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RETRATO DO MORADOR DE RUA DE SALVADOR

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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA 
 
 
CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO 
SENSU EM DIREITOS HUMANOS E 
CIDADANIA 
 
 
 
 
 
 
O RETRATO DO MORADOR DE RUA DA CIDADE DE 
SALVADOR-BA: UM ESTUDO DE CASO 
 
 
DAIANE DOS SANTOS SANTOS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Salvador-Ba 
Outubro-2009 
DAIANE DOS SANTOS SANTOS 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O RETRATO DO MORADOR DE RUA DA CIDADE DE 
SALVADOR-BA: UM ESTUDO DE CASO 
 
 
 
 
 
 
Monografia elaborada ao Curso de Pós-Graduação 
Lato Sensu em Direitos Humanos e Cidadania da 
Fundação Escola do Ministério Público como forma 
de obtenção do grau de Especialista em Direitos 
Humanos e Cidadania. 
 
Orientador: Prof.º Me. José Cláudio Rocha 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Salvador-Ba 
 Outubro- 2009 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A cada morador de rua, em especial José, um 
exemplo de vida a ser seguido, que não se 
abateu pelas dificuldades da vida. 
 
 
 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
 
A Deus, antes de tudo; 
Aos meus pais, Benigno e Eliete, meus alicerces, que não mediram esforços para me 
proporcionar a melhor educação possível; 
Aos meus irmãos Eliene, Benício e Elane, pela paciência, tolerância e compreensão a mim 
dispensados em momentos de tanta reflexão; 
Ao meu primo Emerson que me distraía nos momentos de stress; 
Ao meu orientador pelo incentivo, pela compreensão e pelo esforço desprendido nesta 
jornada; 
Ao meu guia nas ruas, o grande amigo José; 
À jornalista e amiga Vanessa que me mostrou um mundo dentro de cada morador de rua; 
Aos meus amigos que compartilharam as minhas angústias e as minhas ansiedades; 
A todos os moradores de rua que me receberam nos seus espaços; 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A gente não quer só comida, 
A gente quer comida, diversão e arte. 
A gente não quer só comida, 
A gente quer saída para qualquer parte. 
A gente não quer só comida, 
A gente quer bebida, diversão, balé. 
A gente não quer só comida, 
A gente quer a vida como a vida quer. 
(TITÃS, s/d) 
RESUMO 
 
O presente trabalho versa sobre a realidade dos moradores de rua de Salvador, 
analisando seus territórios existenciais, seus pontos de fixação, como se dá a ocupação do 
espaço público e as estratégias desenvolvidas por eles para construir suas vidas num cenário 
de completa exclusão social. Busca-se compreender as razões que levam os indivíduos às 
ruas, os fatores que fazem com que se mantenham e os que os levam a deixar as ruas ou a 
mudar de cidade. São apresentadas ainda as políticas de Enfrentamento do Município para 
minorar a situação de miserabilidade e exclusão social a que está submetida a população de 
rua da cidade. Ressalta-se a necessidade de pensar nos moradores de rua como sujeitos de 
direitos e não como objetos de caridade. 
 
Palavras-chave: População de rua, morador de rua, exclusão social, espaço público, 
direitos, políticas de enfrentamento. 
ABSTRACT 
 
 
This paper deals with the reality of street dwellers of Salvador, analyzing their 
existential territories, its attachment, as it gives the occupation of public space and the 
strategies developed by them to build their lives with complete exclusion. We seek to 
understand the reasons that lead individuals to the streets, the factors that cause them to 
remain and those who lead them to leave the streets or move to another city. Visible are the 
policies of the City of Coping to alleviate the situation of destitution and social exclusion that 
is subject to the homeless population of the city. Emphasized the need to think of homeless 
people as subjects and not objects of charity. 
 
Keywords: Homeless, social exclusion, public space, rights, policies of confrontation. 
 
LISTA DE SIGLAS 
 
 
CAPS - Centros de Recuperação Psicossocial 
CRAS - Centros de Referência da Assistência Social 
CPF - Cadastro de Pessoal Física 
DST - Doenças sexualmente transmissíveis 
EPIs - Equipamentos de Proteção Individual 
FJS - Fundação José da Silveira 
IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística 
INSP - International Network of Street Papers 
MDS - Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome 
MPE/BA - Ministério Público do Estado da Bahia 
OAB - Ordem dos Advogados do Brasil 
ONG’s - Organizações não-governamentais 
PNAS - Política Nacional de Assistência Social 
PSF - Programa de Saúde da Família 
SETAD - Secretaria Municipal do Trabalho, Assistência Social e Direitos do Cidadão 
SMS - Secretaria Municipal de Saúde 
SUS - Sistema Único de Saúde 
UNESCO - Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura 
USF - Unidade de saúde da família 
SUMÁRIO 
 
 
INTRODUÇÃO 02 
1. MORADOR DE RUA: PROBLEMAS DE DEFINIÇÃO 06 
1.1 Migrante X Trabalhador Intinerante X Trecheiro X Morador de Rua 07 
2. A CASIFICAÇÃO DA RUA - CASA E RUA UM SÓ TERRITÓRIO 12 
 2.1 Espaço do morador de rua 13 
3. FATORES QUE LEVAM OS INDIVÍDUOS A SITUAÇÃO DE RUA 18 
4. A POPULAÇÃO DE RUA DE SALVADOR 24 
 4.1 Trajetória dos moradores de rua de Salvador 26 
5. A NEGAÇAO DOS DIREITOS- MISERABILIDADE E EXCLUSÃO SOCIAL 36 
6. CONSEQUÊNCIAS DO PROCESSO DE RUALIZAÇÃO 41 
7. PROPOSTAS DE ENFRENTAMENTO: ABRIGOS 42 
8. QUEBRANDO PRECONCEITOS 45 
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS 46 
 9.1 Propostas para uma vida digna 48 
 9.1.1. Uma experiência de sucesso 51 
REFERÊNCIAS 55 
ANEXOS 59 
 
