, entendendo-o em razão de facetas isoladas. Assim, da pureza a perversidade, de alma abandonada à infância viciada, de carente a pivete, a criança flutua na consciência grupal com reflexos no Direito.12  
Cumpre assim, remeter a leitura para adiante, afirmando-se a existência de um ramo do sistema jurídico que, compreendendo este caráter especial, esta peculiar condição de pessoa em desenvolvimento, contemple a questão do envolvimento do adolescente com a lei, do adolescente em conflito com a ordem jurídica, que se faz pela análise do Direito Penal Juvenil, sem concessões a um paternalismo ingênuo, que somente enxerga o adolescente infrator como vítima de um sistema excludente, em uma leitura apenas tutelar; ou a um retribucionismo hipócrita, que vê no adolescente infrator o algoz da sociedade, somente o conceituando como vitimizador, em uma leitura sob o prisma do Direito Penal Máximo.
Souza, Ronald Pagnocelli de. Nossos Adolescentes. 2ªed. – Porto Alegre: Ed. Da Universidade/UFRGS, 1989.
Sobre este tema faz-se imprescindível conhecer o trabalho da psicanalista Liliana Sulzbach, no premiado Curta Metragem “A Invenção da Infância” (The Invention of Childhood), de M. Schmidt Produções, com animações de Tadao Miaqui, música de Nico Nicolaiewsky e direção de fotografia de Adrian Cooper e Alex Sernambi.
Artigo Primeiro da Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança : “... entende-se por criança todo ser humano menor de 18 anos, salvo se, em conformidade com a lei aplicável à criança, a maioridade seja alcançada antes”.
Direito: “conjunto de normas de conduta e de organização, constituindo uma unidade e tendo por conteúdo a regulamentação das relações fundamentais para a convivência e sobrevivência do grupo social, tais como, relações familiares, econômicas, superiores de poder, também chamadas de relações políticas, e ainda a regulamentação dos modos e das formas através das quais o grupo social reage à violação das normas de primeiro grau ou a institucionalização da sanção” ( Norberto Bobbio). Estado de Direito, o indivíduo não tem só direitos privados, mas também direitos públicos. O Estado de Direito é o Estado de cidadãos (Bobbio, apud Pereira, Irandi e Mestriner, Maria Luiza. Liberdade Assistida & Prestação de Serviço à Comunidade: Medidas de Inclusão Social Voltadas a Adolescentes Autores de Ato Infracional. IEE/PUC São Paulo e FEBEM/ São Paulo. São Paulo: Vox Editora, 1999. É portanto, aquele em que as soluções dos conflitos obedecem aos primados da lei.
Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoa em desenvolvimento.
A criança e o adolescente têm direito à liberdade, ao respeito e à dignidade como pessoas humanas em processo de desenvolvimento e como sujeitosde direitos civis, humanos e sociais garantidos na Constituição e nas leis.
A internação constitui medida privativa de liberdade, sujeita aos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.
Obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa de liberdade.
Aberastury, Arminda. Adolescência Normal: Um enfoque psicanalítico. P.13.
Leão, Sonia Carneiro. Infância, latência e adolescência: Temas de Psicanálise – Rio de Janeiro: Imago Ed., 1990.
A Convenção tem uma história de elaboração de dez anos. A origem remonta ao ano de 1979, Ano Internacional da Criança, quando surgiu uma proposta originária da Polônia de uma convenção sobre o tema. A Comissão de Direitos Humanos da ONU organizou um grupo de trabalho aberto para estudar a questão. Neste grupo poderiam participar delegados de qualquer país membro da ONU, além dos representantes obrigatórios dos 43 Estados integrantes da Comissão, organismos internacionais como o UNICEF, e o grupo “ad hoc” das organizações não governamentais. Em 1989, no trigésimo aniversário da Declaração dos Direitos da Criança, a Assembléia-Geral da Organização das Nações Unidas, reunida em Nova York, aprovou a Convenção sobre os Direitos da Criança. Desde então os Direitos da Criança passam a se assentar sobre um documento global, com força coercitiva para os Estados signatários, entre os quais o Brasil.
Minahim, Maria Auxiliadora. Direito Penal da Emoção: A inimputabilidade do menor. – São Paulo: RT, 1992.
Capítulo IItc "Capítulo II"
tc ""
O MITO DA IMPUNIDADE 
Pretender construir cidadania sem responsabilidade constitui um contra-senso, produto da ingenuidade ou da incompetência.
2. 	Com menor não dá nadatc "2. 	Com menor não dá nada"
	
A responsabilidade penal dos adolescentes tem gerado debate, não apenas no Brasil, mas em todo o mundo, ocupando espaços de mídia. O tema se torna mais discutido quando desfocado do prisma da responsabilidade juvenil, para pretender incluí-lo apenas como uma matéria do Direito Criminal ou somente como assunto de elucubrações sociológicas. 
Na reforma do Código Penal Espanhol, que resultou na alteração da idade de imputabilidade penal, anteriormente fixada em 16 anos pelo ordenamento penal herdado do regime franquista, houve intensos debates, redundando na adoção de um modelo semelhante ao alemão, ficando a idade de imputabilidade penal em 18 anos13 . Na América Latina a situação não é diferente, e a matéria enseja discussões em todos os níveis, com ingredientes passionais e de manipulação de informação14 .
A expressão com menor não dá nada, de vezo discriminatório e preconceituoso, ainda se faz presente no inconsciente coletivo, decorrente de uma apreensão equivocada da legislação. Percepção distorcida, que se faz produto da antiga doutrina da situação irregular, montada sobre a idéia fundante de que o infrator necessitava de um certo tratamento, como se portador de uma moléstia. Seria ele portador de uma moléstia social, não sendo considerado como sujeito de seus atos, e sim como objeto de uma ação estatal, que sequer seria jurisdicional, mas administrativa, muito mais voltada para o plano da piedade e da caridade, do que da justiça e do direito. A questão infracional, por esta visão, teria uma consideração exclusivamente sob a ótica da sociologia, desimportando o direito. O Direito da Infância e Adolescência padeceria ainda da pecha de um direito menor.
