Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
Acadêmico: Jair Suavi Curso: Psicologia Disciplina: Psicologia da Personalidade CAPÍTULO VII Concepções humanistas e análise existencial I. Orientações teóricas da psicologia humanista e existencial Atualmente, é difícil reagrupar, sob uma denominação comum e única, os representantes da nova corrente de pensamento que se desenvolve na psicologia e que se constitui como uma terceira via a par da psicanálise e do behaviorismo. O primeiro número do Journal of Humanistic Psychology, publicado nos Estados Unidos em 1961, consagrou o termo "psicologia humanista", mas os próprios autores falam de psicologia existencial, de psicologia do ser, de psicologia transpessoal, sendo numerosas as referências à fenomenologia. A expressão "terceira força" é utilizada com freqüência para marcar a ruptura com as teorias anteriores. 1. Uma psicologia reformista A psicologia humanista e existencial apresenta-se primeiramente como uma reação contra os reducionismos. Nesse sentido, existe oposição ao behaviorismo, incapaz de proporcionar um conhecimento total do Ser-homem, e os debates entre Skinner e Rogers, por exemplo, foram apaixonados. Portanto, os psicólogos humanista(rejeitam o estudo dos animais como estranho ao espírito humano, a experimentação em laboratório porque totalmente artificial, menosprezando simultaneamente a existência do eu e a liberdade. Para os defensores dessa terceira força, a história recente da psicologia mostra que os métodos experimentais e estatísticos, profusamente utilizados, não conduziram a uma compreensão mais profunda do homem, pois todas essas pesquisas estavam divorciadas do real. Para eles, aliás, a psicologia deve ter como objetivo principal a plena realização do homem. Por razões análogas, verificamos neles um certo distanciamento em relação à psicanálise, se bem que vários psicólogos humanistas sejam psicoterapeutas formados no método freudiano. Os humanistas querem sobretudo valorizar o que existe de superior na personalidade: a razão, a liberdade, a autonomia, a criatividade. Assim, a psicoterapia existencial humanista tem por objetivo a recuperação e a realização das potencialidades do ser, não a busca do passado. Opondo-se ao determinismo freudiano, esses psicólogos desenvolvem uma ética de liberdade e o postulado da autonomia do presente. 2. Uma nova psicologia da pessoa. O caráter humano do homem é o tema central da psicologia humanista. O propósito essencial é o de restabelecer uma imagem total do homem. A esse respeito, os psicólogos humanistas foram influenciados pelos teóricos da Gestalt: Kõhler, Koffka e Wertheimer na Alemanha, Guillaume na França. Podemos reencontrar essa preocupação com a totalidade em pensadores tão diversos quanto o antropólogo francês MarceI Mauss e o escritor Arthur Koestler, que reemprega propositadamente a palavra "holismo" (do grego holos = todo). Os psicólogos da terceira força opõem-se, portanto, a todo dualismo que possa separar o comportamento e a experiência, o eu e o mundo, bem como a todo reducionismo. Rogers, por exemplo, desenvolve urna concepção clínica da personalidade que privilegia a experiência consciente. Os humanistas querem estudar todos os aspectos da homem e todos os momentos da vida. Para Herman Feifel, "não se apreende verdadeira e plenamente a vida se não se ataca de frente e honestamente a idéia de morte". Daí decorre também a importância que será atribuída ao corpo, à acuidade sensorial. Impor!a igualmente descobrir o que é central, original, o que pertence a cada um, as configurações pessoais dinâmicas, a estrutura essencial. Assim fazendo há nessa corrente de pensamento uma nova definição da psicologia, que Gordon W. Allport formula com exatidão: "A psicologia só é verdadeiramente ela mesma quando trata da individualidade. É inútil invocar o fato de que as outras ciências não o fazem e estão autorizadas a rechaçar a perturbadora questão da unicidade. A verdade é que a tarefa atribuída à psicologia consiste em ser curiosa acerca dos seres humanos, e as pessoas somente existem sob a forma de estrutura completa e única" (cf. Structure et développement de ia personnaiité, Delachaux & Niestlé, 1970). Essa psicologia pretende ser também existencial. Como disse Rollo May, "é um esforço para compreender a natureza do homem que vivencia e se submete a experiências" (cf. em Psychoiogie existentielle, EPI, 1971). "Ser um homem consiste, pois, fundamental e essencialmente, em existir - e existir quer dizer ser-no-mundo. O sujeito, que é o homem, é impensável sem uma implicação no mundo; apresenta-se unicamente