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1 CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE Revisão Rafael Tomaz de Oliveira CONTROLE CONCENTRADO DE CONSTITUCIONALIDADE 1. Considerações Gerais Já foi dito que o traço definidor do controle concentrado repousa no órgão responsável pelo controle. No caso, a fiscalização e o controle da inconstitucionalidade são feitos por um único órgão, geralmente alheio aos quadros do Poder Judiciário. Originalmente, essa modalidade de controle jurisdicional de constitucionalidade nasceu na Áustria, em 1920 (com emenda em 1929), por influencia e obra de Hans Kelsen. Posteriormente, esse tipo de controle acabou por se espalhar por diversos países da Europa Continental, em especial na Itália (1948), na Alemanha (1949), em Portugal (1976) e na Espanha (1978). Com o desmembramento da U.R.S.S., muitos países do leste europeu que criaram Constituições próprias, também adotaram esse modelo de controle. Daí que, em face desta radicalização do controle concentrado no continente europeu, esse tipo de controle também é conhecido pelo nome de “Modelo Europeu de controle de constitucionalidade”. O desenho arquitetônico do controle continua ligado às bases kelsenianas. Nesse sentido, a figura do Tribunal Constitucional, sua composição e competências, permanecem, em grande medida, próximas àquelas articuladas pelo jusfilósofo. De se consignar que o papel de guardião da Constituição, que Kelsen atribuía exclusivamente ao Tribunal Constitucional, foi objeto de intenso debate no final da década de 20 e início da década de 1930. Com efeito, em antítese à tese kelseniana do Tribunal Constitucional como defensor da Constituição e como único órgão competente para dirimir os conflitos constitucionais, Carl Schimitt defendia a ideia de que o controle da constitucionalidade dos atos legislativos caberia ao próprio parlamento e não a um órgão autônomo, com função jurisdicional. 1 Veja-se que, a 1 Esse debate, entre Kelsen e Schmitt, encontra-se hoje traduzido para o português e acostado nos livros Jurisdição Constitucional de Hans Kelsen, editado pela Martins Fontes, e no livro Quem é o Guardião da Constituição? De Carl Schmitt, editado pela Del Rey. Roboredo-RP-02 Highlight Roboredo-RP-02 Highlight 2 tendência europeia era de acolher os argumentos schmittianos. Apenas com o final da Segunda Guerra Mundial e com o início da chamada “era de ouro da democracia”, foi que muitos países europeus aderiram efetivamente ao modelo proposto por Hans Kelsen. 2 Evidentemente, no contexto atual, as atribuições que repousam sob estes Tribunais são bastante distintas daquelas pensadas inicialmente por Kelsen. A possibilidade de modulação de efeitos na pronúncia de nulidade; a adoção de sentenças interpretativas, manipulativas, aditivas, restritivas etc.. De todo modo, é certo que não se compreende o direito constitucional – seja de uma realidade nacional específica, seja no nível do estudo do direito comparado – sem que se conheça as principais questões ligadas à formação dos tribunais constitucionais e suas atribuições. 1.1. Questões gerais em torno Órgão Competente das atribuições de fiscalização 1.1.1. No Direito Comparado No modelo puro de controle concentrado, na linha do que foi pensado por Kelsen, o desenho institucional do órgão que exerce o controle é relativamente simples: um Tribunal que – embora exerça função jurisdicional – não pertence à estrutura do Poder Judiciário. É autônomo e de composição equânime, por membros indicados por todos os Poderes Constituídos (legislativo, executivo e judiciário). Os juízes que compõem esse tribunal possuem mandatos temporários (no caso alemão, 12 anos) e a renovação obedece ao órgão titular da cadeira (se a indicação foi do executivo, este poder indicará o substituto; se foi do judiciário, será o judiciário e assim por diante). No plano das atribuições, o Tribunal Constitucional analisa a lei em tese, sem considerar casos concretos litigiosos que eventualmente tenham lugar em face de sua aplicação. Por isso se diz que o controle é abstrato: não há um situação concreta a lhe dar origem (uma situação completamente contrária àquela que se 2 De se notar que a França, ainda hoje, permanece refratária à ideia de controle jurisdicional de constitucionalidade. De todo modo, transformações recentes alteraram significativamente as competências do Conselho Constitucional de modo que é possível dizer que, mesmo a França, vem se abrindo a incorporação dessa tradição de controle de constitucionalidade que se radicalizou na Europa no contexto do Segundo pós- guerra. 3 observa no controle difuso, no interior do qual a situação concreta é imprescindível para que se efetue o controle). Assim, o Tribunal Constitucional promove um efetivo julgamento da lei, considerando em sua atividade judicante a compatibilidade ou a incompatibilidade desta para com a Constituição. Nesse sentido, a atividade do Tribunal se assemelha à do legislador: tal qual este, no momento em que cria uma nova lei, não considera situações particulares para sua confecção, aquele promove o julgamento da lei ao largo das situações particulares a ela subjacentes. Por isso, o efeito jurídico do ato deste tribunal será o mesmo que o do ato do legislador, porém com sinal trocado: o legislador cria uma nova lei e, portanto, adiciona um texto normativo à ordem jurídica; o Tribunal julga a lei e, considerando-a incompatível com a Constituição, emite uma decisão de rechaço que a retira da ordem jurídica. Daí que se diz que a decisão do Tribunal se apresenta como uma contra-lei: ao invés de adicionar um conteúdo normativo, ele é retirado da ordem jurídica. É certo que os contornos atuais elevam a atividade do tribunal para além desses quadros estreitos do que poderia ser chamado “legislador negativo”. As sentenças interpretativas e ou manipulativas, permitem, muitas vezes, que o Tribunal inove efetivamente no âmbito normativo agindo, em muitos casos, como se legislador fosse. Essa modalidade positiva das decisões do tribunal surge da experiência dos Tribunais Constitucionais Europeus, e chega – como não poderia deixar de ser – ao Brasil. No caso, não é preciso muito esforço para perceber que a atividade do STF, no exercício do controle de constitucionalidade, também assume essas peculiares características, que vão além daquelas previstas originalmente como atribuições do Tribunal. Veja-se, nesse sentido, os julgamentos da ADI 4277 e da ADPF 132, sobre o reconhecimento das Uniões Homoafetivas; e da ADI 4424, que julgou a chamada Lei Maria da Penha, alterando a ação penal dos crimes previstos pela lei de ação penal pública condicionada, para ação penal pública incondicionada. Um outro ponto importante com relação às atribuições do órgão que exerce o controle concentrado (no caso os Tribunais Constitucionais) dizem respeito às possibilidades de, em determinados casos, o Tribunal ser chamado a atuar para resolver um dissídio constitucional que tenha lugar no âmbito de um caso concreto. É o que ocorre na Alemanha, com o chamado Recurso Constitucional e na Espanha, no âmbitodo Recurso de Amparo. Em ambos os casos, arguida a 4 inconstitucionalidade em concreto, num caso de competência da jurisdição ordinária (comum), ocorre uma espécie de incidente de inconstitucionalidade, com cisão funcional vertical – ao invés da questão seguir para um órgão que compõe o mesmo Tribunal, segue ela para um outro Tribunal – no interior da qual a questão constitucional alegada deverá ser decidida pelo Tribunal Constitucional. Trata-se, evidentemente, de uma possibilidade de “concretização” do controle abstrato. Todavia, há que se ter presente que, na análise da inconstitucionalidade o Tribunal considera, para todos os efeitos, a lei em tese. No Brasil, como veremos, a ADPF pode ser mencionada como uma medida que guarda semelhança com os referidos institutos dos direitos alemão e espanhol. 1.1.2. Considerações em torno da competência concentrado do Supremo Tribunal Federal para o exercício da fiscalização da inconstitucionalidade Como sabemos, o modelo de controle jurisdicional de constitucionalidade previsto pelo direito brasileiro assume a forma de um controle misto, que congrega elementos de controle difuso e concentrado. Essa peculiaridade, a toda evidência, não é uma peculiaridade brasileira. O sistema português de controle de constitucionalidade, por exemplo, também assume uma forma mista. A situação, digamos assim, inusitada com relação ao sistema misto de controle de constitucionalidade brasileiro diz respeito ao órgão responsável pelo controle concentrado. De fato, no âmbito do sistema português, o controle concentrado é exercido por um Tribunal Constitucional, nos termos descritos nos itens anteriores. Já no que tange ao sistema brasileiro, o controle concentrado caba a uma Corte Constitucional. Vejamos esse detalhe com maior percuciência: o STF, na estruturação que lhe dá a CF 1988, nos artigos 101 e 102, se assemelha mais ao modelo estadunidense de Corte Constitucional do que aos parâmetros de um Tribunal Constitucional Europeu. Em primeiro lugar, o STF é órgão do poder Judiciário (art. 92, I da CF). Em segundo lugar, possui competências – originárias e recursais – estranhas ao exercício puro e simples da jurisdição constitucional (v.g. art. 102, I, b, c, d, i, e II, a e b, etc.). 