A idéia da impunidade, ventre nefasto do extermínio de crianças pelo qual o Brasil é tristemente famoso, decorre de uma apreensão equivocada da Lei, fundamentalmente da ignorância e desconhecimento de que o Estatuto da Criança e do Adolescente se constitui em instrumento de responsabilidade do Estado, da Sociedade, da Família, fundamentalmente, mas também do próprio adolescente, que retirado de uma condição de mero objeto do processo, assume definitivamente a condição de sujeito.
Sobre o tema leciona Emílio Garcia Mendez: 
	Os adolescentes são e devem seguir sendo inimputáveis penalmente, quer dizer, não devem estar submetidos nem ao processo, nem às sanções dos adultos e, sobretudo, jamais e por nenhum motivo devem estar nas mesmas instituições que os adultos. No entanto, os adolescentes são e devem seguir sendo responsáveis por seus atos (típicos, antijurídicos e culpáveis). Não é possível nem conveniente inventar aforismos difusos, tais como uma suposta responsabilidade social somente aparentemente alternativa à responsabilidade penal. Contribuir com a criação de qualquer tipo de imagem que associe adolescência com impunidade (de fato ou de direito) é um desserviço que se faz aos adolescentes, assim como, objetivamente, uma contribuição irresponsável às múltiplas formas de justiça com as próprias mãos, com os quais o Brasil desgraçadamente possui uma ampla experiência. A responsabilidade – neste caso penal – dos adolescentes é um componente central de seu direito a uma plena cidadania. Pretender construir cidadania sem responsabilidade constitui um contra-senso, produto da ingenuidade ou da incompetência. (Garcia Mendez, 2000:14)
Relativamente a esta mudança paradigmática, de objeto do processo para sujeito do processo, em estudos anteriores15  já tivemos oportunidade de abordá-la.
A ordem jurídica não mais se conforma com o velho conceito de menor, discriminatório e preconceituoso, introduzindo um novo conceito jurídico, criança e adolescente, aqueles de zero a doze anos incompletos, e estes de doze a dezoito anos incompletos (ECA, art. 2º). 
Aliás, a precisão conceitual se faz imperativa, visando arredar preconceitos, decorrente de exigência ética e de boa técnica presente em todas as áreas, como por exemplo, no plano de Direito de Família. Neste, por anos, houve a utilização com dúplice sentido da palavra concubina. Esta expressão ora designava amásia, ora designava a companheira (aliás, esta, também, outra expressão equívoca). A doutrina e a jurisprudência do Direito de Família acabaram por distinguir concubinato puro de concubinato impuro, para justificar a utilização das expressões, aquele para definir as relações clandestinas e este para as uniões estáveis. Não satisfatório, o conceito evoluiu hoje em uma expressão mais adequada, para a idéia de convivência, a permitir afirmar que aqueles que vivem em união estável vivem convivência e, portanto, são conviventes e não concubinos.
 Dessa forma, pela ordem vigente, assim como não se admite que no protocolo de certa solenidade seja apresentado alguém acompanhado de sua concubina fulana de tal; não mais se concebem manchetes de jornal do tipo menor assalta criança, de manifesto conteúdo discriminatório, onde a criança era o filho bem nascido, e o menor o infrator. Tal noticiário se constituía em legítimo produto de uma cultura excludente que norteava o anterior sistema, que distinguia crianças e adolescentes de menores. 
Para Emílio Garcia Mendez na análise que fez sobre a velha doutrina da situação irregular em confronto com a nova ordem estabelecida a partir da Convenção das Nações Unidas para o Direito da Criança16 ,
no contexto sócio-econômico da chamada década perdida, resulta supérfluo insistir com cifras para demonstrar a existência de dois tipos de infância na América Latina. Uma minoria com as necessidades básicas amplamente satisfeitas (crianças e adolescentes) e uma maioria com suas necessidades básicas total ou parcialmente insatisfeitas (os menores). 
A ideologia que norteia o Estatuto da Criança e do Adolescente se assenta no princípio de que todas as crianças e adolescentes, sem distinção, desfrutam dos mesmos direitos e sujeitam-se a obrigações compatíveis com a peculiar condição de desenvolvimento que desfrutam, rompendo, definitivamente com a idéia até então vigente de que os Juizados de Menores seriam uma justiça para os pobres, postoque, analisada a doutrina da situação irregular, constatava-se que para os bem nascidos a legislação baseada naquele primado lhes era absolutamente indiferente.
2.1. O tríplice mitotc "2.1. O tríplice mito"
Mário Volpi, em diversos estudos publicados17, sustenta a existência, em relação ao adolescente em conflito com a lei, de um tríplice mito a animar os arautos do catastrofismo, sempre de prontidão a encontrar no adolescente uma, se não a principal, causa da problemática da segurança pública.
Os mitos são:
	do hiperdimensionamento do problema, 
	da periculosidade do adolescente, 
	da impunidade.
Destes três mitos, o mais gravoso para a efetividade dos Direitos dos adolescentes tem sido o terceiro, o mito de impunidade, objeto deste trabalho.
Os dois primeiros mitos (do hiperdimensionamento do problema e da periculosidade do adolescente) resultam de uma crescente manipulação de informações, em especial por parte da mídia. A idéia que se faz passar à opinião pública é no sentido de que cada vez há mais adolescentes envolvidos com a criminalidade, que este número é gigantesco e que os atos infracionais praticados por estes jovens revestem-se cada vez mais de intensa violência.
Nenhuma das duas informações se faz verdadeira. Não há quaisquer dados que autorizem afirmar um crescimento da delinqüência juvenil, tão pouco do incremento da violência, ao ponto de afirmar a periculosidade alarmante destes agentes.
Mário Volpi (2001:15), analisando informações extraídas do Censo Penitenciário Brasileiro, do Ministério da Justiça, traz informação no sentido de que, em 1994, havia 88 presos (adultos) para cada cem mil habitantes no Brasil, enquanto a proporção para adolescentes privados de liberdade era de 3 para os mesmos cem mil habitantes. A proporção entre delitos por adultos e delitos por adolescentes se manteve inalterada três anos depois, pelos dados obtidos oficialmente em 1997. Este fato, considerando que a privação de liberdade se faz a medida restrita aos adolescentes infratores graves e aos reiterados autores de ações infracionais, autoriza a conclusão de que, evidentemente, o alarma resultante do crescimento invencível da chamada delinqüência juvenil não encontra comprovação nos dados estatísticos.
