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Daniele Longo MALÁRIA → Agente etiológico: Os parasitos causadores de malária pertencem ao filo Apicomplexa, família Plasmodiidae e ao gênero Plasmodium. Destas, apenas quatro espécies parasitam o homem: Plasmodium falciparum, P vivax, P malariae e P ovale. Este último ocorre apenas em regiões restritas do continente africano. → Ciclo biológico: Hospedeiros vertebrados – humanos. A infecção malárica inicia-se quando esporozoítos infectantes são inoculados nos humanos pelo inseto vetor. Durante um repasto sanguíneo infectante, aproximadamente 15 a 200 esporozoítos são inoculados sob a pele do hospedeiro, permanecendo ali por cerca de 15 minutos antes de alcançarem a corrente sanguínea. Os esporozoítos são móveis, apesar de não apresentarem cílios ou flagelos. Essa motilidade está intimamente associada a reorientação de proteínas na superfície do parasito, como é o caso das proteínas circum-esporozoíto (CS) e da proteína adesiva relacionada com a trombospondina (TRAP), essenciais para a invasão das células hospedeiras. Recentemente foi demonstrado que esporozoítos de Plasmodium podem entrar em células hospedeiras sem nelas se desenvolverem. Isto propicia a sua migração por diferentes células, antes que ocorra a infecção de um hepatócito, com consequente formação de um vacúolo parasitóforo. O processo de passagem por células é bastante rápido e parece não depender de reconhecimento específico, uma vez que várias células de mamíferos podem estar envolvidas. Entretanto, somente no hepatócito se processa o desenvolvimento parasitário, cerca de 30 minutos após a infecção. Após invadir o hepatócito, os esporozoítos se diferenciam em trofozoítos pré- eritrocíticos. Estes se multiplicam por reprodução assexuada do tipo esquizogonia, dando origem aos esquizontes teciduais e posteriormente a milhares de merozoítos que invadirão os eritrócitos. Esta primeira fase do ciclo é denominada exo-eritrocítica, pré-eritrocítica ou tissular e, portanto, precede o ciclo sanguíneo do parasito. Nas infecções por P vivax e P ovale, o mosquito vetor inocula populações geneticamente distintas de esporozoítos: algumas se desenvolvem rapidamente, enquanto outras ficam em estado de latência no hepatócito, sendo por isso denominadas hipnozoítos. Estes hipnozoítos são responsáveis pelas recaídas tardias da doença, que ocorrem após períodos variáveis de incubação, em geral dentro de seis meses para a maioria das cepas de P viva. As recaídas são, portanto, ciclos pré-eritrocíticos e eritrocíticos consequentes da esquizogonia tardia de parasitos dormentes no interior dos hepatócitos. O ciclo eritrocítico inicia-se quando os merozoítos tissulares invadem os eritrócitos. Para o P falciparum, o principal receptor são as glicoforinas (glicoproteínas presentes no eritrócito) e para o P vivax, a glicoproteína do grupo sanguíneo Duffy. Além disso, o P viva invade apenas reticulócitos, enquanto o P falciparum invade hemácias de todas as idades. Já o P malariae invade preferencialmente hemácias maduras. O desenvolvimento intra-eritrocítico do parasito se dá por esquizogonia, com consequente formação de merozoítos que invadirão novos eritrócitos. Depois de algumas gerações de merozoítos sanguíneos, ocorre a diferenciação em estágios sexuados, os gametócitos, que não mais se dividem e que seguirão o seu desenvolvimento no mosquito vetor, dando origem aos esporozoítos. A fonte de nutrição de trofozoítos e esquizontes sanguíneos é a hemoglobina, porém alguns componentes metabólicos necessários ao seu desenvolvimento são procedentes do plasma. Daniele Longo MALÁRIA Hospedeiro invertebrado – inseto. Durante o repasto sanguíneo, a fêmea do anofelino ingere as formas sanguíneas do parasito, mas somente os gametócitos serão capazes de evoluir no inseto, dando origem ao ciclo sexuado ou esporogônico. No intestino médio do mosquito, fatores como temperatura inferior a 30°C e aumento do pH por baixa pressão de CO, estimulam o processo de gametogênese (gametócitos se transformam