em relação com o mundo" (Y. Saint-Arnaud, Lapersonne qui s'actllalise, Quebec, G. Morin, 1982). A existência implica uma interação constante entre o indivíduo e o meio ambiente, mas num mundo de experiência interiorizante impregnada de significações e de valores. E importante, pois, estudar essa relação com o mundo, que é vista de diversas maneiras. Para uns, a pessoa afirma-se em relação ao universo no qual ela se insere (cf. Van Kaam); para outros, a individuação inclui o mundo (já era essa a posição de Jung). Para o movimento fenomenológico, a interação imediata entre o indivíduo e o mundo (propiciada pela intencionalidade, pelas significações subjetivas que o eu lhe atribui. Essa nova abordagem da pessoa multiplica os conceitos, as orientações de pesquisa, numa proliferação de nuanças teóricas e de escolas. "Teorias cognitivas, quando a ênfase recai sobre o primado do conhecimento; teorias do seIf (seIf-theories), quando a insistência se dirige para a imagem que a pessoa tem de si mesma; teorias experienciais ou existenciais, quando a preponderância é conferida ao "aqui e agora" ou à significação imediata; teorias fenomenológicas que, além de constituírem um termo genérico aplicável a suas diversas abordagens, ocupam-se dos componentes fenomenais da situação e da ordem de intencionalidade" (cf. Dollard Cormier, Toxicomanies: styIes de vie, Quebec, Gaétan Morin, 1984, p. 84). A pessoa é definida como atualidade e potencialidade. A importância da atualização das potencialidades do ser é grande em todos os psicólogos norte-americanos da terceira força. Nisso eles conferem um lugar inteiramente novo à dimensão temporal do futuro, ao passo que a psicanálise tinha valorizado o passado. Para Maslow, "nenhuma teoria psicológica pode ser completa se não postular como princípio que o homem tem em si, a todo o momento, o seu futuro ativo e dinâmico". Para Rogers, o funcionamento ótimo da pessoa é aquele em que a experiência integra toda a informação que a pessoa recebe e de que dispõe segundo todas as suas possibilidades. A pessoa atualiza-se por meio de diversos procedimentos: adaptação, reação, integração, criação. Os processos da atualização são apresentados de modo diverso, segundo os autores: a partir de um potencial de bioenergia, em Rosnay e Janov; pela multiplicação das experiências e das aprendizagens, em Hebb; por emergência da identidade pessoal e da consciência de si, estudada por Ecuyer; pela auto-realização, em Rogers e Combs; por aceitação de si nos aspectos negativos e positivos, como mostra Cormier. Essa atualização de si mesma prossegue muito além dos primeiros anos de vida, pois as estruturas de base são implantadas até na idade adulta. "A individuação de uma pessoa adulta faz-se por expansão do self integrado e por redução do self ameaçado" (cf. Y. Saint-Arnaud, op. cit., p. 175). Reencontramos aí as afirmações de E. Erikson em seu estudo das etapas da idade adulta numa perspectiva psicanalítica reformista. II Os psicólogos humanistas 1. Os representantes atuais. A psicologia humanista reúne um importante número de psicólogos práticos, terapeutas e psiquiatras. Nos Estados Unidos, a terceira força surgiu após a II Guerra Mundial, na esteira da chegada às universidades americanas de filósofos e psicólogos imigrados alemães, que estavam muito familiarizados com o pensamento de Kierkegaard e de Husserl.É habitual considerar Allport, Rogers e Maslow os líderes da terceira força, em diversos sentidos. Gordon W. Allport (1897-1976) foi o primeiro, em 1943, a assinalar enfaticamente que "um dos eventos mais bizarros da história da psicologia moderna é a maneira como o Eu foi posto de lado e se perdeu de vista". Empenha-se portanto em afirmar o primado da subjetividade e em definir a pessoa. A noção de self constituiu a chave de sua concepção multidimensional da personalidade. Para ele, o self compõe-se de oito elementos: o sentido corporal, a identidade do self, que assegura a continuidade no tempo, a afirmação do ego, a extensão do ego, isto é, suas identificações e seus prolongamentos, o agente racional que fornece as soluções adaptativas inteligentes e apropriadas, a auto-imagem, que engloba os status e os papéis, as lutas apropriadas, ou seja, as motivações, e o self conhecedor. Allport não considera uma hierarquia entre esses diversos elementos do self, mas eles emergem e se desenvolvem diferentemente segundo as idades (1961). Para Allport, existem quatro etapas essenciais. Do nascimento aos quatro anos, dominam três aspectos do self: o self corporal, a identidade, depois o valor do self. Dos quatro aos seis anos, é