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Seja bem Vindo! Curso urso C Humanos Direitos CursosOnlineSP.com.br Carga horári 60a: hs Conteúdo Etapas históricas de afirmação dos direitos humanos ......................................... Pág. 8 Conceito de direitos humanos .............................................................................. Pág. 11 Características dos direitos humanos .................................................................. Pág. 13 Dignidade da pessoa humana como fundamento dos direitos humanos ............. Pág. 14 Os Direitos Humanos na Constituição Federal de 1988....................................... Pág. 16 Direitos fundamentais........................................................................................... Pág. 17 Direitos sociais ..................................................................................................... Pág. 24 Nacionalidade ...................................................................................................... Pág. 38 Direitos políticos ................................................................................................... Pág. 49 Sistemas eleitorais ............................................................................................... Pág. 54 Tratados internacionais ........................................................................................ Pág. 56 Incorporação dos tratados .................................................................................... Pág. 64 Organização das Nações Unidas ......................................................................... Pág. 65 Declaração de direitos do homem e do cidadão .................................................. Pág. 66 Declaração universal dos direitos humanos ......................................................... Pág. 68 Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem ................................. Pág. 73 Convenção para a Prevenção e Punição ao crime de genocídio ......................... Pág. 75 Pacto internacional dos direitos civis e políticos .................................................. Pág. 76 Pacto internacional dos direitos econômicos, sociais e culturais ......................... Pág. 88 Convenção Internacional sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Racial e Estatuto da Igualdade Racial .......................................... Pág. 96 Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica) .......................................................................................................... Pág. 101 Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher .................................................................................................... Pág. 119 Convenção contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes ................................................................................ Pág. 124 Convenção sobre os Direitos da Criança ............................................................. Pág. 127 Convenção internacional sobre os direitos das pessoas com deficiência ............ Pág. 133 Referências Bibliográficas .................................................................................... Pág. 160 8 1. TEORIA GERAL DOS DIREITOS HUMANOS Os direitos humanos tem sua razão de ser ditada, inicialmente, pela religião, especificamente pelas religiões monoteístas. Nesse grupo, o cristianismo é o que mais se destaca. A origem comum do homem, como apontada pela Bíblia, é o pressuposto básico para a proteção da dignidade humana. E não se pode deixar de mencionar, que também a filosofia e a ciência foram e são fundamentais ao pensamento que consubstancia a necessidade de tutela da dignidade humana. O respeito mútuo e a preservação da pessoa humana são pilares fundamentais dos direitos humanos, pilares que se firmaram, dentre outros motivos, pelo ensinamento ecumênico, que aborda a necessidade do amor em caráter universal (COMPARATO, 2010, p. 23). O reconhecimento da igualdade e o respeito mútuo que dela decorre é conquista recente e que ainda possui grande percurso a ser trilhado. 