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Ministro Hahnemann Guimarães Memória Jurisprudencial Brasília 2010 Supremo Tribunal Federal SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Memória Jurisprudencial MINISTRO HAHNEMANN GUIMARÃES MARcOS AURéLIO PEREIRA VALADÃO Brasília 2010 Diretoria-Geral Alcides Diniz da Silva Secretaria de Documentação Janeth Aparecida Dias de Melo Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência Leide Maria Soares c orrêa c esar Seção de Preparo de Publicações c íntia Machado Gonçalves Soares Seção de Padronização e Revisão Rochelle Quito Seção de Distribuição de Edições Maria c ristina Hilário da Silva Diagramação: Eduardo Franco Dias e Ludmila Araujo Capa: Jorge Luis Villar Peres Edição: Supremo Tribunal Federal Dados Internacionais de c atalogação na Publicação (c IP) (Supremo Tribunal Federal – Biblioteca Ministro Victor Nunes Leal) Valadão, Marcos Aurélio Pereira. Ministro Hahnemann Guimarães / Marcos Aurélio Pereira Valadão. -- 1. ed. -- Brasília : Supremo Tribunal Federal, 2010. 420 p. -- (c oleção memória jurisprudencial ; 8) ISBN 978-85-61435-17-2 1. Ministro do Supremo Tribunal Federal, discursos. 2. Tribunal supremo, Brasil. I. Título. CDD-341.419104 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Ministro Antonio cEZAR PELUSO (25-6-2003), Presidente Ministro carlos Augusto AyRES de Freitas BRITTO (25-6-2003), Vice-Presidente Ministro José cELSO DE MELLO Filho (17-8-1989) Ministro MARcO AURéLIO Mendes de Farias Mello (13-6-1990) Ministra ELLEN GRAcIE Northfleet (14-12-2000) Ministro GILMAR Ferreira MENDES (20-6-2002) Ministro JOAQUIM Benedito BARBOSA Gomes (25-6-2003) Ministro EROS Roberto GRAU (30-6-2004) Ministro Enrique RIcARDO LEWANDOWSKI (16-3-2006) Ministra cÁRMEN LÚcIA Antunes Rocha (21-6-2006) Ministro José Antonio DIAS TOFFOLI (23-10-2009) Ministro Hahnemann Guimarães APRESENTAÇÃO A constituição de 1988 retomou o processo democrático interrompido pelo período militar. Na esteira desse novo ambiente institucional, a constituição significou uma renovada época. Passamos para a busca de efetividade dos direitos no campo das pres- tações de natureza pública, como pelo respeito desses direitos no âmbito da sociedade civil. é na calmaria institucional que se destaca a função do Poder Judiciário. é inegável sua importância como instrumento na concretização dos valo- res expressos na carta Política e como faceta do Poder Público, em que os hori- zontes de defesa dos direitos individuais e coletivos se viabilizam. O papel central na defesa dos direitos fundamentais não poderia ser alcançado sem a atuação decisiva do Supremo Tribunal Federal na construção da unidade e do prestígio de que goza hoje o Poder Judiciário. A história do SUPREMO se confunde com a própria história de constru- ção do sistema republicano-democrático que temos atualmente e com a conso- lidação da função do próprio Poder Judiciário. Esses quase 120 anos (desde a transformação do antigo Supremo Tribunal de Justiça no Supremo Tribunal Federal, em 28-2-1891) não significaram sim- plesmente uma seqüência de decisões de cunho protocolar. Trata-se de uma importante seqüência político-jurídica da história nacio- nal em que a atuação institucional, por vários momentos, se confundiu com defesa intransigente de direitos e combate aos abusos do poder político. Essa história foi escrita em períodos de tranqüilidade, mas houve tam- bém delicados momentos de verdadeiros regimes de exceção e resguardo da independência e da autonomia no exercício da função jurisdicional. conhecer a história do SUPREMO é conhecer uma das dimensões do caminho político que trilhamos até aqui e que nos constituiu como cidadãos brasileiros em um regime constitucional democrático. Entretanto, ao contrário do que a comunidade jurídica muitas vezes tende a enxergar, o SUPREMO não é — nem nunca foi — apenas um prédio, um ple- nário, uma decisão coletada no repertório oficial, uma jurisprudência. O SUPREMO é formado por homens que, ao longo dos anos, abraçaram o munus publicum de se dedicarem ao resguardo dos direitos do cidadão e à defesa das instituições democráticas. conhecer os vários “perfis” do SUPREMO. Entender suas decisões e sua jurisprudência. Analisar as circunstâncias políticas e sociais que envolveram determi- nado julgamento. Interpretar a história de fortalecimento da instituição. Tudo isso passa por conhecer os seus membros, os valores em que acre- ditavam, os princípios que seguiam, a formação profissional e acadêmica que tiveram, a carreira jurídica ou política que trilharam. Os protagonistas dessa história sempre foram, de uma forma ou de outra, colocados de lado em nome de uma imagem insensível e impessoal do Tribunal. Vários desses homens públicos, muito embora tenham ajudado, de forma decisiva, a firmar institutos e instituições de nosso direito por meio de seus votos e manifestações, são desconhecidos do grande público e mesmo ignora- dos entre os juristas. A injustiça dessa realidade não vem sem preço. O desconhecimento dessa história paralela também ajudou a formar uma visão burocrática do Tribunal. Uma visão muito pouco crítica ou científica, além de não prestar homena- gem aos Ministros que, no passado, dedicaram suas vidas na edificação de um regime democrático e na proteção de um Poder Judiciário forte e independente. Por isso esta coleção, que ora se inicia, vem completar, finalmente, uma inaceitável lacuna em nossos estudos de direito constitucional e da própria for- mação do pensamento político brasileiro. Ao longo das edições desta coletânea, o aluno de direito, o estudioso do direito, o professor, o advogado, enfim, o jurista poderá conhecer com mais pro- fundidade a vida e a obra dos membros do Supremo Tribunal Federal de ontem e consultar peças e julgados de suas carreiras como magistrados do Tribunal, que constituem trabalhos inestimáveis e valorosas contribuições no campo da interpretação constitucional. As constituições Brasileiras (1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988) consubstanciaram documentos orgânicos e vivos durante suas vigências. Elas, ao mesmo tempo em que condicionaram os rumos político-insti- tucionais do país, também foram influenciadas pelos valores, pelas práticas e pelas circunstâncias políticas e sociais de cada um desses períodos. Nesse sentido, não há como segmentar essa história sem entender a dinâ- mica própria dessas transformações. Há que se compreender os contextos históricos em que estavam inseridas. Há que se conhecer a mentalidade dos homens que moldaram também essa realidade no âmbito do SUPREMO. A constituição, nesse sentido, é um dado cultural e histórico, datada no tempo e localizada no espaço. Exige, para ser compreendida, o conhecimento dos juristas e dos polí- ticos que tiveram papel determinante em cada um dos períodos constitucio- nais tanto no campo da elaboração legislativa como no campo jurisdicional de sua interpretação. A constituição, por outro lado, não é um “pedaço de papel” na expressão empregada por FERDINAND LASSALE. O sentido da constituição, em seus múltiplos significados, se renova e é constantemente redescoberto em processo de diálogo entre o momento do intér- prete e de sua pré-compreensão e o tempo do texto constitucional. é a “espiral hermenêutica” de HANS GEORG GADAMER. O papel exercido pelos Ministros do SUPREMO, como intérpretes ofi- ciais da constituição, sempre teve caráter fundamental. Se a interpretação é procedimento criativo e de natureza jurídico-polí- tica, não é exagero dizer que o SUPREMO, ao longo de sua história, completou o trabalho dos poderes constituintes que se sucederam ao aditar conteúdo nor- mativo aos dispositivos da constituição. Isso se fez na medida em que o Tribunal fixava pautas interpretativas e consolidava jurisprudências. Não há dúvida, portanto,de que um estudo, de fato, aprofundado no campo da política judiciária e no âmbito do direito constitucional requer, como fonte primária, a delimitação do pensamento das autoridades que participaram, em primeiro plano, da montagem das linhas constitucionais fundamentais. Nesse sentido, não há dúvida de que, por exemplo, o princípio federativo ou o princípio da separação dos Poderes, em larga medida, tiveram suas fron- teiras de entendimento fixadas pelo SUPREMO e pela carga valorativa que seus membros traziam de suas experiências profissionais. Não é possível se compreender temas como “controle de constitucionali- dade”, “intervenção federal”, “processo legislativo” e outros tantos sem se saber quem foram as pessoas que examinaram esses problemas e que definiram as pautas hermenêuticas que, em regra, seguimos até hoje no trabalho contínuo da corte. Por isso, esta coleção visa a recuperar a memória institucional, política e jurídica do SUPREMO. A idéia e a finalidade é trazer a vida, a obra e a contribuição dada por Ministros como cASTRO NUNES, OROZIMBO NONATO, VIcTOR NUNES LEAL e ALIOMAR BALEEIRO, além de outros. A redescoberta do pensamento desses juristas contribuirá para a melhor compreensão de nossa história institucional. contribuirá para o aprofundamento dos estudos de teoria constitucional no Brasil. contribuirá, principalmente, para o resgate do pensamento jurídico-polí- tico brasileiro, que tantas vezes cedeu espaço para posições teóricas construídas alhures. E, mais, demonstrará ser falaciosa a afirmação de que o SUPREMO deve ser um Tribunal da carreira da magistratura. Nunca deverá ser capturado pelas corporações. Brasília, março de 2006 Ministro Nelson A. Jobim Presidente do Supremo Tribunal Federal SUMáRIO ABREVIATURAS 17 DADOS BIOGRÁFIcOS 19 NOTA DO AUTOR 21 1. HERMENÊUTIcA 25 