INTRODUÇÃO 
 
O presente trabalho busca retratar a realidade dos moradores de rua de Salvador, 
analisando seus territórios existenciais, seus pontos de fixação, como se dá a ocupação do 
espaço público e as estratégias desenvolvidas por eles para construir suas vidas num cenário 
de completa exclusão social, compreendendo de que maneira a sociedade urbana impõe 
modos de vida antagônicos à essa parcela da população que embora excluídos, integram um 
contexto social. Foram analisadas também as razões que levam os indivíduos às ruas, os 
fatores que fazem com que se mantenham e os que os levam a deixar as ruas ou a mudar de 
cidade. 
O interesse em discutir a temática da população de rua de Salvador no trabalho de 
conclusão de curso surgiu das inquietações com as precárias condições de vida destas pessoase com as propostas ineficientes de enfrentamento do problema que tentam de maneira súbita 
elevar à categoria de cidadãos, indivíduos que trazem um histórico de insucessos, 
desvinculações e várias rupturas. 
Apesar da importância do tema, as discussões sobre moradores de rua parecem não ser 
prioritárias por parte dos defensores dos direitos, o que é reflexo da invisibilidade do morador 
de rua para a grande parte da sociedade e dos pesquisadores. Poucos são os trabalhos sobre a 
população de rua realizados no Brasil. A maioria dos utilizados nesta dissertação foi realizada 
por pessoas ligadas a organizações não governamentais (ONG’s), igrejas ou por cientistas 
sociais. Outros foram pesquisas realizadas no intuito de informar os órgãos públicos da 
situação da população de rua, como a Pesquisa Nacional sobre a População em Situação de 
Rua. 
Com exceção às pesquisas, a artigos como o de Escorel (2000) sobre a população de 
rua da cidade do Rio de Janeiro e a Tese de mestrado de Lesssa (2002), sobre moradores de 
rua na cidade do Salvador, poucos foram os dados provenientes da interação com os 
moradores de rua das cidades brasileiras e as análises geralmente eram macro-sociais ou 
macroeconômicas, não se baseavam no modo de vida desenvolvido ou mesmo nas narrativas 
da população de rua. 
Durante a pesquisa, busquei os principais pontos de concentração dos moradores de 
rua, pelos quais circulava cotidianamente, fazendo análise observacional dos espaços 
ocupados por eles e foi nessa trajetória, que numa Missa na Igreja de São Francisco no 
Pelourinho conheci o meu guia nas ruas, José, que me conduziu aos principias pontos de 
convivência dos moradores de Rua de Salvador. O enfoque do trabalho foi dado aos locais 
mais tradicionais de ocupação por moradores de rua onde encontrei a maior parte dos 
segmentos que compõem a população de rua. Nas regiões próximas às saídas e entradas da 
cidade grande parte da população é composta por famílias que perderam suas casas e por 
famílias de migrantes que estão tentando se fixar nas cidades e se organizam em casas 
improvisadas, formando favelas onde as pessoas vivem em situações não menos precárias, 
porém diferente daqueles que vivem nas ruas. 
Este trabalho trata-se de um estudo de caso, no qual foram utilizados como métodos de 
investigação, a pesquisa bibliográfica, documental e o trabalho de campo com entrevistas 
abertas. Embora tenham sido realizadas algumas entrevistas com diversos moradores de rua 
de Salvador e tenha me utilizado de outras entrevistas e dados de outras pesquisas, a trajetória 
que baseia esse estudo é a de José, “ex-morador de rua” que me guiou pelas ruas da cidade 
revelando cada detalhe dessa vida de exclusão. 
Acompanhada por José fiz algumas incursões a campo para conhecer as “malocas” da 
cidade, os viadutos, assim como as instalações sob as marquises e os moradores de rua que 
dormem em qualquer parte da calçada. Foram realizadas observações do espaço, da situação e 
do comportamento do morador de rua, ao tempo em que José narrava passagens e 
experiências de sua vida na rua. Visitei o Centro de Referência para população de rua em 
busca de informações institucionais de atendimento a essa população. 
Neste período enquanto pesquisadora, os moradores estiveram ainda mais presentes na 
minha vida, já que sempre estiveram, considerando que habito Salvador e circulo na cidade 
como pedestre, como motorista e como passageira de automóveis. E que com certeza por 
diversas vezes segurei a bolsa firmemente pensando em dificultar um possível assalto ao 
passar por moradores de rua, bem como devo ter ligado por inúmeras vezes o limpador de 
pára-brisas do veículo numa atitude de repulsa àqueles que se aproximavam. Contudo, o 
período que transitei por essa população não me fez acreditar que sejam pessoas inofensivas, 
porém a população de rua provoca sentimentos confusos no demais moradores da sociedade, 
ora piedade, ora aversão, ora penalização pela miséria. 
Vale ressaltar que os nomes dos moradores de rua que aparecem neste trabalho não 
correspondem ao nome de batismo; os nomes foram escolhidos por eles para se identificarem. 
Para fins desta pesquisa, os moradores de rua ou a população de rua serão 
considerados aquelas pessoas que não apenas tiram da rua o seu sustento, mas também tem a 
rua como habitat, ainda que optem por dormir em instituições de acolhimento para migrantes 
e moradores de rua. Os migrantes não necessariamente são moradores de rua; no entanto, na 
medida em que estão na cidade e que se utilizam dos equipamentos de atendimento para a 
população de rua, serão assim considerados. 
Inicio este trabalho apresentando os problemas que envolvem a definição do que seja 
população de rua, as diversas acepções da palavra apresentadas por autores como Burstzyn 
(2000), Durham (1984), D’Incao (1995) e Escorel (2000), bem como as distinções entre 
migrante, trabalhador itinerante, trecheiro e morador de rua, considerando as estratégias 
desenvolvidas por eles para se articularem, ou não, às populações de rua da cidade. O capítulo 
trata também da composição da população de rua, particularmente das diferenças que a 
segmentam por dentro e a diferencia em maloqueiros, caídos e mendigos. 
No segundo capítulo discorro sobre o locus do morador de rua, as condições sob as 
quais constituem seus territórios existenciais nas ruas, nos viadutos e nas malocas e sobre os 
efeitos produzidos pela construção desse território no espaço público. Trato também das 
relações dos moradores de rua entre si e com os não moradores de rua e das suas estratégias 
de sobrevivência, como obtêm alimentos, roupas, dinheiro, como transformam o espaço, 
dando-lhe novo significado. São ressaltadas assim as dificuldades em se viver ao mesmo 
tempo entre o nomadismo da rua e o sedentarismo urbano. 
No capítulo seguinte elenco os diversos fatores que condicionam a existência do 
morador de rua, dentre os quais pode ser descrito a ruptura do vínculo familiar como fator 
preponderante e condicionante desta situação, associada ao desemprego, às migrações mal 
sucedidas, ao alcoolismo, à dependência química, às doenças mentais e até mesmo à opção do 
indivíduo. 
O capítulo quatro descreve dados gerais sobre a população de rua no Brasil a fim de 
situar a população de rua de Salvador num contexto nacional, enumerando quantos são os 
moradores de rua. Em seguida são descritas as trajetórias e circuitos dos moradores pelas ruas 
de Salvador, os principais pontos de concentração, onde dormem, onde se alimentam, onde 
fazem a higiene, como vivem e se organizam nesses espaços. 
O quinto capítulo é destinado à exposição da situação de miserabilidade e exclusão a 
que estão expostos os moradores de rua de Salvador, explicitando-se inicialmente as 
principais diferenciações entre pobreza, desigualdade social e exclusão, conceitos que 
permeiam a sociedade e a vida do morador de rua e que por vezes são tratados de forma 
distorcida. Neste capítulo são apontadas as principais restrições a que estão submetidos os 
moradores de rua que se apresentam como vidas sem direitos civis, sociais, políticos, enfim, 
humanos, sendo ressaltada a questão da identidade e da memória. 
 O capítulo sexto elenca as conseqüências a que estão submetidos os moradores diante 
do processo de rualização, que compreende desde a adaptação até os sentimentos de 
conformismo e desobediência social. 
 O capítulo seguinte discorre sobre as propostas de enfrentamento à situação de rua no 
município de Salvador apresentadas na forma de abrigos. São elencados os conjuntos de 
estabelecimentos, espaços e equipamentos utilizados pela população de rua de Salvador, 
explicitando suas formas de atendimento a essa população. 
O oitavo capítulo foi destinado à desmistificação da imagem de vadio, de perigoso, de 
preguiçoso e de coitadinho que permanece na identidadede quem foi ou é morador de rua, 
bloqueando as oportunidades de emprego, fortificando a exclusão social e desvalorizando o 
povo das ruas como ser humano, sendo apresentados os resultados da Pesquisa Nacional sobre 
População em Situação de Rua realizada pelo Ministério de Desenvolvimento Social e 
Combate à Fome que contradiz essa concepção. 
Concluo o trabalho abordando as conseqüências de se adotar um modo de vida que 
transgride ao mesmo tempo a ética do trabalho e da casa numa sociedade capitalista e urbana, 
afirmando ainda que fatores como pobreza, o desemprego, a migração, as deficiências físicas 
e mentais, o alcoolismo e o consumo de drogas ilícitas não são suficientes para levar esses 
indivíduos a viver nas ruas, sendo necessária antes uma ruptura com os vínculos familiares, 
com a vida social que levava quando vivia em casa. 
Dessa forma o objetivo de resgatar a identidade, valorizar a auto-estima e promover a 
reinserção social torna-se uma difícil tarefa quando dentro de instituições onde as pessoas, à 
noite, são trancadas e isoladas. As propostas de enfrentamento à situação de rua devem buscar 
a afetividade do morador de rua, propiciando um ambiente comunitário para que ele se sinta 
parte de um contexto social, a exemplo do que ocorre na Comunidade da Trindade. 
 
 
1. MORADOR DE RUA: PROBLEMAS DE DEFINIÇÃO 
 
Os pesquisadores divergem bastante quanto à definição do que seja população de rua, 
pois neste universo podem estar inclusos migrantes, catadores de papel, prostitutas, 
trabalhadores itinerantes, trecheiros, mendigos, desabrigados, camelôs, dentre outros. A 
principal dificuldade é distinguir entre as pessoas que vivem nas ruas, das ruas ou em 
condições precárias de habitação, aquelas que se encaixam ou não na definição de população 
de rua. 
Em trabalhos como os de Burstzyn (2000) e de Araújo (2000), a população de rua é 
composta por toda pessoa que tira seu sustento da rua, incluindo além dos que residem nas 
ruas, os vendedores ambulantes, camelôs, catadores de material reciclável etc., posto que estes 
trabalhadores informais residem em áreas periféricas longe dos grandes centros urbanos e 
dormem eventualmente nas ruas devido à dificuldade de deslocamento e aos custos. Para os 
citados autores, os moradores de rua compreendem trabalhadores desempregados que 
desenvolvem alternativas para angariar finanças, independente de seus vínculos habitacionais. 
Autores como Durham (1984) e D’Incao (1995) englobam no conceito de moradores 
de rua, pessoas que migraram do meio rural para o meio urbano em busca de novas 
oportunidades de emprego e permanecem perambulando pelos grandes centros principalmente 
por problemas de adaptação e falta de qualificação profissional. 
Nos países de língua inglesa, o termo empregado para definir a população de rua é 
homeless, referindo-se a todos aqueles que habitam casas improvisadas em vilas ou favelas. 
Autores brasileiros como Bursztyn (2000) também utilizam essa definição. 
Escorel (2000) retrata ainda a distinção que alguns autores fazem entre população de 
rua como todos os que estão usando a rua como moradia num determinado momento e os que 
tomam a rua permanentemente como moradia, considerando os primeiros como “pessoas em 
situação de rua”. 
A distinção entre “moradores de rua” e “pessoas em situação de rua” consiste na 
existência de um grupo cuja condição é irreversível, ou seja, indivíduos que tem como habitat 
o ambiente inóspito das ruas, e outro grupo em situação transitória que tem a rua, de uma 
forma geral, como um endereço dentre os diversos durante toda a vida. 
Escorel (2000) destaca ainda autores como Silva Filho Rodrigues que considera como 
população de rua o conjunto daqueles que dependem de atividade constante que implique ao 
menos um pernoite semanal na rua, o que, segundo a autora, implicaria em incluir os 
“profissionais do sexo” na população de rua, mesmo que estes não tenham a rua como 
moradia, nem realizem nela todo o seu trabalho. 
 