Igualmente os dados desmentem o mito da periculosidade do adolescente infrator. A imagem do jovem infrator, de que seria violento e perigoso, para o qual contribui a mídia mostrando-o com uma voz distorcida nas entrevistas e sem o rosto, permitindo que o imaginário coletivo construa a imagem que desejar, resulta amplamente desmentido pelos dados.
Por certo estamos vivendo um momento extremamente difícil no País. O clima de insegurança que inquieta a sociedade brasileira se faz muito grave, transformando nossas cidades, especialmente as maiores, em cenário de medo e intranqüilidade. Daí, porém, eleger os adolescentes como os responsáveis por esta situação, propondo como solução o rebaixamento da idade de responsabilidade penal, beira a irresponsabilidade total e escancara a falta de compreensão da situação e a incompetência do Estado, induzindo a sociedade em erro. Não é verdadeira a informação no sentido de que sejam os adolescentes os responsáveis pela escalada de violência. 
Como se está a demonstrar, os levantamentos estatísticos realizados no País indicam que o percentual de infrações praticadas por adolescentes, se cotejadas com a população adulta (maiores de 18 anos) perfaz menos de dez por cento daquela. Delitos graves (homicídios, estupros, latrocínios) constituem cerca de apenas 19% dos delitos praticados por estes jovens, ou seja, 19% dos dez por cento do total, ou seja, menos de 2% dos delitos praticados. Estes dados estão à disposição de todos no trabalho de Mário Volpi (1999). Ainda assim a opinião pública é induzida a crer que juventude assusta.
Em 1997, apenas um em cada quatro adolescentes privados de liberdade se encontrava nesta situação por haver atentado contra a pessoa. Do total dos atos infracionais praticados por adolescentes no Recife - PE durante o ano de 1996, apenas 3% destes referiam-se a crimes contra a pessoa, sendo que este percentual, no mesmo período, no Rio de Janeiro - RJ, situava-se na órbita dos dez por cento18 . 
Leonel Augusto Mayer Neto, especialista em método estatístico, realizou trabalho de pesquisa junto a unidades da FEBEM do Rio Grande do Sul, procurando estabelecer o perfil dos internados, tomando por referências as unidades de Santo Ângelo (CJSA), de Pelotas (CJP), de Caxias do Sul (CJC), de Santa Maria (CJSM) e de Uruguaiana (CJU).
O trabalho de Leonel tomou como referência apenas os adolescentes privados de liberdade, assim sendo seriam aqueles tidos como piores, considerando que o percentual de adolescentes infratores que cumprem medidas socioeducativas em meio aberto (por delitos cometidos sem violência à pessoa em 99% dos casos), representam mais de 95% destes jovens.
Do trabalho de Leonel se extrai: 
Apresentaremos, a seguir, os percentuais dos atos infracionais praticados contra a pessoa (homicídio, estupro, tentativa de estupro, tentativa de homicídio, lesões corporais) e contra o patrimônio (furto, roubo e roubo seguido de morte). Aqui, é possível percebermos que os atos infracionais praticados diretamente contra a pessoa tem menor representatividade, se comparados com aqueles que têm o patrimônio como motivação para a prática do ato19 . 
O ato infracional típico da adolescência em conflito com a lei é o furto. Homicídios, latrocínios, estupros ocorrem, mas o percentual destes dados não se fazem impressionantes, tanto que delito com violência praticado por adolescente (felizmente) ainda dá manchete de jornal, ante a banalização da violência.
O jornal Zero Hora de Porto Alegre revela em sua edição de 27.05.2001, nas páginas 44 e 45, com dados fornecidos pelo Ministério Público do Rio Grande do Sul, onde não estão computadas as ocorrências de remissões concertadas, mas apenas os procedimentos em que houve oferecimento de Representação contra Adolescentes, ou seja, onde se instalou o processo de conhecimento de apuração de ato infracional, em todo o Estado do Rio Grande do Sul, que:
ANO	Furto e Roubo	Narcotráfico	Homicídio	TOTAL	
1999	4.543	152	261	7.703	
2000	4.413	161	275	7.865	
A não inclusão das remissões concertadas neste dado publicado pela imprensa subtraiu a informação de um número expressivo de ocorrências envolvendo infrações de menor potencial ofensivo, onde não há representação ou onde houve a conclusão de que os mecanismos de família, escola e sociedade foram suficientes para a construção de um projeto socioeducativo com o adolescente sem necessidade de processo. 
Incluídos os dados sobre remissões concertadas (e pedidos de arquivamento), ter-se-á uma noção mais clara do conjunto da situação dos adolescentes em conflito com a Lei, permitindo, com os dados do Centro de Apoio das Promotorias da Infância e Juventude do Rio Grande do Sul, fazer-se um cotejo destes dados, concluindo, necessariamente, que o percentual de atos infracionais graves cometidos por adolescentes (com violência à pessoa ou grave ameaça) faz-se pequeno.
Assim, segundo o Ministério Público do Rio Grande do Sul, nos anos de 1999 e 200020  se teve:
Expedientes/Procedimentos	1999	2000
p/apuração de ato infracional 	
Representações	7.703	7.865	
Remissões	8.846	8.687	
Arquivamento	3.079	3.918	
A mesma matéria do jornal Zero Hora, citando como fonte o Ministério Público gaúcho, revela que no ano de 1999 houve 2.683 denúncias por homicídio contra adultos, e no ano 2000 houve 2.726, ou seja, as representações contra adolescentes por homicídio são cerca de dez por cento da criminalidade adulta naquele estado. 
O jornal Zero Hora estampou como manchete, nesta matéria, em um evidente movimento de alimentação do mito do hiperdimensionamento do problema e da periculosidade dos adolescentes, que um adolescente é denunciado a cada hora. A mesma matéria, com os mesmos dados, oportunizariaoutra manchete: um adulto é denunciado a cada cinco minutos.
Os elementos de pesquisa disponíveis apontam, sem dúvida, não ser verdadeira a afirmativa do crescimento da delinqüência juvenil como fator assustador e torna claro que os adolescentes são, em sua esmagadora maioria, o que a mesma mídia costuma definir como, em cotejo com os delitos de colarinho branco, ladrões de galinha.
