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Otto Maria Carpeaux - Poesia e Ideologia

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6CU1{l-l~ I j)Jiõ l!Il OI/IA-Ou
POESIA E IDEOLOGIA
DEVO ao meuamigoJosé de Queiroz Limaa su-
gestãodeaplicarà relaçãoentrepoesiae ideolo-
gia o resÜltadoda leiturado livroPracticalCriticism,
daautoriadoeminentecríticoinglêsI. A. Richards.Era
uma leituradificílima:umestudomuito técnicoba.. ,
seadoem documer:taçãoimensa,e que ficou - o pró-
prio livro - no estado de documentação.Contudo,
valia a pena: é talvez o primeirolivro rigorosamente
científico sôbre poesia.Vale a pena abrir as brenhas
compactas dessas investigaçõespsicológico-pedagógi-
co-estéticas,reünindo-asa outros resultados,alheiose
próprios,extraindo-Ihesuma doutrina.Vamos ver, en-
tão, que a poesiamaisvelhae a poesiamais moderna,
igualmente,não se compreendemsem o conhecimento
dos ligações íntimas entre poesia e ideologia.Vamos
ver, então, que o estudode I. A. Richardsé um dos
livros mais espantososque existem:um livro que obre
novoshorizonlesao mundoeleluz da poesia,que abre
novoshorizontesao mundonoturnodohumanidade.
Conhecem,decerto,a frasedos irmãos Goncourt
_ "Cequientendleplusdebêtisesdonslemondeest
peut-êtreuntableaudemusée."Richardsnãoé desta
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ORIGENS E FINS 25
opiniéJo;acha que um poemaestá ainda em melhores
condiçõesde avaliara imbecilidadehumana,.profunda
como o mar.tle .é professordo famosoMagdolene
College,da Universidadeinglesade Cambridge,e as
experiênciasquesofreucoma leiturae interpretação
depoemas inglesespelosestudanteseramhorrfveis.
Nãoresolvidoa resignar-se,comomuitosoutrospr~
.fessoresque começamentusiastase acabamcharla-
tães,estudouos obstáculosqueseopõemà compreen-
sãoda.poesia,parapodercombatê-Ios,e chegoua um
sistemarigorosamenteestabelecidode dezIIdificulda-',
des principais":1) Incapacidadede compreendero
sentido;a maioria dos homenslê poemas só "como
sentimento",e' mostra-seincapaz de "construiras
frases",de traduziras frasesdumpoemaemfrases
razoóveisdeprosa.- 2) Faltade"compreensãosen-.
. timental",acolhimentodo'poema'comoseprocurassem
umanotícia,umfato.- 3) Incapacidadede"compreen-
dermetáforas,de traduzir a linguagemfigurativa.-
4) Faltas mnemônicas:intromissãode lembrançase
associações pessoaisdo leitor,quesesubstituemilegI-
timamenteaotrabalhodopoeta.- 5}"Stockrespon-
ses",certasidéias,porassimdizer arquivadasno espf-
ritodoleitor,frutosdoeducação,de leiturasanterio-
res,do"espíritodominante"domeionadaral e social;
o leitorrespondeao poemapor"stockrE'sponses",en
vez de responderporcompreensãoespontânea.- 6) e
7) Sentimentalismoe o seu contrário,a "inibição", fa-
cilidadeexcessivade reaçãosentimentalouendureci-
mentogrosseirodo coração.- 8) Preconceitosdou-
trinários,quese opõemà "mensagem",real ou pres-
~ OTTO MARIA CARPEAUX
supusta, que o poemaexprime.- 9) Preconceitostéc,
nicos,que julgama formasemconsideraçãoda relação
indissolúvelentre forma e sentido;nessespreconceitos
encontram-se os "acadêmicos", idólatras da forma
metrificada,com os "modernos",fanáticos intolerantes
das formas livres. - 10) Preconceitoscríticos: sedi-
mentosde teoriascríticas que prescrevemà poesiaum
papeldeterminadoe condenamum poemaem que está
desempenhadooutro papelda poesia.Esta "décimadi-
ficuldade"é talvez a màisprofundade tôdas,recof!du-
zindo à primeira, a "incapacidadede construir". "EI
Cosmos"- diz uma pessoano romanceBelarminoy
Apolonio,de RamónPérezde Ayala - "el Cosmosestá
en el diccionariode Ia lenguacaste/lana.".Na verdade,
é assim; é apenasprecisopôr em ordemas palavras,
e esta é a tarefa do poeta; mas o mundoquer pres-
crever-lheas suas leis de desordemprosaica,'e se o
poeta não obedece,o mundo respondepela incapaci-
dade de construir o poema,de ler no dicionário,de
compreendero Universo.Em suma, os homensnão
sobemler.