1.2 MIGRANTE X TRABALHADOR ITINERANTE X TRECHEIRO X MORADOR 
DE RUA 
 
O migrante, aquele que sai de uma região para outra, geralmente tem um ponto de 
referência ao qual ele pode retornar nos casos de insucesso. A situação do migrante é 
caracterizada pelos estudiosos do processo migratório como fruto de uma determinação 
geográfica que mantém relações estreitas com a procura de trabalho. O caminho do migrante é 
traçado pela oferta de trabalho, dessa forma ele raramente se integra por muito tempo à 
população de rua da cidade onde se encontra. Além disso, para o migrante é interessante 
manter a reputação de trabalhador, o que pode lhe garantir mais rapidamente um ato de 
caridade como uma passagem de ônibus para retorno à sua cidade, ou uma oportunidade no 
mercado de trabalho. Eles não querem ser confundidos com os doentes, drogados, malandros, 
preguiçosos que enxergam na população de rua, nem tampouco com os trecheiros, ainda que 
por vezes tenham passado noites na rua, pois dificultaria o apoio das instituições. 
 Os trabalhadores itinerantes englobam trabalhadores rurais que se deslocam de sua 
região para realizar colheitas em épocas de safra em outras regiões; pessoas que vivem do 
comércio ambulante, garimpeiros e outros trabalhadores que para desenvolver suas atividades 
realizem deslocamento entre diversas cidades, porém sem estar vinculado a uma atividade 
específica, podendo desempenhar atividades temporárias diversas a depender da época do 
ano, os chamados “bicos”. 
De uma forma geral, os trabalhadores itinerantes englobam o que Deleuze e Guattari 
(2002) chamam de itinerantes ou ambulantes por excelência, pessoas que se deslocam 
seguindo um fluxo de matéria, como é o caso dos mineradores; ou de mercado, como os 
comerciantes, traçando uma rota de circulação que pode ser alterada por circunstâncias no 
decorrer do percurso. 
O trabalho itinerante e a reterritorialização no trecho, assim como uma possível 
reterritorialização na rua, são muitas vezes, conseqüências diretas do insucesso de processos 
migratórios. Por exemplo, segundo D’Incao, 
 
É preciso entender o que diferencia um homem de rua de um migrante. Algo muito 
tênue, mas decisivo. Eu diria que é a capacidade de sonhar. Nas minhas experiências 
tenho observado que o sonho de encontrar as condições para viver com mais 
dignidade é o elemento energizador da errância que nutre os processos migratórios 
em nosso país. Se estou certa, o homem de rua seria o homem que deixou de sonhar. 
E o estar de passagem nesta ou naquela cidade teria de ser lido por nós de uma outra 
maneira. Essas pessoas que nos dizem que estão de passagem, e que costumamos 
caracterizar como migrantes estão nos dizendo que, também ali, nos espaços onde 
estamos intervindo, não lhes é oferecida uma possibilidade de viver decentemente. 
(D’INCAO, 1995, p.30) 
 
O migrante ao qual a autora se refere não se distingue em qualidade dos “trabalhadores 
itinerantes”; entre os migrantes haveria uma diferenciação nos graus de sucesso apenas, até 
que o “migrante” perdesse o sonho e chegasse à condição de morador de rua. D’Incao (1995) 
trata a errância como conseqüência da falta de oferta de empregos fixos satisfatórios que 
atenda a esta população, ou seja, a errância é entendida como uma seqüência de migrações 
“mal sucedidas”. 
Dessa forma, assim como os “trabalhadores itinerantes” são “migrantes mal 
sucedidos”, os “trecheiros” seriam “trabalhadores itinerantes fracassados”. Os trabalhadores 
itinerantes, assim como os migrantes, se deslocam sob um certo controle, determinando seus 
fluxos conforme os pontos de partida e de chegada, mesmo que estes não sejam nunca 
alcançados, o que os faz itinerantes. Os trecheiros, ao contrário, se deslocam com objetivo tão 
somente de se deslocar. 
Nesta perspectiva, o que determina o migrante é a manutenção de sua identidadede 
trabalhador e o seu objeto de desejo, o trabalho. À medida que esse objeto não é alcançado, 
lhes restam: retornar à sua terra de origem, tornar-se um trabalhador itinerante; ou abdicar do 
seu objeto de busca, o trabalho, vindo a ser um morador de rua ou um trecheiro. 
O trecho é um pedaço de estrada, uma passagem entre dois ou mais pontos, parte de 
um caminho que leva a algum lugar; é onde o trecheiro se instala. Viver no trecho é viver num 
caminho inacabado, é ocupar um espaço nômade. Como afirmam Deleuze e Guattari, 
 
É nesse sentido que o nômade não tem pontos, trajetos, nem terra, embora 
evidentemente ele os tenha. Se o nômade pode ser chamado de o desterritorializado 
por excelência, é justamente porque a reterritorialização não se faz depois, como no 
migrante, nem em outra coisa, como no sedentário (com efeito, a relação do 
sedentário com a terra está mediatizada por outra coisa, regime de propriedade, 
aparelho de Estado). Para o nômade, ao contrário, é a desterritorialização que 
constitui sua relação com a terra, por isso ele se reterritorializa na própria 
desterritorialização. É a terra que se desterritorializa ela mesma de modo que o 
nômade aí encontra um território. (...). A terra não se desterritorializa em seu 
movimento global e relativo, mas em lugares precisos, ali mesmo onde a floresta 
recua, e onde a estepe e o deserto se propagam. (DELEUZE; GUATTARI, 2002c, p. 
53) 
 
Assim o território do trecheiro é a estrada, a fronteira, locais tais como os postos de 
gasolina, trevos, rotatórias, guaritas. Ele vive em territórios ambíguos, o limite entre uma 
cidade e outra. 
Os trecheiros costumam ser confundidos e por vezes se fazem passar –de modo 
interessado – com os migrantes e trabalhadores itinerantes. Isso acontece porque eles ocupam 
por algum tempo o mesmo território dos migrantes e trabalhadores itinerantes: a estrada; além 
das necessidades serem semelhantes: alimentação, lugar para dormir, documentos e todos 
dizem estar em busca de emprego. 
Segundo Durham (1984), o deslocamento inicial que impulsiona os trecheiros é 
resultante do afastamento da família e motivado pela busca de uma “vida melhor”, pela busca 
por um melhor lugar para residir, lugar que ofereça boas oportunidades de emprego. Eles não 
têm uma idéia muito clara de todo seu percurso, que pode ser por toda a sua vida. 
Embora migrantes e trabalhadores itinerantes possam se confundir e se misturar com 
trecheiros e moradores de rua, a diferença entre eles não é gradual. A passagem de um a outro 
não é um “processo” ou uma sucessão de perdas, mas implica uma ou várias rupturas. 
Enquanto os migrantes e os trabalhadores itinerantes se movem por entre pontos que desejam 
ocupar, os trecheiros e os moradores de rua ocupam os pontos por onde se movem, sua 
existência transcorre na passagem, ela não se realiza no destino. Enquanto os migrantes e 
trabalhadores itinerantes se caracterizam por sua mobilidade, os trecheiros e moradores de rua 
se caracterizam pelo seu nomadismo, ou seja, por sua reterritorialização na rua, no trecho, 
enfim, no próprio processo de desterritorialização. (DELEUZE; GUATTARI, 2002c, p.53) 
Na perspectiva de Durham (1984), o que acontece aos migrantes difere do que 
acontece aos que se tornam moradores de rua e aos trecheiros: enquanto moradores de rua e 
trecheiros rompem com os laços familiares e não os recompõem mesmo no momento em que 
passam por dificuldades pessoais, os migrantes procuram estreitar ou, até mesmo, recriar 
laços familiares para superar as dificuldades que encontram na vida das grandes cidades. 
Dessa forma, o fracasso no mercado de trabalho não é apontado como suficiente para fazer de 
um migrante um morador de rua ou um trecheiro. 
A população de rua, fenômeno corriqueiro na paisagem das grandes metrópoles 
brasileiras, é caracterizada por Escorel como uma: 
 
Condição limítrofe, que pode ser verificada empiricamente no cotidiano de pessoas 
que moram nas ruas da cidade, é parte de uma trajetória composta por situações 
extremamente vulneráveis [...] de pequenas e grandes desvinculações, de laços 
afetivos frágeis e irregular suporte material [...]. (ESCOREL, 1999, p. 18) 
 
 Segundo a Secretaria Nacional de Assistência Social do Ministério do 
Desenvolvimento Social e Combate à Fome, a população em situação de rua compreende um 
grupo populacional heterogêneo, caracterizado por sua condição de pobreza extrema, pela 
interrupção ou fragilidade dos vínculos familiares e pela falta de moradia convencional 
regular. São pessoas compelidas a habitar logradouros públicos, áreas degradadas e 
ocasionalmente utilizar abrigos e albergues para pernoitar. 
 Os “caídos” são os moradores de rua, reconhecidos pelos não moradores de rua como 
os mendigos por encontrarem na mendicância o principal recurso de sobrevivência. Eles 
representam aqueles que se encontram mais degradados pelo álcool, por doenças como a Aids 
e tuberculose e portadores de distúrbios mentais. 
Segundo Escorel (1999) existe uma diferenciação entre ser ou não ser mendigo 
inclusive entre os moradores de rua. A autora define mendigo como “aquele que sobrevive 
pedindo esmola, o que não toma banho, não escova os dentes; é o ponto final da degradação 
humana”. (ESCOREL, 1999, p. 163) 
BURSZTYN (2000) classifica-os como “Sem-lixo e sem-teto errantes”: 
 
Estes moradores de rua também não ascenderam à condição de catadores de lixo. A 
maior diferença funcional é seu caráter errante. Vagam pela cidade, movidos por 
decisões que parecem não obedecer a critérios muito previsíveis. São mendigos, 
pessoas socialmente desvinculadas, com os laços familiares rompidos, às vezes com 
distúrbios mentais. Vivem da caridade pública e são ajudados, episodicamente, pela 
ação de grupos religiosos. Nesse sentido, mesmo na condição de errantes, conhecem 
os locais onde podem obter algum auxílio: a distribuição de sopa pelos católicos, os 
agasalhos das associações de senhoras caridosas, os mantimentos dos espíritas. 
(BURSZTYN, 2000, p. 242) 
 