a extensão do self e a auto-imagem que adquirem um lugar mais importante. No terceiro período, que vai até os 12 anos, é o self racional que emerge com a adaptação e a estruturação do sei/ social. Na adolescência e na idadé adulta, a personalidade identifica-se com os diversos elementos do proprium que asseguram a autonomia funcional do indivíduo. "Aquilo a que correntemente se chama o ego nada mais é do que o estilo de vida", disse ele, insistindo sobre a importância da noção de devir. Allport é, incontestavelmente, o melhor teórico da psicologia humanista norte-americana. Deixou uma análise profunda do conceito de personalidade, e compara o seu enfoque com as concepções positivistas que refletem "a fragmentação da personalidade no mundo moderno", com a psicanálise, a que censura "um profundo pessimismo". A sua própria reflexão sobre a personalidade apóia-se no estudo do indivíduo normal e, como assinalou com toda a razão, "muito poucas teorias são derivadas do estudo de seres humanos sãos, daqueles que lutam não tanto por preservar sua vida quanto para lhe. dar mais valor" (1955, citado por L'Ecuyer, p. 74). Mais do que os seus sucessores, Allport possuía um profundo conhecimento das teorias existencialistas, fenomenológicas e personalistas de que os humanistas se prevalecem. Sua preocupação em explicar a coerência da personalidade veio, a orientá-lo para uma concepção sistêmica da pessoa. Carl Rogers (1902-1987) é sobretudo conhecido na Europa pelo seu método não-diretivo utilizado em psicoterapia e em relação de ajuda. A sua abordagem centrada na pessoa levou-o a uma concepção clínica da personalidade, tendo se interessado pelo presente e o consciente. Tal como em Allport, a noção de self ou de Eu como elemento central da experiência subjetiva do indivíduo é a sua noção-chave. O self é a "configuração composta de percepções que se relacionam com o Eu, com as relações do Eu com outrem, com o meio ambiente e com a vida em geral, assim como dos valores que o sujeito atribui a essas diversas percepções" (cf. Le développement de Ia personne, Paris, Dunod, 1968, e Un manifeste personnaliste, Paris, Dunod, 1979). Essa configuração, organizada mas flexível, é um mecanismo de regulação do comportamento do indivíduo, que seleciona as experiências, as organiza e lhes dá sentido. A pessoa, ao nascer, possui uma tendência atualizante que irá reger sua evolução, passando de uma fase perceptual, em que a criança percebe sua experiência como a realidade, para uma fase conceptual, em que emerge o conhecimento do Eu e a integração das experiências por sua simbolização pessoal. A pessoa organiza o seu campo de experiências e o Eu afirma-se numa terceira etapa pelo desenvolvimento da necessidade de consideração positiva, sem referência a outrem, sendo o indivíduo o seu próprio critério. Para Rogers, a congruência é uma noção fundamental do funcionamento da personalidade. Quando existe acordo entre o self e a experiência, o indivíduo funciona de modo ótimo: é o estado de autenticidade e de harmonia. Mas, como bem indicou W. Huber, Rogers, "embora propondo como postulado fundamental da sua teoria a tendência atualizante que está na origem do desenvolvimento do organismo, não elaborou a teoria ao ponto de descrever as diferentes etapas e situações críticas de sua realização, limitando-se a descrever e estudar as condições gerais da realização do ,estado de congruência" (cf. op. cit., p. 220). Abraham Maslow (1908-1970) foi o líder dinâmico da terceira força. Iniciou suas pesquisas pelo estudo das motivações, o que o levou a ver na auto-realização a motivação essencial. A sua postura não é a de um teórico mas a de um prático que quer criar uma psicologia da saúde que permita ao indivíduo realizar todas as suas potencialidades. Para Maslow, a natureza humana, estrutura em parte inata e em parte adquirida de necessidades, está longe de ser tão má quanto alguns pretendem. Manifestações como a violência e a agressividade, sob todas as suas formas, não são elementos primários mas respostas adquiridas (cf. Vers une psychologie de l'être, Fayard, 1972). Tal como em Allport, a sua teorização da personalidade apóia-se na observação dos comportamentos e dos indivíduos normais e adaptados. Assim, a auto-realização, a atualização da personalidade, os processos conscientes têm mais importância do que as influências do inconsciente. Maslow reuniu à sua volta numerosos pesquisadores e psicoterapeutas dessa terceira força, que pretende apresentar uma nova imagem do homem. "O próprio Maslow fez-se o promotor de uma psicologia transpessoal perto do fim de sua