O que assusta a classe média e inquieta a sociedade, sem dúvida, é a horda de excluídos que se movimentam pelas ruas, meninos e meninas de rua, em situação de risco social e pessoal, porém não infratores, mas vistos como potenciais infratores por quem continua distinguindo, em sua escala de valores, menores de crianças e adolescentes.
2.2. O mito da impunidadetc "2.2. O mito da impunidade"
Por fim, o mito da impunidade. O mais grave, o mais prejudicial, apto a lançar sobre o sistema de atendimento a adolescentes em conflito com a lei uma suspeição de inidoneidade. A idéia de que ao adolescente infrator nada se sanciona, que restaria impune de sua conduta infracional, de sua conduta típica e antijurídica, de sua conduta reprovável, em circunstâncias em que se lhe exigiria um agir de acordo com a Lei, tendo plena consciência da ilicitude de seu agir.
Em outra ocasião se afirmou, e aqui se reitera, que o clamor social em relação ao jovem infrator – menor de 18 anos – surge da equivocada sensação de que nada lhes acontece quando autor de infração penal. Seguramente a noção errônea de impunidade se tem revelado o maior obstáculo à plena efetivação do ECA, principalmente diante da crescente onda de violência, em níveis alarmantes. 
A criação de grupos de extermínio, como pseudo-defesa da sociedade, foi gerada no ventre nefasto daqueles que não percebem que é exatamente na correta aplicação da lei que está a salvaguarda da sociedade. Todo o questionamento que é feito por estes setores parte da superada doutrina que sustentava o velho Código de Menores, que não reconhecia a criança e o adolescente como sujeitos do processo, mas como meros objetos.
A experiência que se tem tido nestes anos de aplicação do ECA permite afirmar a eficácia do Estatuto e das medidas socioeducativas que preconiza aos adolescentes autores de infração penal.
A responsabilidade destes jovens, diferentemente do que se afirma, não os faz livres da ação da lei. Ao contrário, ficam subordinados aos ditames da norma, que lhes imporá em caso de culpa, apurada dentro do devido processo legal, medidas socioeducativas compatíveis com sua condição de pessoa em desenvolvimento e ao fato delituoso em que se envolveu. Disso decorre a circunstância de muitos jovens, dentro de uma proposta pedagógica formada, estarem hoje privados de liberdade, em internamento sem direito à atividade externa, recebendo atendimento profissionalizante e educação.
Se, como bem identificou Antônio Cezar Lima da Fonseca (2001), o Estatuto da Criança e do Adolescente contempla um Direito Penal de Proteção à Criança, sancionando os crimes praticados contra a criança e o adolescente; não é menos certo que o ECA incorporando a Doutrina da Proteção Integral, estabelece regras de um Direito Penal Juvenil, sancionando, com medidas socioeducativas, as condutas infracionais praticadas por adolescentes, estabelecendo uma responsabilidade juvenil, uma responsabilidade penal juvenil.
Antônio Fernando Amaral e Silva, a mais alta expressão do pensamento jurídico brasileiro em tema de direito da infância e da juventude, leciona:
A inimputabilidade penal dos menores sempre serviu para legitimar o controle social da pobreza, por isso que os maus filhos das boas famílias, como explicitamos, tinham aberta a larga porta da impunidade.
Mito conveniente, porquanto, a pretexto de proteger, o Estado pôde segregar jovens indesejáveis, sem que tivesse de se submeter aos difíceis caminhos da estrita legalidade, das garantias constitucionais e dos limites do Direito Penal.
As medidas dos antigos Códigos, rotuladas de protetivas, objetivamente, não passavam de penas disfarçadas, impostas sem os critérios da retributividade, da proporcionalidade, principalmente da legalidade.
Penas indeterminadas e medidas de segurança sem os pressupostos da certeza da autoria, por fatos geralmente atípicos, repetiam-se no superior interesse do menor, que precisava ser protegido dos condicionamentos negativos da rua.
Com tal falácia, crianças e adolescentes pobres eram internados, isto é, presos em estabelecimentos penais rotulados de Centros de Recuperação, de Terapia, e até de Proteção, quando não reclusos em cadeias e celas de adultos.
A nova Doutrina, ao reconhecer o caráter sancionatório das medidas socioeducativas, deixa claro a excepcionalidade da respectiva imposição, jungido o juiz aos critérios garantistas do Direito Penal. (Amaral e Silva, 1998)
É do Direito Penal Juvenil, desconstruindo o mito da impunidade, incorporando o garantismo jurídico em sua prática, onde os operadores do Direito e especialmente o Juiz têm o dever de procurar, de uma vez por todas, tornar eficazes os direitos incorporados na Constituição e nas leis, que passamos a nos ocupar.
Unidade	AI	AI 	Amostra	Total de	Período
	contra	contra	conside-	internações	conside-
	 pessoa	 patrimônio	rada	 ocorridas	rado 	
CJSA	24%	70%	233	233	02-04-98 a 
					30-04-00	
CJP	15%	85%	93	146	18-10-98 a 
					23-03-00	
CJC	16%	79%	151	277	04-01-99 a 
					27-04-00	
CJSM	20%	78%	269	282	02-01-99 a 
					29-04-00	
CJU	41%	59%	78	151	07-01-99 a 
					25-04-00	
AI: ato infracional
Em estudo anterior fizemos referência à alteração da legislação espanhola, comparando-a com a alemã. Saraiva, João Batista Costa. Adolescente e Ato Infracional: garantias processuais e medidas socioeducativas. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999.
Para análise desta questão, notadamente da evolução do direito da infância e juventude e suas repercussões na América Latina remetendo aos debates em torno da aplicabilidade do Estatuto da Criança e do Adolescente no Brasil faz-se imprescindível a leitura de texto de Emílio Garcia Mendez: Adolescente e Responsabilidade Penal: Um Debate Latino-Americano – Porto Alegre: AJURIS, ESMP, FESDEP, 2000.
Saraiva, João Batista Costa, op. Cit., pp. 15-37.
in “Legislação de “Menores” na América Latina: uma doutrina em situação irregular”, texto de Emílio Garcia Mendez.
Ver especialmente: Volpi, Mário. O adolescente e o ato infracional. São Paulo, Cortez, 1997; Volpi, Mário e Saraiva, João Batista, O Adolescente e a lei. Brasília, ILANUD, 1998, e mais recentemente, Volpi, Mário. Sem Liberdade, Sem Direitos: São Paulo, Cortez, 2001.