Os homensnão sabemler. Aplicam a um poema
o mesmoprocessoerrado que aplicam a anúnciosde
jornal ou a notícias de propagandapolítica: conten-
tam-se com o sentido superficial das palavras, sem
explorara intençãodaqueleque fala. Confundemduas
coisas que estão juntas em cada palavra falada ou
escrita: a expressãoe a intenção.Consideramapenas
o que o outro Ihes diz, sem considerarcomo o diz e
porqueo diz. Confundemo "statementll,a afirmação,
€iéi "éxpression".Confundemna noçãovaga "sentido"
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ORIGENS E FINS 27
.~:
quatrocoisasmuitodiferentes:o sentidopropriamente
dito,a afirmação;o acentosentimentaldaafirmação,
sempremaisoumenosacompanhadadeemoções;o
tom,quedependeda atitudedoquefalaemrelâção
aoouvinte;e a intenção,concienteouinconciente,com
a qualo escritorquerinfluenciaro espíritodo leitor.
Numpoemaouemqualquerescritoestãosemprejun-
tasessasquatrosignificaçõesdosentido,emdosagem
diferente.A maneiradelerdeveriadependerdessado-
sagem.Masdependemdasqualidadesintelectuaise
emotivasdo leitoras suaspreferênciasdecomp~een-
são(e má-compreensão),dirigidasao sentidológico,
ao "sentimentalismo",ao tom ou às' intençõesdo
poema,e dessaspreferênciasprovêmas"dezdificulda-
.des"queseapresentamna leituradepoesia.Os ho-
mensnãosabemler.
Seistoestácerto,nãosefimitaráà poesiainglesa
nemà poesiaemgeral;seráumaincapacidadecomum
e universal,deorigemmista- intelectuale emotiva
- e deconseqüênciasdealcanceenorme.Masjusta-
menteestaenormidadeé queconduzàsgeneralizações
precipitadasda "psicologiadasmassas",dumLe Bon
porexemplo,aopessimi~momisantropoquenãoadmite
o possibilidadedeaperfeiçoamentomorale,intelectual
doshomens,chegandoassimà "bourreaucra~:ie"deDe
Maistree à "sagradadictaduradeIsabre1'deDonosb
Cortés.Uminglês,porém,nãoserácapazdetaisespe-
culações.O gênioinglêsinclina-semaisà ciênciaex-
perimental;e I. A. Richardsfêzumexperimentocien-
tíficoà maneiradosnaturalistas,impondoassimà crí-
ticaliteráriaumrigoranteriormentedesconhecido.
28 OTTO MARIA CARPEAUX
A vítimado seuexperimentoera um públicoes-
colhido:60 pessoasde ambosos sexose de tõdasas
idades,tõdaselasde certonívelmínimode educação
ecultura,estudantesdosmaismaduros,médicos,advo-
gadose juízes;muitosprofessoresde línguae literatura
inglesas;e, porcúmulo,algunsescritorese críticoslite-
rários,,A todosaquêlesRichardspropôs13poemasin-
gleses,mandando-Ihesexprimirporescrito,e tom tôda
a franqueza,a suaopinião.Para garantiresta fran-
queza,Richardsescolheu,quandose tratavade poetas
muito lidos,poemaspoucoconhecidos,e ocultouos
nomesde todosos 13 autores":entreêles, grandes
poetasdo passado,comoDonne,grandespoetasmo-
dernos;como,G. M. Hopkinse Hardy,falsascelebrida-
descomoBailey,umaslamentabilidadesda"engraçada"
"magazinpoetry".,Mas'parao auditórioeram13poe-
masanônimos,destinadosa fazerfalharosestudantes,
médicos,juízese professoresde línguae literaturain-
glesas.Falharam,e falharamjuntocomêlesos escri-
torese oscríticosIiter6rios.