5 Em terceiro lugar, a forma de composição da Corte, nos termos do art. 101 e parágrafo, é feita a partir da indicação do nome pelo Presidente da República, mediante avaliação de pessoas com reputação ilibada e notável saber jurídico. Depois de indicado o nome do possível integrante da Corte, o Senado Federal efetua uma sabatina que tem por finalidade verificar o cumprimento dos requisitos constitucionais adrede mencionados. Em quarto lugar, o mandato dos ministros do STF é vitalício, limitado apenas à aposentadoria compulsória que exige o desligamento dos ministros no momento em que atingirem 70 anos. Tendo em conta o que foi dito acima no que tange à estruturação e forma de composição do Tribunal Constitucional Alemão, por exemplo, fica nítido o contraste. Apenas a título de recordação: um Tribunal Constitucional é autônomo, não vinculado à estrutura do Poder Judiciário; Possui competência única e exclusiva o exercício da jurisdição Constitucional, vale dizer, dos dissídios que têm lugar em face da aplicação da Constituição; É composto por representantes proporcionalmente indicados por cada um dos poderes constituídos; e, por fim, possui mandatos periódicos para os juízes que o compõem. Assim, é possível dizer que o Supremo Tribunal Federal possui maiores semelhanças com a Suprema Corte Estadunidense do que com os Tribunais Constitucionais Europeus. É possível afirmar, ainda, por mais estranha que seja a afirmação, que o nosso controle concentrado é exercido por um órgão que, em origem, está mais próximo da estrutura do controle difuso. 3 É importante ter presente essas nuances com relação ao STF, bem como as eventuais discrepâncias com relação aos Tribunais Constitucionais Europeus, para que seja possível antecipar as circunstâncias complicadoras e complexas que acabam por tornar de difícil apreensão, as questões relativas ao controle concentrado de constitucionalidade. 3 A origem desse embaraço, certamente, está ligada à Tradição que regimenta o modelo de controle de constitucionalidade brasileiro e a estrutura do STF desde sua fundação, com a Constituição de 1891. Com efeito, de um lado temos com essa Constituição a adoção, até certo ponto eufórica, do modelo estadunidense de controle difuso de constitucionalidade (que pode ser observada nos discursos de Rui Barbosa em favor daquilo que pode ser entendido como “Democracia Judicialista”); por outro, temos a perpetração do controle difuso ao longo de todas as Constituições da era republicana e, a preservação – ressalvada algumas diferenças no tocante à formatação das competências – da estrutura do STF e de sua posição no contexto do Poder Judiciário brasileiro. 6 1.2. Características Gerais do Processo no controle concentrado 1.2.1. Princípio Inquisitivo Sem embargo das circunstâncias específicas que cercam a arquitetônica do controle concentrado no direito brasileiro, a doutrina e a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, desde os primeiros anos da Constituição de 1988, acabaram por incorporar elementos processuais que foram estabelecidos pela experiência dos Tribunais Constitucionais Europeus. Posteriormente, a Lei 9.868/1999 acabou por incorporar, no nível legislativo, essas questões que já faziam parte do horizonte teórico e jurisprudencial do direito constitucional brasileiro. Nesse sentido, o ponto fundamental de definição do tipo de processo que se tem no âmbito do controle concentrado, diz respeito à sua definição, como processo objetivo. Em termos gerais, o processo objetivo é um processo sem partes. Trata-se de uma figura específica, portanto, no âmbito da teoria processual que, em termos tradicionais, se constitui a partir do processo subjetivo, no interior do qual se verifica a existência de partes que se encontram em situação de conflito de interesses. Um ponto absolutamente fundamental para esse processo subjetivo, em termos atuais, diz respeito ao princípio do contraditório. Tal princípio tem maior incidência em processos subjetivos, individuais, com partes, sem embargo, evidentemente, de incidir também na configuração de processos coletivos, tutelados pela Lei da ACP e pelo CDC. No plano do processo objetivo puro, como ocorre no âmbito das ações de controle concentrado (ADI e ADC) e da fiscalização abstrata da inconstitucionalidade, toda a cadeia procedimental que será articulada até que o processo esteja pronto para o julgamento, seguirá os ditames do princípio inquisitório. Nesse sentido, o processo no controle concentrado – uma vez provocado por algum dos legitimados constitucionalmente constituídos – segue por impulso oficial (vide, nesse sentido, art. 5o. da Lei 9.868/99). Não se faz presente, aqui, a tão festejada “bilateralidade de audiência”, já que a sindicância que tem lugar em um processo como esse é a lei por ela mesma. Vale dizer: julga-se a lei, objetivamente considerada. 7 1.2.2. Inexistência de Partes O processo objetivo, portanto, é aquele no qual não se observa a existência de partes. Frisa-se: não existe, no caso, parte no sentido tradicional– praticado no âmbito do processo subjetivo – como sendo aquele que defende seu interesse subjetivo em juízo, seja postulando algo, seja resistindo à postulação de outrem. Todavia, é certo que o início do processo se dá mediante a postulação de alguém. Só que, tal postulação, não se apresenta do mesmo modo como se verifica no âmbito do processo subjetivo. Não existe um fator concreto específico que vincula o interesse daquele que deflagra o processo e o provimento jurisdicional que se pleiteia. Na verdade, o que existe – no interior do processo objetivo – é uma legitimação autônoma para o procedimento. Em outras palavras: a legitimidade ad causam, não é aferida pela situação subjetiva que vincula a parte ao processo. A legitimidade tem lugar em face da própria Constituição. A entidade legítima para deflagrar o processo de controle concentrado de constitucionalidade é eleita pela própria Constituição, independente do vínculo subjetivo subjacente à demanda. Como não existe esse vínculo subjetivo – a ligar a parte ao provimento pleiteado – fala-se em legitimação autônoma; uma legitimação que deriva da própria constituição e que é repetida pelas leis que regimentam o controle concentrado de constitucionalidade (Art. 103 da CF; art. 2o. da Lei 9.868/99 e art. 2o., I da Lei 9.882/99). Por outro lado, a Constituição, no § 3o. do art. 103, impõe ao Advogado Geral da União, o dever de “defender o ato ou norma impugnada” em processo objetivo de controle de constitucionalidade. Obviamente, o termo “defesa”, não é articulado aqui no sentido técnico, tal qual se observa nos processos subjetivos (com partes). Na verdade, como já assentou a jurisprudência do STF, a função do AGU, no caso do § 3o. do art. 103, é a de oficiar como “curador” do ato impugnado. 4 4 Em julgamento recente, das ADIs 3357 e 3937 que cuidam da constitucionalidade de duas leis estaduais que proibiram o uso do amianto, o Min. Marco Aurélio suscitou questão que dizia respeito à interpretação do § 3o. do art. 103. No caso, o Min. reafirmou o entendimento de que o AGU funciona neste caso como curador da norma/ato impugnado. Nessa medida, foi aventada pelo Min. a impossibilidade de o AGU, diante de sua convicção pessoal de inconstitucionalidade do ato, exarar essa convicção em sua manifestação. O ato do AGU deveria ser, necessariamente, de defesa do ato impugnado. Exceção feita aos casos em que já existe manifestação do STF no sentido da inconstitucionalidade. Do contrário, a manifestação deve refletir a defesa do ato. A função de exarar parecer, que pode ser tanto no sentido da constitucionalidade quanto no da inconstitucionalidade, cabe, nos termos formulados pelo Min., ao Procurador Geral da República que funciona – nos casos em que não seja 8 Por fim, como decorrência do caráter objetivo do processo nos casos de controle concentrado de constitucionalidade, têm-se o preceito do art. 7o. caput, da Lei 9.868/99, que proíbe a intervenção de terceiros nos casos tutelados pela Lei. Novamente, a inexistência de interesse subjetivo a vincular a propositura da ação ao provimento jurisdicional pleiteado, faz com que se tenha por impossível a intervenção de terceiros, instituto processual profundamente ligado à ideia de interesse no sentido subjetivo. De todo modo, cabe ressaltar, a jurisprudência do STF admite que os demais legitimados do art. 103, que não se apresentam como autor da ação, possam figurar como “assistente litisconsorcial”. A interpretação do Supremo Tribunal nesse caso, contudo, não parte de uma analogia com o processo subjetivo, mas, sim, com a figura do amicus curiae que se apresenta no art. 7o. § 2o. da Lei 9.868/99. Nesse aspecto, cabe ressaltar que também a figura do amicus curiae não representa a defesa de interesse em sentido subjetivo. O termo amicus curiae significa, literalmente, amigo da corte. Representa, portanto, uma pessoa, ou um grupo de pessoas, que – pelos reconhecidos conhecimentos sobre a matéria técnica objeto do julgamento – pode contribuir com a Corte, para auxiliar o entendimento dos Ministros sobre a questão ventilada. Nesse caso, têm-se como exemplar tanto o caráter objetivo do processo, quanto sua feição nitidamente inquisitória. Com efeito, no caso do art. 7o., § 2o., a lei estabelece que a decisão sobre a necessidade de admitir o amicus curiae. Ainda nos termos do referido dispositivo, essa decisão do relator é irrecorrível. 