em gametas extracelulares) poucos minutos após a ingestão do sangue. O gametócito feminino transforma-se em macrogameta e o gametócito masculino, por um processo denominado exflagelação, dá origem a oito microgametas. Em 20-30 minutos, um microgameta fecundará um macrogameta, formando o ovo ou zigoto. Dentro de 24 horas após a fecundação, o zigoto passa a movimentar-se por contrações do corpo, sendo denominado oocineto. Este atravessa a matriz peritrófica (membrana que envolve o alimento) e atinge a parede do intestino médio, onde se encista na camada epitelial do órgão, passando a ser chamado oocisto. Inicia-se então o processo de divisão esporogônica e, após um período de nove a 14 dias, ocorre a ruptura da parede do oocisto, sendo liberados os esporozoítos formados durante a esporogonia. Estes serão disseminados por todo o corpo do inseto através da hemolinfa até atingir as células das glândulas salivares. Estes esporozoítos atingirão o canal central da glândula e ingressarão no ducto salivar para serem injetados no hospedeiro vertebrado, juntamente com a saliva, durante o repasto sanguíneo infectante. → Habitat: O hábitat varia para cada fase do ciclo dos plasmódios humanos. No homem, as formas infectantes, os esporozoítos, circulam brevemente na corrente sanguínea. Na etapa seguinte o parasito se desenvolve no interior do hepatócito e, posteriormente, nos eritrócitos. No inseto vetor, as diferentes formas evolutivas desenvolvem-se sucessivamente no interior da matriz peritrófica, no epitélio médio, na hemolinfa e nas glândulas salivares. → Transmissão: A transmissão natural da malária ao homem se dá quando fêmeas de mosquitos anofelinos (gênero Anopheles), parasitadas com esporozoítos em suas glândulas salivares, inoculam estas formas infectantes durante o repasto sanguíneo. Apesar de infrequente, a infecção malárica pode ser transmitida acidentalmente, como resultado de transfusão sanguínea, compartilhamento de seringas contaminadas e acidentes em laboratório. A infecção congênita tem sido também raramente descrita. Nestes casos, o ciclo exo-eritrocítico não é observado. → Morfologia: Os plasmódios variam individualmente em tamanho, forma e aparência, de acordo com o seu estágio de desenvolvimento e com suas características específicas. As formas evolutivas extracelulares, capazes de invadir as células hospedeiras (esporozoítos, merozoítos, oocineto), possuem um complexo apical formado por organelas conhecidas como roptrias e micronemas, diretamente envolvidas no processo de interiorização celular. A microscopia eletrônica, estas for- mas do parasito apresentam uma membrana externa simples e uma membrana interna dupla, que é fenestrada e incompleta, principalmente na extremidade anterior, onde está localizado o complexo apical. Esporozoíto é alongado e apresenta núcleo central único. Sua estrutura interna é semelhante nas diferentes espécies de plasmódio. Sua membrana é formada por duas camadas. Forma exo-eritrocitica - após a penetração do esporozoíto no hepatócito, ocorre a perda das organelas do complexo apical e o parasito se toma arredondado. Esta forma é chamada trofozoíto e após sucessivas divisões celulares dará origem ao esquizonte tissular (ou criptozoíto), composto por uma massa citoplasmática e milhares de núcleos filhos. Os merozoítos são células similares e capazes de invadir Daniele Longo MALÁRIA somente hemácias. Estruturalmente, assemelham-se aos esporozoítos, sendo porém menores e arredondados. As formas eritrocíticas compreendem os estágios de trofozoítos jovem, trofozoíto maduro, esquizonte e gametócitos. O microgametaé a célula flagelada originária do processo de exflagelação. Macrogameta é a célula que apresenta uma estrutura proeminente na superfície, por onde se dá a penetração do microgameta (fecundação). Oocineto é a forma alongada de aspecto vermiforme, móvel, contendo núcleo volumoso e excêntrico. O oocisto apresenta grânulos pigmentados em seu interior, os quais têm características de cor e distribuição que variam entre as espécies. Está