Os maloqueiros são moradores de rua mais gregários, assim conhecidos entre os 
moradores de rua e os técnicos que trabalham com essa população. Eles vivem em grupos 
familiares ou em grupos formados por companheiros da rua- que muitas vezes constituem o 
que chamam de “família de rua”- e que procuram ocupar locais de maior privacidade, como 
áreas sob os viadutos e grandes marquises, casas improvisadas, as malocas, ou construções 
abandonadas. 
O termo “maloqueiro” tem diversos significados que variam conforme quem utiliza e 
em que situação. Em seu sentido positivo ele significa a pessoa que habita as malocas; 
pejorativamente pode significar o morador da maloca que não divide as tarefas domésticas, o 
companheiro que não compartilha comida, bebida, cigarro, aquele em quem não se deve 
confiar, o maconheiro, malandro, bêbado ou vagabundo. 
A condição de caído se apresenta como um prognóstico temido pelos moradores de 
rua e, assim como a queda pode ocorrer a qualquer um deles, o caído pode estar no trecho ou 
na maloca. As trajetórias de vida de trecheiros, maloqueiros e caídos também podem ser 
muito semelhantes, mesmo que se encontrem em posições diferentes num dado momento. Isto 
se deve tanto à freqüente transição de um território existencial para outro, quanto ao fato de 
que, algumas condições que a rua apresenta como base para a construção de um território 
existencial, tais como a dificuldade de acumulação de objetos, vínculos afetivos e lembranças 
e a necessidade de improvisar objetos, atingem a todos os seus moradores, ainda que em graus 
diferentes. 
As múltiplas definições da população de rua trazem conseqüências que se refletem nas 
reivindicações dos movimentos sociais ligados a essa população, pois as políticas 
habitacionais, a organização de cooperativas de reciclagem podem ser consideradas comopolíticas para a população de rua, ainda que os beneficiários sejam catadores que não 
dormem nas ruas ou pessoas que vivam em condições precárias de habitação. 
Dessas definições também depende a contabilização da população de rua que vai 
variar de acordo com o conceito que a ela se aplica e também com o nomadismo característico 
destes povos. 
Os termos moradores de rua, moradores em situação de rua e população de rua serão 
utilizados no decorrer da dissertação como sinônimos para referir-se àquelas pessoas que não 
apenas tiram da rua o seu sustento, mas também tem a rua como habitat, ainda que optem por 
dormir em instituições de acolhimento para migrantes e moradores de rua. Assim, pessoas que 
tem a rua como meio de subsistência, mas não fazem dela seu local de moradia, como 
catadores de material reciclável, vendedores ambulantes, guardadores de carro- flanelinhas- 
etc., não serão consideradas população de rua, mas sim profissionais de rua. Os migrantes não 
necessariamente são moradores de rua; no entanto, na medida em que estão na cidade e que se 
utilizam dos equipamentos de atendimento para a população de rua, serão considerados como 
tal. 
 
 
 
2. A CASIFICAÇÃO DA RUA - CASA E RUA UM SÓ TERRITÓRIO 
Casa pode ser entendida como uma construção no espaço que delimita o território dos 
habitantes, conferindo-lhes liberdade e privacidade, portanto espaço particular. A rua 
compreende espaços públicos, coletivos, que são de livre acesso a todas as pessoas. 
Na visão de DaMatta (2000), o espaço da casa é o locus de uma ética conservadora e a 
rua o locus de uma ética liberal, representando o lugar do exercício da igualdade, sob a 
perspectiva da cidadania, mas também o lugar da competição do mercado. Porém, como 
ressalta o autor que o universo cultural brasileiro é avesso à igualdade. Assim sendo, a 
igualdade assume um papel negativo na sociedade brasileira, refletindo na desvalorização da 
idéia de cidadania e na valorização da deslealdade nas relações competitivas, tornando a rua 
um lugar perigoso. 
Segundo DaMatta (2000), embora alguns indivíduos tentem manter uma única conduta 
ética nos dois espaços, a sociedade brasileira opera na dualidade entre esses sistemas, 
podendo haver o englobamento da casa pela rua ou vice-versa. No entanto, afirma o autor, 
“não se pode misturar o espaço da rua com o da casa sem criar alguma forma grave de 
confusão ou até mesmo de conflito”. (DA MATTA, 2000, p.50) 
As sobreposições territoriais entre casa e rua podem ocorrer no portão, na varanda, nos 
“fundos” das casas, na sala de jantar, na sala de visitas, na porta de serviços. A casa possui 
espaços intermediários onde são recebidas as pessoas desconhecidas, onde se tratam de 
pequenos negócios, recebem vendedores ambulantes, dentre outras atividades. 
Nas ruas as sobreposições acontecem em recintos fechados, repartições públicas, 
Unidades policiais, delegacias, escritórios. Nesses casos o que se transporta da casa para a rua 
são as formas de tratamento entre as pessoas, as relações afetivas. Assim, todas as pessoas 
circulam entre a casa e a rua, mas há toda uma população que circula de outra maneira, que 
transpôs certos limiares e foi fazer da rua sua casa. 
Os moradores de rua realizam não somente a transposição da sala para a rua, mas sim 
a transposição dos quartos, dos banheiros e da cozinha. Para o morador de rua não são apenas 
as relações sociais privadas que invadem o espaço público ou que são invadidas por este. As 
ações fisiológicas são realizadas publicamente, fezes, urina, vômito e pessoas dormindo e 
acordando disputam o mesmo espaço, invadindo o centro da cidade em meio a carros, 
buzinas, transeuntes, polícia. 
Os moradores de rua desenvolvem estratégias de construção da privacidade, procuram 
na rua os lugares menos visíveis para dormir, ter relações sexuais, comer, urinar, defecar e 
vomitar; ocupando os fundos dos viadutos, construindo casas improvisadas, invadindo 
construções abandonadas. 
“quando eu morava na Sé, às vezes vinha gente fazendo um monte de perguntas, a 
gente tirava proveito porque eles davam dinheiro e comida (risos), mas a gente contava um 
monte de estória, cada dia era uma diferente”. (JOSÉ) 
Para preservar também sua vida, sua história, seus segredos e seus desejos da 
intromissão de profissionais e de pesquisadores, eles costumam esquivar-se de alguns 
assuntos, mentir, se esconder e até abrem mão dos atendimentos nos equipamentos públicos. 
 
2.1 ESPAÇO DO MORADOR DE RUA 
Na ocupação de seu território, os moradores de rua fazem da estrutura arquitetônica da 
cidade espaços resignificados, reformulados por um conjunto de códigos, conteúdos e 
expressões, formam uma rede de captura e codificação que se expande entre as fendas 
urbanas. 
O espaço rua habitado por moradores compreende locais situados sob pontes, 
marquises, viadutos, frente de prédios privados e públicos, postos de gasolina, parques, 
praças, calçadas, praias não utilizadas à noite; cascos de barcos na areia, embarcações não 
utilizadas, portos, estações de trem, terminais rodoviários, margens das rodovias, dentro de 
construções com áreas internas ocupáveis, galerias subterrâneas, becos, áreas próximas aos 
depósitos de lixo, à reciclagem de material, às feiras, dentre outros locais protegidos do frio e 
da exposição à violência. 
Muitos moradores vivem em malocas; Maloca é uma palavra de origem indígena que 
significa habitação coletiva ou aldeia, mas tem também o sentido “esconderijo”. Nos centros 
urbanos, malocas são moradias improvisadas à beira de calçadas, sob viadutos, próximo a 
barrancos, em praças públicas. 
Os viadutos são componentes do sistema viário urbano que permitem a passagem de 
veículos em dois níveis. A estrutura que garante a sustentação dos viadutos e a rampa que 
permite aos veículos transpor o nível da rua apresentam em sua parte inferior a forma de teto e 
parede, que assume esta função para os moradores de rua que dele se apropriam. 
Os postos de gasolina representam uma sombra, um teto que abriga da chuva, um 
lugar sossegado para dormir, quando não funcionam durante a noite, e são também fonte de 
água e álcool. Os Muros servem como encosto, os caixotes encontrados nas feiras servem 
como banco ou mesa, carretel de fio ou mangueira servem também como mesa. 
Constata-se assim, como afirma Costa Vieira (1995) “viver na rua é também viver da 
rua”, é compor uma existência a partir dos meios que a rua dispõe, recriando e adaptando o 
lar. 
É preciso transformar um ambiente inóspito como um terreno baldio, um viaduto, uma 
marquise, um banco de praça ou um pedaço qualquer de calçada num território existencial, 
portanto, necessário se faz inserir outros elementos que informe sobre a ocupação daquele 
território. Dentro do universo dos moradores de rua, a maioria desses elementos é retirado de 
seu contexto e transformado em outra coisa; é resignificado, ganha outra aplicabilidade. A 
cama, por exemplo, pode ser uma caixa de geladeira, dois cobertores velhos e um pedaço de 
espuma, ou apenas uma simples caixa de papelão, podendo ser restringida a um reduzido 
espaço no chão. Um banco de carro pode ser transformado num sofá. O fogão, uma lata 
grande, de óleo ou de tinta, aberta por cima e com uma “porta” na lateral, para colocar a 
matéria prima para acender o fogo. As árvores tornam-se varais para secar as roupas quando 
não se tornam a própria casa. 
O espaço do morador de rua é segmentado e protegido pela disposição espacial de seus 
objetos e pela sua presença; a delimitação entre seu território e a rua é feita com madeiras, 
papelões, com os móveis resignificados. Diferentemente do poder público e dos proprietários 
de imóveis, eles não dispõem de cimento, tijolos, grades, documentos, leis, força policial e 
baldesd’água para demarcar e proteger seus territórios. 
“Estava dormindo na Piedade, na porta de uma loja, tinha passado a noite no Pelô 
guardando carro e acordei com um banho de água fria, era o segurança da loja, na hora eu 
fiquei com vontade de me vingar”, relata José com lágrimas nos olhos. 
Há a demarcação dos territórios nas ruas e também a segmentação desses em espaços 
para comer, dormir, se divertir e em cantos separados para cada um de seus habitantes, 
transformando-os assim em territórios existenciais. A segmentação que transforma o espaço 
da rua num território existencial decorre de codificações do morador que limita a sala, o 
quarto, a cozinha além de estabelecer códigos de conduta para cada uma dessas regiões, os 
quais eles esperam que sejam respeitados. 
É na própria ocupação do território que são estabelecidas áreas de lazer e 
confraternização; eles costumam utilizar ruas menos freqüentadas para compartilhar desses 
momentos, podem-se observar carretéis de fio de telefone ou mangueira sendo usados como 
mesas onde os moradores de rua jogam baralho, usando caixotes de frutas como bancos; 
procuram locais mais reservados para comer, conversar ou descansar, ter mais privacidade. Os 
fundos dos viadutos ou lugares mal iluminados nas ruas ou praças, em geral mal cheirosos e 
evitados por pedestres, são escolhidos para ser usado como banheiro, lugar para dormir, fazer 
sexo ou consumir drogas ilícitas. 
“a gente sabe logo quem é novo de rua”, José. Os moradores de rua codificam uns aos 
outros através dos modos de sentar, vestir, segurar a bolsa, andar, comer, beber, fumar, falar, 
roubar,. Eles identificam quem são os companheiros, os colegas, os amigos, quem é ladrão, 
quem pode ser roubado, em quem se pode confiar, quem é o “maloqueiro”, aproveitador que 
abusa da boa vontade dos colegas, quem é o “otário” de quem se pode aproveitar, quem é o 
“dono do pedaço”, que exerce chefia naquele local, quem é o bêbado inconveniente, quem é o 
“dedo duro” que entrega os outros, etc. 
 Toda a caracterização do local de ocupação territorial do morador de rua, marcados 
com elementos como o mau cheiro, restos de comida, latas, colchões, cobertores, móveis 
velhos, estofamento de automóveis, roupas, fezes, urina e marcas de fumaça no teto ou nas 
paredes do viaduto ou no muro e, sobretudo, a presença constante de seus moradores; não é 
suficiente para impedir a passagem de transeuntes e a invasão do território, o que revela a sua 
fragilidade enquanto instrumentos de proteção. 
 O corpo do morador de rua além de seu território de circulação representa juntamente 
com seus poucos pertences, sacolas e objetos, seu território existencial, a marca de sua 
expressão como observa a psicóloga social Cenise Vicente sobre a população de rua: 
 