1.2.3. Tutela de interesse Difuso/Coletivo À semelhança do que nos casos de Processo Coletivo, no âmbito do controle concentrado, abstrato, que se desenvolve em um Processo Objetivo, o interesse ventilado nas diversas ações que compõem o mecanismo, é difuso ou, no mínimo, coletivo. Quer se dizer, com isso, que os legitimados eleitos pela Constituição como autorizados a postular perante o STF o processamento de um processo de controle autor da ação – como fiscal da lei. Portanto, a posição do Min. é para que se preserve as funções, de modo a não confundir conceitos: o AGU funciona como curador do ato; o PGR como fiscal da lei e, em sentido mais amplo, da constitucionalidade. 9 concentrado, não defendem interesses seus ou dos grupos que representa, mas, sim, um interesse de toda a coletividade. Interesse de higiene da ordem jurídica. Interesse de não ser governado por atos ou leis inconstitucionais. Esse aspecto específico de um processo objetivo, de controle abstrato (concentrado) de constitucionalidade, nem sempre é bem observado pela Jurisprudência do Supremo Tribunal. Voltaremos a isso mais adiante. 2. Mecanismos de acesso ao controle concentrado e seus respectivos processamentos 2.1. Ação Direita de Inconstitucionalidade. A ação direta de inconstitucionalidade, nos termos do art. 102, I, a da CF é, como não poderia deixar de ser, uma ação de competência originária do Supremo Tribunal Federal e o principal instrumento do controle concentrado de constitucionalidade brasileiro. Esse dado tem lugar não apenas pelo número expressivo de ações diretas de inconstitucionalidade que foram julgadas pelo STF desde 1989, mas, também e principalmente, pelo fato de que, nesta ação, têm-se por reunidas todas as principais características de um controle concentrado, abstrato, de constitucionalidade. Numa notícia histórica, é possível mencionar duas origens remotas para a ADI. Parte da doutrina sugere que o seu embrião já se encontrava presente na Constituição de 1946, no interior da chamada “Ação direta interventiva”, de competência originária do STF e que servia para declarar a necessidade de intervençãofederal nos estados, por descumprimento – por parte destes – da Constituição. O exemplo, todavia, é ruim, porque, neste caso, há um interesse manifesto do presidente da república. Há um caso concreto, que é o efetivo descumprimento por parte do Estado da Constituição. Enfim, estamos aqui longe do que é hoje a ADI. Na verdade, o “embrião” da atual ADI é a representação de inconstitucionalidade, incluída por Emenda Constitucional em 1965. Essa representação de inconstitucionalidade, muito embora tivesse as mesmas características da atual ADI, no que tange ao enfrentamento da lei em tese, de forma abstrata, guardava algumas circunstâncias espúrias. Por um lado, tal ação tinha como único legitimado o Procurador Geral da República. Este era à época, por 10 sua vez, um cargo de confiança do Presidente da República, o que colocava em xeque a legitimidade da fiscalização efetuada. A Constituição de 1988, por sua vez, expandiu consideravelmente o rol de legitimados para provocar o STF em sede de controle concentrado, por meio de ADI. Por outro lado, foi possibilitado um meio de acesso direto ao STF para fazer cumprir as decisões do tribunal em sede de ADI. Trata-se do instituto da reclamação (art. 102, I, l da CF). 2.1.1. Legitimados Conforme ficou consignado no item 1.2.2., entende-se por legitimados, em um processo de controle concentrado de constitucionalidade, as entidades listadas pela constituição e que podem acionar o STF para proferir um provimento jurisdicional de controle da constitucionalidade. Os legitimados para a propositura da ADI estão discriminados no art. 103 da CF e repetidos no art. 2o. da Lei 9.868/99. Durante algum tempo, discutiu-se a respeito da constitucionalidade do art. 2o., por incluir entre os legitimados o governador do DF e a Mesa da Câmara do DF. A disposição vinha na linha da Jurisprudência do STF, que já havia admitido ADI proposta pelo governador do DF. Todavia, tal previsão ampliava o rol determinado pela CF que, em seu texto original, não incluía nem o governador, nem a Mesa da Câmara do DF. Em 2004, a EC n. 45, acabou com a discussão ao incluir, no texto do art. 103, o Governador e a Mesa da Câmara do DF. Outro ponto central que acompanha a discussão sobre legitimação para propositura da ADI, diz respeito a algo que acompanha a jurisprudência do STF e que chegou a ser incluída na Lei. 9.868/99 (mas acabou vetado pelo Presidente da República). Trata-se do que se conhece como pertinência temática. A pertinência temática se manifesta na necessidade de algumas das entidades legitimadas para o procedimento demonstrar que a pretensão por elas deduzida tem pertinência direta com os seus objetivos institucionais. Nesse sentido, acaba-se por dividir os legitimados em dois grupos: O primeiro, chamado de legitimados universais (ou absolutos), seriam aqueles que podem propor ADI contra qualquer tipo de ato normativo, 11 independentemente de comprovarem pertinência do ato impugnado com os seus objetivos institucionais. Assim, teríamos nesse grupo os seguintes legitimados: I – o Presidente da República; II – A Mesa do Senado Federal; III – A Mesa da Câmara dos Deputados; VI – Procurador Geral da República; VII – Conselho Federal da OAB; VIII – Partidos Políticos. No caso do segundo grupo, teríamos os chamados legitimados especiais (ou relativos) que poderiam propor ADI’s, apenas em relação a atos normativos que possuem pertinência com seus objetivos institucionais. Seria o caso IV – mesas da Câmara do DF e das Assembleias legislativas; V – Governador do Estado, IX – Entidade de Classe de âmbito nacional e Confederações Sindicais Portanto, a regra de pertinência temática aplica-se aos legitimados mencionados no parágrafo anterior. A pertinência temática é criticada por parte da doutrina por, pelo menos, duas razões: a) em primeiro lugar porque, quando instituiu os legitimados para o procedimento no art. 103, a Constituição não estipulou nenhuma possibilidade de restrição expressa, ou ainda, através da chamada “reserva legal”, onde se estabelece a possibilidade de o legislador infraconstitucional limitar o conteúdo previsto no dispositivo constitucional. Assim, mesmo que a pertinência temática fosse prevista em lei, seria ela inconstitucional, uma vez que estaria restringindo um conteúdo constitucional, sem a expressa autorização da Constituição para tanto. Se a lei não pode efetuar tal restrição, imagine a jurisprudência... b) Por outro lado, há um problema de lógica interna do processo objetivo. Com efeito, conforme relatamos nos itens 1.2.2. e 1.2.3, não há em um processo objetivo de controle de constitucionalidade, interesse em sentido subjetivo. A necessidade de demonstração de pertinência temática, nos termos expostos aqui, acaba por “subjetivar” o processo, dando a impressão de que, quando uma Associação Sindical, por exemplo, propõem uma ADI, faz ela numa espécie de substituição processual, na defesa dos interesses de seus associados, algo que, definitivamente, não está em caso em um processo de controle abstrato, concentrado de constitucionalidade. Todavia, embora existam posições isoladas de alguns ministros do STF no sentido de reconhecer o acerto da crítica, o plenário tem decido pela necessidade da 12 demonstração de pertinência temática nos casos mencionados acima, sob pena de não recebimento da ADI. Outro ponto importante, ainda com relação aos legitimados para a propositura da ADI, diz respeito aos partidos políticos. Neste caso, o próprio inciso VIII do art. 103 estabelece uma restrição ao exigir que o Partido Político possua “representação no congresso nacional”. Já decidiu o STF que, por representação no congresso nacional, entende-se o partido que tenha eleito ao menos 1 deputado ou senador. Questiona-se, contudo, sobre a perda da representatividade no decorrer da ação. A situação, então, seria a seguinte: no momento da propositura, o Partido cumpria o requisito constitucional da representação no congresso