vida... Àlguns são propensos, inclusive, a identificá-lo com uma quarta força” (cf. Saint-Arnaud, op. cit., p. 21). E grande a diversidade entre os psicólogos 'que se agruparam em tomo do estandarte da psicologia humanista. Para ser mais completo, seria necessário citar os numerosos terapeutas e fundamentalistas vinculados a essa terceira força; por exemplo, Victor Frankl, RolIo May, Herman Feifel, Frederic Perls, Elisabeth Kubler-Ross, Alan Watts, Artliur Janov, Combs, Bugental, Snygg etc. 2. As origens da psicologia humanista. As bases teóricas encontram-se na filosofia fenomenológica européia do início do século, cujos principais representantes são freqüentemente citados pelos humanistas norte-americanos, mas a filiação é ambígua. Verifica-se, com efeito, um intercâmbio de idéias entre a Europa e a América do Norte. A riqueza teórica dos pensadores europeus é, com freqüência, pouco conhecida nos Estados Unidos. A Europa descobre as psicologias novas provenientes do outro lado do Atlântico no momento em que os psicólogos, separados de suas raízes filosóficas, ignoram seu patrimônio cultural. A nova visão do homem e dos fatos psíquicos, que a psicologia humanista reivindica, possui uma extensa galeria de ancestrais: Sócrates, Pascal, Maine de Biran, Bergson e, sobretudo, Kierkegaard (18131855), a quem é feita freqüente referência. Desse filósofo antiintelectualista seria, em nosso entender, interessante reler Estágios no caminho da vida (1845), onde ele descreve três estágios da existência: o estético, o moral e o religioso. Husserl (1859-1938) também é apresentado como um precursor. A fenomenologia de Husserl, que se inspira no pensamento de Kierkegaard, e, à semelhança da atual corrente humanista, uma teoria de oposição às doutrinas da época (psicologismo e pragmatismo). O estudo que Husserl realiza da "região dos fatos psíquicos" é rico de ensinamentos para a psicologia. O método fenomenológico como estudo do que é dado imediatamente à consciência introduziu uma problemática que ele desenvolveu nas Meditações cartesianas (1931). Husserl tenta fixar os princípios epistemológicos deuma psicologia fundamental enraizada no mundo natural. A importância dada à noção de existência e a utilização do termo "análise existencial" remetem às correntes filosóficas do mesmo nome. O existencialismo, em geral, é um retomo ao real verificável, ao concreto, mas afirma, com Gabriel MareeI, "a unidade indissolúvel da existência e do existente". Na Europa, a filosofia existencialista, prolongando a obra de Kierkegaard e Husserl, não constituiu um sistema único mas, pelo menos, dois ramos bastante diferentes, uma vez que se opõem a respeito do problema da transcendência e da existência de Deus. A vida humana impregna-se de uma concepção dramática em Heidegger, Sartre, ou otimista em Gabriel MareeI. Mas a filosofia existencial adotou sempre, como objeto de estudo, o homem individual e concreto; e, por conseguinte, explorou os aspectos mais variados da vida psíquica. A preocupação em afirmar o dinamismo da pessoa, tão caro aos humanistas, é também uma constante das filosofias européias oriundas da fenomenologia. Para Kierkegaard, a vida humana é intensidade; ele fala da "paixão infinita" do homem como um ser infinitamente interessado. Karl Jaspers vê na personalidade um querer-ser, um salto, e para Heidegger o ser particular da pessoa humana, o dasein, caracteriza-se pela possibilidade de dizer Eu, por suas potencialidades e por sua liberdade de criar seu próprio futuro. "Importa-nos aqui, desprezando os compartimentos tradicionais, aproximar a concepção de Heidegger e a noção de 'Eu profundo' de Bergson. Sabe-se que os dois pioneiros da psicoterapia fenomenológica, Eugène Minkowski, na França, e Ludwig Binswanger, na Suíça, encontraram suas fontes inspiradoras, o primeiro em Bergson, o segundo em Heidegger", escreve, com justiça, R. Mucchielli (em Analyse existentielle et psychothérapie phénoméno-structurale, Bruxelas, Dessart, 1967). Essa concepção prospectiva da existência está intimamente ligada à importância que veio a assumir a duração nas filosofias existencialistas: plenitude de tempo em Kierkegaard e Jaspers, urgência trágica do devir em Heidegger, passado superado e imobilizado em Sartre. A existência humana é um ser-para-a-morte mas é também o surgimento original, o ato livre. A noção de intencionalidade é o pivô da fenomenologia. Une a interioridade e a exterioridade, o Eu e o mundo; daí a preocupação com a relação com o mundo e os outros. Apoiando-se simultaneamente na filosofia de Husserl e nos trabalhos de Kurt Goldstein (df. La structure