O mau cheiro de quem não toma banho na situação de rua é uma estratégia de 
sobrevivência, é uma couraça protetora do corpo. (...) o mau cheiro lhes é útil, pois 
funciona como defesa e como proteção, afastando as pessoas. (...) O corpo é o 
último território que sobrou para aquela pessoa; ela perdeu, do ponto de vista do 
tempo, o passado, porque perdeu o direito de ter uma raiz, de ter um lugar no 
mundo. Ela vai perambular de cidade em cidade ou dentro da mesma cidade por 
vários locais e vai perdendo essa coisa fundamental, o direito de ter memória, de 
pertencer a uma comunidade. (VICENTE, 1995, p. 25) 
 
Analisando a fala de Vicente (1995) pode-se notar que a expressividade territorial do 
corpo do morador de rua pode representar o desejo de afastamento ou aproximação em 
relação às demais camadas da população: “o mau cheiro lhes é útil”. A sujeira, a exibição 
pública de atos privados são os obstáculos que substituem cercas e muros que delimitam o seu 
território. 
A alimentação é conseguida através de doações realizadas por restaurantes ou pela 
caridade de instituições que distribuem alimentos para a população carente, como igrejas. O 
lixo também se apresenta como fonte importante de subsistência, o qual é revirado também 
em busca de latas para vender e objetos de consumo pessoal. Essa prática nem sempre é 
realizada de forma sistemática, os moradores de rua costumam realizar pequenos serviços em 
troca de comida, mais comum em bairros residenciais. Nas casas eles conseguem também 
água e roupas usadas, o que dificilmente acontece nos edifícios, devido ao contato mais 
restrito aos moradores. 
Embora a maioria dos moradores de rua esteja no centro, os bairros residenciais são 
uma área privilegiada para a sua circulação. Às vezes são forçados a se sedentarizar nos seus 
próprios corpos e podem ter a sorte de serem incorporados pela vizinhança – quando não são 
expulsos – e se tornam os “mendigos” do bairro, porém muitos desses moradores de rua não 
fixam um local de dormitório nem mesmo um itinerário de circulação. 
 O banho e a lavagem das roupas costumam ocorrer em fontes e chafarizes, em riachos 
e lagoas na cidade, em postos de gasolina, etc., que estejam em seu caminho. 
A construção do território existencial dos moradores de rua envolve mais a ocupação 
dos lugares em que se encontram e apropriação dos recursos a que têm acesso do que uma 
simples demarcação espacial. Segundo José, existem indivíduos, que estando em situação de 
rua, nunca dormem ou comem na rua e alguns que nem sequer fazem da rua seu principal 
meio de socialização. Dormem no Albergue, passam o dia nos Centro de Referência da 
População de Rua e realizam a refeição nos pontos de doação. 
As territorialidades dos moradores de rua se cruzam, se confundem. Trecho-corpo-
casa-instituição se encontram em um mesmo território: a rua. E na rua, quando levados a se 
fixar, acabam improvisando moradias e estabelecendo fronteiras que marcam um interior e 
um exterior; o corpo permanece como território importante mesmo nas malocas. 
A rua é um território no meio da cidade; é o espaço reservado pela cidade para o fluxo 
de carros e pedestres, de modo que a ocupação desse território como local de residência gera 
conflitos e negociações entre a população de rua e a população sedentária. Desse modo há um 
intenso processo de adaptação dos moradores de rua às condições da cidade e da cidade aos 
moradores de rua, propiciando o surgimento de equipamentos para atendê-los a fim de evitar 
que façam nas ruas aquilo que deveriam fazer em casas. 
Uma prática muito desenvolvida pelo morador de rua para obtenção de dinheiro, 
passagens de ônibus, encaminhamentos para adquirir documentos gratuitamente é o 
“manguear” que consiste no exercício de convencer o interlocutor da necessidade de ajudá-lo, 
de dar a ele algum trocado, um prato de comida ou de comprar sua mercadoria. O morador de 
rua pode manguear inventando qualquer caso ou apenas sendo insistente. 
A mentira é algo muito freqüente na vida dos moradores de rua que por estarem 
afastados de pessoas que os conhecem e por não conviverem com as pessoas por muito 
tempo, podem mentir sem ninguém para desmentir, em troca de favores, piedade, simpatia e 
até mesmo como estratégia de defesa. Ou como dizia Mário Quintana, “é apenas uma verdade 
que se esqueceu de acontecer”. 
Os que convivem com eles por algum tempo têm sempre a sensação que eles 
escondem algo, eles são muito inconstantes. Para os moradores de rua, a mentira serve como 
estratégia para reforçar os laços de desconfiança estabelecidos na rua – entre os moradores de 
rua e entre moradores de rua e não moradores de rua. José afirma que “na rua só se pode 
confiar desconfiando”. As relações são muito fugaz, superficiais e desconfiadas. 
No que tange às relações afetivas, dificilmente o morador de rua convive por longos 
períodos com a família ou amigos de infância, devido ao nomadismo a que estão submetidos 
o que provoca a desagregação desses laços. Dessa forma o morador de rua cria em si mesmo 
suas interações, pautadas na liberdade,destituindo-se de cobranças quanto à coerência ou 
fidelização de suas atitudes. Usam de diversas formas de identificação, trocam de nomes e 
apelidos constantemente, criam novas identidades a cada dia, mergulham no seu imaginário, 
fazem documentos novos como novos nomes, mudam de cidade e de companhia, perdem e 
fazem novos amigos, às vezes dormem nas ruas, outras procuram albergues, saem das ruas e 
voltam ás ruas, enfim desaparecem. 
Viver nas ruas implica em obstáculos cotidianos como solidão, dificuldades de 
manutenção da higiene e falta de privacidade. O indivíduo necessita criar uma nova 
sociabilidade, com estratégias de sobrevivência. Conversar, tomar banho, usar roupas, comer, 
dormir passa a depender de uma rede de sobrevivência a ser criada. Descobrir locais e 
horários de distribuição de comida, onde tem um cano estourado, uma fonte para a higiene 
pessoal, qual o melhor bairro para passar o dia e qual o melhor para dormir, enfim, um 
aprendizado que leva tempo. Criar ‘companheiros de rua’ é outra estratégia para vencer as 
dificuldades encontradas. Escorel (2000) classifica esse fenômeno como “agrupamentos”. 
 3. FATORES QUE LEVAM OS INDIVÍDUOS A SITUAÇÃO DE RUA 
 
Apesar das atrações turísticas das grandes cidades, no caso do presente estudo, 
Salvador; o ambiente das ruas não é atrativo o suficiente para fazer com que indivíduos optem 
por se instalar, por tempo indeterminado, ao ar livre, para apreciar ininterruptamente as 
belezas naturais. Morar nas ruas é condição que se impõe aos indivíduos por múltiplos fatores 
principalmente associados à ruptura de vínculos familiares, conforme se pôde observar no 
depoimento de José, com 42 anos de idade, sendo 28 destes vividos nas ruas. 
 
Saí de casa de vez com 12 anos, antes eu fugia e voltava quando tava muito frio, 
mas num agüentei. Meu pai espancava a gente (mãe, duas irmãs e eu), cansei de ver 
mainha chorando, ele enchia a cara, perdia o emprego e a gente era culpado (...) 
passava fome do mesmo jeito, então um dia me deu na cabeça sai e nunca mais 
voltei. Soube depois que mainha morreu. (JOSÉ) 
 
A ruptura entre os moradores de rua e seus familiares ou pessoas com as quais 
convivem nem sempre é definitiva, irreversível; em geral se dá de forma processual e muitas 
vezes as famílias nem chegam a tomar conhecimento de sua situação. Eles conseguem viver 
na rua em segredo, sem manter contato com familiares que os dão como desaparecidos ou 
mantendo contato com os familiares e dizendo que estão dormindo em pensões. 
 