nacional. Todavia, durante o processo, houve a perda da representatividade, seja em face da exclusão natural, pelo sufrágio popular, seja por meio da perda do mandato por alguma condenação, judicial ou do conselho de ética da casa a que esteja vinculado o parlamentar. Nesse caso, a jurisprudência do STF se solidificou no sentido de que a exigência constitucional deve ser observada no momento da propositura da ação. Depois disso, por força do que estabelece o art. 5o. da Lei 9.868/99, o processo segue por impulso oficial. Homenageia-se, com isso, os ditames do processo objetivo e do princípio inquisitivo que regem o controle concentrado de constitucionalidade. Por fim, cabem algumas considerações sobre a capacidade postulatória dos legitimados. O paragrafo único do art. 3o. da Lei 9.868/99 exige que, quando subscrita por advogado, a Petição Inicial da ADI venha acompanhada de Procuração com poderes específicos. Nesse particular, cabe referir que o STF reconhece que os legitimados estabelecidos do art. 103, do inciso I até o VII, possuem capacidade postulatória plena. Ou seja, podem propor a ação independentemente de estar esta subscrita por advogado constituído. Já nos casos do inciso VIII e IX, não existiria capacidade postulatória, apenas legitimação. Assim, nesses casos, seria indispensável a representação por advogado no momento da propositura da ação. Nos casos de capacidade postulatória plena, entretanto, deve-se observar o seguinte: embora não sejam obrigados a constituir advogado, não existe a proibição de, se por motivos específicos, optarem os legitimados por seremrepresentados em 13 juízo. Nesse caso, há que se observar o disposto no paragrafo único do art. 3o., ou seja, a petição inicial deve, necessariamente, estar acompanhada de procuração com poderes específicos. 2.1.2. Objeto Por objeto entende-se o ato normativo que pode ser sindicado em face da Constituição pela via da ADI. Nos termos do art. 102, I, a da CF, podem ser objeto de ADI leis ou atos normativos Federais ou Estaduais, questionados em face da Constituição Federal. Da análise desse dispositivo depreende-se que ficam excluídas do âmbito da ADI as leis municipais. Por outro lado, conforme ficou assentado na ADI n. 2, também não podem ser objeto de ADI as leis anteriores à Constituição. De fato, como nosso direito não agasalhou a hipótese da inconstitucionalidade superveniente, as leis anteriores à constituição são tidas como recepcionadas ou não recepcionadas sendo que eventual conflito deve ser resolvido mediante aplicação de um critério de conflito de lis no tempo (a lei posterior derroga a anterior). Assim, em face do entendimento que prevaleceu na ADI n. 2, apenas podem ser objeto de ADI as leis ou atos normativos posteriores à CF. Questiona-se sobre a possibilidade de se interpor ADI contra leis ou atos normativos distritais (DF). Nesse caso, nos termos do § 1o. do art. 32 da CF, é possível que sejam objetos de ADI os atos normativos ou as leis do DF que tenham sido praticados no exercício de competência de Estado. Os atos distritais praticados na competência de município, não podem ser objeto de controle pela via da ADI. No mais, podem ser objeto de ADI qualquer dos atos dispostos no art. 59 da CF. Inclusive as Emendas Constitucionais. Entre os atos do art. 59, cabe uma ressalva com relação às Medidas Provisórias. Atualmente, não há dúvidas de que a MP pode ser objeto de ADI. O Supremo Tribunal já enfrentou, inclusive, o mérito da Medida, sindicando o atendimento dos pressupostos constitucionais genéricos, previstos no caput do art. 62 (relevância e urgência). A única questão que deve ser observada é que a MP será objeto da ADI enquanto durar a provisoriedade. Ou seja, será ela objeto de ADI enquanto não for convertida em lei ou antes de caducar por decurso do prazo 14 constitucional de 120 dias (60 prorrogáveis por mais 60 – art. 62, §§ 3o. e 7o. da CF). No caso de perder o efeito por decurso do prazo, a ADI perderá o objeto e será extinta sem o julgamento do mérito. No caso de ser a MP convertida em lei, exige-se que o autor da ação faça um pedido aditivo, de modo a incluir no pedido o enfrentamento da lei conversora. Por último, cabe referir ao ato normativo das Súmulas Vinculantes, previstas no art. 103-A da CF. Nesse caso, em face da existência de um procedimento específico para sua extinção, alteração ou revogação (a reclamação do § 3o. do art. 103-A), não cabe controle concentrado de constitucionalidade pela via da ADI. Cogita-se da possibilidade de se propor ADI em face de leis de efeitos concretos. Entende-se por “leis de efeitos concretos” aquelas que se destinam a regulamentar uma situação especifica. Em outras palavras: trata-se de uma lei que não se reveste de características de abstração e generalidade, mas estão ligadas, desde a origem, a situações particulares específicas. O exemplo mais comum de leis de efeitos concretos, são as chamadas leis orçamentarias. O entendimento tradicional do STF, excluía a possibilidade de controle dessas leis por via de ADI por entender que o caráter concreto desse tipo de legislação contrariava a lógica do controle concentrado, por definição abstrato. Todavia, neste caso, o que parece haver é uma confusão sobre o “abstrato” a que se faz referência. Com efeito, o controle é abstrato porque desvinculado de um conflito subjetivo que lhe dê origem. Não é o ato impugnado que deve ser abstrato, mas o questionamento que dele se faz. Assim, ainda que a lei possua “efeitos concretos” ela pode ser enfrentada de modo abstrato. Desse modo, a jurisprudência do STF tem se modificado, de modo a admitir o controle mesmo nesses casos de leis de efeitos concretos. Ainda com relação ao objeto da ação cabe referir ao art 3o. da Lei 9.868/99. Nos termos do inciso I desse dispositivo, a Petição Inicial de uma ADI deverá indicar o dispositivo de lei ou do ato normativo impugnado, deduzindo os fundamentos jurídicos que embasam o pedido. Vale dizer, deverá demonstrar o por quê da inconstitucionalidade alegada. Nesse caso, há que se consignar sobre aquilo que vem sendo chamado de “princípio da causa de pedir aberta”. Por esse princípio entende-se que os Ministros do STF não estão adstritos aos fundamentos formulados pelo autor da ação no momento de julgar a inconstitucionalidade alegada. Vale dizer: o tribunal pode 15 chegar à mesma conclusão (a inconstitucionalidade dos dispositivos impugnados), só que por outras razões. As razões aduzidas pela entidade legitimada não vincula o Tribunal. Por outro lado, o inciso II do mesmo artigo, obriga que a Petição Inicial indique o pedido com suas especificações. Nesse sentido, não se admite pedido genérico. Deve-se formular pedido certo, específico (por exemplo, se a inconstitucionalidade acomete toda a lei, ou apenas parte dela). Por outro lado, o pedido formulado pela parte determina os limites do provimento exarado pelo Tribunal. Se a causa de pedir é aberta, o pedido – por ser específico – vincula o tribunal ao seu julgamento. Pedido não atendido pelo tribunal pode gerar para o legitimado a possibilidade de interposição de embargos de declaração da decisão (art. 26, in fine da Lei 9.868/99). 2.1.3. Procedimento Entende-se por procedimento o conjunto de atos que se desencadeiam entre o início do processo, com a Petição Inicial, e o provimento final, com a Decisão de Inconstitucionalidade. No caso do controle concentrado, este procedimento encontra-se estabelecido pela lei 9.868/99. Todavia, há ainda alguns pontos específicos que se encontram previstos no Regimento Interno do STF. Nos termos do art. 4o. da lei 9.868/99, depois de distribuída a ação, o relator analisará a petição inicial, podendo indeferir liminarmente a ação, nos casos de inépcia da inicial, falta de fundamentação do pedido ou manifesta improcedência deste. Esse indeferimento liminar, nos termos da lei, é uma decisão monocrática, do relator. Todavia, o parágrafo único do mesmo artigo, prevê a possibilidade de manifestação do colegiado, através da interposição de agravo. Recebida a inicial, o processo segue por impulso oficial (art. 5o.). No caso, toda a instrução será realizada sob a coordenação do relator, que apenas chamará o pleno a atuar em casos de decisões provisórias que impliquem juízo prévio acerca da inconstitucionalidade (Medida Cautelar do art. 10). É o relator quem pede informações às autoridades envolvidas (art. 6o.); que determina a possibilidade de constituição de amicus curiae (art. 7o. § 2o.). Mauricio Realce 16 O art. 8o. regulamenta o prazo para a manifestação do AGU e do PGR, em cumprimento à exigência do § 3o. do art. 103 da CF. A instrução, nos processos sem pedido de medida cautelar e não urgentes, se encerram com a manifestação das referidas autoridades. Nesse momento, nos termos do art. 9o., o relator confeccionará o relatório e distribuirá cópia para todos os demais Ministros, pedindo dia para julgamento. Nesse caso, a ADI será julgada de acordo com a pauta do plenário do Tribunal. 