Volpi, Mário. Sem Liberdade, Sem Direitos: São Paulo, Cortez, 2001. 15 e 16. Mayer Neto, Leonel Augusto. Adolescentes autores de atos infracionais internados em unidades localizadas no interior do Rio Grande do Sul - Algumas Características. Santo Ângelo: MIMEO, 2000.
Mayer Neto, Leonel Augusto. Adolescentes autores de atos infracionais internados em unidades localizadas no interior do Rio Grande do Sul - Algumas Características. Santo Ângelo: MIMEO, 2000.
Dados coletados no relatório de Prestação de Contas do Ministério Público do Rio Grande do Sul.
Capítulo IIItc "Capítulo III"
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O DIREITO PENAL JUVENIL
 Nossa “pátria mãe gentil” tem sido madrasta para a grande maioria de seus filhos: cobra de todos, mas oferece condições a poucos... acabará sendo destituída do pátrio poder por abandono.
3. 	O Direito Penal Juvenil: inimputabilidade penal tc "3. 	O Direito Penal Juvenil\: inimputabilidade penal "
	e responsabilidade penal juveniltc "	e responsabilidade penal juvenil"
A crescente violência urbana e a desconfortável sensação de insegurança que assola os centros urbanos, em especial as maiores cidades brasileiras, com seus reflexos em todos os segmentos da Nação, inquietam e produzem um sem número de proposições visando o enfrentamento da questão. Neste contexto,a delinqüência juvenil também se mostra um tema angustiante, até porque, como ensina Emílio Garcia Mendez, é suficiente que um problema seja definido como um mal para passar a tornar-se mal.
A Nação clama por segurança, e soluções simplistas são encorajadas, até mesmo porque se estabelece um raciocínio simplista, enfocando um álibi estrutural, que seria a pobreza, apontada como causa da violência, e como esta (a pobreza) não pode ser resolvida (ao menos no imediato), também a violência não teria solução.
A discussão em torno da responsabilidade penal juvenil, da criminalidade juvenil e da delinqüência na adolescência, costuma ser conduzida para que imediatamente o foco seja direcionado para a proposta do rebaixamento da idade penal. Há no Congresso mais de uma dúzia de propostas de Emenda Constitucional neste sentido, inobstante ser sabido que a regra insculpida no art. 228 da CF se constitui em cláusula pétrea21 .
A propósito disso cumpre destacar que o eminente Magistrado Eugênio Couto Terra22 , em tese de Mestrado, sustenta o caráter de cláusula pétrea do disposto no art. 228 da CF, afirmando:
O artigo 228, ao estabelecer a idade mínima para a imputabilidade penal, assegura a todos os cidadãos menores de dezoito anos uma posição jurídica subjetiva, qual seja, a condição de inimputável diante do sistema penal. E tal posição, por sua vez, gera uma posição jurídica objetiva: a de ter a condição de inimputável respeitada pelo Estado.
Num enfoque do ponto de vista individual de todo cidadão menor de dezoito anos, trata-se de garantia asseguradora, em última análise, do direito de liberdade. É, em verdade, uma explicitação do alcance que tem o direito de liberdade em relação aos menores de dezoito anos. Exerce uma típica função de defesa contra o Estado, que fica proibido de proceder a persecução penal.
Trata-se, portanto, de garantia individual, com caráter de fundamentabilidade, pois diretamente ligada ao exercício do direito de liberdade de todo cidadão menor de dezoito anos. E não se pode olvidar que a liberdade sempre está vinculada ao princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, especialmente em relação às crianças e adolescentes, pois foram reconhecidos como merecedores de absoluta prioridade da atenção da família, da sociedade e do Estado, em face da peculiar condição de seres humanos em desenvolvimento. 
No mesmo trabalho, o autor anota oito pontos dando conta da insusceptibilidade de alteração da idade penal mínima a saber: 1. É inviável qualquer interpretação que não passe por um rebate principiológico, ou seja, só é possível a aplicação/interpretação da lei (lato sensu) em consonância com os princípios constitucionais que dão a conformação do Estado Democrático de Direito. E assim é, pois só se justifica o existir do Estado – domínio de homens sobre homens – porque a razão única de sua existência e finalidade é o ser humano. O Estado que não tenha por fim a promoção da dignidade humana – ou, se preferido, a realização dos direitos fundamentais – não tem razão de ser. 2. Uma Constituição, como obra humana que é, sempre apresentará imperfeições, além de não poder ficar indiferente às modificações que se operam no mundo em que exerce a sua função direcionadora. Logo, a possibilidade de sua reforma é imperativa, até para que não venha a perder a sua força normativa. A reforma constitucional é meio de vivificação da Constituição, pois permite a sua atualização e adequação à realidade. Entretanto, a atividade reformatória, por limitada, não pode transformar-se num meio de desnaturação da vontade do Constituinte originário, sob pena de ser cometida fraude contra a Constituição. A impossibilidade de reforma irrestrita tem por finalidade a preservação do núcleo essencial da Constituição, impedindo que ocorra a perda de sua conexão de sentidos, que é o que lhe dá unidade sistêmica. 3. A Constituição, ao determinar prioridade absoluta na concretização das condições de uma existência digna para a infância e juventude, estabelece que a promoção da dignidade humana dessa categoria de cidadãos tem natureza fundamental, posto que visceralmente ligada ao princípio da dignidade humana. 4. O Supremo Tribunal Federal, quando do julgamento da ADIn nº 939, que versava sobre a inconstitucionalidade da Emenda Constitucional que instituiu o IPMF, delineou o seu entendimento sobre a possibilidade de existência de direito fundamental fora do catálogo previsto na Constituição. Foi reconhecido o caráter materialmente aberto dos direitos fundamentais, posto que podem ser localizados em qualquer local do texto constitucional (e até fora dele), sempre que presente uma posição de fundamentabilidade no conteúdo do direito. Ocorreu, com isso, o acolhimento jurisprudencial da posição da doutrina majoritária. Para além disso, a Corte Constitucional reconheceu que a Constituição é uma unidade sistêmica, em que há um entrelaçamento entre princípios e direitos fundamentais, devendo haver um respeito incondicional aos princípios informativos da Carta Política. Foi ressaltado, também, que os limites à reforma constitucional devem ser observados, pois visam assegurar a obra do Poder Constituinte, não cabendo ao Poder Reformador agir para desnaturar os direitos e garantias fundamentais insculpidos na Constituição, razão pela qual a pretensão reformatória que possa atingir o núcleo essencial de direito protegido por cláusula de intangibilidade deve, necessariamente, ter uma apreciação restritiva. 