Argumento a contrario sensu 25 Argumento histórico — Trabalhos preparatórios 25 Argumento histórico — Origem histórica da norma 27 Efeito repristinatório da constituição nova 27 2. cONTROLE ABSTRATO DE cONSTITUcIONALIDADE — REPRESENTAÇÃO INTERVENTIVA 32 contextualização histórica 32 Representação 94/RS 36 Representação 97/PI 39 Representação 106/GO 43 Representação 111/AL 46 Representação 134/PA 48 Representação 322/GO 49 Atos do Poder Executivo estadual — Possibilidades de controle 50 3. ADMINISTRATIVO 52 Anulação de processo administrativo por ausência de requisitos legais 52 Demissibilidade de funcionário público nomeado — Direito à posse 53 Revogação de ato administrativo bilateral — Limites 56 Revogação de ato administrativo discricionário — Limites 58 4. DESAPROPRIAÇÃO 63 Valor da indenização 63 Honorários na desapropriação 67 5. QUORUM 71 A questão do quorum da maioria absoluta em Plenário 71 Voto médio 82 6. TEMAS DIVERSOS DE DIREITO cIVIL 83 Alienação à concubina 83 Boa-fé do possuidor — conceito e efeitos 84 Fraude à lei 86 Indenização por dano moral 87 Insolvência — compensação de dívidas vencidas 88 Locação — Renovação, ônus da prova 90 Natureza dos juros moratórios 92 Natureza probante do Registro de Imóveis 93 Responsabilidade por ato ilícito de empregado 94 Simulação por interposta pessoa na venda de ascendente a descendente — Prescrição 95 Sucessão — Liberdade do testar 97 7. cOMERcIAL 98 Execução de dívida pura 98 Falência — Prescrição de crime falimentar 99 Sigilo comercial e bancário 100 8. OUTROS TEMAS DE DIREITO cONSTITUcIONAL 102 competência por prerrogativa de função — Dispositivo de constituição estadual 102 Liberdade de associação — Mandado de segurança e habeas corpus 103 Liberdade de associação sindical 106 Liberdade de expressão e liberdade de cátedra 115 Liberdade de expressão política 119 Liberdade de imprensa 121 Liberdade religiosa e questões religiosas 124 Questões políticas e o STF 128 Responsabilidade do Estado — Limites indenizatórios 134 9. EcONÔMIcO 139 Limites da intervenção do Estado 139 10. ELEITORAL 142 cabimento de recurso constitucional (recurso extraordinário) 142 Natureza do mandato parlamentar 145 11. EXPULSÃO 150 conceito de família 150 12. EXTRADIÇÃO 153 Impossibilidade para o penalmente irresponsável à época do delito 153 13. HABEAS CORPUS 154 Ilegitimidade de assistente para impugnar 154 conversão em diligência 155 14. MANDADO DE SEGURANÇA 157 Uso indevido do instrumento processual 157 competência originária — Atos do Tribunal de contas da União 158 Descabimento contra lei em tese 161 Direito líquido e certo 168 Ação popular e mandado de segurança — Distinções e efeitos 170 15. PENAL 176 conceito de bem público para efeitos penais 176 Extinção da punibilidade pelo casamento (corrupção de menores) 177 Prescrição penal — contagem no crime continuado 179 16. PROcESSUAL cIVIL 181 cabimento de recurso extraordinário ao STF 181 Limites na execução da sentença 181 Leitura da sentença em data diversa daquela em que as partes tiveram ciência 184 17. PROcESSUAL PENAL 187 Ação penal privada subsidiária da pública 187 Aprovação das contas pela Assembléia Legislativa e competência do Tribunal 188 competência — Distinção: crimes comuns militares e de responsabilidade 192 competência por prerrogativa de função 195 conflito de jurisdição 196 crime político e competência do Tribunal do Júri 197 Distinção entre absolvição da instância penal e da ação penal 205 Nulidades — Representação sujeita a ratificação 206 Recorribilidade das decisões do Júri — Soberania dos veredictos 206 18. PROcESSUAL DO TRABALHO 209 Afastabilidade do interesse da União em causas trabalhistas de empresas da União 209 Princípio da identidade física do juiz 210 19. TRABALHO 212 culpa grave e dolo para atribuição de responsabilidade 212 Demissão de administrador sindical e falta grave 213 Demissão por falta grave e participação em greve 214 Demissão por transferência do estabelecimento ou extinção da empresa 215 Desconto de férias por falta ao trabalho 217 20. TRIBUTÁRIO 219 Incidência do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis Inter Vivos (ITBI) no exercício do direito de preempção em caso de desapropriação 219 Isenção de tributo municipal por constituição estadual — Vedação 220 Taxa destinada à consolidação rodoviária do Rio Grande do Sul — Validade 221 Imunidade tributária recíproca — Limites 222 Imposto sobre Vendas e consignações — Bonificação recebida, quando da liquidação do contrato de câmbio: não-incidência 223 Tributação e intervenção no domínio econômico 224 Limite da constituição estadual em relação aos tributos municipais 225 Tratado internacional — conflito com legislação nacional 226 NOTAS SOBRE O PENSAMENTO JURÍDIcO E A TécNIcA DEcISIONAL EM HAHNEMANN GUIMARÃES 227 Princípios e valores 229 Sobre a família e o divórcio 231 Notas sobre a técnica decisional 232 Sobre a jurisprudência 233 Sobre princípios e regras 233 Da precisão dos conceitos 234 Outros aspectos 235 Da coragem e do discernimento 235 Estilo 235 FRASES E cONTEXTOS 236 Sobre a atuação do STF 236 Temas diversos 236 REFERÊNcIAS 239 WEBSITES cONSULTADOS 242 APÊNDIcE 243 ÍNDIcE NUMéRIcO 419 ABREVIATURAS Aci Apelação cível Acr Apelação criminal ADI Ação Direta de InconstitucionalidadeAI Agravo de Instrumento AR Ação Rescisória cEXIM carteira de Exportação e Importação do Banco do Brasil cJ conflito de Jurisdição cc código civil cLT consolidação das Leis do Trabalho cP código Penal cPc código de Processo civil cPP código de Processo Penal ED Embargos de Declaração Ext Extradição Hc Habeas Corpus Inq Inquérito IVc Imposto sobre Vendas e consignações ITBI Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis Inter Vivos MS Mandado de Segurança OAB Ordem dos Advogados do Brasil PPE Prisão Preventiva para Extradição Rc Recurso criminal RE Recurso Extraordinário RHc Recurso em Habeas Corpus RMS Recurso em Mandado de Segurança Rp Representação SE Sentença Estrangeira STF Supremo Tribunal Federal TFR Tribunal Federal de Recursos TSE Tribunal Superior Eleitoral TST Tribunal Superior do Trabalho DADOS BIOGRáFICOS HAHNEMANN GUIMARÃES nasceu em 27 de novembro de 1901, na cidade do Rio de Janeiro. Era filho de Norival Guimarães e de D. Rosa Maria Amares Guimarães. cursou o Externato Pedro II, de 1914 a 1917, formando-se em Direito, na antiga Universidade do Rio de Janeiro, em 1923. Ainda estudante de Direito, lecionou no colégio do Professor Accioly, revelando-se exímio latinista e conquistando, em 1926, por concurso, o lugar de Professor catedrático de Latim do colégio Pedro II. Na época escreveu duas teses: Epigrafia latina e Comentariola métrica. Obteve a docência livre de Direito Romano da Faculdade do Rio de Janeiro, por concurso, em 1931, e, da mesma forma, a cátedra de Direito civil, em 1933. Defendeu, então, as teses Da revogação dos atos praticados em fraude de credores segundo o direito romano e Estudos sobre a gestão de negócios. Representou o País em vários congressos e conferências internacionais, entre os quais, a conferência Internacional de Ensino Superior (Paris — 1937); cinqüentenário do Tratado de Direito Internacional Privado (Montevidéu — 1940), tendo chefiado a delegação brasileira ao congresso Internacional de Aeronáutica civil (chicago — 1944). Integrou a comissão Revisora do código civil, que elaborou o Anteprojeto do código das Obrigações, e participou da comissão elaboradora do Projeto de Lei de Falências, da comissão do Projeto de Lei de Supressão da Enfiteuse e da comissão da Lei Eleitoral, juntamente com José Linhares, Lafayette de Andrada, Edgard costa e Sampaio Dória, baixada com Decreto-Lei 7.586, de 28 de maio de 1945. Exerceu os cargos de consultor-Geral da República, de 13 de maio de 1941 a 17 de maio de 1945, e Procurador-Geral da República, de 22 de maio de 1945 a 31 de janeiro de 1946. Nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal, por decreto de 24 de outubro de 1946, do Presidente Eurico Gaspar Dutra, para a vaga decorrente do falecimento do Ministro Waldemar cromwell do Rego Falcão, tomou posse em 30 do mesmo mês. Juiz Efetivo do Tribunal Superior Eleitoral, exerceu a vice-presidência daquele órgão, no período de 19 de outubro de 1950 a 21 de janeiro de 1953. Em sessão de 7 de dezembro de 1966, foi eleito Presidente do Supremo Tribunal Federal, não aceitando o cargo por motivo de seu estado de saúde. O Ministro Gonçalves de Oliveira, no exercício da presidência da corte, procedeu, na sessão de 20 de setembro de 1967, à leitura da carta em que o Ministro Hahnemann Guimarães se despedia do Tribunal em razão de doença. Recebeu homenagem em sessão de 27 seguinte, quando falou em nome de seus pares o Ministro Victor Nunes; pela Procuradoria-Geral da República, o Prof. Haroldo Valladão; pelo Instituto dos Advogados Brasileiros, o Dr. Heráclito Sobral Pinto; pela Ordem dos Advogados do Brasil — Seção do Distrito Federal, o Dr. Oswaldo Rocha Mello; e, pela Universidade de São Paulo e Faculdade de Direito de São Paulo, o Prof. Miguel Reale. Foi aposentado por decreto de 3 de outubro de 1967. Além das obras anteriormente mencionadas, foram publicados em volume os Pareceres do Consultor-Geral da República, 1946-1950, e inúmeros estudos, artigos e conferências divulgados em periódicos especializados. Faleceu na cidade do Rio de Janeiro, em 13 de abril de 1980, sendo reve- renciada a sua memória em sessão de 26 de maio seguinte, quando falou pela corte o Ministro Xavier de Albuquerque; pelo Ministério Público Federal, o Dr. Firmino Ferreira Paz; e, pelo conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o Ministro Victor Nunes Leal. Era casado com