2.1.3.1. Procedimento com pedido de Medida Cautelar Nos casos de pedido de Medida Cautelar, o desdobramento da instruçãoda ação se dará de forma diferida. Medida cautelar, aqui, significa um provimento provisório emitido pelo Tribunal, em regra no momento subsequente ao recebimento da Petição Inicial. Nada impede, todavia, que o pedido seja feito durante a instrução do processo ou até mesmo no momento em que se aguarda o julgamento. Na verdade, o pedido cautelar tem lugar sempre em que se encontrar evidenciados os requisitos do fumus boni juris e do periculum in mora. A cautelar será, em regra, incidental, ou seja, requerida no bojo do processo já constituído. Autores como Nelson Nery Jr. Entendem, no entanto, que nada impede que seja admitida ação cautelar preparatória. Nesse caso, deve-se aplicar subsidiariamente o que dispõe o caput do art. 806 do CPC, que determina a necessidade de propositura da ação principal no prazo de 30 dias em face da acessoriedade dos procedimentos cautelares (o processo cautelar é sempre dependente do processo principal). Efetuado o pedido de medida cautelar, apenas por decisão da maioria absoluta do tribunal pleno é que ela será concedida. Nesse caso, deve ser observada a regra do art. 22 que determina o quórum mínimo de 08 ministros presentes para instalação da sessão que irá deliberar sobre a concessão da cautelar. O art. 10, no caput, prevê a necessidade de audiência das autoridades envolvidas na emanação do ato, no prazo reduzido de 05 dias. 17 O § 1o. do art. 10, coloca sob critério do Relator, a possibilidade de se ouvir o AGU e o PGR (acerca da medida cautelar, não sobre o julgamento do mérito, que deverá seguir o disposto no art. 8o.). Concedida a medida cautelar, nos termos do art. 10, a decisão terá, em regra, efeitos ex nunc (art. 11, § 1o.). O mesmo dispositivo, todavia, ressalva a possibilidade de o Tribunal – entenda-se, plenário – conceder eficácia retroativa à medida. Ainda no caso dos processos em que se verifique o pedido de medida cautelar, prevê a lei a hipótese do chamado “procedimento sumário”. Trata-se do que dispõe o art. 12 que estabelece a possibilidade de o relator, em face da relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social, submeter o processo – depois da observância dos prazos assinalados para a manifestação das autoridades, do AGU e do PGR – diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação. Nesse caso, através da solução de questão de ordem, o tribunal poderá definir se julga em definitivo a ação ou se, por fundadas razões, mantêm o provimento cautelar – provisório, portanto – até que se esteja em condições para julgar o mérito, definitivamente, nos termos do processo “ordinário”. Por fim, cabe firmar posicionamento com relação aos efeitos dos provimentos cautelares em sede de ADI. Nos termos do art. 11, § 6o., a decisão será dotada de eficácia contra todos (eficácia erga omnes). Já o § 2o. do art. 102, estabelece que apenas as decisões definitivas de mérito do STF é que serão dotadas de Efeito Vinculante. Todavia, o Min. Gilmar Mendes, entende que as decisões proferidas em sede de medida cautelar possuem, cumulativamente, eficácia erga omnes e efeitos vinculantes. Entendemos, contudo, que tal posição é equivocada na medida em que, por expressa determinação constitucional, o efeito vinculante só pode ser atribuído a decisões terminativas de mérito. Vale dizer, o efeito vinculante necessita da coisa julgada para que possa existir. Em sendo a medida cautelar uma decisão precária, que não faz coisa julgada material, não pode ser agregado a ela o efeito vinculante. 2.2. Ação Declaratória de Constitucionalidade 18 A ação declaratória de constitucionalidade não estava prevista no texto originário da Constituição de 1988. Foi introduzida em nosso sistema constitucional pela EC n. 03/92. Desde sua criação gerou esta ação inúmeras controvérsias teóricas. Questionava-se a finalidade da medida: por que seria necessário buscar um provimento jurisdicional que atestasse a Constitucionalidade da lei ou do ato normativo se, por presunção juris tantum, eles são todos tidos por constitucional? Por outro lado, criticava-se os efeitos da decisão do STF neste tipo de ação. Muitos viam nela uma espécie de “avocatória branca”, que – se não retirasse efetivamente o julgamento da causa do juiz natural – faria com que sua decisão seguisse aquilo que foi decido pelo STF. Até hoje, muitos autores enxergam nela inúmeras inconstitucionalidades. Todavia, o STF não só atestou sua constitucionalidade, como vem admitindo inúmeras ações. Nos termos do art. 103 da Constituição – emendado pela EC n. 45/2004 – todos os legitimados para propor ADI podem propor, igualmente, a ADC. Assim, deve-se repetir aqui aquilo que foi dito sobre os legitimados da ADI. Já no que tange ao objeto, devem ser anotadas algumas sensíveis diferenças. Em primeiro lugar, o próprio art. 102, I, a da CF, restringe a possibilidade da ação para incidir sobre leis ou atos normativos Federais. A ADC, portanto, não pode ter como objeto leis Estaduais ou municipais. Também não podem ser objetos de ADC – tal como ocorre na ADI – as leis anteriores à Constituição. Além da indicação dos dispositivos que deverão ser abrangidos pelo provimento final, os fundamentos e sua especificação, a Lei 9.868/99, exige, no art. 14, inciso III, que o autor da ação demonstre a existência de controvérsia judicial relevante, apta a provocar a manifestação da Corte sobre a matéria. Admite-se, também, medida cautelar na ADC. A regra geral é a mesma daquela pratica na ADI, com a singularidade de que, os termos do art. 21, a concessão da medida cautelar acarreta a suspensão dos julgamentos dos processos que têm na lei ou ato normativo questionado seu ponto de deslinde. De se consignar que a pertinência de a constitucionalidade de tal dispositivo é objeto de constante crítica por parte da doutrina. 19 3. Da Decisão de Inconstitucionalidade/Constitucionalidade A lei 9.868/99 trata de forma conjunta da decisão de inconstitucionalidade e da decisão de constitucionalidade. Esse traço fica mais evidenciado em face do que determina o art. 24 do referido diploma legal. Nos termos desse artigo, institucionalizou-se a chamada ambivalência das decisões: no caso de propositura de uma ADI, em sendo ela julga improcedente, os efeitos da decisão serão de ADC. De outra banda, propondo-se uma ADC, sendo ela julgada improcedente, ter-se-ão os efeitos de uma ADI. Assim, temos que o art. 22 estabelece o quórum de instalação das sessões. Diz o dispositivo que as decisões de ADC e de ADI somente serão tomadas em sessões que tenham presentes, pelo menos, 08 ministros. Já o artigo 23, estabelece o quórum de votação. Nos termos já vistos quando estudamos o controle difuso de constitucionalidade e o disposto no art. 97 da Constituição, também no âmbito do Controle Concentrado, se prevê a necessidade de decisões plenárias. Assim, o quórum para a procedência da ADI ou da ADC será o de 06 ministros. No artigo 26 tem-se a previsão da regra de irrecorribilidade das decisões no âmbito do controle concentrado. A única exceção a que faz referência o dispositivos diz respeito à interposição de embargos de declaração. A lei põe a decisão a salvo, inclusive, de ações de impugnação, como é o caso da Ação recisória. No art. 27, prevê a lei a chamada modulação de efeitos. A modulação de efeitos também pode ser entendida como uma ténica de limitação dos efeitos da pronúncia de nulidade. Nesse aspecto, é didaticamente relevante fazer uma distinção entre pronúncia de inconstitucionalidade e pronúncia de nulidade. Decidindo pela procedênciade uma ADI o STF, necessariamente, realiza uma pronúncia de inconstitucionalidade: constata que a lei levada a julgamento é contrária à Constituição por tais e quais motivos. O art. 27, contudo, coloca à disposição do Tribunal a possibilidade de limitar os efeitos da pronúncia de nulidade. A regra, no direito brasileiro, é a de que as decisões do STF produzem eficácia retroativa (ex tunc), mesmo em sede de Controle Concentrado. O artigo 27 estabelece que, por motivos de segurança jurídica ou relevante interesse social (que 20 devem ser fundamentados nos votos de todos os ministros), o Tribunal limite os efeitos da pronúncia de nulidade de modo que eles só venham a ocorrer a partir do transito em julgado da decisão (eficácia ex nunc) ou, ainda, em um momento futuro, determinado pelo Tribunal (eficácia pro futuro). Nos termos da lei, além da fundamentação voto a voto dos requisitos do 27, a decisão que limita os efeitos deve ser acolhida por voto de uma maioria qualificada de 2/3 dos ministros que compõem o plenário da Corte. O art. 28, na senda do § 2o. do art. 102 da CF, estabelece que as decisões do STF em ADI e ADC, possuem eficácia erga omnes e efeito vinculante. É importante saber distinguir eficácia erga omnes de efeito vinculante. Em primeiro lugar, que a eficácia erga omnes pode estar presentes em outros provimentos, que não os do controle concentrado de constitucionalidade, como nos casos das ações coletivas regulamentadas pelo art. 103 do CDC. Já o efeito vinculante é privativo dos mecanismos de controle concentrado de constitucionalidade. Por outro lado, o efeito vinculante pressupõe coisa julgada material, na medida em que – por disposição constitucional – só estão presentes nos provimentos definitivos de mérito. Já a eficácia erga omnes também podem se verificar nos provimentos provisórios, como nas medidas cautelares dos arts: 10 e 21 da lei 9.868/99. Além disso, o parágrafo único do art. 28 prevê que mesmo as decisões que veiculam uma interpretação conforme a Constituição ou uma declaração de nulidade parcial sem redução de texto, produze eficácia erga omnes e efeitos vinculantes (sobre as chamadas sentenças interpretativas, ver abaixo o Anexo). 4. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental A arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF), estava prevista já no texto originário da CF/1988. A princípio, encontrava-se acostada ao paragrafo único do art. 102 da CF. Posteriormente, a EC n. 3/92, a reposicionou no § 1o. do mesmo artigo. Trata-se de uma ação sem paralelo no direito comparado. Todavia, nos debates constituintes ficaram registradas as inspirações do mecanismo no Recurso Constitucional alemão e no Recurso de Amparo Espanhol, ambos institutos que possibilitam a intervenção do Tribunal Constitucional em questões concretas, nas 21 quais a inconstitucionalidade se apresenta como questão prejudicial ao julgamento do mérito. No direito brasileiro, uma série de questões mal resolvidas tornaram o mecanismo uma porta para a complexidade teórica. Em primeiro lugar, já nos primeiros anos da CF/88, o STF recusou-se a conhecer ações propostas sob o signo da ADPF, sob o fundamento de que não havia lei regulamentadora da ação e o dispositivo constitucional que a previa não era de aplicabilidade imediata. Argumentação, no mínimo, curiosa uma vez que o STF conheceu outras ações, igualmente sem regulamentação legal específica, a partir da aplicação de regras contidas no regimento interno do tribunal e em leis que regiam institutos similares. Esse é o caso do Mandado de Injunção (sem regulamentação até hoje) que foi processado pelo Tribunal nos termos do rito previsto para o Mandado de Segurança. É certo que o caráter inusitado da ADPF confere ao álibi do STF certo tom de verdade. Por outro lado, o legislador tardou em regulamentar o instituto. Quando o fez, acabou por perfilar tantos problemas que, ainda hoje, causam perplexidade. A referida ação foi regulamentada pela lei 9.882/99. Em 2001, a OAB propôs ADI (n. 2231) em que se questionava a constitucionalidade do art. 1o. parágrafo único, I; o art. 5o., § 3o.; o art. 10, caput e § 3o., e art. 11. A ação, ainda hoje, pende de julgamento. É certo que, boa parte dos autores, dão como superada a divergência em torno da constitucionalidade dos dispositivos da lei 9.882/99, a partir da admissão do julgamento da ADPF n. 54/2005 (Aborto terapêutico). De todo modo, não há ainda um pronunciamento expresso do STF, sobre os dispositivos impugnados. Por outro lado, o veto do presidente da república ao art. 2o., II, tirou a possibilidade do cidadão reivindicar o pronunciamento do STF em questões constitucionais relevantes, que acarretem aplicação de preceitos fundamentais. Visando superar o veto, existe em curso no congresso o Projeto de Lei n. 6.543/2006 que pretende devolver a legitimação a todos os cidadãos, limitando, contudo, o acesso ao cumprimento dos requisitos da Repercussão Geral, § 3o., art. 102 da CF. Nota-se, portanto, que paira sobre a lei 9.882/99 um certo ar de incerteza. 22 4.1. Sobre a expressão “Preceito Fundamental”. Outra ponto que causa perplexidade na ADPF é a limitação da ação aos casos em que há descumprimento de um preceito fundamental. Pergunta-se: o que é preceito fundamental? A questão permanece sem resposta definida, tanto pela doutrina quanto por parte da jurisprudência do STF. Algumas tentativas de respostas se encaminham no sentido de identificar a ideia de preceito fundamental em torno da tutela dos chamados princípios constitucionais sensíveis, estabelecidos no art. 34, VII da CF. A resposta, contudo, não é pacífica tampouco aceita pelo STF. 4.2. Questões importantes em torno da lei 9.882/99 4.2.1. Legitimidade Com o veto do presidente ao art. 2o., II, restou para a ADPF a possibilidade de ser proposta pelos mesmos legitimados da ADI (art. 2o., I). Todavia, é relevante perceber que, por disposição do § 1o. do art. 2o. da Lei 9.882/99, permaneceu a possibilidade de o cidadão, por meio de representação, solicitar ao PGR a propositura da ADPF perante o STF. O dispositivo, contudo, ressalva ao PGR a decisão sobre o cabimento ou não da medida solicitada. 4.2.2. Objeto A Lei 9.882/99 estabeleceu que cabe ADPF contra leis ou atos normativos Federais, Estaduais e Municipais, incluindo os anteriores à CF. É verdade que, por questões especificas, a ADPF é um mecanismo peculiar de acesso à jurisdição constitucional concentrada. Através dela, tal qual acontece com o Recurso Constitucional alemão e com o Recurso de Amparo espanhol, tem- se uma espécie de “concentração do controle abstrato”. Todavia, independente disso, continua sendo ela uma mecanismo de acesso ao controle concentrado. Nesse sentido, a lei 9.882, acabou por instituir a possibilidade de se provocar o STF, a se manifestar sobre leis municipais ou anteriores à constituição de forma concentrada, o que acarretará um provimento com eficácia erga omnes e efeito vinculante. 23 Por outro lado, se há esse processo de alargamento do objeto, também ocorre, concomitantemente, uma restrição. Nos termos da lei, é necessário que se demonstre que há relevante controvérsia constitucional envolvendo a lei ou o ato normativo. Nessa ordem de ideias é preciso que seja demonstrada, na Petição Inicial, a prova de violação do Preceito Fundamental (art. 3o., III). 4.2.3. Procedimento A doutrina cogita da possibilidade de se admitir a ADPF de duas formas: a) como ação autônoma; b) como ação incidental. A forma mais comum, comoação autônoma, processa a ADPF tal qual se verifica na ADI, admitindo-se, porém, o enfrentamento de direito pré-constitucional (foi o que ocorrei, por exemplo, nas ADPF’s n. 54 e 130). No caso da ADPF incidental, é possível que, em face de controvérsia relevante que tenha lugar no âmbito dos tribunais, o STF seja provocado a se pronunciar, incidentalmente, sobre a questão constitucional envolvida. Trata-se aqui de um caso de cisão funcional de competência. Algo similar ao que ocorre no incidente do controle difuso. Todavia, neste, tem-se uma cisão horizontal; naquele dá-se uma cisão vertical. Tal possibilidade fazia muito sentido com a possibilidade do art. 2o., II que previa a legitimidade de todo cidadão para propor a ADPF. No contexto atual, a única forma de propor, incidentalmente, seria através de um dos legitimados do art. 103 da CF ou, na forma do § 1o. do art. 2o., por provocação do PGR. Ademais, vale referir que não é qualquer violação à Constituição que pode ser objeto de ADPF. Apenas as violações a preceitos fundamentais é que podem ser objeto desta ação, em qualquer de suas modalidades. O § 1o. do art. 4o. da lei 9.882/99 estabelece a regra de subsidiariedade nos casos de ADPF. Nos termos do dispositivo, a ADPF não será admitida será admitida se houver outro meio eficaz para sanar a lesividade. Assim, havendo a possibilidade de propositura de Recurso Extraordinário, não será admitida a ADPF, ainda que fosse, em tese, possível de ser articulada. O art. 5o. estabelece a possibilidade de concessão de medida cautelar. A primeira grande polêmica, neste caso, tem lugar em face do § 1o., que institui a possibilidade de o relator, em caso de urgência, conceder monocraticamente a 24 liminar, submetendo a questão a referendum do plenário (veja-se o exemplo do que ocorreu na ADPF n. 54, em que o relator, Min. Marco Aurélio, concedeu monocraticamente a medida que acabou cassada por decisão do plenário). Haveria aqui, para muitos, uma quebra à regra de colegialidade nas decisões de inconstitucionalidade. O § 3o., igualmente, acaba por levar a complicações, na medida em que determina a suspensão de processos em andamento ou mesmo efeitos de decisões judiciais que apresentam relação com a matéria objeto da ADPF. Discutisse, aqui, desde o efeito avocatório da medida até a autonomia dos juízes das instancias inferiores, que ficariam à mercê da decisão do STF. No que tange à decisão definitiva, estipula a lei, em seu art. 10, que a decisão do STF fixará as condições e o modo de interpretação e aplicação do dispositivo. Os críticos da lei vêem, também aqui, uma ameaça à independência decisória dos demais órgãos do poder judiciário. Também no caso da ADPF, as decisões definitivas são dotadas