5. Sendo a regra que estabelece a idade da imputabilidade penal uma opção política do Constituinte, tanto que a erigiu à condição de norma constitucional, deve assim ser respeitada, visto que a sua constitucionalização implicou na mudança de sua natureza jurídica. 6. Apresenta-se como um direito de defesa da liberdade de todo cidadão menor de dezoito anos de idade, a exigir uma abstenção do Estado, qual seja, a de não promover a persecução penal. Nessa ótica, é garantia (direito-garantia) de direito individual, cuja condição de claúsula pétrea tem expressa (e literal) previsão constitucional (artigo 60, § 4º, inc. IV). 7. Por outra dimensão, apresenta-se como condição de possibilidade do pleno exercício à fruição dos direitos a prestações – garantes de um pleno desenvolvimento social – outorgados à infância e juventude pelo artigo 227 e parágrafos da Lei Maior. E assim é, pois a idade da maioridade penal é que demarca o limite da adolescência. Diminuída, implicaria afastar da condição de adolescente uma parcela dos cidadãos menores de dezoito anos. 8. O artigo 228 da Constituição é regra de imbricação direta com o princípio da dignidade humana, pois preservadora do direito de liberdade, caracterizando-se como autêntico direito fundamental. Logo, pela proibição de retrocesso da posição jurídica outorgada, no que se refere ao seu conteúdo de dignidade humana, é insuscetível de qualquer modificação. Além do que, uma interpretação desse artigo conforme o Estado Democrático de Direito afasta toda e qualquer possibilidade de que sofra alteração.
3.1 O Direito Penal Juvenil e o ECA: nem Direito tc "3.1 O Direito Penal Juvenil e o ECA\: nem Direito "
	Penal Máximo, nem Abolicionismo Penaltc "	Penal Máximo, nem Abolicionismo Penal"
No torvelinho de idéias e confronto de argumentos que se estabelece, em especial no meio jurídico, emerge com clareza, em um extremo os partidários da Doutrina do Direito Penal Máximo, idéia fundante do Movimento Lei e Ordem, que imagina que com mais rigor, com mais pena, com mais cadeia, com mais repressão em todos os níveis, haverá mais segurança. No outro extremo, os seguidores da idéia do Abolicionismo Penal, para quem o Direito Penal com sua proposta retributiva faliu, que a sociedade deve construir novas alternativas para o enfrentamento da criminalidade, que a questão da segurança é essencialmente social e não penal, etc.
Em meio a estes extremos que se opõem há a Doutrina do Direito Penal Mínimo, que reconhece a necessidade da prisão para determinadas situações, que propõea construção de penas alternativas, reservando a privação de liberdade para os casos que representem um risco social efetivo, buscando nortear a prisão por princípios como o da brevidade e o da excepcionalidade, havendo clareza que existem circunstâncias em que a prisão se constitui em uma necessidade de retribuição e educação que o Estado deve impor a seus cidadãos que infringirem certas regras de conduta.
Na verdade, entre os direitos fundamentais há o direito à punição, à possibilidade de expiação, tanto que é comum, na linguagem carcerária, a expressão dos detentos de estar ali “pagando”. De certa forma, parece insuportável a idéia do estar devendo, daí porque o pagar é encarado com natural acatamento, sendo justa e proporcional a retribuição.
Dito tudo isso, há que se afirmar que a discussão da questão infracional na adolescência está mal focada, com, muitas vezes, desconhecimento de causa. Ignora-se, por exemplo, que o Estatuto da Criança e do Adolescente instituiu no país um Direito Penal Juvenil, estabelecendo um sistema de sancionamento, de caráter pedagógico em sua concepção, mas evidentemente retributivo em sua forma, articulado sob o fundamento do garantismo penal e de todos os princípios norteadores do sistema penal enquanto instrumento de cidadania, fundado nos princípios do Direito Penal Mínimo.
Quando se afirma tal questão, não se está a inventar um Direito Penal Juvenil. Assim como o Brasil não foi descoberto pelos portugueses, sempre existiu. Estava aqui. Na realidade foi desvelado. O Direito Penal Juvenil está ínsito ao sistema do ECA.
A crise no sistema de atendimento a adolescentes infratores privados de liberdade no Brasil só não é maior que a crise do sistema penitenciário, para onde se pretende transferir os jovens infratores com menos de dezoito anos. Esta crise do sistema dos adolescentes se torna mais aguda quando os arautos do catastrofismo, sob argumentos os mais variados, até mesmo de defesa dos direitos humanos, deixam de demonstrar uma série de experiências notáveis que se desenvolvem nesta área no País, passando uma falsa idéia de inviabilidade do sistema. Sistema esse que tem, quer se goste quer não se goste, um efetivo perfil prisional em certo aspecto, pois é inegável que do ponto de vista objetivo, a privação de liberdade do internamento faz-se tão ou mais aflitivo que a pena de prisão do sistema penal.
Do ponto de vista das sanções, há medidas socioeducativas que têm a mesma correspondência das penas alternativas, haja vista a prestação de serviços à comunidade prevista em um e outro sistema com, praticamente, o mesmo perfil.
O que deve ser feito, visando preservar uma geração que agoniza, não é lançá-la no fundo poço do sistema penal, igualando desiguais. 
Há vários parâmetros para o estabelecimento do módulo máximo de privação de liberdade que pode ser imposto a um adolescente em conflito com a Lei. Pelo ECA foi fixado no Brasil em um teto de três anos, mas na Alemanha pode alcançar dez anos, na Costa Rica chega atingir quinze anos, no México é de cinco anos, no Panamá é de dois anos, etc.23
O que não é possível é que se desperdice a chance que o Estatuto da Criança e do Adolescente nos deu para construir um sistema de garantias, um verdadeiro sistema penal juvenil, que por incompetência ou despreparo não querem ver funcionar plenamente, retrocedendo com propostas de redução de idade de imputabilidade penal, tratando desiguais como se fossem iguais. 