de l'organisme, 1934), Merleau-Ponty analisou o mundo da vida e o papel do corpo. "O homem é no mundo", é a pessoa que confere sentido ao seu universo, e é no mundo que o homem se conhece. O mundo é, por essência, um mundo inter-humano. Reencontramos aí os propósitos dos humanistas. Para as filosofias existenciais, o sujeito do conhecimento é a pessoa humana; é por isso que, muito antes de surgirem as psicologias humanistas, essas filosofias já tinham dado o sinal do despertar personalista na reflexão contemporânea. Um lugar importante tinha sido reservado ao estudo da pessoa humana, no século XIX e começos do atual, por autores como Hamelin, Renouvier, Brunschwig. Entre as duas guerras, com Politzer, Emmanuel Mounier e Denis de Rougemont, o personalismo luta contra a despersonalização que invade a própria psicologia e contra o idealismo que define a pessoa como um ser abstrato ou romântico. Os personalistas fixam o lado pessoal dos indivíduos. Charlotte Buhler sublinhou a originalidade de cada indivíduo. Os psicólogos humanistas, na esteira de Allport, também procuram apurar o que faz do homem um ser único. Existe, portanto, entre as filosofias fenômeno-existenciais e as psicologias humanistas, mais um parentesco do que uma filiação: ao reter-se apenas uma certa temática, esquece-se que a postura de HusserI é muito mais ampla, exigindo um recomeço radical e apresentando-se como uma propedêutica para toda a psicologia; que Wilhelm Dilthey (1833-1911) exige uma epistemologia nova para criar uma "psicologia descritiva e analítica", capaz de compreender a pessoa. Também se esquecem os trabalhos de uma verdadeira psicologia fenomenológica. III. Balanço Pode-se fazer um balanço? O extraordinário desenvolvimento das escolas de pensamento, das terapias, das publicações e congressos que, tanto na América como na Europa, se utilizam da psicologia humanista lato sensu, mostra que a psicologia tradicional e acadêmica, com o behaviorismo, a psicanálise e a abordagem experimentalista, está um tanto desacreditada. Sob a multiplicidade de enfoques, podemos descobrir uma definição unânime da personalidade que se opõe aos modelos mecanistas e às referências patológicas, e que valoriza os elementos dinâmicos e autônomos do Eu. A tendência para a individuação, para a auto-realização, para a atualização das potencialidades, para superar-se, é considerada fundamental. Existe assim um postulado de otimismo a respeito do homem. Esse postulado foi criticado e não deixa de recordar, por vezes, a concepção de Rousseau. Daí os erros da não-diretividade a todo o custo. Também notamos em todos esses psicólogos uma postura que vai da prática à teoria e não as dissocia. Mas a teorização, justamente, nem sempre acompanha a prática, e a reflexão que se encontra em Allport e Rogers, por exemplo, não constitui a regra em todos eles. Esse movimento, como disse um Maslow rejubilante, "não possui um único líder, um só grande nome pelo qual se possa caracterizá-lo". Talvez seja esse o seu “senão”, pois a teorização, no que se refere à personalidade, carece de precisão, de profundidade e de verificação. Nem sempre se encontra nos atuais representantes um edifício conceptual coerente e comum a todos. Mas o grande interesse reside em querer combinar a pesquisa científica e a prática profissional, em elaborar um modelo de personalidade pela psicoterapia e as aplicações operacionais. O enfoque metodológico desses psicólogos é vizinho do de Freud, mas os seus postulados sobre o homem são diferentes. A definição de pessoa que está subjacente acompanha uma nova orientação da psicologia, a qual retoma as antigas pesquisas da fenomenologia. Para atenuar a ligeireza e a imprecisão conceptuais que alguns imputam à terceira força; impõe-se o retorno à psicologia fenomenológica. Embora a psicologia fenomenológica não seja uma novidade, ela "adquire uma existência autônoma - ou seja, distinta da fenomenologia transcendente - na Europa, nos anos 20. A organização do mundo do tato (Der Aufbul der Tastwelt), que David Katz publicou em 1925, é geralmente considerada a primeira obra de orientação fenomenológica dedicada a uma investigação conduzida por um psicólogo científico" (cf. George Thinès, Phénoménologie et science du comportement, Bruxelas, Mardaga, 1977). Se a terceira força nos fizesse reencontrar a riqueza teórica, metodológica e epistemológica dos trabalhos de Buytendijk, Minkowsky, Carl Stumpf, Brentano, James Ward, Michotte, Merleau-Ponty e tantos outros, a psicologia encontrar-se-ia revitalizada e o conhecimento da personalidade consideravelmente enriquecido.
Compartilhar