1.1 Etapas históricas de afirmação dos direitos humanos Dentre as etapas históricas de afirmação dos direitos humanos, a primeira que se pode citar é o reino davídico, nos séculos XI e X a.C., quando Davi, pela primeira vez na história, sendo rei, não se proclamou como um deus e não se declarou legislador, mas se apresentou como o delegado do Deus único (COMPARATO, 2010, p. 53). Segundo aponta Fábio K. Comparato, esse reino davídico é o embrião do que hoje se conhece por Estado de Direito, isto é, “uma organização política em que os governantes não criam o direito para justificar o seu poder, mas submetem- se aos princípios e normas editados por uma autoridade superior” (2010, p. 54). Posteriormente, no século VI a.C., tem-se em Atenas a criação das primeiras instituições democráticas, e, no século V a.C., a fundação da república romana. O regime democrático e a força da lei, em Atenas, contribuíram fundamentalmente para que se chegasse a atual concepção de que todos, igualmente, devem se submeter a uma lei geral e abstrata. Nesse sentido, a lei não pode ser utilizada pelos governantes em seu próprio proveito. Os governantes tem o dever de se submeter as leis, as quais devem assumir o caráter de controle em relação a todos os atos que eles praticarem, controle este que deve ser exercido pelo povo, já que é tarefa deste eleger os governantes. Já na república romana, o controle dos governantes não era feito diretamente pelo povo, mas sim por um sistema de controle recíproco entre os órgãos políticos, conhecido como o sistema de checks and balances (freios e contrapesos). A partir da do século IV a.C., no entanto, e até a Idade Média, esfacelou-se a democracia ateniense e a república romana, que sucumbiram perante os regimes imperiais (COMPARATO, 2010, p. 57). 9 Mais tarde, em meio a disputas de poder e prerrogativas entre a realeza, a nobreza e o clero, duas manifestações tiveram destaque (COMPARATO, p. 58): a) a Declaração das Cortes de Leão, de 1188; b) a Magna Carta, de 1215. A liberdade que se pretendia nos documentos supra mencionados não estava relacionada ao povo, ao menos não quanto ao seu objeto motivador. O que se pretendia era, pois, a liberdade destinada aos setores mais elevados da sociedade medieval, quais sejam, o clero e a nobreza. Com o desenvolvimento das atividades mercantis, a burguesia passou a assumir papel social de destaque. Nesse momento histórico, a desigualdade social ditava-se, não pelo direito, mas pelas diferenças patrimoniais entre as famílias, naquela que foi uma primeira forma de capitalismo. Posteriormente, no século XVII, surgem outros importantes documentos históricos em relação a proteção dos direitos do homem. São eles: a) o Petition of Rights, de 1629; b) o Habeas Corpus Act, de 1679; c) o Bill of Rights, de 1689. A bem da verdade, também nenhum destes três documentos tinham o povo como foco, destinando-se à tutela dos direitos dos setores mais elevados da sociedade. Contudo, diferentemente da Magna Carta, esses documentos tinham um caráter de generalidade mais amplo, o que beneficiou, em muito, a burguesia rica (COMPARATO, 2010, p. 61). Seria apenas no século seguinte que, de maneira direta e ampla, estabelecer-se-ia a garantia dos direitos humanos. E isso ocorreu por meio dos seguintes atos: a) Declaração de Direitos de Virgínia, de 1776; b) Declaração de Independência dos Estados Unidos, de 1776; c) Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789. Nesse período, duas Constituições consagraram os direitoshumanos em seu texto. Foram, pois, a Constituição estado-unidense, de 1789, e a Constituição francesa, de 1791. Embora promulgada em 1789, a Constituição dos Estados Unidos recebeu artigos que contemplavam expressamente direitos individuais apenas em 1791, após algumas emendas. Contudo, também nesses casos o que motivara verdadeiramente a inscrição desses direitos em documentos fundamentais não era exatamente a tutela do povo, de forma geral, mas sim à defesa da burguesia rica em face da nobreza e do clero. Com o estabelecimento das liberdades negativas e a consideração de todos como iguais perante a lei, criou-se uma situação de severa desigualdade social entre empregados e empregadores. É diante da 10 exploração proletária que, apenas em momento posterior, verificou-se a necessidade de defesa dos direitos sociais do povo, quando, finalmente, se estaria a falar diretamente, e não apenas por ricochete, de direitos humanos para todos os homens. Nesse contexto, os marcos evolutivos dos direitos sociais são: a) a Constituição do México, de 1917; b) a Constituição de Weimar, de 1919. A partir delas, constatando-se a necessidade de proteção da classe trabalhadora, criaram-se mecanismos por meio dos quais o Estado assumiu o dever, dentre outros: a) de controlar a classe empregadora; b) de conferir amparo, sob diversas óticas, aos trabalhadores e a seus familiares. Nessa época, conhecida como o período da segunda dimensão de direitos, não se abordava a necessidade de proteção dos direitos humanos em âmbito internacional, mas apenas em nível interno. 