de eficácia erga omnes e de efeitos vinculantes. O art. 11 prevê a possibilidade de aplicação da modulação de efeitos também em sede de ADPF. No art. 12 prevê-se a regra de irrecorribilidade, mas não menciona expressamente a possibilidade de embargos de declaração. Todavia, em face de uma interpretação analógica com o art. 26 da Lei 9.868/99, há que se admitir também para as decisões exaradas em sede de ADPF, a possibilidade de interposição de ADPF. 25 ANEXO DIFERENÇAS ENTRE A INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO E A DELCARAÇÃO DE NULIDADE PARCIAL SEM REDUÇÃO DE TEXTO Por interpretação conforme a Constituição entende-se o mecanismo de decisão através do qual a jurisdição constitucional formula a única interpretação compatível com o texto constitucional, excluindo qualquer outra hipótese interpretativa. Vale dizer, o texto da lei permanece em sua integridade, a norma exsurgente de seu texto é que é redefinida a partir de um sentido determinado pela Constituição5. No caso da declaração de nulidade parcial sem redução de texto sua hipótese de incidência é oposta. Deve igualmente ser considerada uma espécie de decisão normativa/redefinitória própria da atividade da jurisdição constitucional, que altera o conteúdo da norma (não do texto da lei). Ocorre, porém que, neste caso, ao invés de se determinar a única interpretação do texto da lei compatível com a Constituição, a decisão expõe a interpretação (ou as hipóteses de interpretações) não compatível com a Constituição. Note-se que, em ambas as hipóteses, o texto da lei continua preservado em sua integridade, não ferindo, portanto, a esfera de atuação reservada ao legislador. É a norma, exsurgente do texto, que é redefinida por um sentido constitucionalmente adequado. No caso da interpretação conforme a decisão determina o único sentido possível de compatibilidade com a Constituição; Em se tratando de nulidade parcial sem redução de texto a decisão exclui determinada interpretação que confronta com o sentido constitucional compatível. Nessa ordem de idéias, noticia Konrad Hesse que, na recente praxis jurídico- constitucional do Tribunal Constitucional Federal Alemão (Bundesverfassungsgericht), o princípio da interpretação conforme a Constituição (verfassungskonforme Auslegung) ganhou 5 É necessário recordar que se trabalha aqui o universo da diferenciação ôntica que existe entre texto e norma, segundo as lições de Friedrich Muller, Lenio Streck, Eros Grau, entre outros. No que tange ao ponto específico da interpretação conforme, será analisado os pormenores desta perspectiva em tópico próprio infra. 26 um significado crescente. Pontifica ainda o mestre alemão que, segundo este princípio, uma lei não deve ser declarada nula quando ela pode ser interpretada em consonância com a Constituição. Assim, tanto quando a lei admite uma interpretação nitidamente compatível com o texto constitucional, quanto quando seja seu conteúdo ambíguo ou indeterminado, deve o conteúdo da lei ser determinado pelo conteúdo da Constituição6. Expressando-se melhor, vale trazer à colação as lições do próprio Konrad Hesse, in verbis: “No quadro da interpretação conforme a Constituição, normas constitucionais são, portanto, não só ‘normas de exame’ mas também ‘normas materiais’ para a determinação do conteúdo das leis ordinárias”7. Em interessante estudo sobre a matéria, Eduardo Appio debate a natureza jurídica8 do instituto destacando três orientações doutrinárias: uma que a vê como “método de interpretação”, outra que a vê como princípio da Constituição Federal e por fim a que entende ser ela um instrumento de controle de constitucionalidade. O citado autor conclui sua análise da seguinte forma: “Ressalta-se que a interpretação conforme não tem natureza jurídica de ‘método de interpretação, pena de confundi-la com os métodos já existentes na doutrina tradicional, tais como o ampliativo ou redutivo do alcance da norma, não se podendo definir a natureza jurídica de um instituto somente por seus efeitos visíveis. Também, a interpretação conforme não tem natureza jurídica de princípio constitucional, na medida em que se mostra mais como uma projeção do princípio da supremacia vertical da Constituição do que de um princípio autônomo, através de técnica de controle de constitucionalidade”9 Neste Contexto, tem-se ainda as lições de Jorge Miranda, para quem: “A interpretação conforme a Constituição não é uma regra de interpretação, mas um método de fiscalização de constitucionalidade; e justifica-se em nome de um6 Cf. HESSE, Konrad. Elementos de Direito Constitucional da República Federal da Alemanha. Trad. Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Fabris, 1998, p. 71. 7 Idem. 8 O que Appio caracteriza como natureza jurídica a presente investigação preferiu nominar como dimensões posto que, como será demonstrado adiante uma destas dimensões não exclui a outra. Deveras, a interpretação conforme ora aparece como princípio imanente à constituição, ora como mecanismo do controle de constitucionalidade, ora como princípio hermenêutico ora como técnica de decisão (Cf. ANDRADE, André Gustavo Corrêa. Dimensões da Interpretação Conforme a Constituição. In: A Constitucionalização do Direito, a Constituição Como locus da hermenêutica jurídica. André Andrade (org.). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2003.). Porém é possível concluir que tais dimensões não se excluem, mas se sobrepõem. 9 APPIO, Eduardo Fernando. Interpretação conforme a Constituição: Instrumento de tutela jurisdicional dos Direitos Fundamentais. Curtitiba: Juruá, 2002, p. 37. 27 princípio de economia do ordenamento jurídico ou de máximo aproveitamento dos atos jurídicos – e não de uma presunção de constitucionalidade da norma”10. Sem embargo da dificuldade que o debate apresenta, é notável de plano, em face do assentado acima, que não se trata a interpretação conforme a Constituição de um mecanismo de conservação da lei ou instrumento de concretização da presunção de constitucionalidade das leis, decorrente do princípio do favor legis. Bem mais que isso, a interpretação conforme a Constituição se constitui em instrumento de concretização da força normativa da Constituição, coerente com os comandos emanados de um Estado Democrático de Direito. Nessa medida, Castanheira Neves vê a interpretação conforme a Constituição da seguinte forma: “Esse cânone hermenêutico teve sua origem numa intenção de preservação ou “conservação” das normas legais no quadro da constitucionalidade (ou de exclusão de sua inconstitucionalidade), no sentido de que, dentre as possíveis significações jurídicas, devia dar-‐se preferência à significação que fosse conforme ou compatível com a Constituição. Dessa intenção inicial logo que passou, no entanto, a um entendimento do mesmo cânone no sentido de ver nele uma exigência de compreensão e de determinação hermenêutico-‐normativas das normas legais que as integrasse hierárquico-‐sistematicamente no todo normativo do sistema jurídico. Ou seja, com um sentido análogo ao que atrás vimos ser ‘interpretação conforme aos princípios’ – substituindo agora, decerto, os princípios pela normatividade constitucional’. ‘Só que a ‘interpretação conforme a Constituição’ não deveria iludir a inconstitucionalidade das normas legais, imputando a estas uma significância jurídica que as compatibilizasse com a Constituição, mas que o método comum da interpretação jurídica não lhes justificaria. Ou seja, este tipo de interpretação não admitiria uma correção análoga à que antes vimos justificada por referência aos princípios pressupostos (real ou intencionalmente) pela norma legal. Conclusão que não vemos, todavia, como necessária’. ‘Pois se abandonarmos o plano político-constitucional de discriminação legitimidades e de delimitação de competências para nos fixarmos apenas no plano normativo-metodológico, terá de reconhecer-se que entre a interpretação conforme a Constituição comummente admitida, análoga à interpretação conforme aos princípios, e a afirmação de inconstitucionalidade, também análoga à preterição e superação das normas legais por aberta contradição com os princípios relevantes, há lugar para uma interpretação conforme a Constituição que recupere nas normas legais a constitucionalidade falhada (por erro ou alteração circunstancial), mas que ia na sua normativa intenção. A anulação por inconstitucionalidade visa sancionar uma ‘rebeldia’ ou uma objetiva contradição, não tem sentido para uma falha normativa superável por uma correção em tudo análoga à que a teoria da teoria da interpretação jurídica já hoje dominante admite em geral. Nem a particular dignidade da normatividade constitucional sairá deste modo ferida, já que é essa mesma normatividade que através da correção se afirma e sem que a situação 10 MIRANDA, Jorge. Manual de Direito Constitucional. 4 ed. Coimbra: Coimbra editora, 2000, p. 267. 