D. Elza de Sá Guimarães, que, após o falecimento do marido, doou os livros de sua biblioteca ao Supremo Tribunal Federal. Dados biográficos extraídos da obra Supremo Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal: da- dos biográficos (1828-2001), de Laurenio Lago. Este texto também pode ser encontrado no sítio do Supremo Tribunal Federal na Internet. NOTA DO AUTOR Foi com grande satisfação e muita honra que recebi o convite do Supremo Tribunal Federal, por seu Presidente, o Ministro Gilmar Mendes, para incum- bir-me do volume dedicado ao Ministro Hahnemann Guimarães, dando conti- nuidade ao projeto Memória Jurisprudencial, iniciado pelo próprio Ministro Gilmar Mendes e pelo Ministro Nelson Jobim, à época em exercício no STF. O Ministro Hahnemann Guimarães atuou no STF de 30 de outubro de 1946, data de sua posse, a 3 de outubro de 1967, quando se aposentou. Durante sua per- manência, o ordenamento jurídico brasileiro esteve sob a constituição de 1946, exceto pelo curto período entre 15 de março de 1967, data da entrada em vigor da constituição de 1967, e a data da aposentadoria do Ministro, seis meses depois. De observar que a competência do STF, durante o período em que o Ministro Hahnemann Guimarães lá esteve, era mais ampla do que a vigente, que a constituição de 1988 lhe confere. A competência recursal absorvia, em muitas situações, a matéria federal, não constitucional, que hoje é competência do STJ. Assim, muitos casos analisados nesta obra que dizem respeito a matéria não constitucional não são mais da competência originária do STF. O Ministro Hahnemann Guimarães era extremamente zeloso na análise da admissibilidade dos recursos. Inúmeras vezes garantiu o não-conhecimento deles e até reverteu votos de Relatores com o argumento simples, mas funda- mental, de que não se enquadrava no texto legal o permissivo para o cabimento do recurso. Era, também, muito cioso das competências do STF. Hahnemann Guimarães discordava da tese de Pedro Lessa de que o STF era uma terceira instância,1 pois considerava o Tribunal uma instância extraordinária. caracterizavam a atividade jurisdicional de Hahnemann Guimarães, de um lado, a análise minuciosa da jurisprudência — a qual em geral acom- panhava, tergiversando apenas quando cabiam mudanças após abalizada opi- nião — e, de outro, o estudo detalhado dos textos legais em discussão. Essas características do Ministro serão, a seu tempo, notadas pelo leitor, quando da leitura das decisões por ele prolatadas e aqui transcritas. Embora procurasse seguir a jurisprudência, eventualmente Hahnemann Guimarães mantinha-se fiel ao seu entendimento sobre a matéria, sem alterar seu voto, mesmo após a mudança da jurisprudência. Isso configurava espécie de “teimosia hermenêutica”, justificada, certamente, pela firme convicção de que seu raciocínio jurídico estava correto. Porém, o Ministro não se furtava a mudar de opinião quando convencido, e o fazia publicamente durante a própria 1 RE eleitoral 11.682/AM, de 13-8-1947, Rel. Min. Laudo de camargo. sessão de julgamento. Esses dois aspectos aparentemente contraditórios, na ver- dade, são a marca dos grandes juízes, entre os quais se encontra Hahnemann Guimarães: firmeza e certeza das convicções, para mantê-las até o fim; e altivez e humildade, para reconhecer que pode errar, e nesse caso, sobranceiramente, voltaratrás e retificar sua opinião. O Ministro Hahnemann Guimarães nutria simpatia pelo pensamento positivista de Auguste comte.2 Porém, há que diferenciar positivismo filosófico e sociológico de positivismo jurídico. Hahnemann Guimarães viveu em uma época em que o positivismo jurídico predominava no Brasil, disso não diferiu para mais nem para menos do seu ambiente, porém, sem dúvida, deu demons- trações, ao longo de sua história jurisprudencial, e nos textos que escreveu, de que a sua técnica jurídica dependia da moral. A respeito da forma como o presente volume foi planejado e executado, diga-se de antemão que foi uma tarefa consumidora de tempo, comportando a análise de mais de 10 mil julgados e a seleção daqueles que, na visão do autor, representam a linha decisória de um grande Ministro. Foram selecionados alguns temas em que o Juiz se concentrou mais e outros em função de sua importância, tanto no contexto histórico, quanto no contexto jurisprudencial, em termos de repercussão futura, o que contempla votos vencidos e obter dicta. Importante salientar que, na distribuição dos temas, foi necessário organizá-los por tópicos. contudo, alguns desses tópicos poderiam constar de outra divisão, ou mesmo de duas. Assim, por exemplo, o tópico das inde- nizações consta como subdivisão do Direito civil (o Ministro Hahnemann Guimarães era um civilista de origem)3, mas também consta como subdivisão de constitucional, considerando os casos em que o dever de indenizar do Estado tem ou teria supedâneo constitucional. Questões sobre a responsabilidade do Estado, que impliquem indenização, conquanto fossem enquadradas à época dos julgamentos como matéria tipicamente do Direito civil, foram alocadas como matéria de Direito constitucional, na medida em que a constitucionaliza- ção mais detalhada da matéria atraiu o tema para esta seara do Direito. Noutro giro, tópicos processuais por vezes dão ensejo a questões de mérito (no sentido 2 conferir em GUIMARÃRES, Hahnemann. Juristas, sociólogos e moralistas. Arquivos do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, 9 out. 1944, p. 10. Hahnemann Guimarães publicou também na revista Época, dirigida por um grupo de positivistas. 3 Hahnemann Guimarães publicou obras de Direito civil sobre temas como fraude a credo- res, o Direito civil na guerra, divórcio e também um interessante parecer sobre o anteprojeto de código de Obrigações (Revogação dos actos praticados em fraude a credores, segundo o Direito Romano. Rio de Janeiro: Tip. D A´ Encadernadora, 1930; Estudo comparativo do antepro- jeto do código de Obrigações e do Direito vigente. Arquivos do Ministério da Justiça e Negócios Interiores, 3 out. 1943; O Direito Civil na guerra: atos da vida civil — requisições civis. Rio de Janeiro: Gab. Fotocartográfico, 1945; Sobre o divórcio. Época. Rio de Janeiro, 1947), além das aulas de Direito civil, na Universidade do Brasil, publicadas sob a forma de apostilas. de mérito da questão processual), ou de determinados tipos específicos de ações. A divisão por temas e a alocação dos julgados foi feita de maneira a seguir a melhor técnica, em termos de taxionomia jurídica, e a fim de facilitar ao leitor a busca por assuntos de maior interesse. Deve-se considerar, também, que a contextualização pode dizer forte- mente respeito à época em que determinado acórdão foi exarado, e às circuns- tâncias históricas presentes, repercutindo horizontalmente ao tempo da decisão. Porém, algumas vezes, a decisão repercute verticalmente para o futuro. Daí a necessidade de explicar — o que foi feito em algumas passagens do texto — como determinado assunto evoluiu até a época da decisão comentada, ou des- dobrou-se até os dias atuais. Há decisões importantes, das quais participou ativamente o Ministro Hahnemann Guimarães, que tratam de mais de um tema relevante, conforme a divisão da obra. Nesses casos, analisa-se apenas o tópico daquela parte, reme- tendo o leitor ao outro tópico, de forma a se manter a consistência temática da divisão por tópicos. cite-se, por exemplo, o MS 900, decidido em 18 de maio de 1948, no qual foram enfrentadas as questões da possibilidade de discussão da constitucionalidade de leis em mandado de segurança e também a questão da representatividade dos partidos políticos, em face do mandato concedido aos parlamentares, enquanto representantes do povo. Há julgados em matéria cível, com vasta abordagem doutrinária (nacional e estrangeira), extremamente interessantes, que deixaram de ser colacionados e comentados, em virtude de sua extensão e irrelevância no contexto jurispruden- cial. A preocupação com o tamanho da obra também levou a que se evitassem digressões doutrinárias detalhadas sobre os temas tratados, o que poderia levar a obra a ter, também, uma extensão demasiada. No que diz respei to à redação das partes transcritas dos acórdãos correspondentes aos votos dos Ministros, seguiu-se a orientação da equipe técnica do STF, primando-se pela transcri- ção fiel do original, apesar das necessárias adaptações quanto às mudanças ortográficas.4 No apêndice da obra, colacionam-se alguns acórdãos de julgados dos quais participou o Ministro Hahnemann Guimarães, uns transcritos na íntegra, outros parcialmente — apenas relatório e voto. Espera-se que o acesso a esses textos satisfaça os leitores interessados em mais detalhes de algumas decisões relevantes. 4 A título de esclarecimento prévio, informa-se que, no texto, foi substituído o sublinhado original, como técnica de destaque para citações em línguas estrangeiras, para o itálico (o subli- nhado era o recurso das máquinas usadas à época em que foram redigidos os acórdãos, muitos deles com anotações e correções à mão) e também nos casos de erros evidentes de datilografia foi feita a correção (o que evita a colocação de sic, ao longo do texto). 