3.2 O tríplice sistema de garantias proposto pelo ECAtc "3.2 O tríplice sistema de garantias proposto pelo ECA"
Trabalhando com a idéia de que o Direito da Infância e Juventude, no trato da questão infracional, na delinqüência juvenil, vem organizado sobre a idéia fundante de um Direito Penal Juvenil, há que se desconstruir, de uma vez por todas, o mito da impunidade, fator determinante da crise de implementação do ECA, o qual, passados tantos anos de vigência, ainda se ressente da ausência de programas socioeducativos em meio aberto na maioria dos municípios brasileiros. Esta crise de implementação, como realçado por Emílio Garcia Mendez, decorre de outra ainda mais grave, na medida em que vulnera o próprio texto legal, a crise de interpretação, que adiante retomaremos.
Cumpre fixar que o ECA disponibiliza todo um aparato de caráter retributivo e pedagógico à disposição do Estado e da sociedade para o enfrentamento da questão da chamada delinqüência juvenil, apto a, do ponto de vista da reação social, trazer a resposta que a sociedade almeja enquanto instrumento de segurança pública, bem como propondo paralelamente, a construção de políticas básicas fundamentais de caráter preventivo.
O Direito Penal Juvenil vem fundado no sistema garantista preconizado por Luigi Ferraioli e se faz conseqüência da Doutrina da Proteção Integral, cuja transposição para o ECA, elevando a criança e o adolescente à condição de sujeito de direito, trouxe o estabelecimento de três níveis de garantias. 
Estes três níveis se organizam em três planos de ações preventivas24 : 
 	o nível primário onde se situam as Políticas Públicas gerais relativas à infância e à juventude no âmbito da educação, da saúde, da habitação, etc. (art. 4º do ECA e 227 da Constituição Federal); 
 	no nível secundário onde se listam as chamadas medidas de proteção aplicáveis a crianças e adolescentes em situação de risco social e pessoal (art. 101, do ECA); e 
 	no nível terciário, as medidas aplicáveis a adolescentes autores de atos infracionais e as medidas socioeducativas (art. 112, do ECA).
O caráter retributivo das medidas socioeducativas, de quaisquer delas, mas especialmente daquelas privativas de liberdade, não prevalece sobre sua carga pedagógica. Porém, não pode ser desconsiderado. As Medidas Socioeducativas guardam, no que respeita ao seu caráter de retribuição face alguma conduta infracional, certa simetria ao sistema penal, com seu caráter aflitivo, como lecionava o grande Basileu Garcia, a enfatizar este (o grau de aflitividade) como o traço caracterizador da sanção .
3.3. A Medida Socioeducativatc "3.3. A Medida Socioeducativa"
A abordagem do tema relativo às medidas socioeducativas oportuniza uma série de reflexões. Em estudos anteriores25  já nos reportamos à matéria, cuja compreensão faz-se imprescindível para o domínio deste ramo do Direito. Há experiências magníficas em andamento no Brasil, com resultados impressionantes, redução de reincidência, comprometimento do Estado e da sociedade e resultados expressivos. A par dessa situação há fracassos que não podem ser ignorados, indiferença do Poder Público (Executivo, como um todo, e Sistema de Justiça – onde incluo Judiciário, Ministério Público e Organismos de Segurança e Atendimento) e indiferença da própria sociedade. 
As boas experiências, inclusive em privação de liberdade, raramente encontram espaço na imprensa para divulgação. Já o contrário é objeto de denúncias que se sucedem, como tem sido, por exemplo - e com acerto na denúncia, por se constituir em uma situação insuportável e inadmissível - o modelo de atendimento para adolescentes privados de liberdade da FEBEM de São Paulo, exposta na mídia seguidamente por suas mazelas e violação dos direitos humanos dos adolescentes, em primeiríssimo lugar, mas também de suas vítimas e do próprio pessoal que trabalha com estes jovens. Chegam a lembrar o porão do La Amistad26 .
Como sabemos, é inegável que estes jovens são, antes de mais nada, vítimas de um sistema. Vítimas do abandono estatal e da família, no mais das vezes. Mas, é inegável , que também são ou que também tornam-se vitimizadores. Na carreira infracional o adolescente em conflito com a lei costuma iniciar vitimizando seus iguais, no próprio bairro onde mora. 
Do sucesso no trato da questão infracional, de nossa capacidade de demonstrar o sentido de responsabilização da Lei, que contempla direitos e obrigações, depende o futuro não apenas do Estatuto da Criança e do Adolescente, como modelo, mas o futuro daprópria infância e juventude no País.
Nesta questão da infância e da juventude, particularmente na problemática da delinqüência juvenil, parafraseando Cecília Meireles: ou tomamos o destino em nossas mãos e o conduzimos, ou nos deixamos conduzir pelo destino que, neste caso, nos levará inevitavelmente ao caos. 
Como as boas experiências não têm sido relatadas, é incutido na opinião pública um sentimento falso de que o modelo de atendimento de adolescentes infratores está fadado a não funcionar. Ao lado disso, os inimigos do ECA propalam aos quatro ventos, semeando sofismas e muitas inverdades, a idéia falsa de que o ECA teria se transformado em um instrumento de impunidade, confundindo conceitos, não sabendo estabelecer a diferença entre inimputabilidade penal - ou seja, a vedação de submeter-se o adolescente ao regramento penal imposto ao adulto, no Brasil os maiores de 18 anos - e impunidade. Por não saberem distinguir inimputabilidade de impunidade induzem em erro a opinião pública, trazem propostas reducionistas à idade de responsabilidade penal, distorcem fatos. Muitos o fazem por desconhecimento, por ignorarem os instrumentos que o Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe. Vomitam aquilo do qual não se alimentaram, como certa vez sentenciou Antônio Carlos Gomes da Costa. 