28 normativa que a justifica tenha a intencional ou objetiva gravidade que a sanção da inconstitucionalidade se propõe previnir” (grifamos)11. De toda sorte, no Brasil, a doutrina majoritária trabalha no sentido oposto. Gilmar Mendes, analisando a corte constitucional alemã, assevera que um importante argumento que confere validade à interpretação conforme a Constituição é o princípio da unidade da ordem jurídica. Desta forma, a interpretação conforme constitui uma subdivisão da chamada interpretação sistemática, uma vez que as normas secundárias devem obrigatoriamente ser interpretadas em consonância com a Constituição12. O referido autor relata ainda que a presunção de constitucionalidade da lei ou o chamado pensamento favor legis constitui argumento adicional. Por fim, conclui: “em favor da constitucionalidade da lei milita não só uma presunção, senão que essa presunção exige, na dúvida, uma interpretação conforme a Constituição”, colocando a interpretação conforme como princípio de conservação da norma. Mendes ainda assevera que a interpretação conforme pode ser vista, sob uma ótica jurídico-funcional, como um princípio de autolimitação judiciária (expressão da doutrina americana do judicial self-restraint), própria do paradigma do Estado liberal-absentísta e que, como foi dito, se aproxima da construção kelseniana da jurisdição constitucional como um legislador negativo. Ressalta o referido autor que: “O princípio da interpretação conforme a Constituição não contém, portanto, uma delegação ao Tribunal para que proceda à melhoria ou ao aperfeiçoamento da lei. Qualquer alteração do conteúdo da lei mediante pretensa interpretação conforme a Constituição significa uma intervenção mais drástica na esfera de competência do legislador do que a pronúncia de nulidade, uma vez que esta assegura ao ente legiferante a possibilidade de imprimir uma nova conformação à matéria”13. 11 CASTANHEIRA NEVES, Antônio. Metodologia Jurídica. Problemas Fundamentais. Coimbra: Coimbra Editora, 1993, pp. 195-196. 12 Cf. MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional. SãoPaulo: Saraiva, 1996, p. 223. 13 MENDES, Gilmar. op. cit., p. 224. 29 Em sentido próximo ao imprimido por Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso14 também atribui à interpretação conforme apenas uma dimensão de auto-restrição judicial: “De fato embora (a interpretação conforme) nasça e flua, inicialmente, ao lado do princípio da presunção de constitucionalidade dos atos do Poder Público, um e outro atuam como mecanismos de autolimitação do Poder Judiciário (judicial self- restraint) no processo de revisão dos atos dos outros Poderes. Deveras, foi ao Poder Legislativo, que tem o batismo da representação popular, e não ao Judiciário, que a Constituição conferiu a função de criar o direito positivo e reger as relações sociais. Só por exceção – em resguardo de inequívoca vontade constitucional – é que deverão os juízes e tribunais superpor sua interpretação às decisões e avaliações do legislador”15 Tratando também do âmbito de aplicação da interpretação conforme Cláudio Ari Mello busca distingui-la da técnica de presunção de constitucionalidade das leis. Aduz que “se a presunção de constitucionalidade das leis é, inegavelmente, um método de auto-restrição judicial, a técnica da interpretação conforme pode operar, ao mesmo tempo, como técnica de deferência ao legislador e como instrumento de ativismo judicial”16. Apesar de identificar dois âmbitos de incidência da interpretação conforme, o entendimento do autor supracitado não destoa daquele imprimido por Gilmar Mendes e por Luís Roberto Barroso. De toda sorte, a pesquisa trilha a segunda dimensão verificada por Mello e que é aceita, diga-se de passagem, amplamente pela doutrina estrangeira. Com efeito, vale recordar que, as Constituições européias do pós-guerra – fontes inspiradoras do constituinte de 1988 – se embebedaram na doutrina neoconstitucionalista que, inserida na “revolução copernicana” do Direito Público, atribui à Constituição força normativa e vinculante às situações concretas da vida, independente da interposito legislatoris positivista. Isto porque a legalidade deixa de ser a estrutura legitimadora do Estado, passando a constitucionalidade a figurar com tal desiderato. 14 Interessante anotar que, em obra mais recente, o citado autor parece rever a conceituação que apresentava anteriormente assumindo que a interpretação conforme a Constituição é um espécie de decisão interpretativa (junto com a declaração de nulidade parcial sem redução de texto) que comporta uma aplicação corretiva. Cf. BARROSO, Luís Roberto. O Controle de Constitucionalidade no Direito Brasileiro. op. cit., p. 159. 15 BARROSO, Luís Roberto. Interpretação e Aplicação da Constituição. São Paulo: Saraiva, 1996, p. 178. 16 MELLO, Cláudio Ari. op. cit., pp. 222-223. 30 Desta forma, quando o Tribunal, na medida do que até aqui foi desenvolvido, procede à “correção” ou “adequação” do texto da lei à Constituição ele não o faz ao seu bel talante. Há um parâmetro a ser seguido representado pelo próprio texto da Constituição. Desta forma, quando o juiz constitucional “corrige” a lei em face de uma aplicação in concreto do princípio da interpretação conforme a Constituição, nada mais faz do que tornar efetivo o dispositivo constitucional eivado pelo texto da lei. Nessa medida, o que é tido como uma “intervenção drástica” do juiz constitucional na esfera de competência do legislador entende- se, para efeitos desta pesquisa, como aplicação direta da Constituição, expressão maior de sua força normativa, principalmente quando se tem em vista que texto da lei e norma são ontologicamente diferentes. A questão é simples de ser demonstrada. Se a Constituição é o topos hermenêutico que legitima os atos de Poder do Estado (sejam eles legislativos, executivos ou jurisdicionais) e se esta Constituição tem força normativa e está apta a ser aplicada diretamente nas situações da vida, havendo incompatibilidade de um destes atos com a Constituição é o Judiciário, como guarnecedor da Constituição, instância legítima para revê- los e adequá-los à principiologia da Constituição, através dos mecanismos hermenêuticos da interpretação conforme a Constituição e da nulidade parcial sem redução de texto. Do contrário, estaríamos ancorados à clássica concepção positivista da onipotência da vontade da maioria e da discricionaridade irrestrita do legislador. Em sentido próximo temos as lições de Celso Ribeiro Bastos que, explorando a dimensão hermenêutica da interpretação conforme, afirma: “a interpretação conforme a Constituição não significa extrair-se um sentido da lei, mas, mais do que isso, determina ele proceder-se a uma redução ou mesmo uma ampliação da eficácia da norma legal, segundo os termos constitucionais”17. 17 BASTOS, Celso Ribeiro. Hermenêutica e Interpretação Constitucional. 2 ed. São Paulo: IBDC, 1999, p. 171. 31 Mais adiante, Bastos explica sua afirmação em termos que corroboram a posição assumida na pesquisa: “Coloca-se a lei no contexto da Constituição e é como se esta lhe atribuísse diretamente seu significado”18. Não se discute que esta concepção implica em certo ativismo judicial, no sentido de judicialização da política. Contudo, conforme tratado no capítulo antecedente, esta interpenetração entre política e direito (tensionamento entre jurisdição e legislação) é intrínseca à realidade constitucional contemporânea, e o melhor caminho a ser seguido é uma ponderação entre ambas as dimensões discursivas. Deste modo, é certo que um ativismo judicial desmedido leva a um governo dos juízes e corre o risco de se estabelecer um poder constituinte permanente – como observa Marcelo Cattoni19; de outro lado, porém, uma atividade política sem freios pode levar aos desvios de poder bem conhecidos dos brasileiros como o abuso de medidas provisórias por parte do Executivo, a insurgência legislativa contra as cláusulas pétreas, como no caso da reativização de direitos adquiridos, institucionalização de efeito vinculante nas súmulas do STF e das tentativas de flexibilização dos direitos sociais, etc.20. Por isso, deve-se ressaltar desde já que o fato de atribuir um caráter produtivo à interpretação conforme a Constituição, não implica em dizer que o intérprete está autorizado a dizer qualquer coisa sobre qualquer coisa. O texto constitucional é o parâmetro, e é por ele e a partir dele que o hermeneuta deve(rá) atribuir sentido à norma. Ademais, conforme será tratado em seguida, não é a lei que é modificada pelo juiz constitucional. É preciso ressaltar que na aplicação da interpretação conforme ou da nulidade (inconstitucionalidade) parcial sem redução de texto o texto da lei permanece íntegro. A 18 Idem, p. 173. 19 OLIVEIRA, Marcelo Andrade Cattoni de. Jurisdição Constitucional: Poder Constituinte permanente? In: Jurisdição Constitucional e Hermenêutica. José Adercio Leite Sampaio e Álvaro Ricardo de Souza Cruz (orgs),
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