A grandemaioriadêlesnãoera capazde "cons-
truir as frases",de reconhecero sentidológiconum
poetatão rigorosamentelógicocomoDonne,inacessí-
vela umaleitura"como sentimentosó". Ao contrário,
emfacedepoetasdesensibilidadeíntima,comoChris-tina Rossetti,ou Edna St. Vincent Millay, aquela
maioria insistiu num "dictionaryunderstandingof
feeling"(compreensãodo sentimentopor meiodo di.
cionório),criticoucomprosaísmomesquinhocadapa-
lavra,chegandoà mesmaconclusão:incompreensível.
A língua metafórica,tão própriaà poesiae a cada
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ORIGENS E FINS 29
, esfôrçosériode expressãoverbal,caUSOL(as maiores
dificuldades:quasi todos teriampreferido,e em todos
os poemas,uma "expressãomaisdireta", isto é, menos
poética;salvou-se,apenas,a retóricavazia de Alfred
Noyes,em que a torrentede eloqüênciaescondea in-
coerênciadas imagens,masaindaaqui a palavra"rei",
aplicadaa um poeta,foi mal etendidacomoexpressão
de fé monárquica! As "faltas mnemõnicas"agiam
quasi sempreem favor dos poetas inferiores (Bailey,
Pellew),cujos lugares-comunsagradaram,enquantoas
expressõesml!ito pessoaisdum G. M. Hopkins, que
não fazem ressoarassociaçõespessoaisdos leitores,fi-
caram "incompreensíveis"."Stock responses",origina-
dos por comparações inadequadascom conhecidas
peçasde antologiasescolares,revelaram-secomo an-
.talhosprópriosaos literàriamentecultos. O, sentimen-
talismo,doençaendêmicadosquegostamde ler versos,
fê-Ios estimaros "versosde magazine"de Pellewe re-
jeitar a casta discriçãode Hardy,enquantooutros,os
doentes de "inibição sentimental",julgaram suspeito
de "falso sentimentalismo"a emoçãoviolentade D. H.'
Lawrence;mas ninguémgosta de inculpar-sede sen.
timentalismo,e por isso um poemado inocenteLong-
fellow,poetapreferidode todosos anglo-sa?<õesmédios,
tornou-se,pelo anonimato,objetode rejeiçjo unânide.
Já disseque não compreenderamo "rei'"no poemade
Noyes, pobre rei espiritual que excitou protestosde
republicanismoimpenitente;mas a maior vítima dos
preconceitosdoutrináriosfoi o maior poeta barroco,
John Donne,cuja sublimeteologiapoéticofoi desapro-
vada pelos "cépticos",sem ser reconhecidapelos pró-
ao OTTO MARIA CARPEA UX
prios cristãos.Não vale a pena expor minuciosamente
os censurasaos ritmosirregularesde Christina Rossetti
e os louvoresàs rimas banalíssimasdum certo Rev.
StuddertKennedy,censurase louvoresda parte de ho-
mensincapazesde reconhecera formade sonetoquan-
do o pérfido Richards apresent.ouum 'transcrito em
disposiçãotipográficaforadocostume.Eêssesmesmos
leitoresousaramcondenarum poemade Hardy ("nã~
excita entusiq:;mo")e outro de Donne ("é frio e bru-
ta/"), em nomedum ideal convencionalde poesia.
E' preciso lembrar que Os protocolos do experi-
mentoforam assinadospor pessoasde ambosos sexos
e de tôdasas idades,tôdasde considerávele algumos
de grande cultura literária.
O livro de Richardsé destinadoa explicarpor mé-
todospsicolágicosêssemalôgro,e a tirar dêle conclu-
sõespedagógicas.E separam-seaquí os nossoscami-
nhos.O crítico inglês tem razão em acusara superfi-
cialidade do nosso método de ler, recomendando
leituras repetidas,com espíritohumilde;mas prefiro o
conselhode outro crítico inglês,Theobald Ritchie, de
escolher-seum poetade predileçãoe vivercom êle até
chegar a urnacompletaidentificaçãocmocional,o que
significaria a abertura do espíríto para tôda poesia.
Richards tem igualmenterazão ao denunciaros mes-
mosprocessosde leviandadee rotina na crítica literá-,
rio, elo tambémincapaz,em goral,de "Ier no dicionó-
rio do COSI110S",e de "construir as frases".Mas o mau
êxitodessacrítica em face de todosos grandespoetas
sugeriu-meoutrasconclusôes,de alcance maior,abrin-
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do novos horizontes sôbreo noturnomundoextrapoé-
, fico da humanidade.