O afastamento da família, elemento fundamental de apoio material, de 
solidariedades e de referência no cotidiano, permite uma primeira e basilar 
configuração da população de rua: é um grupo social que apresenta vulnerabilidade 
nos vínculos familiares e comunitários. (ESCOREL, 1999, p. 103) 
 
A dimensão sócio-familiar merece destaque especial, pois os conflitos nesse âmbito 
permeiam as decisões de saída do lar. As causas do conflito em geral são a orientação sexual 
do morador de rua, o alcoolismo, o consumo ou tráfico de drogas que influenciam não só a 
unidade familiar pelos conflitos, mas pelo desequilíbrio do orçamento doméstico; o 
envolvimento em assaltos ou outros crimes, conflitos de valores, a violência ou abuso sexual 
por parte de algum parente – pai, irmão, padrasto. 
Existem ainda aqueles que são expulsos de casa ou abandonados pela família por 
representarem um empecilho, um estorvo para os parentes. Dentre os quais estão os doentes 
mentais, alguns idosos e deficientes físicos que representam a parcela inativa da sociedade, 
portanto a família não tem perspectiva de que eles venham a contribuir nas despesas da casa, 
os custos com sua saúde são altos, além de, em certos casos, colocarem seus familiares em 
situações de risco. Ocorrem também situações em que os moradores saem de casa e se 
perdem, passando a habitar as ruas da cidade. 
Eu já morei com maluco, velho, criança, adulto, é gente de todo tipo. Os velhos dão 
pena, a família abandona, não quer gastar dinheiro e os doido nem o manicomo 
quer...(risos), tem um bocado de gente do interior que entrou no ônibus e veio parar 
aqui.. José. 
 
Os moradores de rua são quase que exclusivamente provenientes das camadas mais 
pobres da população, geralmente são pessoas de baixa escolaridade e qualificação 
profissional, cujos vínculos estabelecidos com o mundo do trabalho já eram frágeis mesmo 
antes de se encontrarem na rua e, como constatou Neves (1995): 
 
Na sociedade capitalista, se não se vive da apropriação do resultado do trabalho de 
outrem, não se pode ter a liberdade de viver sem trabalhar. Ou seja, essa liberdade 
não pode ser a de negar o trabalho. Decorrem então todos os conteúdos morais que 
dão positividade ao trabalho e ao trabalhador que valoriza o fato de trabalhar. Ao 
final, o trabalho empresta virtude à liberdade. (NEVES, 1995, p. 65). 
 
Para os homens que mantém o ideário de referência em suas famílias assumindo a 
obrigação de sustentar os seus “dependentes”, quando não lhes é possível prover, sentem sua 
autoridade destituída, auto-negativam sua imagem. O poeta GONZAGUINHA deixou 
registrado em uma de suas músicas esse sentimento de impotência e falta de legitimidade 
social que permeia a vida dos homens sem trabalho: 
“[...] Um homem se humilha / Se castram seu sonho / Seu sonho é sua vida / E a vida é 
trabalho / E sem o seu trabalho / Um homem não tem honra / E sem a sua honra / Se morre, se 
mata / Não dá pra ser feliz /Não dá pra ser feliz.” (GONZAGUINHA, 1983, faixa 05) 
 
Para Escorel (1999) o “cair na rua” dos homens tem muitas vezes por pano de fundo a 
pobreza enfrentada cotidianamente no seio familiar e mais ainda, a vergonha que sentem por 
não conseguirem reverter essa situação. 
 
Não é possível obter uma taxa de desemprego junto à população de rua nem 
tampouco estabelecer uma correlação direta e mecânica entre desemprego, ou 
extrema vulnerabilidade do vínculo laboral, e a moradia nas ruas. No entanto, os 
depoimentos dos próprios moradores de rua e algumas pesquisas indicam que o 
desemprego é um dos principais motivos que conduzem as pessoas a viverem nas 
ruas. Relacionar processos de vulnerabilidade e desvinculação na dimensão do 
trabalho e rendimentos com a condição de morador de rua é buscar estabelecer até 
que ponto são originários da esfera ocupacional os estímulos que podem levar o 
indivíduo a atingir o “ponto zero”, definido como esgotamento dos recursos 
socioeconômicos suscetíveis de manter sua sobrevivência (ESCOREL, 1999, p. 
175). 
 
Embora a falta de emprego formal caracterize o morador de rua, não se constitui como 
fator primordial da ocupação das ruas, em geral o desemprego motiva a desavença familiar 
considerando a lógica capitalista apresentada por Neves (1995) e algumas migrações, 
podendo advir como circunstância desse processo o residir nas ruas, seja por fracasso das 
migrações, seja pela falta de aceitação familiar da condição do indivíduo que por vergonha 
resiste em voltar para casa sem emprego ou até mesmo lhe é imposto esta condição. Dessa 
forma, ser inserido no mercado de trabalho é antes uma necessidade imposta pela ruptura com 
o núcleo familiar do que uma vontade ou um objeto de desejo. 
Muitas vezes a situação de rua associa múltiplos fatores dentre os quais quase sempre 
um é de ordem emocional, tal qual o divórcio, o adultério, que combinados com o alcoolismo, 
o desemprego levam o indivíduo a esse modo de vida. 
Os desastres, as grandes tragédias pessoais que fazem com que as pessoas percam a 
casa e também a família podem levar o indivíduo a habitar as ruas, entretanto a maioria nem 
chega a integrar a população de rua, conseguem em pouco tempo, um barraco em alguma área 
de ocupação, favela. 
No Brasil alguns trabalhos tais como os escritos por Alba Zaluar e Maria Conceição 
D’Incao colocama questão da “opção” ou “não-opção” por viver na rua, como se pode 
observar nas passagens a seguir, 
 
É preciso abandonar a retórica romântica de apontá-los como pessoas livres que 
escolheram estar na rua como um exercício de liberdade e ouvir o que têm a dizer 
sobre o seu sofrimento e a vontade que alguns ainda expressam de sair dessa 
situação de absoluta penúria. A idéia de defender o direito dessas pessoas ficarem na 
rua, expondo-se à violência física e simbólica de todos, inclusive dos próprios 
companheiros, ou de considerar essa situação como chaga da sociedade que precisa 
continuar a ser vista cotidianamente deve ser repensada. Até porque ser tratado 
como chaga e obrigado a ser visto assim talvez não seja o desejo dos moradores da 
rua, cuja única organização conhecida em São Paulo foi autodenominada sofredores 
de rua. (ZALUAR, 1995: 57) 
 
Tenho observado que as relações sociais iguais ou transparentes às quais já nos 
referimos são em si mesmas transformadoras. Porque essas pessoas foram 
socializadas nas perversas relações de dominação que caracterizam nossa história e, 
na oportunidade de uma relação igual ou de respeito mútuo, começam a romper a 
paralisia das relações sociais que lhes foram impostas e a se pensar como capazes de 
algum tipo de decisão sobre suas próprias vidas. Mas, daí a pensar as alternativas de 
vida ou de trabalho que os homens de rua vêm desenvolvendo em seu cotidiano, 
penso que existe uma grande distância. Proclamar a liberdade implícita nesses novos 
modos de vida me parece, no mínimo, inocência. (...) E tenho receio dessa 
valorização ingênua de suas formas ou modos de vida como espaço de contestação 
social ou de exercício de liberdade. Sou tentada a pesar que essas leituras das 
populações de rua correspondem muito mais a desejos de liberdade reprimidos em 
nós mesmos, a projeções de nossas próprias frustrações. Mas isso já é uma outra 
história. (D’INCAO, 1995:52-53) 
 