1.1.1 A internacionalização dos direitos humanos A primeira fase de internacionalização dos direitos humanos ocorre durante a segunda metade do século XIX e se estende até a 2ª Guerra Mundial (COMPARATO, 2010, p. 67). As consequências dos conflitos armados para a sociedade motivaram a elaboração do primeiro documento normativo de caráter internacional em matéria de direito humanitário: a Convenção de Genebra de 1864, a partir da qual ocorreu a fundação da Comissão Internacional da Cruz Vermelha, em 1880 (COMPARATO, 2010, p. 67). Também a luta contra a escravatura motivou a elaboração de um documento de normatividade internacional, o Ato Geral da Conferência de Bruxelas, em 1890. No campo do direito do trabalho, a criação da Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919, motivou a normatização internacional dos direitos dos trabalhadores. Mas foi com o advento da 2ª Guerra Mundial que efetivamente ganhou força a questão humanitária e a imperiosa necessidade de sua normatização em âmbito internacional. Os massacres ocorridos durante a 2ª Grande Guerra e as violações aos direitos humanos mostravam que era chegado o momento de normatizar, por meio de instrumentos eficazes, a proteção da pessoa humana, evitando a repetição das atrocidades àquela época verificadas. Assim, o primeiro marco pós-guerra de defesa dos direitos humanos em âmbito internacional foi a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas. Depois dela, inúmeros outros documentos internacionais destinados à proteção dos direitos humanos foram elaborados, a partir do que se afirmou a existência 11 de duas novas espécies de direitos humanos, os direitos dos povos e os direitos da humanidade (COMPARATO, 2010, p. 69). 1.2 Conceito de direitos humanos Embora utilizadas como sinônimas as expressões direitos humanos, direitos fundamentais e direitos do homem, há substancial diferenças entre elas. Direitos do homem, basicamente, é uma expressão jusnaturalista, isto é, ligada essencialmente ao direito natural e não ao direito positivado. Tecnicamente, consideram-se direitos do homem aqueles que, embora pertencentes a sua natureza, ainda não estão positivados, seja no direito interno ou internacional. Direitos fundamentais são aqueles positivados perante a ordem jurídica interna, positivação esta que ocorre na Constituição Federal. Na Constituição brasileira, há o rol de direitos fundamentais do artigo 5º, mas não apenas, uma vez que estes estão sistematicamente espalhados em todo o texto constitucional. Direitos humanos, por sua vez, é uma expressão mais ampla que direitos fundamentais. Os direitos humanos compreendem toda a gama de direitos que são internacionalmente reconhecidos, estejam eles reconhecidos na Constituição vigente ou não. Portanto, a somatória dos direitos constitucionalmente garantidos, com aqueles previstos em instrumentos normativos internacionais (tratados, convenções etc.) formam o leque dos chamados direitos humanos. 1.3 Dimensões de direitos As Constituições estado-unidense de 1787 e a francesa de 1791, além de marcos em relação a tutela dos direitos humanos, são marcos históricos do constitucionalismo moderno. A última se valeu, inclusive, da Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789 como preâmbulo, e concretizou, definitivamente, que o povo é legítimo detentor do poder. Na primeira fase do constitucionalismo moderno, verifica-se intensa marca do liberalismo, onde objetiva-se, em especial: o individualismo, o afastamento da interferência estatal, a proteção da propriedade e a defesa da liberdade humana. Esta é, também, a fase dos denominados direitos de primeira dimensão, a qual culminou