Tôda poesiaé difícil. Tem semprealgo de aca-
gêmico-aristocráticopara uma elite, ou algo de voz
damantede profeta no deserto,ou algo de hermético,
entreatitudee intenção.Tôdasas atitudespoéticas_
popularpelospoetascultosé umartifício. Sãoatitudes;
e o prfmeiromal-entendidoda poesiaé a confusão
entre atitude e intenção.'Tôdas as atitudespoéticas,
a parnasiana,a romântica,a suprarrealista_ nãopas-
sam de - atitudes.A verdadeiraintençãode tôda
verdadeirapoesiaé a expressãodumaverdadepessoal,
humana;,e contra tôdas as atitudes artificiais surge,
como instância suprema,a figura do,maiscompleto,
porque mais humano, dos poetas: François Vil/on. A
poesiade Villo~ os poemasmais bemconstruídosem
língua francesa,é realmenteuma lição sôbrea essên-
cia dapoesia:o poetacom a vida mais desordenada
chegaa ser o construtorde supremasordensverbais;
superiorà atitudeé a intenção,e a intençãoda poesia
é: imporuma ordemao caos das palavrasdesordena-
das. A idéiamaterialistade ThomasHenryHuxley_
que uma multidão de macacos,dactilografando du-
rante séculospalavrase frases insensatas,chegariam,
com o tempoe por mero acaso,'a compor todosos
livros do British Museum- opomos a dou1rina idea.
lista: que é o "nisus formativus",a "fôrça'intelectual"
da poesiaque impõea ordeme transformaa língua
em dicionário do Universo; a métrica regular é apef'OS
um caso particular dessa ordem,um~ possibilidade
entreoutras,se bem que de superiorsignificaçãohis-
I,:
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"
.)""
v~~u MARIA CARPEAUX
tóri,_a" Com ela começoo artifício; defendendo-se,a
poesia 'torna-se tanto mais artificial quanto mais o
Illundo e '0 vida se artificializam,O resultadoexterior
dêssesartifícios são as atitudesmencionadasque en-
cobrema verdadeiraintençãopoética:até uma atitude
que faz desaparecercompletamentea intenção,produ-
zindo uma poesia intencionalmente/lincompreensível",
Conhecemos,na história da poesia,dois exemplos
de tal poesia/lincompreensível",e não é por acasoque
ambos pertencema épocasda máxima florescência
poética: a poesiado barrocoe a poesiado séculoXX
Assim, não foi por acasoqueo séculode T. S. Eliot
redescobriua poesia barrôca dos metophysicolpoets,
Donne, Crashaw, Traherne; que o século de Gorda
Lorca redescobriua poesiabarrôcade Góngora;que o
século de Claudel redescobriu,pelo menos,a poesia
pré-barrôcade MauriceSceve.O artificialismodaspoe-
sias do séculoXVII e do séculoXX não consistesenão
numa exigência mais imperiosa de distinguir entre
/lstatement"e /lexpression",entre sentidoe sentimento,
entre atitude e intenção.O que mudou,tornando-se
mais artificial, não foi pràpriamentea poesia,mas o
mundo:o intençãopoéticapermaneceinvariável,mas
a transformaçãodo mundo impõe ao poeta outra
atitude.
A atitude é o problemamenosestudado,e talvez
o mais inlcrcssontc no hiSIÓriado pocsio. Tôdas os
existenteshistórias do poesia moderna,sobretudoda
francesa,descrevema evoluçãopartindodo romantis-
mo, otravés do parnasianismoe do simbolismo,até o
:;\I['rarrealismo,C0l110evolução autônoma. Valeria a
ORIGENS E FINS 33
t:); .
:.~.. penaestudá-Iacomomovimentoimpostode fora. Hugo
7:.~:, é um poetapúblico,representandoa "voz do povo",o,'.r< .