As passagens de ambas as autoras provocam uma intensa reflexão acerca da rua como 
moradia ser uma opção na vida de indivíduos, que se submeteriam a situações precárias de 
vida, mesmo lhe sendo oportunizada uma relação de igualdade; em nome de uma 
identificação moral, de um manifesto social ou uma possível forma de expressar sua 
liberdade. Essa posição é combatida pelas autoras que apontam essa forma de encarar a 
situação dos moradores de rua como romântica, ingênua. De fato, nos caminhos percorridos 
para o desenvolvimento do presente trabalho, dos depoimentos obtidos, em nenhum ficou 
evidenciado o estar nas ruas por opção, por militância, diante da possibilidade de um destino 
diferente, que não o apresentado na forma de abrigos; ao contrário, viver nas ruas é sempre 
apontado como a última alternativa de sobrevivência. 
A insuficiência de renda nas lavouras, a falta de oferta de trabalho nas cidades, 
principalmente para trabalhadores com baixa qualificação profissional, provoca a migração de 
pessoas de cidade em cidade em busca de melhores condições de vida. Entretanto, a inserção 
no mercado de trabalho, especialmente nos grandes centros urbanos, depende de alguns 
requisitos que são raros entre os migrantes de baixa renda: escolaridade, profissionalização ou 
especialização em certos tipos de serviço, compatíveis com as necessidades urbano-
industriais; documentação em ordem, cartas de referência e residência fixa. 
Dessa forma, essas pessoas que já ao deixar seu território apresentam poucas 
possibilidades de serem absorvidas pelo mercado, apresentam grandes chances de insucesso e, 
em alguns casos, quando não possuem suporte para retorno à cidade de origem, ou mesmo 
lhes faltam coragem para enfrentar a família, resulta numa reterritorialização nômade, seja por 
processos de errância entre as cidades, seja pela fixação dessa população na rua. Ou seja, um 
migrante que não consegue trabalho na cidade para onde se deslocou, parte em busca de 
trabalhos temporários em várias cidades, com a escassez desses trabalhos temporários ele 
continua a viajar porque não pode voltar para casa “de mãos abanando”, passa a aceitar 
qualquer tipo de serviço para garantir sua sobrevivência e não se fixa nas cidades tempo 
suficiente para encontrar um trabalho melhor, se tornando um trecheiro, até perder ou ter seus 
documentos roubados o que obriga a fixação temporária numa cidade pela espera da nova 
documentação, provocando o improviso de um local para passar alguns dias, ou seja, uma 
“maloca”, aonde eles precisam estabelecer laços sociais para se manter, implicando no 
desenvolvimento de práticas tais como o alcoolismo que pode levar o indivíduo à completa 
mazela. A possibilidade de estabelecer uma continuidade com o comportamento do migrante 
que o leve a situação de rua faz com que muitas explicações para a existência da população de 
rua tenham como ponto de partida a migração. 
Mas antes de atribuir aos processos migratórios à existência de moradores de rua nas 
grandes cidades é importante considerar os dois principais componentes que fariam desses 
processos as causas desse fenômeno: o fator econômico, que é o desemprego, e os possíveis 
choques culturais a que estão sujeitos os migrantes. Portanto, muito embora a população de 
rua seja composta por pessoas sem emprego formal, provenientes de famílias de baixa renda e 
com baixa escolaridade, a pobreza, o desemprego e a baixa escolaridade não são razões 
suficientes para explicar a existência desse contingente de pessoas que ocupam as ruas da 
cidade ou teria que se explicar porque milhares de pessoas desempregadas, provenientes de 
famílias de baixa renda e com pouca escolaridade não estão vivendo nas ruas e sim em suas 
casas, com suas famílias. 
Apesar do desemprego ser um componente importante na vida dos moradores de rua, 
não é exclusividade dos migrantes, como também não pode ser considerado o fator 
preponderante para que as pessoas abandonem suas famílias para viver nas ruas. 
Segundo Durham (1984), as estratégias criadas pelos migrantes para se adaptar à vida 
nas metrópoles passam antes por uma solução de compromisso entre o modo de vida que 
levavam no meio rural e as exigências apresentadas pela vida metropolitana do que por uma 
mudança abrupta de valores ou pela ruptura dos vínculos afetivos e familiares. 
O choque cultural entre o campo e a cidade e à dificuldade de adaptação não 
necessariamente obrigam a fixação dos indivíduos nas ruas, tendo em vista a existência de 
indivíduos provenientes de outras regiões que não se encontram morando nas ruas. Além 
disso, nem todo morador de rua que não é natural de Salvador advém do meio rural, pelo 
contrário, há muitos moradores de rua em Salvador que vieram das grandes cidades ou 
capitais brasileiras. 
Assim, considerando a perspectiva de Durham (1984), percebe-se que o que acontece 
aos migrantes é o contrário do que acontece aos que se tornam moradores de rua e aos 
trecheiros: enquanto moradores de rua e trecheiros rompem com os laços familiares e não os 
recompõem mesmo no momento em que passam por dificuldades pessoais, os migrantes 
procuram estreitar ou, até mesmo, recriar laços familiares para superar as dificuldades que 
encontram na vida das grandes cidades. O fracasso no mercado de trabalho não é, pois, 
suficiente para fazer de um migrante um trecheiro ou um morador de rua. 
Porém, uma vez atingido a situação de rua, as possibilidades de retorno à cidade natal 
se tornam cada vez menores. Ninguém quer voltar para casa “pior do que saiu” e a volta é 
sempre adiada para quando a “situação melhorar”. Em depoimentos extraídos do livro de 
Escorel (1999) pode-se perceber claramente a dificuldade de encarar a família após a tentativa 
frustrada de melhorar a qualidade de vida: 
“Eu não posso voltar pra casa do jeito que eu tô, por isso eu queria arrumar um quarto 
pra mim, estabilizar-me de novo, [...]; vou chegar na minhacasa de bermuda e uma mochila 
nas costas?” (ESCOREL, 1999, p. 147) 
Quem se dispõe a sair de sua terra natal para enfrentar o novo, reúne todas as suas 
forças e reservas econômicas e emocionais para trazer o melhor para casa, portanto, voltar 
fracassado para a família é uma dor para a qual não se tem mais reservas. 
 
Às vezes eu penso em voltar, sabe? Mas voltar da forma que eu tô não posso não... 
eu tenho a maior vergonha de voltar pra minha casa da forma que eu tô, destruído, 
tinha que tar bem melhor, sabe? Ó só, vou falar um coisa... sem dente, sem roupa, 
sem nada, sei lá, destruído totalmente, não volto não. (ESCOREL, 1999, p. 147) 
 
Se a maior proporção de moradores de rua em relação à população total é encontrada 
nas cidades com maior contingente populacional, talvez seja porque as condições de 
existência da população de rua estejam mais presentes nas cidades grandes do que nas 
pequenas. 
As cidades menores costumam desenvolver políticas mais eficientes de deportação de 
potenciais moradores de rua, além do fato das grandes cidades produzirem mais lixo, 
propiciando a catação de lixo que se apresenta como importante fonte de renda para quem 
habita as ruas; um mercado mais intenso que demanda mais caminhões para descarga de 
materiais, possibilitando a realização de “bicos”. Ou seja, nas grandes cidades, a população de 
rua encontra mais recursos para a sua sobrevivência. 
Nessa perspectiva a população de rua tem suas origens no desenvolvimento do 
capitalismo e no crescimento das cidades. Mas, mesmo considerando que essa população é 
recrutada nas camadas mais baixas da população, não é no desemprego ou no pauperismo em 
que se encontram as causas de sua existência, e sim nas próprias condições desse 
desenvolvimento que fazem da inserção no mercado formal de trabalho uma condição 
primordial para a inserção social e que leva as administrações municipais a adotar políticas de 
afastamento, acolhimento ou repressão desta população que não se adequa aos modos de vida 
apresentados como desejáveis ou, pelo menos, aceitáveis pelo poder público e pelos demais 
moradores das cidades. 
 
 
 
4. A POPULAÇÃO DE RUA DE SALVADOR 
 
Salvador, terra da alegria, do Carnaval, presente nos principais roteiros turísticos no 
cenário nacional, encanta os visitantes e os nativos pela diversidade de belezas naturais, pela 
riqueza histórica que carrega em cada construção antiga que compõe a arquitetura da cidade, 
tais como o elevador Lacerda, o Mercado Modelo, o Forte São Marcelo, a Praça Castro Alves, 
a Ponta do Humaitá, o Pelourinho, o Farol da Barra, a Lagoa do Abaeté, o Dique do Torroró, 
a Igreja do Bonfim, a Praça do Campo Grande, Praça Nossa Senhora da Luz, dentre outros. 
Entretanto, estes cenários não ofuscam uma realidade latente que circunda e ocupa diversas 
áreas da cidade que é a população de rua, embora às vezes pareçam invisíveis aos olhos 
daqueles que se habituaram a ver mãos esticadas nas esquinas e água jogada subitamente nos 
retrovisores dos carros. 
Contabilizar a população de rua é uma tarefa difícil. Como afirmam Lovisi (2000) e 
Escorel (2000), a dificuldade começa pela conceituação do que seja a população de rua – se 
são “população de rua”, se são pessoas “sem teto”, se inclui ou não os trabalhadores de rua 
(catadores de material reciclável) que dormem na rua durante a semana e em casa nos finais 
de semana; se inclui os modos precários de habitação, o que incluiria os moradores de favelas 
e etc. 
Uma vez definido quem deve ser considerada como população de rua, surge o segundo 
problema: como recensear uma população sem endereço fixo, composta, inclusive, por 
pessoas que estão de passagem pelas cidades? 
Lovisi (2000) e Dias (1999) relatam algumas formas de pesquisa adotadas para o 
recenseamento da população de rua: a abordagem de todas as pessoas que estão dormindo na 
rua ou em albergues em uma única noite; abordagens feitas ao longo de alguns meses, 
incluindo moradores de residências improvisadas; pesquisa por amostragem, selecionando-se 
alguns quarteirões; pesquisas por amostra residencial, por telefone, a fim de saber se algum 
morador da residência já morou na rua por algum período da vida e quando, fazendo-se então 
uma estimativa do tamanho da população de rua pela porcentagem de pessoas que declararam 
ter passado pela rua a cada ano. 
No Brasil, a população de rua não está incluída nos censos nacionais realizados pelo 
IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), contudo a contagem oficial da 
população de rua do Brasil foi realizada entre os meses de outubro de 2007 e janeiro de 2008. 
A pesquisa Nacional sobre a População em Situação de Rua foi financiada com recursos do 
Tesouro e viabilizada por um acordo de cooperação assinado entre o Ministério do 
Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) e a Organização das Nações Unidas para 
a Educação, a Ciência e a Cultura (UNESCO). 
O público-alvo da pesquisa foi composto por pessoas com 18 anos completos ou mais 
vivendo em situação de rua. O levantamento abrangeu um conjunto de 71 cidades brasileiras, 
ver anexo 1. Desse total, fizeram parte 48 municípios com mais de 300 mil habitantes1 e 23 
capitais, independentemente de seu porte populacional. Entre as capitais brasileiras não foram 
pesquisadas São Paulo, Belo Horizonte e Recife, que haviam realizado pesquisas semelhantes 
em anos recentes, além de Porto Alegre que solicitou sua exclusão da amostra por estar 
conduzindo uma pesquisa de iniciativa municipal simultaneamente ao estudo contratado pelo 
MDS. Dos municípios Baianos foram inclusos Salvador e Feira de Santana. 
Para desenvolver a pesquisa, a Secretaria Nacional de Assistência Social do Ministério 
do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, definiu “a população em situação de rua” 
como um grupo populacional heterogêneo, caracterizado por sua condição de pobreza 
extrema, pela interrupção ou fragilidade dos vínculos familiares e pela falta de moradia 
convencional regular. Como pessoas compelidas a habitar logradouros públicos (ruas, praças, 
cemitérios etc.), áreas degradadas (galpões e prédios abandonados, ruínas etc.) e, 
ocasionalmente, utilizar abrigos e albergues para pernoitar. 
Como já foi dito anteriormente, para fins desta dissertação, foi considerada população 
de rua ou morador de rua todo aquele que faz do espaço público e, em alguns casos, de 
construções ou terrenos abandonados, seu local de moradia, assim como aquele que se utiliza 
de instituições de acolhimento para a população de rua como local de dormitório. Deste 
modo, a pesquisa Nacional realizada entre os moradores de rua de Salvador engloba a 
população tratada no presente trabalho. 
O resultado da pesquisa identificou 31. 922 pessoas em situação de rua nas 71 cidades 
pesquisadas, correspondendo a 0,061% da população residente.Os resultados sugerem um 
novo perfil de população em situação de rua: o trabalhador pobre sem uma moradia 
convencional, justificada pelo fato de 70,9% exercerem alguma atividade remunerada. A 
pesquisa revelou também a cristalização da situação de rua e elevado grau de 
institucionalização de pessoas que dormem em albergues. 
 