em intensa exclusão social e aguçamento das desigualdades sociais e regionais (LENZA, 2008, p. 06). A primeira dimensão de direitos do homem constitui-se na afirmação dos direitos de liberdade, ou seja, “todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado e a reservar para o indivíduo, ou para os grupos particulares, uma esfera de liberdade em relação ao Estado” (BOBBIO, 2004, p. 52). O afastamento da atuação estatal, somado a concessão de ampla liberdade de atuação aos particulares, as classes detentoras de maior 12 poderio econômico dele se valeram para, com base no direito à propriedade, estabelecerem verdadeiro domínio sobre as classes hipossuficientes, excluindo-as socialmente e em escalas cada vez maiores. Assim, nasceu a necessidade de trazer a atuação estatal para o benefício e proteção dos menos favorecidos, de modo a restringir as amplas liberdades que vigoravam, com vista à prestação de garantias mínimas de existência digna à todos do povo, sem discriminações. Nesse contexto, a Constituição mexicana, de 1917 e a de Weimar, de 1919, marcaram a transição para a denominada segunda dimensão de direitos, na qual os direitos sociais assumiram o papel de destaque. A atuação estatal foi chamada a voltar, de modo a restringir a atuação dos particulares para conferir-lhes, dentre outros, segurança social, momento em que a igualdade e o bem-comum são postos no ápice dos objetivos a serem alcançados pelo Estado. Importante frisar que os direitos do homem, obtidos ao longo dos séculos, não se excluem, mas se agregam, daí a melhor adequação da expressão dimensões de direitos, ao invés de gerações. Os direitos de liberdade, próprios da denominada primeira dimensão de direitos, com a conquista dos direitos de segunda dimensão, deixam de representar mera liberdade negativa, de modo a assegurar a todos do povo as mesmas condições em prol do almejado bem-comum (BOBBIO, 2004, p. 52). Visto que “os direitos de liberdade evoluem paralelamente ao princípio do tratamento igual, pois, nenhum indivíduo pode ter mais liberdade do que o outro” (BOBBIO, 2004, p. 85), há que se expor que a conquista dos direitos sociais (direitos de segunda dimensão) também não cessou à determinada época histórica. Não deixaram de ser perseguidos direitos humano-sociais com o advento da terceira dimensão de direitos, ao contrário, a nova geração afirma as anteriores, além de permitire incentivar a continuidade da busca de novos direitos e de garantias que possam-lhes assegurar efetividade. O advento do constitucionalismo contemporâneo coincide com a terceira dimensão de direitos, o conceito de Constituição social e o de totalitarismo constitucional (LENZA apud BULOS, 2008, p. 07). Estão postos nesta fase os ideais solidários, pacificadores, de desenvolvimento comunitário, meio ambiente ecologicamente equilibrado, qualidade de vida e outros, tal como consagrado pelo constituinte brasileiro de 1988. Os direitos de terceira dimensão tutelam a humanidade como um todo. É a tutela dos direitos transindividuais, ou seja, aqueles que ultrapassam a esfera individual da pessoa, consubstanciando-se nos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos (ALARCON, 2004, p. 81). Os direitos de solidariedade (ou fraternidade) formam o conjunto de elementos que propiciaram a elevação da dignidade humana a princípio- matriz da Constituição Federal e, por conseguinte, de todo ordenamento jurídico. A terceira dimensão de direitos viabiliza o engajamento do princípio da dignidade humana no interior de cada direito e garantia fundamental conferido à pessoa humana, tendo absoluta guarida nos modernos textos 13 constitucionais, tal como consagrado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. E diante de nova evolução constitucionalista, com a superação do constitucionalismo contemporâneo para se falar do constitucionalismo pós- moderno, Constituição e dignidade da pessoa humana passam a estar no centro do ordenamento jurídico, irradiando efeitos sobre todos os instrumentos normativos vigentes e sobre todas as relações jurídicas. A esse novo movimento constitucional dá-se o nome de neoconstitucionalismo, oportunamente abordado no módulo de Direito Constitucional. 