Considerando uma distinção entre maioridade civil: a idade em que se atinge a capacidade de exercício pessoal dos atos da vida civil, sem necessidade de assistência ou representação (que no Brasil, ao menos até vigência do Novo Código Civil se dá aos 21 anos); maioridade penal (imputabilidade penal), que no Brasil se dá aos 18 anos de idade; e idade de responsabilidade penal juvenil, que no Brasil surge na adolescência, ao se completar 12 anos de idade, cumpre remeter o leitor à tabela incluída no anexo deste trabalho onde se incluem as idades de maioridade civil, maioridade penal (imputabilidade) e idade de responsabilidade penal juvenil, em países de comunidade européia.
A propósito de idade de responsabilidade penal, onde seguidamente os Estados Unidos da América são invocados como paradigmas, cumpre destacar que em Estados como Califórnia, Arkansas e Wyoming a idade de imputabilidade penal está fixada em 21 anos. Já países como Índia, Paraguai e Egito estabelecem a idade de imputabilidade penal em 15 anos27 .
Assim se aproveitam os simplistas de prontidão, diante do clima de insegurança, violência e medo que desnorteia a sociedade brasileira, vitimizada pelo desemprego e pela paralisia de seus governantes, e bradam com propostas de redução de idade de imputabilidade penal, induzindo a opinião pública no equívoco de que inimputabilidade seria sinônimo de impunidade, construindo um imaginário de que tal alternativa seria apta a conter a criminalidade e restabelecer a ordem28 .
É passada a idéia de que o sistema de atendimento de infratores não tem jeito, e que motins e insurreições são da rotina deste processo, com mortes e desrespeito dos direitos humanos de todos, dos infratores, de suas vítimas, dos trabalhadores do sistema.
A par disso, decorrente da já mencionada crise de interpretação do ECA, ainda grassa um debate relativamente à natureza jurídica da medida socioeducativa, se o Estatuto contemplou ou não, sob este ou outro adjetivo, um direito penal juvenil, sancionatório do adolescente quando autor de conduta a qual a Lei Penal define como crime ou contravenção29 . 
Este debate resultou exacerbado desde que passou a ser discutida no Brasil a necessidade ou não de uma Lei para regular a execução das medidas socioeducativas, ante a ausência de disposições específicas, notadamente a partir de uma proposta de esboço de anteprojeto da lavra do eminente Desembargador Catarinense Antônio Fernando do Amaral e Silva, intransigente defensor do ECA, que ensejou muita polêmica entre os militantes da área da infância e juventude30 .
3.4. A proposta de uma Lei de Diretrizes tc "3.4. A proposta de uma Lei de Diretrizes "
	Socioeducativas em complemento ao ECAtc "	Socioeducativas em complemento ao ECA"
Superada a divergência sobre a necessidade de regulamentação do procedimento de execução de medidas socioeducativas, resultou produzida outra proposta, de uma Lei de Diretrizes Socioeducativa, posta em discussão.
A proposta de uma Lei de Diretrizes Socioeducativas (LDS) surgiu por ocasião do 18º Congresso da Associação Brasileira de Magistrados e Promotores de Justiça da Infância e da Juventude, ocorrido em Gramado (RS), no período de 14 a 17 de novembro de 1999. 
Naquela ocasião foi formado um grupo de trabalho para, afirmada a necessidade de regulamentação dos procedimentos de execução de medidas socioeducativas, oferecer um projeto alternativo ao elaborado pelo Desembargador Amaral e Silva. O grupo teve como incumbência apresentar proposta alternativa que viesse a explicitar processual e procedimentalmente a efetivação das medidas socioeducativas e demais garantias estabelecidas no Estatuto da Criança e do Adolescente31.
Na proposta em discussão, a de Lei de Diretrizes Socioeducativas, considerando a apresentação feita pelo Grupo de Trabalho, tem-se oito Títulos.
No Título I (Disposições Gerais) estabelecem-se alguns pressupostos que até então preocupavam a comunidade jurídica e administrativa, entre os quais os critérios de municipalização das medidas socioeducativas, a sua prescritibilidade, além da exigência e conceito da proposta pedagógica, e a sua prevalência sobre o caráter sancionatório.
O Título II (Da Formação do Título Executivo) contempla, entre outras tantas garantias, a forma do início da execução, seja através de ofício da autoridade judiciária para a autoridade administrativa, nas hipóteses de internação decretada antes da sentença (Estatuto, artigo 108), ou guia de execução quando da aplicação das demais medidas socioeducativas decorrentes de sentença, e finalmente disciplina as exigências para a execução da denominada internação-sanção (Estatuto, artigo 122, III), estabelecendo rigorosamente os documentos que devem acompanhar a peça de encaminhamento, visando assegurar a boa aplicação da medida pelos técnicos e equipe administrativa.
No Título III (Das Atribuições dos Operadores do Sistema) trata-se dos personagens do procedimento desde o Juízo da Execução, do Ministério Público, da Defensoria Pública, das Entidades de Execução de Medidas em Meio Aberto e das Entidades de Execução de Medidas Privativas de Liberdade.
No Título IV (Da Competência e do Plano Individual de Atendimento), a proposta traz a exigência de um plano individual para a execução da medida socioeducativa, com características personalíssimas para o seu adequado cumprimento.
O Título V (Das Medidas Socioeducativas ) enfrenta e disciplina cada uma delas em seus seis Capítulos.
O Título VI estabelece as regras referentes aos Incidentes da Execução, enquanto o Título VII fixa o recurso cabível às decisões proferidas pelo Juiz da execução, e as Disposições Finais e Transitórias, constantes do Título VIII, concluem as regras básicas que a comissão entendeu necessárias para o êxito das medidas socioeducativas aplicadas aos adolescentes infratores.
3.5 A crise de interpretaçãotc "3.5 A crise de interpretação"
Ocorre que a ausência de programas de efetivação de medidas socioeducativas e a não satisfação dos três planos de garantia em que se sustenta o ECA geraram uma crise de implementação do sistema, circunstância que põe em cheque toda a proposta do ECA.
Associada à crise da não percepção da existência de um Direito Penal Juvenil, a resistência decorrente da antiga cultura da Doutrina da Situação Irregular gera uma segunda crise. 
É neste contexto que Emílio Garcia Mendez (2000) tem afirmado a superveniência desta segunda crise, ainda não vencida a primeira. A primeira seria a crise de implementação do ECA, ainda não vencida haja vista a ausência ou insuficiência de programas socioeducativos. A segunda crise seria uma crise de interpretação, onde alguns, afirmando estarem

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