25 Ministro Hahnemann Guimarães 1. HERMENÊUTICA ARGUMENTO A CONTRARIO SENSU Ao julgar o RE 11.132/MG, em 9 de novembro de 1948, Presidente o Ministro Orozimbo Nonato e Relator o Ministro Hahnemann Guimarães, a Segunda Turma do STF analisou questão processual, em ação de execução fiscal, em que restava decidir se caberia ou não ao Tribunal de Justiça conhe- cer de embargos infringentes propostos pela recorrente (Fazenda Pública de Minas Gerais). considerava-se que havia sido unânime a decisão impugnada: um agravo contra sentença que acolhera ação executiva da Fazenda Estadual. Em seu voto, o Ministro Hahnemann Guimarães manejou com maestria a fun- damentação jurídica, utilizando-se do argumento a contrario sensu. O voto foi exarado como transcrito a seguir: Dispõe o Decreto-Lei 960, de 17 de dezembro de 1938, no art. 73: “Não se admitirá recurso algum, na instância superior, contra o julgamento confir- matório da decisão recorrida e proferido no agravo ou na carta testemunhável destinada a torná-lo efetivo. Parágrafo único. Se a parte vencida for a Fazenda, a decisão só será irrecorrível quando unânime.” Daí podem tirar-se as seguintes regras: 1) quando o recorrente for o devedor, a decisão que, em segunda instância, rejeitar o agravo ou a carta tes- temunhável não admitirá embargos infringentes; 2) quando o recorrente for a Fazenda, a decisão de segunda instância, contrária ao agravo ou à carta teste- munhável, não admitirá embargos infringentes, se for unânime; 3) a decisão que acolher o agravo ou a carta testemunhável admite embargos infringentes. A terceira regra funda-se no argumentum a contrario. Se a lei dispõe que a confirmação pela segunda instância não admite recurso algum, deve-se con- cluir que, em caso de reforma, cabe recurso, que, na instância de segundo grau, consistirá em embargos ofensivos. Em seguida, o Ministro reafirmou ser esta a jurisprudência do Tribunal e votou conhecendo do recurso extraordinário e dando provimento para que o Tribunal deJustiça de Minas Gerais julgasse os embargos infringentes, no que foi seguido à unanimidade pelos outros Ministros da corte. ARGUMENTO HISTÓRICO — TRABALHOS PREPARATÓRIOS No MS 767/DF, Presidente o Ministro José Linhares e Relator o Ministro Hahnemann Guimarães, o STF analisou duas questões importantes: preliminar- mente, o que se poderia discutir em sede de mandado de segurança (como pre- liminar) e, no mérito, a constitucionalidade da intervenção sindical.5 Durante o 5 Ver os seguintes tópicos específicos sobre essas questões: item 8. OUTROS TEMAS DE DIREITO cONSTITUcIONAL, subtema “Liberdade de associação sindical”; e item 14. MANDADO DE SEGURANÇA, subtema “Descabimento contra lei em tese”. 26 Memória Jurisprudencial julgamento, que seu deu em 9 de julho de 1947, o Ministro Hahnemann Guimarães, em sua sustentação de mérito, teceu considerações hermenêuticas sobre a utilização das discussões parlamentares que precedem a aprovação das leis e constituições para sustentar seu argumento no sentido de ser mais impor- tante o elemento sistemático da interpretação do que os acontecimentos que se sucederam no Parlamento. Um trecho de seu voto destaca-se: Dir-se-á, porém, que a discussão provocada na Assembléia constituinte sobre o art. 164, § 27, do projeto de 27 de maio de 1946, e o art. 158 do projeto então examinado, mostra ser inadmissível a intervenção nos sindicatos, havendo ficado prejudicada pelo princípio de que é livre a organização sindical a emenda do Sr. Ferreira de Souza, que, em casos excepcionais, admitia a intervenção (Diário da Assembléia, de 1º de setembro de 1946. p. 4550-4552). Os trabalhos preparatórios da lei não têm a autoridade de interpretação autêntica; são apenas um precedente histórico, menos valioso que o elemento sistemático. O Ministro Orozimbo Nonato, que votou a seguir, contestou o raciocínio de Hahnemann Guimarães. Para isso, procurou extrair dos trabalhos prepa- ratórios da constituição de 1946 algo que embasasse seu argumento e, após sustentar que realmente não era possível dar aos trabalhos preparatórios da lei consistência de elemento terminativo para a interpretação, afirmou: Mas, se os trabalhos preparatórios não apresentam grande momento considerado a essa luz — dizia Ferrara que o Parlamento é um mito, é um ser impalpável, ninguém sabe as razões que confluíram para a decretação de deter- minada lei; se isto é exato, tem alcance definir o momento histórico em que a lei apareceu e quais as correntes jurídicas que inspiraram certo instituto e a que tendências gerais dominantes obedeceu certo princípio legal. Aí, a opinião dos parlamentares vale, não como interpretação autêntica [aqui concorda com Hahnemann Guimarães], mas como índice da existência dessa corrente, que preparou o surto de lei e que de resto pode ser surpreendida através de outros elementos. Ora, a constituição atual — disse o eminente Sr. Ministro Ribeiro da costa — é impregnada de profundo senso de liberdade. [E aqui prossegue na justificativa pela inconstitucionalidade de lei que permite a intervenção nos sin- dicatos, em face da liberdade sindical prevista na constituição de 1946.] Veja-se que ambos sustentam o não-uso dos debates parlamentares como argumento hermenêutico. Porém, o Ministro Orozimbo Nonato consegue extrair um argumento sociológico para embasar seu ponto de vista (o “senso de liberdade”). Deve-se ressaltar que o Judiciário brasileiro não muito se utiliza dessa técnica, bastante comum no sistema do common law, quando da interpre- tação dos statutes. contudo, no polêmico MS 900/DF, decidido em 18 de maio de 1949 e no qual se discutia a perda do mandato de deputados do Partido comunista do 27 Ministro Hahnemann Guimarães Brasil, cujo registro fora cassado pelo Tribunal Superior Eleitoral,6 o Ministro Hahnemann Guimarães, Relator, voltou a manobrar o argumento dos trabalhos preparatórios, mas, desta feita, com mais ênfase em proveito do seu ponto de vista, ao citar a argumentação ao anteprojeto de Lei 7.568, que admitia candi- dato avulso. ARGUMENTO HISTÓRICO — ORIGEM HISTÓRICA DA NORMA No RE 31.363/MG, julgado em 7 de maio de 1957, Presidente o Ministro Lafayette de Andrada e Relator o Ministro Ribeiro da costa, foi decidida ques- tão referente à simulação na venda de ascendente a descendente.7 O recurso foi provido por unanimidade. Em seu voto, o Ministro Hahnemann Guimarães utilizou-se do argumento histórico, buscando a solução na origem da norma: Senhor Presidente, lamento divergir do eminente Sr. Ministro Vilas Boas, porque tenho entendido que a disposição do art. 1.132 do código civil não pode ser interpretada com abstração da sua razão histórica, que é dada pelo antigo direito português, das Ordenações, porque essa disposição de lá vem. Baseava-se a disposição das Ordenações numa presunção absoluta de simula- ção. Esta disposição passou ao direito brasileiro vigente. Não é possível, na apli- cação do princípio do art. 1.132, descuidar-se o intérprete de verificar se houve simulação ou não. EFEITO REPRISTINATÓRIO DA CONSTITUIÇÃO NOVA No MS 782/DF, julgado em 1º de abril de 1947, Presidente o Ministro José Linhares, Relator o Ministro Hahnemann Guimarães, o STF enfrentou questão acerca da competência para julgamento de mandado de segurança contra ato do Ministro da Guerra quando ainda inexistente o TFR. No caso, tratava-se de mandado de segurança contra ato de Ministro de Estado. A questão que se colocava era a seguinte: a competência para julgar os mandados de segurança de atos de Ministros de Estado, na vigência da carta de 1937, era do STF, atribu- ída pela Lei 191, de janeiro de 1936. Porém, a lei foi derrogada nessa parte (não houve revogação expressa) pelo Decreto-Lei 6, de 16 de novembro de 1937, e pelo código de Processo civil de 1939 — atos editados sob regime de exceção, que coartava garantias individuais contra os abusos do Estado —, que veda- ram mandado de segurança contra atos do Presidente, de Ministros de Estado, 6 Ver tópicos específicos sobre mandado de segurança e Direito Eleitoral, nos quais os aspectos próprios são analisados. 7 Ver mais detalhes no item 6. TEMAS DIVERSOS DE DIREITO cIVIL, subtema “Simulação por interposta pessoa na venda de ascendente a descendente — Prescrição”. 28 Memória Jurisprudencial Governadores e Interventores.8 com a criação do TFR, pela constituição de 1946, essa competência foi a este deferida.9 contudo, antes da instalação do TFR, mandados de segurança contra atos de Ministro de Estado haviam sido impetrados, conforme se afigurava neste mandado de segurança. Assim, surgiu a dúvida sobre se seria cabível mandado de segurança contra ato de Ministro de Estado, em face da constituição de 1946, antes de ser instalado o TFR, e, se cabível, a quem competiria o julgamento.10 O Ministro Hahnemann Guimarães conheceu do mandado de segurança, construindo votação unânime, no sentido de que a circunstância da não-insta- 8 Lei 191, de janeiro de 1936: “Art. 5º compete processar e julgar originariamente pedido de mandado de segurança; l — nos casos de competência da Justiça Federal: a) contra atos do Presidente da República, de Ministro de Estado ou de seu Presidente, à corte Suprema;” Decreto-Lei 6, de 16 de novembro de 1937: “Art. 16. continua em vigor o remédio do mandado de segurança, nos termos da Lei 191, de 16 de janeiro de 1936, exceto a partir de 10 de novembro de 1937, quanto aos atos do Presidente da República e dos Ministros de Estado, Governadores e Interventores. Parágrafo único. Os mandados de segurança contra atos das demais autoridades federais são, no Distrito Federal, da competência de um dos três juízes da Fazenda Pública, a que se refere o art. 9º desta lei, e, nos Estados e Territórios, dos juízes da capital a quem couber o feito nos termos do art. 108 da constituiçãoFederal.” O art. 319 do código de Processo civil de 1939 estatuía: “Art. 319. Dar-se-á mandado de segurança para defesa e direito certo e incontestável, amea- çado ou violado por ato manifestamente inconstitucional, ou ilegal, de qualquer autoridade, salvo do Presidente da República, dos Ministros de Estado, Governadores e lnterventores.” 