1.4 Características dos direitos humanos Segundo aponta a melhor doutrina, são características dos direitos humanos: a) historicidade: os direitos humanos evoluíram no decorrer dos séculos. Sua origem data de séculos antes de Cristo, e sua evolução acompanhou as etapas históricas da humanidade. Se durante o período da Revolução Francesa houve um acréscimo evolutivo na matéria, as grandes guerras representaram um retrocesso, guerras estas que motivaram a adoção de medidas tendentes a proteger a pessoa humana e a humanidade como um todo; b) essencialidade: os direitos humanos são essenciais e inerentes à condição humana, ou seja, não há como se falar em desenvolvimento humano sem a proteção desses direitos; c) universalidade: a protetividade dos direitos humanos alcança a todos, sem distinções; d) inexauribilidade: os direitos humanos são inesgotáveis, isto é, eles não se exaurem, não se esgotam com o passar dos tempos. Os direitos humanos podem ser ampliados, mas não podem, em sentido oposto, serem extinguidos; e) inalienabilidade: os direitos humanos, como se disse, são inerentes à condição humana, logo, não podem ser transmitidos a qualquer título. Nenhuma pessoa pode alienar seus direitos humanos, pois estes decorrem da sua própria natureza, sendo, pois, indisponíveis; f) irrenunciabilidade: assim como não são alienáveis, os direitos humanos também são irrenunciáveis. Por compor a própria natureza da pessoa humana e por estarem em uma esfera de indisponibilidade, não se admite a renuncia a qualquer eles; g) imprescritibilidade: os direitos humanos não se sujeitam a prazo de prescrição, isto é, eles não se extinguem com o passar dos tempos ou com o não exercício. h) vedação ao retrocesso: estabelecidos os direitos humanos, eles podem ser ampliados, mas não podem ser reduzidos, tão menos extinguidos. i) inviolabilidade: os direitos humanos não podem ser violados, seja por ato público ou privado. Tão logo ocorra sua violação, o Estado tem o 14 dever de saná-la. Nesse sentido, não pode haver a edição de leis que contrariem os direitos humanos, por exemplo; j) limitabilidade: os direitos humanos são limitados, isto é, não são absolutos. Admite-se a restrição de certos direitos perante determinadas situações, como durante o estado de sítio ou mediante a colisão de direitos, por exemplo; k) complementariedade: os direitos humanos não existem de maneira isolada, mas coexistem. Os direitos humanos não se excluem, mas se completam; l) efetividade: é dever do Estado utilizar todos os meios para conferir efetividade aos direitos humanos. Não basta apenas a previsão genérica e abstrata contida em instrumentos normativos se não houver a efetiva aplicação prática dos direitos humanos. É a efetividade que, realmente, leva os direitos às pessoas humanas; e m) concorrência: os direitos humanos podem ser exercidos simultaneamente, de maneira concorrente. O exercício de um direito não exclui a possibilidade do exercício de outro. 1.5 Dignidade da pessoa humana como fundamento dos direitos humanos Essencialmente, o fundamento dos direitos humanos é a dignidade da pessoa humana. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, expressa o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da família humana e de seus direitos iguais e inalienáveis como fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. E o artigo 1º da mesma Declaração dispõe que todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos. A dignidade não é um título, não é privilégio de alguns, mas uma condição inerente a todos. A dignidade nasce junto com a existência humana, junto com a existência de cada ser humano, eis que decorre da origem comum de cada um. A pessoa humana deve ser protegida sob todos os aspectos. O homem não pode servir de instrumento a outrem, pois ele é um fim em si mesmo. Neste aspecto, o Brasil elencou a dignidade humana como fundamento de Estado para deixar claro que tal característica deve sempre se fazer presente. A dignidade da pessoa humana pode parecer, sob perfunctória análise, princípio absoluto, mas o fato de incluir-se entre o rol de fundamentos do Estado apenas lhe traduz a significação de uma condição humana mínima, a qual deve ser assegurada a toda pessoa em território brasileiro. Tal garantia liga-se com a teoria do mínimo existencial, ou mínimo social, segundo a qual nenhuma pessoa humana será privada das