envolto por uma cápsula e apresenta tamanho único em infecções de baixa densidade e dimensões múltiplas nas infecções intensas. Em infecções antigas a parede do oocisto se mantém aderida ao intestino médio, tornando-se quitinosa. → Patogenia: Apenas o ciclo eritrocítico assexuado é responsável pelas manifestações clínicas e patologia da malária. A passagem do parasito pelo fígado (ciclo exo-eritrocítico) não é patogênica e não determina sintomas. A destruição dos eritrócitos e a consequente liberação dos parasitos e de seus metabólitos na circulação provocam uma resposta do hospedeiro, determinando alterações morfológicas e funcionais observadas no indivíduo com malária. Os possíveis mecanismos determinantes das diferentes formas clínicas da doença baseiam-se, fundamentalmente, na interação dos seguintes fenômenos patogênicos: destruição dos eritrócitos parasitados; toxicidade resultante da liberação de citocinas; sequestro dos eritrócitos parasitados na rede capilar, no caso específico do P falciparum; lesão capilar por deposição de imunocomplexos, no caso do P malariae. O processo de destruição dos eritrócitos está presente em todos os tipos de malária e em maior ou menor grau participam do desenvolvimento da anemia. Entretanto, na maior parte dos casos, a anemia não se correlaciona com a parasitemia, indicando que a sua gênese seja devida a outros fatores, entre os quais podem-se citar: destruição de eritrócitos não-parasitados pelo sistema imune ou por aumento da eritrofagocitose esplênica; participação de auto- anticorpos com afinidades tanto para o parasito como para o eritrócito; disfunção da medula óssea estimulada por ação de citocinas (diseritropoiese). Toxicidade resultante da liberação de citocinas. Durante a fase aguda da malária, ocorre ativação e mobilização de células imunocompetentes que produzem citocinas que agirão direta ou indiretamente sobre o parasito, mas que podem ser nocivas para o hospedeiro. A febre, por exemplo, é resultado da liberação de pirogênio endógeno pelos monócitos e macrófagos, ativados por produtos do parasito. Estas citocinas (IL-1, IL-6, IL-8) estão associadas a muitos dos sintomas da malária aguda, particularmente a febre e o mal-estar. Sequestro dos eritrócitos parasitados na rede capilar. Durante o desenvolvimento esquizogônico sanguíneo, o P falciparum induz uma série de modificações na superfície da célula parasitada, que permitem a sua adesão a parede endotelial dos capilares. Este fenômeno de citoaderência é mediado por proteínas do parasito expressas na superfície dos eritrócitos infectados, formando protuberâncias. Quadro clinico: Uma fase sintomática inicial, caracterizada por mal-estar, cefaleia, cansaço e mialgia, geralmente precede a clássica febre da malária. O ataque paroxístico agudo (acesso malárico), coincidente com a ruptura das hemácias ao final da esquizogonia, é geralmente acompanhado de calafrio e sudorese. Após um período de duas a seis horas, ocorre defervescencia da febre e o paciente apresenta Daniele Longo MALÁRIA sudorese profusa e fraqueza intensa. Depois de algumas horas, os sintomas desaparecem e o paciente sente-se melhor. Malária não-complicada. As manifestações clínicas mais frequentemente observadas na fase aguda são comuns as quatro espécies que parasitam os humanos. Em geral, os acessos maláricos são acompanhados de intensa debilidade física, náuseas e vômitos. Ao exame físico, o paciente apresenta-se pálido e com baço palpável. Durante a fase aguda da doença é comum a ocorrência de herpes simples labial. Um quadro conhecido como síndrome de esplenomegalia tropical pode ocorrer em alguns adultos jovens altamente expostos a transmissão. Estes apresentam volumosa esplenomegalia, hepatomegalia, anemia, leucopenia e plaquetopenia. Proteinúria acentuada, hipoalburninernia e edema podem ocorrer em infecções não-tratadas pelo P malariae (síndrome nefrótica da malária quartã). Malária grave e complicada. Adultos não-imunes, bem como crianças e gestantes, podem apresentar manifestações mais graves da