9 constituição de 1946: “Art. 103. O Tribunal Federal de Recursos, com sede na capital Federal compor-se-á de nove juízes, nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pelo Senado Federal, sendo dois terços entre magistrados e um terço entre advogados e membros do Ministério Público, com os requisitos do art. 99. Parágrafo único. O Tribunal poderá dividir-se em câmaras ou Turmas. Art. 104. compete ao Tribunal Federal de Recursos: (...) b) os mandados de segurança, quando a autoridade coatora for Ministro de Estado, o próprio Tribunal ou o seu Presidente;” 10 O art. 14, § 3º, do Ato das Disposições constitucionais Transitórias de 1946, tinha a seguinte redação: “Art. 14. Para composição do Tribunal Federal de Recursos na parte constituída de ma- gistrados, o Supremo Tribunal Federal indicará, a fim de serem nomeados pelo Presidente da República, até três dos juízes secionais e substitutos da extinta Justiça Federal, se satisfizerem os requisitos do art. 99 da constituição. A indicação será feita, sempre que possível, em lista dupla para cada caso. (...) § 3º Enquanto não funcionar o Tribunal Federal de Recursos, o Supremo Tribunal Federal continuará a julgar todos os processos de sua competência, nos termos da legislação anterior.” (Grifamos.) Ocorria que, nos termos da legislação anterior, o STF não podia julgar mandado de segurança contra ato de Ministro de Estado. 29 Ministro Hahnemann Guimarães lação do TFR não poderia obstaculizar a aplicação das normas constitucionais, com base no entendimento seguinte: O Ato das Disposições constitucionais Transitórias estabelece que, enquanto não funcionar o Tribunal Federal de Recursos, o Supremo Tribunal Federal continuará a julgar todos os processos de sua competência, nos termos da legislação anterior (art. 14, § 3º). A Lei 191, de janeiro de 1936, atribuía à corte Suprema competência para processar e julgar originalmente o pedido de mandado de segurança contra atos de Ministros de Estado (art. 5º, I, a). Mantendo a Lei 191, o Decreto-Lei 6, de 16 de novembro de 1937, não permitiu que pudessem ser julgados no processo especial os atos dos Ministros de Estado (art. 16), e assim também dispôs o art. 319 do código de Processo civil. A constituição deu, entretanto, competência ao Tribunal Federal de Recursos para processar e julgar originalmente os mandados de segurança requeridos contra atos de Ministros de Estado (art. 104, I, b), abolindo a exceção criada pelo Decreto-Lei de 1937. Dar-se-á que a abolição do preceito derrogatório não restituiu à vigência o disposto no art. 5º, I, a, da Lei 191. A afirmação encontrará apoio no art. 2º, § 3º, da Lei de Introdução ao código civil.11 As disposições constitucionais que dão a tutela do mandado de segu- rança contra atos do Presidente da República e de seus Ministros devem ser con- sideradas; porém, como exige o citado artigo da Lei de Introdução ao código civil, repristinatórias, capazes de revigorar a legislação anterior, na parte derro- gada pelo Decreto-Lei 6, no art. 16, e depois pelo código de Processo civil. Foi, assim, restaurada a competência do Supremo Tribunal Federal para conhecer, embora transitoriamente, dos mandados de segurança pedidos contra os atos de Ministros de Estado. O preceito do art. 14, § 3º, do Ato das Disposições constitucionais Transitórias significa que, até o funcionamento do Tribunal Federal de Recursos, o Supremo Tribunal Federal continuará a julgar os processos de sua competên- cia, definida, em matéria de mandado de segurança, contra os atos de Ministros de Estado pela lei de 1936, que ficou, assim, revigorada nesta parte somente. Doutro modo, não haveria, até aquele funcionamento, Tribunal que pudesse prestar contra os atos mencionados a garantia dada pela constituição, no art. 141, § 24. Quanto ao prazo para solicitar a proteção nos casos excetuados pelo art. 319 do código de Processo civil, o Supremo Tribunal Federal já decidiu que o termo inicial é a data em que começar a vigorar a constituição (processos de mandados de segurança 768 e 760, julgados, respectivamente, em 5 de dezem- bro de 1946 e 30 de janeiro último). 11 Diz o citado dispositivo da Lei de Introdução ao código civil: “Art. 2º Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue. (...) § 2º A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.” 30 Memória Jurisprudencial Não há, pois, nenhum obstáculo contra a apreciação do licenciamento do oficial da reserva convocado ao serviço ativo. é o licenciamento que o reque- rente pretende impugnar, e não o despacho de arquivamento, de 14 de março de 1946, pois nenhum defeito se apontou no referido despacho. Veja-se que, mesmo estando derrogada a norma que admitia o recebi- mento pelo STF de mandado de segurança de atos dos Ministros de Estado, a corte admitiu seu recebimento em virtude de que os atos dos Ministros pas- saram a ser contestados por essa via, agora com base constitucional, sendo o segundo passo hermenêutico a definição de que seria o STF competente para tal, enquanto não se instalasse o TFR — entendimento que deu efeito repristi- natório, não expresso à constituição de 1946. Adiante o Ministro Hahnemann Guimarães passou a julgar o mérito, entendendo pelo indeferimento do man- dado, no que foi seguido por unanimidade. No mandado de segurança mencionado pelo Ministro Hahnemann Guimarães, acima comentado,12 o STF decidiu também interessante questão a respeito do procedimento aplicável ao mandado de segurança contra ato do Presidente da República, considerando a legislação aplicável a processo anterior ao regime da constituição de 1946. Seu voto, vencido, manifestou interessante opinião (que neste aspecto prevaleceu), que se transcreve a seguir: Os requerentes alegam que têm o direito de exigir por ação executiva o pagamento que lhes deve Irmãos Andrade; consideram violado seu direito pelo despacho que, em 1º de maio de 1946, exarou o Senhor Presidente da República na exposição de motivos apresentada pelo Ministério da Fazenda. Dois pressupostos processuais devem ser examinados: o primeiro é rela- tivo à competência do Supremo Tribunal Federal; o segundo concerne à possi- bilidade de ser examinado no processo sumário do mandado de segurança, ato praticado pelo Presidente da República sob a constituição de 1937. Pretende-se excluir a competência do Supremo Tribunal Federal, porque a instância surgida com a propositura da ação executiva foi suspensa por ato do Juiz, e não pelo despacho presidencial. A competência é, porém, no caso, defi- nida pela origem do ato contrário ao direito. Desde que se dá como ilegal, ou abusivo, ato do Presidente da República, o Tribunal competente é o indicado no art. 101, I, i, da constituição. A controvérsia sobre se a alegada violação resultou do despacho presidencial, de atos da câmara de Reajustamento ou do juiz da ação executiva excede o domínio dos pressupostos processuais e envolve maté- ria de mérito. é preciso indagar se aquele despacho ofendeu ou não o pretendido direito. Ao Supremo Tribunal Federal cabe, sem dúvida, fazer essa indagação, acolhendo ou rejeitando o pedido. Aqui o Ministro Hahnemann Guimarães passa a analisar o outro ponto, que é a possibilidade de ser examinado no processo sumário do mandado de segurança 12 MS 760/SP, decidido em 29 de janeiro de 1947, Presidente o Ministro JoséLinhares, Relator o Ministro Hahnemann Guimarães, Relator para o acórdão o Ministro Ribeiro da costa. 31 Ministro Hahnemann Guimarães ato praticado pelo Presidente da República sob a constituição de 1937. Para isso, lembra que já havia manifestado posição favorável a tal possibilidade no julgamento do MS 768, quando acompanhou o voto do Relator neste sentido e prossegue: O mandado de segurança é um praeceptum, um interdictum, uma sen- tença condenatória, e, assim, título executivo (código de Processo civil, art. 325, II) que determina providências cautelares de direito não amparado por habeas corpus e ameaçado, ou violado, por ato ilegal ou abuso de poder de qual- quer autoridade (cF, art. 141, § 24). A ação destinada a obter o mandado de segurança e a sentença que o concede não apresentam nenhuma peculiaridade; constituem ação e sentença de coordenação; pertencem a uma das classes em que se distribuem as ações, ou as sentenças. A peculiaridade está no processo, que não segue o solennis ordo iudicia- rius, mas é sumário, como se vê pelo disposto nos arts. 321 a 325 do código de Processo civil. Este processo sumário, especial, tem sua origem, como os pro- cessos monitórios ou injuntivos, nos praecepta, ou mandata do direito comum, e nos interdicta possessória, aplicados pelo direito canônico à quase posse dos direitos pessoais. Estabeleceu-se em nosso direito um processo sumário para tutela de todos os direitos certos e incontestáveis, diversos da liberdade de loco- moção, e que tenham sido ofendidos por qualquer autoridade, ou se achem sob a ameaça de ofensa. Quando a lei admite um processo novo, um novo modo de atuação da lei, dele se podem valer os titulares de direitos preexistentes. De acordo com o art. 16 do Decreto-Lei 6, de 1937, e o art. 319 do código de Processo civil, não era possível obter, no processo especial, a tutela contra atos de certas autorida- des. A constituição, no art. 141, § 24, aboliu as exceções. Não estando prescrita a ação para obter aquela proteção, é evidente que, dentro dos 120 dias de pro- mulgada a constituição, podia a ação ser proposta segundo a ordem sumária estabelecida para a defesa de “direito líquido e certo, não amparado pelo habeas corpus”. é de 120 dias contados da ciência do impugnado o prazo para requerer proteção segundo o processo especial (código de Processo civil, art. 331). Se a respeito de certos atos, a cognitio summaria somente se admitiu em 1º de setem- bro de 1946, daqui há de começar a correr aquele prazo, quando tais atos fossem anteriores a essa data. Não seria razoável que, podendo-se pedir o reconheci- mento de um direito em processo ordinário, ficasse o titular proibido de recorrer ao novo modo sumário. Havendo um prazo para que a ação se processe pela forma especial, o termo inicial tem de ser para os direitos anteriores à admissão dessa forma, o dia em que foi admitida. No caso presente, requereu-se, poucos dias depois de promulgada a cons- tituição, a tutela contra o ato presidencial de 1º de maio de 1946. Faz-se a tempo o requerimento. Em seguida, o Ministro passou a manifestar-se em relação ao mérito da questão, que não é objeto de análise neste ponto. 