condições que lhe permitam uma existência digna, o que reflete um leque de direitos, considerados mínimos, para que as pessoas não sejam postas em condições existenciais sub-humanas. Também não há que se apontar o princípio da dignidade da pessoa humana como um super-princípio, o qual prevalecerá sobre quaisquer outros 15 quando entre eles se verificar uma colisão. A inclusão da dignidade humana no rol de fundamentos do Estado permite afirmar que esta tornou-se elemento intrínseco, indissociável e requisito de qualquer ato que o Estado- poder venha praticar. Ao consagrar a dignidade da pessoa humana como fundamento de Estado, o constituinte de 1988 lhe conferiu ampla abrangência. Seus efeitos não se refletem apenas sobre direitos e garantias individuais, pois, como mencionado, é fundamento do Estado, de todo ele, e, por conseguinte, irradia efeitos sobre a ordem econômica, que deve assegurar uma digna existência a todos, sobre a ordem social, enquanto realizadora da desejada justiça social, sobre a educação, sobre a saúde etc (AFONSO, 2007, p. 105). Pode-se afirmar, categoricamente, a dignidade da pessoa humana constitui fundamento de todos os direitos de tutela humana, posto que é próprio da existência do ser. Alexandre de Moraes bem expõe que a dignidade humana tem concepção dúplice. Além de ser direito protetivo individual, exercido em face do Estado e de particulares, é verdadeiro “dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes” (MORAES,2006, p. 129), o que remete ao conteúdo originário da dignidade humana, em sua concepção máxima, como fruto do Cristianismo, segundo o qual “não pode um homem ser superior a outro por natureza, visto que todos gozam de igual dignidade natural”, consoante salientava o Papa João XXIII na encíclica Pacem in Terris, de 1963. O dever fundamental decorrente da dignidade da pessoa humana surge de sua oponibilidade em face de outras pessoas, em esfera privada. Ninguém pode atentar contra dignidade de outrem. Dessa concepção, Alexandre de Moraes resume esse dever fundamental a três princípios do Direito Romano, plenamente cabíveis e aplicáveis na contemporânea ordem constitucional pátria: honestere vivere (viver honestamente), alterum non laedere (não prejudicar a ninguém) e suum cuique tribuere (das a cada um o que lhe é devido). 16 2. OS DIREITOS HUMANOS NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 2.1 Princípios fundamentais Os princípios fundamentais da República brasileira estão descritos no artigo 1º da Constituição Federal de 1988. Após estipular que a República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Democrático de Direito e que é formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, mencionado artigo elenca como fundamentos de Estado: a) a soberania; b) a cidadania; c) a dignidade da pessoa humana; d) os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; e) o pluralismo político. Como se vê, a dignidade da pessoa humana, fundamento efetivo da tutela dos direitos humanos, foi também eleita como fundamento de Estado pelo constituinte brasileiro, o que reforça a protetividade dos direitos humanos como compromisso permanente da República brasileira. Doutro lado, são objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, os quais devem ser perseguidos a todo momento pelo Estado: a) a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; b) a garantia do desenvolvimento nacional; c) a erradicação da pobreza e da marginalização e redução das desigualdades sociais e regionais; e d) a promoção do bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. Por fim, segundo dispõe o artigo 4º da Constituição Federal, são princípios regentes da República Federativa brasileira nas relações internacionais: a) a independência nacional; b) a prevalência dos direitos humanos; c) a autodeterminação dos povos; d) a não-intervenção; e) a igualdade entre os Estados; f) a defesa da paz; g) a solução pacífica dos conflitos; h) o repúdio ao terrorismo e ao racismo; i) a cooperação entre os povos para o progresso da humanidade; e j) a concessão de asilo político. Nas suas relações internacionais, o Estado brasileiro deve guiar-se pela prevalência dos direitos humanos, priorizando a autodeterminação dos povos, a não-intervenção e a independência nacional. Deve também o Estado brasileiro considerar a igualdade entre os Estados e a defesa da paz, 17 prezando pela solução pacífica dos conflitos e repudiando o terrorismo e o racismo. Quanto a concessão de asilo político, o Estatuto do Estrangeiro é responsável pela disciplina a matéria, conforme será oportunamente analisado. 