'/:.'C. funçãopública da poesia. Já em Baudelairea atitude"
'/'.:~::. romântica significa oposição e isolamento. Parnassee
1
_~~}; .' simbolismoaceitom essaposição,e tôdaa evoluçáoul-
)i:..~.<' teriortempor fim recuperara perdidafunçãopública
;~~;;>~:-"do poesia. A poesiainglesa,por caminhosmuitodife-
l~ft~/?>rentes,chegouao mesmofim: ao neo-classicismoanti-
.t~\~'~~:.' barrocoseguiuo roma~tismo,e a poesiaprivadadase-I~'"..., nd d d
'
I XX I d d
P ~I(:,' gu o meta e o secuo evove o mesmomo o
Inr~: paroa poesiapública,da qual já possuímosas primei-
n.:lj:!.0 'ros tentativas. .~1.~~}!-#'"
l;!}.~{L. ~ . Não chegou ainda ao fim essa evolução. E en-
.n,1:~;:'.';..quantonão chega, a poesiacontemporânea(eos seus
.1'-~:~~~;:::.::IX!rentesde séculosprecede~tes)é int:rpretada pelos
.:t
.
..
.
.l~í
.
!(!.Y
.
;;r::;.leitorescomoa poesiado seculoXIX, a ~ual,estam?s.
j.'~~~?"',acostumadosem forma de "stock responses', ' A poesIa'.;"ifl~~':'~:modernaé incompreensível"significa,nabôcadoslei-
. ..at.,;: teres:"náo é comoa poesiaromântica,não tem,para
lil~~:~ nósoutros,funçãopública".A oposiçãoque a poesia
~*~rmoder~aen,co~tr~nãoé a.conseqü~nciade in~a~a~i-I~j'!1"dodesIndelevels,Intelectuaise emotlvas,mas slgnrflca
l.t~~:; uma resistênciaideológica,existenciale por isso irre-
i.if.;~::, sistível,às intençõesideológicasda novapo~sia,à ten-
~.~f~;"tativa poétlcade imporuma ordem humOlIa ao caes
f~~': das coisas modernamentedesordenadas.
i .*1:;}'h Falou-seem "ideologia",E acreditoquecom isto.,:.".
r';'., se revelao aspectomaisgravedo experimentode I. A.
r~/'. Richards,A poesiaé difícil: querdizer,ela sofreinter-
1 f pretaçõesinadequadas,semque possuamosmeiosdeci-1'~.:
,'.!;.'.0
""! v~~u MARIA CARPEAUX
sivos para convenceros enganados.Mas nãoé só a
poesiaqueeSlúnestecaso.
Há certasregiõesde atividadeespiritualonde
chegamosa resultadosinequivocamentefixáveis,cha-
mados"leis":a matemática,as ciênciasmatemático-
-físicas,e, emgraumenor,tôdasasciênciasnaturais.
Háoutrasregiõesdeatividadeespiritualemquea va-
lidadedosresultadosestáasseguradapormeiode leis
deconvenção,quesebaseiamna aceitaçãogeraldos
"fatosconsumados":direito,organizaçãoeconômicae
privadadavida.Masháoutrasregiõs,ainda,ondenão
existemleis,ondeimperamabstrações,carregadasde
valoresemol"ivos,disfarçadosemdoutrinasintelectuai~:
éticae moralpúblicae privada,metafísica,religião,:';
estética,tudoissoquegiraemtôrnodasnoçõesliber-
dade,Nação,Justiça,Amor,Beleza,Sabere Fé.Os
valoresemotivosqueacompanham'essasabstrações
aparentementeintelectuaissurgemdasprofundidades
da nossaexistênciahumana"dasexperiênciaseternas
de nascimentoe morte,do isolamentodo homemno
Universo,donossodesamparoe dasnossasesperanças.
Sãoexperiênciasvitais,existencias,quesealiama ou-
trasnecessidadesexistenciÇlis,maismateriais,da vida
do homementreos homensna sociedade.Tudoisto
constitueumconjuntode valoresemotivosque,por
fôrçadeabstrações,nosaparecememformadeopi-
niõesintelectualmentetransmissíveis:e a istochama-
mos ideologias.Sãoas ideologiasestéticasquese
opõemà compreensãodapoesia.Sãoas ideologiasde
tôdaordemqueseopõemà compreens60domundo
:Jorfôrçadasideologias,estomosimpedidosde"cons-
'.
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;':;::;.~'~ . ORIGENS E FINS 35
~~\>';"
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. :,-. truirfrases",de ler poesia.Porfôrçadasideologias,.~)n\It..
',i~~~é;<:,;stamos.impedidos,~eler.nodic.ionári~do Co~mos,de
'It~~%~'j';'"constrUiro mund~. As Ideolo~la"s~poem-se,a ord;m.