32 Memória Jurisprudencial 2. CONTROLE ABSTRATO DE CONSTITUCIONALIDADE — REPRESENTAÇÃO INTERVENTIVA CONTExTUALIzAÇÃO HISTÓRICA O Ministro Hahnemann Guimarães esteve no STF no período que vai de 30 de outubro de 1946, data de sua posse, até 3 outubro de 1967, data de sua aposentadoria. Nesse período da história constitucional brasileira não havia instrumentos de controle abstrato de leis e atos normativos da forma como conhecemos hoje. Os mecanismos de controle concentrado evoluíram bastante, especialmente a partir da constituição de 1988. No período em que Hahnemann Guimarães atuou no STF, o instrumento de controle abstrato de normas era denominado representação interventiva e sobre ele se explanará mais adiante. Já o controle in concreto, estabelecido a partir da constituição republicana de 1891,13 seguiu paralelo ao desenvol- vimento do controle concentrado, tendo o STF analisado diversos tipos de recursos e ações em que a constitucionalidade da norma era questionada inci- dentalmente, especialmente em sede de recurso extraordinário, com base no art. 101, inciso III, alíneas a a c, da constituição de 1946. contudo, em algumas ocasiões, o STF enfrentou questões específicas para essa modalidade de con- trole, como, por exemplo, a consideração de constitucionalidade das leis em sede de mandado de segurança, tendo o Ministro Hahnemann Guimarães posi- ção particular a esse respeito.14 No que diz respeito ao mecanismo de controle abstrato de normas durante o período em que o Ministro Hahnemann Guimarães esteve no Supremo Tribunal Federal, pode-se dizer que compreende dois períodos, um longo e um curto. O primeiro período corresponde à data da posse em 30 de outubro de 1946, logo após a entrada em vigor da constituição de 1946 (em 19 de setembro do mesmo ano) até a Emenda constitucional 16, de 26 de novembro de 1965, que alterou a estrutura do instituto e a superveniência da constituição de 1967, que entrou em vigor em 15 de março de 1967 (praticamente seis meses antes da aposentadoria do Ministro), sendo que a constituição de 1967 manteve o insti- tuto, nos moldes da Emenda 16/1965, com algumas alterações. Assim a maior parte do tempo em que permaneceu na corte Máxima brasileira, o Ministro 13 Embora seja o primeiro texto constitucional a prever o controle difuso de constitucionali- dade, na verdade, já no Decreto 510, de 1890 (constituição provisória), constava tal autorização ao Poder Judiciário. 14 Ver, e.g., o MS 2.655/DF, de 5-7-1954, discutido adiante no texto. 33 Ministro Hahnemann Guimarães Hahnemann Guimarães enfrentou o problema do controle de constitucionali- dade em abstrato com base na constituição de 1946.15 A representação interventiva foi introduzida no ordenamento constitucional brasileiro pela constituição de 1934.16 Em seu texto, o instituto estava limitado ao controle de normas estaduais. A representação era feita pelo Procurador-Geral da República (provocado pelo Executivo Federal ou por iniciativa própria), e compe- tia ao STF declarar ou não sua inconstitucionalidade, o que seria necessário para a decretação de intervenção no Estado cuja lei fosse considerada inconstitucional. com a constituição de 1937, o instituto foi suprimido, passando os poderes inter- ventivos ao controle do Poder Executivo, aspecto típico de um governo ditatorial que concentra os poderes nas mãos do Executivo central. A constituição democrática de 1946 traria novamente o instituto, mas de maneira diferente do formato inicial da constituição de 1934.17 Sob a 15 Remete-se o leitor para a obra: MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos fundamentais e controle de constitucionalidade: estudos de Direito constitucional. São Paulo: celso Bastos/IBDc, 1998, p. 229-260 (histórico da evolução do controle de constitucionalidade no direito brasileiro). Para detalhamentos do tema, ver também: MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional. São Paulo: Saraiva, 1996; . Controle de constitucionalidade: aspectos jurídicos e polí- ticos. São Paulo: Saraiva, 1990; cLÈVE, clèmerson Merli. A fiscalização abstrata da constitu- cionalidade no direito brasileiro. 2. ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000; POLETTI, Ronaldo. Controle da constitucionalidade das leis. 2. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 1997. 16 constituição de 1934: “Art. 12. A União não intervirá em negócios peculiares aos Estados, salvo: (...); V — para assegurar a observância dos princípios constitucionais especificados nas letras a a h do art. 7º, I, e a execução das leis federais; (...) § 2º Ocorrendo o primeiro caso do n. V, a intervenção só se efetuará depois que a corte Suprema,mediante provocação do Procurador-Geral da República, tomar conhecimento da lei que a tenha decretado e lhe declarar a constitucionalidade.” 17 constituição de 1946: “Art. 7º O Governo federal não intervirá nos Estados salvo para: (...) VI — reorganizar as finanças do Estado que, sem motivo de força maior, suspender, por mais de dois anos consecutivos, o serviço da sua dívida externa fundada; VII — assegurar a observância dos seguintes princípios: a) forma republicana representativa; b) independência e harmonia dos Poderes; c) temporariedade das funções eletivas, limitada a duração destas à das funções federais correspondentes; d) proibição da reeleição de Governadores e Prefeitos, para o período imediato; e) autonomia municipal; f) prestação de contas da Administração; g) garantias do Poder Judiciário. (...) Art. 8º A intervenção será decretada por lei federal nos casos dos n. VI e VII do artigo anterior. 34 Memória Jurisprudencial constituição de 1946, o instituto ganhou maior amplitude, pois a regulação dada pela Lei 2.271, de 22 de julho de 1954, e, posteriormente, pela Lei 4.377, de 1º de junho de 1964, admitia a iniciativa da provocação ao Procurador-Geral da República e a qualquer parte interessada, nos termos da lei, além do chefe do Executivo Federal. Observe-se que, em consonância com essa nova técnica, de acordo com o art. 13 da constituição de 1946, o congresso Nacional deve- ria limitar-se a suspender a execução do ato argüido de inconstitucionalidade, caso essa medida bastasse para o restabelecimento da normalidade no Estado. contudo, o controle se limitava aos atos estaduais, com finalidade interventiva. Nesse sentido, observou o Ministro Gilmar Mendes: O elevado número de representações interventivas propostas entre 1946 e 1965 — mais de 500 representações — comprova o peculiar significado desse instituto menos como forma de composição de conflitos federativos, do que como instrumento de controle de normas.18 A grande novidade trazida pela Emenda constitucional 16, de 26 de novembro de 1965, foi a licença para a representação de inconstitucionalidade ser apresentada também contra normas federais.19 Essa representação é gené- rica, de normas federais e estaduais, e não possui mais a finalidade interven- tiva (que permaneceu com sua especificidade, destinada a resolver conflitos de ordem federativa).20 conforme anota o Ministro Gilmar Mendes: Parágrafo único. No caso do n. VII, o ato argüido de inconstitucionalidade será submetido pelo Procurador-Geral da República ao exame do Supremo Tribunal Federal, e, se este a decla- rar, será decretada a intervenção. Art. 13. Nos casos do art. 7º, n. VII, observado o disposto no art. 8º, parágrafo único, o congresso Nacional se limitará a suspender a execução do ato argüido de inconstitucionalidade, se essa medida bastar para o restabelecimento da normalidade no Estado.” 18 MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 62. 19 Emenda constitucional 16, de 26 de novembro de 1965, à constituição de 1946: “Art. 2º As alíneas c, f, i e k do art. 101, inciso I, passam a ter a seguinte redação: (...) ‘k) a representação contra inconstitucionalidade de lei ou ato de natureza normativa, federal ou estadual, encaminhada pelo Procurador-Geral da República;’” Obs: O art. 101, em seu inciso I, da constituição de 1946, trata das competências originárias do STF. 20 A Emenda 16/1965 também conferiu aos Estados a possibilidade de instituir controle abstrato de normas municipais, ao introduzir o inciso XIII no art. 124 da constituição de 1946, com a seguinte redação: “Art. 19. Ao art. 124 são acrescidos os seguintes inciso e parágrafos: (...) ‘XIII — a lei poderá estabelecer processo, de competência originária do Tribunal de Justiça, para declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato de Município, em conflito com a constituição do Estado.’” 