__________________________ 
1 Projeção dos dados do Censo Demográfico de 2000 (IBGE). 
 
Em Salvador a pesquisa apontou a existência de 3.289 moradores em situação de rua, 
considerando que o público alvo foi composto por pessoas com 18 anos completos ou mais. O 
que representa 0,114 % da população que totaliza 2.892.625 pessoas segundo contagem do 
IBGE 2007. Em termos percentuais parece representar uma parcela insignificante da 
população, entretanto ao se analisar que são 3.289 seres humanos vivendo em condições 
precárias, subumanas, compartilhando as ruas da cidade com baratas, ratos e detritos, constitui 
um absurdo do ponto de vista humano e constitucional. 
Salvador é asegunda maior cidade com maior número absoluto de moradores de rua, 
atrás apenas do Rio de Janeiro, que tem 4.585 (0,080%) e Curitiba é a terceira com 2.776 
(0,150%), ver anexo 2. A pesquisa revela que a maioria dos moradores de rua é formada por 
homens, entre 25 e 44 anos, exerce atividade remunerada, não sabe ler e escrever e não recebe 
benefícios sociais do governo. 
Das andanças pelas ruas de Salvador é fácil notar que à medida que a faixa etária sobe, 
a quantidade de moradores de rua tende a decrescer, havendo poucos moradores de rua 
idosos, o que pode ser explicado pela dificuldade que representa a vida nas ruas, 
impossibilitando a permanência destes, que debilitados não conseguem sobreviver nestes 
ambientes hostis. 
Outro aspecto facilmente observado é a diferença na proporção de homens e mulheres, 
em geral são poucas mulheres que habitam os aglomerados das ruas face à dificuldade de se 
manter nestes ambientes devido principalmente à violência sofrida por elas. Em seu 
depoimento José evidencia que as mulheres são muito cobiçadas nas ruas, elas são fruto do 
desejo de muitos homens “carentes” e as relações são muito voláteis, um dia a mulher é de um 
e no outro dia já é de outro homem, assim os conflitos são constantes e mulher é a grande 
vítima. Segundo ele mulher para sobreviver nas ruas e das ruas ou tem marido ou é muito 
guerreira. 
 
 
4.1 TRAJETÓRIA DOS MORADORES DAS RUAS DE SALVADOR 
 
Salvador, cidade litorânea, é um atrativo para pessoas em busca de melhores condições 
de vida, principalmente nos períodos de maior fluxo de turistas. A origem das populações de 
rua varia conforme os tipos de cidade onde se encontram. Em cidades de grande porte como 
Salvador, a maioria dos moradores de rua são provenientes da própria cidade e pessoas que 
migraram há muitos anos e que vieram a se tornar moradores de rua2. Os trabalhadores 
itinerantes são mais comuns em cidades menores, onde a participação da agricultura na 
economia é maior. 
Muitos moradores de rua procuram as cidades litorâneas para trabalhar como 
vendedores ambulantes nas praias ou para trabalhar “na noite”, como fazem os travestis. Os 
moradores de rua de Salvador geralmente procuram o litoral e o centro da cidade, as áreas 
próximas do comércio, os pontos turísticos, terminais rodoviários, próximo às igrejas, à 
albergues e instituições filantrópicas que fazem distribuição de alimentos, mantimentos e 
roupas. 
Os itinerários construídos pelos moradores de rua podem ser os mais diversos 
possíveis, podendo englobar somente uma rua ou avenida e adjacências, um quarteirão ou 
alguns metros além do local onde se instalou, e até mesmo diversas áreas da cidade; eles 
buscam estar sempre próximo das fontes de recursos necessárias para a sua manutenção. 
Os principais pontos críticos dos moradores de rua se Salvador constituem: 
O Campo da Pólvora- Ladeira de Santana- habitada por moradores de rua de diversas 
faixas etárias; eles formam um aglomerado humano em meio a papelões, garrafas plásticas e 
restos alimentares, são homens e mulheres que passam os dias e as noites na rua, 
sobrevivendo da venda de materiais recicláveis, de esmolas concedidas principalmente pelos 
motoristas que passam e são obrigados a parar no semáforo que fica próximo ao local que eles 
habitam. Já que pedestres evitam a região com receio e medo de passar próximo, conforme 
relata José, meu acompanhante nessa jornada que viveu por um ano nesse ponto da cidade. 
Segundo ele é possível num dia contar o número de “corajosos” que sobem a ladeira de 
Santana a pé, “de vez em quando subia uns doutores assustados que estacionava o carro 
naquele estacionamento.” relata José apontando para o local. Os moradores de rua costumam 
ocupar essa região porque aí existe uma igreja e a instituição Missão Redentora - Casa 
Espírita de Caridade Saback que há 50 anos oferece três refeições diárias, roupas e sapatos, 
durante todo o ano, porém o foco é para pessoas doentes e idosas. 
Nessa região da cidade é importante destacar o contraste representado pela presença 
maciça de moradores de rua e pela existência de órgãos públicos tais como o Fórum Rui 
Barbosa, o Ministério Público, a Defensoria Pública, a Ordem dos Advogados do Brasil-
OAB, todos legitimadores do Direito, para os quais se dirigem todos os dias, diversos 
representantes com poder de decisão dentro da sociedade, além da sociedade civil a procura 
________________________________ 
2.Fonte: Pesquisa Nacional Sobre a População em Situação de Rua, Abril de 2008. 
 
de serviços, além de que, o local é rota de passagem de ônibus advindos de diversos bairros de 
Salvador e pelo menos alguma vez na vida os soteropolitanos e os demais que aqui residem já 
passaram por lá, portanto é uma realidade revelada, não está escondida em marquises e 
viadutos que favoreçam a invisibilidade desses indivíduos. 
A Barroquinha- região próxima ao Campo da Pólvora caracterizada pelo intenso 
comércio, composto por lojas de roupas, calçados e diversos outros gêneros, shopping center, 
terminal rodoviário, representa um local de intensa ocupação e circulação dos moradores de 
rua que em geral descem da Ladeira de Santana, do Pelourinho, da Praça da Sé, do Aquidabã 
e de outros locais em busca de alimentos e outros gêneros para a sua sobrevivência, que por 
vezes são conquistados através de furtos e roubos, com retrata José: 
 
Aqui é fácil conseguir grana, se não dão a gente se vira e acaba conseguindo, as 
pessoa fazendo compra fica distraída e é muita gente então fica fácil, quando as lojas 
fica cheia então... roubar faz parte da vida do morador de rua senão a gente morre 
mas não faço mais isso não, descobrir outro jeito de sobreviver. (JOSÉ) 
 
Além da facilidade na obtenção de gêneros através de doações, furtos e roubos face à 
grande movimentação comercial, a região possui muitos prédios, cujas fachadas servem como 
abrigo, casarões abandonados, abrigos públicos- centro de triagem- além do terminal de 
ônibus, local onde eles costumam passar as noites. O ponto crítico dessa região é a existência 
de intenso tráfico de drogas, portanto o local tornou-se atrativo para dependentes químicos e 
costuma ser bastante freqüentado pelos moradores de rua afinal o próprio José afirma: 
 
É muito difícil viver nas ruas e nunca ter usado baseado, cola, pedra, o vizinho de 
papelão usa, aí você fica vendo então ele divide com você, é o companheirismo, 
ajuda a passar o frio, a fome e dá coragem, aí ela já te dá o canal para conseguir e 
quando você vê já ta perdido, essa é a vida das ruas... graças a Deus estou liberto, 
Jesus me curou. (JOSÉ) 
 
O viaduto do Aquidabã, região de confluência dos Bairros do Comércio, Sete Portas, 
Baixa dos Sapateiros, Santo Antônio e Vale de Nazaré é uma área de concentração de 
moradores de rua tipicamente de formação de “malocas”, os moradores aproveitam a estrutura 
do viaduto e a faz de parede e teto de sua casa, montando uma arquitetura de preservação de 
sua vida particular através de madeirites e papelões que formam o arcabouço da “residência”; 
são homens e mulheres que convivem formando a chamada “família da rua”. Eles vivem de 
esmolas, do dinheiro obtido como malabaristas, como limpadores de pára-brisa de veículo que 
param no semáforo, da venda de materiais reciclados e doações de igrejas que ficam próximas 
à região. Em geral, durante o dia eles circulam pelo Bairro da Baixa dos Sapateiros e da Sete 
Portas, regiões de intenso comércio e circulação de pessoas. 
“Tem gente aí que tem problemas de cabeça, inclusive já tiveram internado no 
Sanatório”, informa José apontando para um senhor de aparentemente 40 anos, feições débeis 
e abatidas. O Sanatório a que João fez referência localiza-se numa região próxima ao viaduto, 
é particular, porém conveniado ao Sistema Único de Saúde (SUS), contudo, com o advento da 
reforma psiquiátrica

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