;~;;E um casoespecialdessa reslstenClaideologicae a
~'Lnossaatitudecaóticaperantea supremaordemdas
/:r.{~~:polavras,Q poesia.
~;~i~;~:>,A resistênciaà poesianãoé, pois,deordemin-
.l~~t:fec!uQI,-:- faltadecapacidádementaloude.educa-
""çoohterarla- nempuramentedeordememocJonal'~
falta de disciplinasentimental.Por issonão tenho
: . ita fé emprovidênciaspedagógicas.Repugna-me
~pr6 a confiançaingênuadosanglo-saxõesnaoni-
M~~nciadaeducação;o leitormaisbemeducadoper-
':~.t~se-ia.nasvertigensda poesiade Hoelderlin,e os
:~Ihos maisrazoáveisafastá-Io-iamdapoesiamusi-
,;'r,i~:Ma"armé, dapoesiaherméticade Góngora.
,;ii}!I"Gostoria'tambémde oporao sábioprofessorRichards" a
,.XÇertafrasesaborosado'grandecépticoHenry:Adams:
.;~Um-mestre-escolaé umempregadoencarregadode
,)~ti;~tar~enti~asàs criançase dev~la!asverdadesaos
-i(;ir--odultos.Ha, porém,em contradlçaoa estai outra
!f~:~iJrosedomesmoHenryAdams:,"E'tarefadaverdadeira
~W'~,~:,educaçãoresolvero problemaseguinte:guardara or-
."'í;:r',:;demnocaos,a direçãonoespaço,a disciplinana liber-
~~tl?dode,'a unidadena variedade;tarefaetenIa, sentid~
,:iM~;:::tombémde tôdareligião,filosofia,arte,pclfticae eco',
:i8~H'.nomia."Aos prisioneirosdo falsoconceito'parnasiano
~~f::.:"dapoesiarepugnariaa inclusãodaspalavras"política"
1;:1.,:,e,sobretudo"economia"nestadeclaraçãosolene;mas
fl~:~::"!usta~~ntenissore~i~e.a_conciênciaclara ?a origem
f~;?: ldeologlcadanossaInlblçaoemfacedapoesia.
t~ç':'"
n4;:-.' ,
.,$rT' \
_ ,. V .10..
t\Javerdade,a Jlinibiçãodossentimentos"é muito
menosumdefeitopessoaldoquea conseqüênciade
convençõessociais:aindanoséculoXVIII, a gentecho-
ravamuito,náoseenvergonhava,emnenhumaocasião,
das lágrimascopiosas;enquantohoje a convençáo
socialproíbeseveramenteo chorar,sobretudoo chorar
doshomense empúblico,Essainibiçãoporconvenção
socialé muitoresponsávelpelaperdadafunçãopública
dapoesia:a forteemoçãoquea poesiasugereficare-
servadaao privado,tornando-seporissoobjetoda in-
disciplinadasuperirritabilidadedosentimentoà qual
chamamossentimentalismo.Mas nãofoitam outras
formosdesentimentalismo,permitidase atémuitoem
voganopúblico.E' aquêleoutrosentimentalismoque
aplicaa objetospresentesas lembrançasnebulosasdo
passado,transfigurandoe embelezando,porexemplo,
"osdiasfelizesda'mocidade"- "cualquieratiempo
passadofué mejor".O sentimentalismopassadistaé,
porém,umcasoparticulardasreaçõesinadequadasao
objeto,comoreagimoscomemoçõesinadequadasàs
imagensdQsonho.Umapartedêssessentimentalismos
nosé impostapelaautoridadedasconvençõessociaise
pelaprópriaeducação:sãooschamados"stockrespon-
ses".t\lãoé justocondená-Iosindiscrimínadamente.Os
"stockresponses",emnós,constituem-sede resíduos
do fundopoéticoda humanidade,e seêlesfaltassem
completamente,nenhumapoesia,velhaoumoderna,en-
contrariaecoemnosSoespírito.Masos"stockrespon-
ses"sãocomunsa todos,e a largadivulgaçãodepen-
samentos,sentimentose idéiastrazsempreconsigouma
c,lnnrlnrdização,umapetrificação,Emcadaindivíduo,
cÁ>\.'. . o R I G E N S E F I N S 37
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.:Y,',.Y~".