35 Ministro Hahnemann Guimarães Embora o constituinte tenha moldado o controle abstrato de normas segundo o modelo da representação interventiva, confiando a instauração do processo ao Procurador-Geral da República, convém assinalar que, apenas na forma, a nova modalidade de controle apresentava alguma semelhança com aquele processo de composição de conflitos entre o Estado e a União. Enquanto a representação interventiva pressupunha uma alegação de ofensa (efetiva ou aparente) a um princípio sensível e, portanto, um peculiar conflito entre a União e o Estado, destinava-se o novo processo à defesa geral da constituição contra as leis inconstitucionais. O Procurador-Geral da República exercia, no controle abstrato de nor- mas, o papel especial de advogado da Constituição, interessado exclusivamente na defesa da ordem constitucional.21 (Itálicos no original.) A constituição de 1967 promoveu apenas uma alteração substancial no mecanismo de controle, que foi a não-reprodução do dispositivo contido no art. 124, XIII, introduzido pela Emenda 16/1965, que permitia aos Estados ins- tituírem mecanismos de controle concentrado das leis municipais.22 Este pequeno escorço histórico contempla a forma como o controle abstrato de normas era feito pelo STF durante o tempo em que o Ministro Hahnemann Guimarães ali trabalhou. Novas alterações se sucederam, atin- gindo alto grau de sofisticação com a constituição de 1988, mas não cabe dis- sertar sobre o assunto, visto que ultrapassa o período abordado nesta obra. 21 MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição constitucional. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 65. 22 constituição de 1967: “Art. 10. A União não intervirá nos Estados, salvo para: (...) VI — prover à execução de lei federal, ordem ou decisão judiciária; VII — assegurar a observância dos seguintes princípios: a) forma republicana representativa; b) temporariedade dos mandatos eletivos, limitada a duração destes à dos mandatos federais correspondentes; c) proibição de reeleição de Governadores e de Prefeitos para o período imediato; d) independência e harmonia dos Poderes; e) garantias do Poder Judiciário; f) autonomia municipal; g) prestação de contas da Administração. Art. 11. compete ao Presidente da República decretar a intervenção. § 1º A decretação da intervenção dependerá: (...) c) do provimento, pelo Supremo Tribunal Federal, de representação do Procurador-Geral da República, nos casos do item VII, assim como no do item VI, ambos do art. 10, quando se tratar de execução de lei federal.” “Art. 114. compete ao Supremo Tribunal Federal: I — processar e julgar originariamente: (...) l) a representação do Procurador-Geral da República, por inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual;” 36 Memória Jurisprudencial REPRESENTAÇÃO 94/RS Na Rp 94, decidida em 17 de julho de 1946, Presidente o Ministro José Linhares, Relator o Ministro castro Nunes, o STF discutiu mais uma vez ques- tões relacionadas a dispositivos constantes de constituição estadual. O foco era a constituição do Estado do Rio Grande do Sul, que apresentava diversos arti- gos com a constitucionalidade questionada em face da Lei Maior. O Procurador- Geral da República encaminhara ao STF representação do Governador do Estado do Rio Grande do Sul relativamente aos arts. 78, 81, 82, 89 e outros da nova constituição daquele Estado. Esses dispositivos faziam referência ao Secretariado quanto à dependência, em face da Assembléia, da escolha e do desempenho da função dos Secretários do Governo. O Procurador-Geral da República alegou que tais disposições eram incompatíveis com o governo presi- dencial estabelecido como base do regime político adotado no País, nos termos da representação e pelos fundamentos jurídicos expostos na petição, baseada no art. 8º, parágrafo único, da constituição Federal de 1946, para legitimar o uso da atribuição exercida e a competência do STFpara dirimir o conflito. O Relator, Ministro castro Nunes, em longo voto de 28 páginas, analisou pormenorizadamente o pedido. O Ministro Hahnemann Guimarães, que votou em seguida, também se manifestou detidamente sobre os aspectos levantados, como segue: Senhor Presidente, no arroubo oratório com que nos empolgou, o emi- nente tribuno e advogado Dr. João Mangabeira fez, no princípio e ao terminar a sua formosa oração, duas advertências, que não parecem justas com respeito a este Tribunal. A primeira é a de que a representação se destina a favorecer poderosos e a segunda é a de que este Tribunal deve apreciar o caso com segu- rança, sem vacilações, porque da sua decisão depende da própria estabilidade constitucional. Este Tribunal não se deixa, evidentemente, impressionar pelos pode- rosos, nem se descuida, nas decisões que toma, a respeito dos casos que são sujeitos ao seu exame, dos supremos interesses da Nação, embora lhe pertença essencialmente a aplicação da lei. O eminente advogado da Assembléia Legislativa sul-rio-grandense reconhece que o governo parlamentarista nos Estados é compatível com a constituição Federal. Não foge S. Exa. ao reconhecimento de que o que se pro- cura estabelecer na constituição do Rio Grande do Sul é, sem rebuços, o regime parlamentar, com todas as suas conseqüências, com todos os seus caracteres. Nem era possível dissimular-se a natureza parlamentarista do Governo que se pretende estabelecer naquele Estado. com efeito, o art. 78 da constituição do Estado estabelece que o chefe do Secretariado será necessariamente, um mem- bro da Assembléia. Aqui, como técnica argumentativa, o Ministro Hahnemann Guimarães expõe claramente o efeito prático do dispositivo, ao dizer que não haveria liberdade para o Governador do Estado na escolha dos seus secretários, e que, 37 Ministro Hahnemann Guimarães portanto, ele se sujeitaria, quanto à escolha do chefe do secretariado, à desig- nação de membro da Assembléia Legislativa. Esse aspecto vai levar, adiante, à conclusão da quebra da independência entre os poderes. E continua em seu voto: No art. 79, estabelece-se princípio mais grave ainda: é o Secretariado quem apresenta à Assembléia Legislativa o programa de governo do Estado. Não é o Governador quem governa; é o Secretariado, pelo programa por ele ela- borado e sujeito ao exame e à aprovação da Assembléia Legislativa. Vai mais longe a constituição. No art. 80 subordina a permanência dos Secretários à confiança da Assembléia. Que estranha liberdade de nomeação e demissão é esta conferida a um Governador, que há de demitir, necessariamente, os seus Secretários que desmereçam da confiança da Assembléia Legislativa. No art. 81 é que se encontra a própria flor do parlamentarismo, a orga- nização colegial do Secretariado. O Secretariado está constituído num colégio, num conselho, sob a chefia de um membro da Assembléia Legislativa e delibera pela maioria de seus votos. (...) Não se trata, já o sustentei ao dar o meu voto ontem, não se trata de subordinar a constituição estadual a regras, a preceitos de constituição Federal. O que este Tribunal está procurando salvaguardar são os princípios constitucio- nais e, aqui, a advertência feita pelo eminente parlamentar, Sr. João Mangabeira, foi, já, tida em conta pelo eminentíssimo Sr. Ministro Relator, castro Nunes, que mostrou que este Tribunal guarda nas suas decisões os limites da exceção constitucional, não os ultrapassa de modo algum, sabe que está apreciando a constitucionalidade de atos impugnados. Não vai além desses limites restritos na apreciação do ato sujeito ao seu exame. Há, aqui, uma interessante questão. O regime de governo federal have- ria que ser reproduzido nos Estados, ou estes poderiam ser parlamentaristas? Tratar-se-ia ou não de princípio sensível?23 O Ministro Hahnemann Guimarães não envereda por essa seara e, após a reafirmação do papel do STF, aborda a questão da independência dos poderes, como segue: Mas o que se trata é de verificar se a constituição do Rio Grande do Sul observou o princípio da harmonia e independência dos poderes. Já se pre- tendeu, até, encontrar contradição entre harmonia e independência, como se a independência repudiasse a harmonia. é evidente, porém, que só há harmonia verdadeira entre seres independentes. Só é verdadeira a harmonia voluntária, consciente, e esta pressupõe a independência das entidades. é entre poderes independentes; é entre um Executivo, um Legislativo e um Judiciário indepen- dentes; é só entre eles que é possível estabelecer-se uma verdadeira, uma sólida, uma consciente harmonia. Sustentou-se aqui, com citações de Montesquieu e Blackstone, que o regime parlamentar é compatível com a independência dos poderes. Lamento não haver encontrado na biblioteca deste Supremo Tribunal a obra de Woodburn, 23 Sobre as distinções entre princípios constitucionais sensíveis, estabelecidos e extensíveis (a violação desses últimos não ensejariam a ação interventiva) ver, e.g.: SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15. ed. rev. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 592-598. 