infecção, podendo ser fatal no caso de P falciparum. A hipoglicemia, o aparecimento de convulsões, vômitos repetidos, hiperpirexia, icterícia e distúrbio da consciência são indicadores de pior prognóstico e podem preceder as seguintes formas clinicas da malária grave e complicada: malária cerebral, insuficiência renal aguda, edema pulmonar agudo, hipoglicemia, icterícia, hemoglobinúria. → Diagnostico: O diagnóstico de certeza da infecção malárica só é possível pela demonstração do parasito, ou de antígenos relacionados, no sangue periférico do paciente. A despeito do grande avanço nas técnicas imunológicas de diagnóstico ocorrido nas últimas décadas, o diagnóstico da malária continua sendo feito pela tradicional pesquisa do parasito no sangue periférico, seja pelo método da gota espessa, ou pelo esfregaço sanguíneo. Estas técnicas baseiam-se na visualização do parasito através de microscopia ótica, após coloração com corante vital (azul-de-metileno e Giemsa). Em função de sua Daniele Longo MALÁRIA simplicidade de realização, seu baixo custo e sua eficiência diagnóstica, o exame da gota espessa tem sido utilizado em todo o mundo para o diagnóstico específico da malária. → Profilaxia: Do ponto de vista teórico, a profilaxia da malária pode ser feita em níveis individual e coletivo. Na prática, as circunstâncias que levam as pessoas e populações a viver sob o risco de adquirir a doença funcionam como limitadores do alcance dessas medidas. Assim, podemos dividir as medidas profiláticas em: medidas de proteção individual: Pode ser citada a chamada profilaxia de contato, a qual consiste em evitar o contato do mosquito com a pele do homem. Como o anofelino tem, em geral, hábitos noturnos de alimentação, recomenda-se evitar a aproximação As áreas de risco após o entardecer e logo ao amanhecer do dia. O uso de repelentes nas áreas expostas do corpo, telar portas e janelas e dormir com mosquiteiros também são medidas que têm este objetivo. Entretanto, essas estratégias só se aplicam a situações especiais, como para pessoas que eventualmente visitam as áreas endêmicas. O grande contingente de indivíduos que vivem nas áreas transmissão não consegue, por motivos óbvios, adotar constantemente tais medidas. A política adotada atualmente com relação a profilaxia da malária é centrada na orientação para o diagnóstico e tratamento precoces (na presença de qualquer sinal suspeito) e nas medidas de proteção individual, para reduzir a probabilidade de picada de mosquito. Como medida de curto prazo, a quimioprofilaxia pode ser recomendada apenas para viajantes internacionais e grupos especiais que viajam para áreas de intensa transmissão, como militares, missionários, diplomatas ou qualquer outro trabalhador vinculado a projetos específicos, cuja duração não ultrapasse o período de dois meses. Indivíduos esplenectomizados, por serem mais suscetíveis a infecção mais grave, devem também ser considerados prioritários. Medidas coletivas: Através da borrifação das paredes dos domicílios com inseticidas de ação residual. Esta medida baseia-se no conhecimento de que os anofelinos costumam repousar nas paredes após o repasto sanguíneo, nos casos de contato endofilico.Além disso, nessas áreas, as pessoas costumam morar em barracos cobertos com lonas plásticas e sem paredes. Assim, em vez de borrifação de paredes, tem sido praticada a nebulização espacial com inseticidas no peridomicílio. Através de larvicidas. Devido a extensão das bacias hidrográficas existentes nas áreas endêmicas e ao risco de contaminação ambiental com larvicidas químicos, esta estratégia tem sido pouco aplicada. Saneamento básico para evitar a formação de "criadouros" de mosquitos, surgidos principalmente a partir das águas pluviais e das modificações ambientais provocadas pela garimpagem do ouro. Melhoras as condições de vida através da informação, educação e comunicação, a fim de provocar mudanças de atitude da população com relação aos fatores que facilitem a exposição a transmissão.
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