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.f' d . dJ;':~~,"~'," esses s oc responsespen Ica os 111uzema espe-
'i~t~}':.'eu/açõesabstratassema basedeexperiênciaspessoais,
:~;~;~~t::.:<.tornam-sefontesde preconceitossentimentais;empú-
.
.
á~7.1~';/;:,:,~blico,o~"stockresponses"perdemo aspecto,transfor-
:I:~'i~:~::,;.,,',rnam-seaparentementeemdoutrinas,asideologias..I;.-~I.
,:'j~'~j,>, Daícolocarem-setãoarrogantemente,entrenós
Jdi;:{C,:':"ea poesia,preconceitosdeordemdoutrinária.Masnem
.t1\l:::' semprese trata da"ri~~~ularepulsadum r~publ~ca':a
i
~.~~;:'t,.,emfacedapalavrarei, nemdaestranhaIgnoranCla
. :: J'r~:::?r':,:,:de inglesescultosem faceda poesiateolÓgicade
. :>,I15;,<Ooone.Estouconvencido,disto:se Dont~nãofôsseu.m
',tli> -:~e consagrado,~.sefosserealmentelido(oqu~~ao
~ttL e), todosos acatol,lcose gra.ndep~rtedos,c~tollcos
.,...'ter.':.modernoso recusanam.ConclentediSSO,Papllllousou
::.~I~~.tF.~dizerquesó ~m,catól.ic~f~ore,ntino~po~ecompreender
.:lf~t..;....Dente.Comtodaa eVidencia,IstOnaoeverdade.Mas
i' .~t~T..;:,... h6nistoum dosmaisgravesproblemasda estéticae..::lrJ>, do ,. bl d . 'd d. ':Z'j~:ii'. cnt/ca:o pra ema a slncena e.
1- ,~{:.,',. Dopontodevistado leitor,pareceimpossívelgos-
';t~yr< tormossinceramentedumpoemacujasintençõesnãq
.~'~.~;;'correspondemà direçãodo nossopróprioespírito,Pa-
~~I\:!:. rece,masnãoé assim.,Gostamosde Stendhale de
r~;{" Dostoievski,deDantee deMilton,deGoethee deLeo.
li;\r pardi,indis~riminadamente,aproveita.ndo-nos.da~uil~
!'M;j;(i:'. a queCo!endgechamou"thesuspenslonof dlsbellef',
r"'J~,\;,dasuspensãoda nossaprópriacrençadiar.te daobra
j;.(~~: dopoeta,a cujacrençanosconfiamossinceramente,, . .
L:JW~' confiando na ~ince~idadedo poet~, Isto quer dize~: o
;i:<. problemadaSlncendade,quesurgiradoladodoleitor,
1:::'.: apareceagorado ladodo poeta.Comefeito,a since-~ ,..,
t ~::': ridadeé a últimafé dosqueperderamqualqueroutra
.,
.~tit:...
fé. E' o últimocritério.Mas, pordesgrr:ç:ado crítico
literário,a sinceridadeé indefinível.
Pelaúltimavez,volto00 livrode Richards.t\ sua
definiçãodasinceridade,muitodiscutida,parece-medegrandevalor: "a lendencytowardsincreasedarder".
"Umatendênciaparaordemcrescente".A sinceridade
da poesiaé a garantiada concordânciaentrea ordem
interior,pessoal,e a ordemdomundo.Mas queordem?
O mundoé caótico,e o mundointerioro é também.
Ao caosopomoso Cosmos,/feldiccionariode Ia lengua
castellano".No dicionáriocósmicoestãobemordena~
dosêsseselementosda condiçãohumano,queconsti~
tuem,igualmente,as fontesinesgotáveisdas ideologias
e os temaseternosdo poesia:'!-oisolamentodo homem
no universo,a pavorosaincompreensibilidadede nasci~
mentoe morte,a imensidadedo espaçoe o lugardo
homemnotempo,e o nossainfinitaignorânciahumana
quenos impõea humildade".A muitosa citaçãopa~
receráumpoucoestranha;e, noentanto,é bemvelha.
Richardslomou-aao ChungYung, o velholivroclás.
sicodoschineses,em quea poesiaé opostaà ordem
perecíveldascoisashumanas(diríamos:às ideologias)
e identificadacomo "Caminho",o caminhoparaa di-
vindode.E o sábiochinêsconclue:"O céuconferiu-nos
a nnIurezahumana:o acôrdocomela é o Caminho."
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