38 Memória Jurisprudencial The American Republic, com a qual, a respeito dos autores citados, poderia mostrar ao eminente orador que é meramente teórica a pretensa independên- cia do Executivo na Inglaterra. Se houvesse essa independência na Inglaterra, não se justificaria a atitude de Jorge III nos seus esforços para recuperar o per- dido poder do rei. Mas à falta desse auxílio, socorro-me da obra de Pomeroy, na sua célebre An introduction to the constitucional law of the United States, em que, referindo-se às opiniões de Jefferson e do Presidente Jackson, diz o seguinte: “Nenhum desses teóricos admitiria, provavelmente, que o Presidente tivesse uma capacidade igual ou independente à do congresso para interpretar a constituição e julgar a validade de uma lei. Esta moderna escola, quanto às idéias que representa neste país, levaria o congresso a uma posição igual, nos Estados Unidos, à que tem o Parlamento Britânico, reduziria o Executivo ao nível da coroa Britânica, e destruiria o Judiciário, como poder coordenado do Governo.” Nesse ponto do voto, o Ministro Hahnemann Guimarães faz interessante observação quanto à coroa Britânica, cujo poder é extremamente reduzido e, como poder de Governo, “é nulo”. Diz que, quando se afirma o princípio “The King can’t do wrong” — “O rei não erra” —, tem-se em vista que o rei não tem responsabilidade, ao contrário do que acontece no nosso regime, em que o chefe do Executivo é responsável. Desse modo, se o governante não possui respon- sabilidade, não pode errar. Após esse contorno, de forte viés argumentativo, prossegue: A responsabilidade do chefe do Executivo há de implicar, necessaria- mente, a liberdade de escolher os seus auxiliares. Pomeroy diz ainda que, se as conclusões alcançadas por Jefferson e Jackson fossem admitidas na prática constitucional dos Estados Unidos — como se quer fazer na constituição sul-rio-grandense —, toda a organização americana reduzir-se-ia a pedaços. E salienta, adiante, Pomeroy: “(...) se fossem aceitas as noções relativas à autoridade exclusiva do congresso, o Governo converter-se-ia rapidamente em tirania irresponsável, porque o Legislativo não encontraria a resistência de sentimentos coletivos profundamente arraigados, antigos e tradicionais, que, na Grã-Bretanha, constituem fortíssimo poder con- servador”. Nenhum outro país pode oferecer, como fundamento desse regime, as mesmas tradições em que ele se alicerça na Inglaterra. claramente, o foco do argumento está no fato de que o parlamentarismo avilta a independência dos três poderes — princípio sensível —, e este restaria violado conforme se configurava na constituição do Estado do Rio Grande do Sul — claramente parlamentarista —, visto queassim a Assembléia Legislativa estaria a usurpar o poder do Executivo estadual. Diante disso, o Ministro Hahnemann Guimarães prossegue: Senhor Presidente, acho desnecessário alongar-me em considerações. creio de evidência indiscutível, creio patente que o regime parlamentarista sacrifica a independência do Poder Executivo. Não é admisssível entre nós essa subordinação do Executivo ao Legislativo, que com ele é eleito. é preciso 39 Ministro Hahnemann Guimarães notar-se que o Governo do Estado foi eleito para o exercício do seu poder com a própria Assembléia Legislativa. Nem a Assembléia Legislativa pode subordi- nar o Governador às suas deliberações quanto à escolha do Secretariado, nem seria admissível o poder que se dá ao chefe do Executivo estadual de dissolver a Assembléia Legislativa. Os dois poderes são iguais, em legitimidade; ambos vêm do povo. O Governador não recebeu o poder da Assembléia, não foi a Assembléia quem lhe deu poder de governar. Foi o povo que lhe deu esse poder. A Assembléia não pode reduzir, a Assembléia não pode transformar o chefe do Executivo estadual num instrumento de sua vontade. Parece-me tão evidente a subordinação que se pretendeu estabelecer, no Estado do Rio Grande do Sul, do Executivo ao Legislativo, que julgo dispensáveis — talvez não tivesse mesmo recursos para mais — maiores argumentos, para demonstrar a convicção segura com que adiro ao esplêndido voto do Sr. Ministro castro Nunes. A decisão final foi no sentido de restarem inconstitucionais os arts. 76, 77, 78, 81 a 87 e 89 da nova constituição gaúcha (promulgada para se adap- tar à nova constituição Federal de 1946), e os dispositivos do seu Ato das Disposições constitucionais Transitórias que os pressupõem, decisão unânime. Destaca-se no acórdão a reafirmação de que o mecanismo dos poderes é gover- nado por freios e contrapesos, que são somente os admitidos na constituição Federal, e que a dissolução da Assembléia seria um contrapeso não cogitado e incompatível com o mandato legislativo de duração prefixada. REPRESENTAÇÃO 97/PI Na Rp 97/PI, julgada em 12 de novembro de 1947, Presidente o Ministro José Linhares e Relator o Ministro Edgard costa, o STF julgou, no bojo da representação interventiva, a inconstitucionalidade de diversos artigos da constituição do Estado do Piauí (13 artigos da constituição e 12 artigos do Ato das Disposições constitucionais Transitórias), encaminhada pelo Governador do Estado ao Procurador-Geral da República. Tratava-se de decisão exemplar, que, desde a manifestação do Procurador-Geral da República, trouxe coloca- ções de alta pertinência e relevância para a matéria, constituindo-se em longo julgado, com cerca de 158 páginas, contemplando posições convergentes em relação à inconstitucionalidade de determinados dispositivos e divergentes em outros. convém apresentar um resumo do longo relatório de 62 páginas, para que as questões discutidas sejam evidenciadas. com o intuito de facilitar a compreensão do leitor, relacionam-se a seguir os artigos da constituição estadual do Piauí cuja constitucionalidade se questionou e o objeto por eles disciplinado (mencionado entre parênteses): constituição: arts. 13 e 14 (intervenção); art. 42 (veto do governador); arts. 51 e 53 (competência do Tribunal de contas); art. 67 (impeachment); art. 78, 7 e 40 Memória Jurisprudencial 11 (composição do Tribunal de Justiça); art. 83, 2 e 3, parágrafo único (com- petência do Tribunal de Justiça); arts. 87 e 89 (divisão de comarcas); art. 89 (escolha de juízes); art. 91 (escolha de juiz de paz); art. 120 (competência dos prefeitos); art. 145, inciso X (estabilidade dos funcionários); art. 177 (chefes de polícia); Ato das Disposições Transitórias: arts. 10, 12 e 19 (equiparação de ven- cimentos de policiais, professores e inativos); arts. 27 e 28 (entrâncias de novas comarcas); art. 30 (efetivação de novos promotores); art. 41 (revogação de atos administrativos sobre pessoal); art. 48 (restabelecimento de Município); art. 50 (extinção de departamento de municipalidades); art. 53 (incompatibilidade de prefeitos); art. 54 (câmaras municipais transitórias); art. 63 (aprovação de atos dos ex-interventores). O Procurador-Geral da República concluiu pela inconstitucionalidade de diversos artigos apontados pelo Governador do Piauí, quais sejam: a) art. 67, da organização de tribunal especial para julgamento de crimes de respon- sabilidade; b) art. 83, inciso III, da competência do Tribunal de Justiça para conceder licenças e férias ao Procurador e ao Subprocurador Geral do Estado; c) art. 87, da promoção automática do juiz pela elevação da entrância da res- pectiva comarca; d) art. 92, § 2º, da nomeação de suplentes para juiz de paz; e) arts. 27 e 28 das Disposições constitucionais Transitórias, que dispunham sobre a elevação da entrância de certas comarcas e a criação de outras; f) art. 53 das Disposições Transitórias, da incompatibilidade para o exercício provisório do cargo de prefeito para Municípios que devam ser providos por eleição. com relação aos demais dispositivos atacados, foram considerados constitucionais. O Procurador-Geral fez ressalvas acerca da forma com que o controle de constitucionalidade das constituições estaduais deveria ser feito, tendo- se em vista a autonomia dos Estados e sua capacidade de auto-organização, destacando que a autonomia das constituições estaduais é maior do que na lei federal no plano puramente federal e, sendo assim, o seu controle em face da constituição deve se dar de maneira diversa. Asseverou, em seu parecer, que há uma área em que se desenvolve livremente o poder constituinte dos Estados federados, compreendendo todos os poderes implícitos de sua construção orgâ- nica e limitada apenas pelos princípios constitucionais da União e por aqueles que regulam a vida constitucional dos Estados. Discorreu sobre a teoria dos poderes dos Estados federados para sustentar que seriam inconstitucionais, portanto, os dispositivos de constituição estadual que se chocassem frontal e manifestamente com esses princípios. Por fim, reiterou que era preciso ser manifesta a inconstitucionalidade de norma, de modo que se possibilitasse a intervenção, e não apenas tergiversação desnecessária e de longos debates. Para tanto, seria preciso congregar três fato- res: 1) a argüição de inconstitucionalidade pelo Procurador-Geral da República; 2) a existência de ato violador dos princípios constitucionais constantes no art. 7º, 41 Ministro Hahnemann Guimarães inciso VII, da constituição Federal; e 3) a declaração pelo STF da inconstitucio- nalidade. Quanto a isso, dizia o art. 7º, inciso VII, da constituição de 1946: Art. 7º O Governo federal não intervirá nos Estados salvo para: VII — assegurar a observância dos seguintes princípios: a) forma republicana representativa; b) independência e harmonia dos Poderes; c) temporariedade das funções eletivas, limitada a duração destas à das funções federais correspondentes; d) proibição da reeleição de Governadores e Prefeitos, para o período imediato; e) autonomia municipal; f) prestação de contas da Administração; g) garantias do Poder Judiciário. Por ato violador, entendia o Procurador-Geral da República que seria qualquer ato emanado pelos órgãos estaduais que produzissem efeitos jurídicos, destes não excluídos os legislativos e os constituintes. O Relator, Ministro Edgard costa, em seu longo voto, considerou incons- titucionais os arts. 67, § 1º, 87, e 120, inciso III, da constituição do Estado do Piauí, bem como o art. 53, § 3º, do seu Ato das Disposições constitucionais Transitórias. O Ministro Hahnemann Guimarães, votando após o Ministro Armando Prado, manifestou-se da seguinte forma: Senhor Presidente, o eminente Sr. Ministro Relator, em seu minucioso e lucidíssimo voto, adotou duas preliminares,
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