2.2 Direitos fundamentais Como já se teve oportunidade de mencionar, direitos fundamentais são os direitos humanos positivados na ordem constitucional. Basicamente, os direitos fundamentais estão contidos no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, mas eles também podem ser encontrados espalhados em outros locais do texto constitucional. O Título II da Constituição Federal recebeu o título de “direitos e garantias fundamentais”, e está dividido em 5 capítulos, quais sejam: a) direitos e deveres individuais e coletivos (art. 5º); b) direitos sociais (arts. 6º a 11); c) nacionalidade (arts. 12 e 13); d) direitos políticos (arts. 14 a 16); e) partidos políticos (art. 17). 2.2.1 Distinção entre direitos e garantias É necessário diferenciar direitos de garantias fundamentais. Para tanto, seguindo a melhor doutrina, cumpre distinguir a natureza do conteúdo da norma constitucional e não a redação empregada pelo constituinte. Analisando-se o conteúdo da norma pode-se obter um cunho declaratório, caso em que estar-se-á diante de direito, ou cunho assecuratório, caso em que estar-se-á diante de uma garantia. Por exemplo, quando o inciso XX do artigo 5º da CRFB/88 dispõe que ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado, está declarando um direito que é a todos inerente. Já o inciso V do mesmo artigo, ao dispor que as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado, ao mesmo tempo em que declara um direito, isto é, o da indissolubilidade das associações, concede uma garantia ao assegurar que só haverá dissolução de associações após o trânsito em julgado de uma decisão judicial. O dispositivo apresenta, pois, nítido conteúdo jurídico declaratório na primeira parte (direito fundamental), e assecuratório ou instrumental (garantia fundamental) na segunda. 18 2.2.2 Direitos e deveres individuais e coletivos As declarações de direitos e deveres individuais sempre estiveram presentes nas Constituições brasileiras, mas é na Constituição Federal de 1988 que elas encontraram maior guarida e amplitude. A maior concentração dos direitos e deveres individuais e coletivos consta do artigo 5º, cujo rol é exemplificativo e por sobre o qual recomenda-se atenta leitura. São princípios constantes do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, dentre inúmeros outros: a) princípio da igualdade: a igualdade assegurada pela Constituição Federal de 1988 é tanto a formal quanto a material, isto é, garante-se a igualdade no Estado brasileiro perante a lei, mas também garante-se a igualdade na realidade social das pessoas. Decorre do princípio da igualdade, a impossibilidade de discriminações negativas das pessoas, porém há possibilidade de discriminá-las positivamente. Enquanto a discriminação negativa tem efeito pejorativo, a afirmativa visa incluir, trazendo grupos sociais menos favorecidos para as mesmas condições sociais dos demais grupos. As discriminações positivas manifestam-se por meios de ações afirmativas, dentre as quais pode-se destacar a política de cotas para negros, o programa bolsa-família e a própria lei Maria da Penha, que visa favorecer a mulher para destituir a histórica posição de fragilidade suportada pela mesma em relação ao homem. O princípio da igualdade destina-se a todos, inclusive e especialmente ao legislador, que deve estar atento ao desejo constitucional de igualdade material entre as pessoas. b) princípio da legalidade: se para o particular vige o mandamento: ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, para a Administração Pública ocorre o inverso, isto é, a ela só é permitido fazer alguma coisa se houver expressa autorização legal (art. 37, CRFB/88), sob pena de responsabilidade. A justificativa é clara, uma vez que os agentes administrativos atuam na gerência da coisa pública, logo não podem dela dispor da forma como bem entenderem. O princípio da legalidade tem vários desdobramentos, como em matéria penal (não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal), tributária (sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça) etc. Quanto aos diversos direitos e deveresfundamentais mencionados no rol do artigo 5º da CRFB/88, far-se-á sumária exposição de pontos que requerem maior atenção do candidato no momento da feitura do exame da Ordem dos Advogados do Brasil ou concursos públicos: a) direito à vida: garantir o direito à vida não é apenas retirar a possibilidade de aplicação da pena de morte em situações ordinárias (já que admite-se a pena de morte em caso de guerra declarada), proibir o aborto (excetuadas as autorizações legais) ou punir a instigação, o auxílio ou o induzimento ao suicídio. Mais que isso, significa tutelar o sentido da existência humana em toda sua magnitude, significa prestar a assistência de que carecem as pessoas humanas nas mais variadas órbitas sociais, pois 19 apenas desta maneira alcançar-se-ão os objetivos fundamentais de um verdadeiro Estado Democrático e Social de Direito; b) proibição da tortura e de tratamentos desumanos e degradantes: tratamento degradante é o humilhante, que leva a vítima a agir contra sua vontade ou consciência; tratamento desumano tem objeto mais amplo, engloba o degradante e indica um sofrimento (físico ou mental) injustificável e em limites que extrapolam as condições humanas; tortura, por sua vez, é conduta que engloba os tratamentos degradantes e desumanos, esta sim possuindo conceituação legal, nos termos do artigo 1º, da Lei n.º 9.455/97: Art. 1º Constitui crime de tortura: I - constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou mental: a) com o fim de obter informação, declaração ou confissão da vítima ou de terceira pessoa; b) para provocar ação ou omissão de natureza criminosa; c) em razão de discriminação racial ou religiosa; II - submeter alguém, sob sua guarda, poder ou autoridade, com emprego de violência ou grave ameaça, a intenso sofrimento físico ou mental, como forma de aplicar castigo pessoal ou medida de caráter preventivo. Pena - reclusão, de dois a oito anos. O prazo prescricional do crime de tortura é de 12 anos. Com esta informação pretende-se fixar para o aluno que o crime de tortura não é imprescritível, tema recorrente no exame da OAB e concursos públicos. c) direito de escusa de consciência: é desdobramento do direito de crença religiosa e indica que ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei (art. 5º, VIII, CRFB/88); d) liberdade de consciência e de crença: o Estado brasileiro é laico, assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias. Também assegura-se, conforme previsão do artigo 5º, inciso VII da Constituição Federal de 1988, a prestação de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva; e) direito de antena: é o direito a espaço gratuito em meios de comunicação para divulgação de idéias, projetos e opiniões, materializados pela propaganda eleitoral gratuita, veiculada pelos partidos políticos no rádio e televisão. Sua previsão consta do artigo 17, §3º, segunda parte, da Constituição Federal de 1988; f) direto de intimidade, privacidade, imagem e honra: o direito de privacidade abrange o direito de intimidade. Enquanto privacidade é entendida como a esfera de convívio afastada da sociedade em geral, mas 20 mantida entre um grupo social restrito, como a família por exemplo, intimidade é a esfera individualizada da pessoa, na qual nem os próprios familiares podem penetrar. É designativo da intimidade, por exemplo, a opção sexual da pessoa. Os sigilos bancário e fiscal compõe a seara de privacidade da pessoa, consoante já apontou o Supremo Tribunal Federal, podendo ser relativizado perante o Poder Judiciário, Comissões Parlamentares de Inquérito ou perante o Ministério Público. O sigilo fiscal também é relativizado em detrimento das autoridades fazendárias, nos termos do artigo 198 do Código Tributário Nacional. O direito à imagem engloba a imagem-retrato, caracterizada pela reprodução gráfica da pessoa, enquanto a imagem-atributo caracteriza o que a pessoa representa para a sociedade em relação a seriedade, confiabilidade, etc. Luiz A. D. Araujo e Vidal Serrano Nunes Júnior bem expõem que a imagem retrato é resguardada pelo inciso X, enquanto que a imagem atributo é tutelada pela inciso V, ambos do artigo 5º, da CRFB/88 (2005, p. 144). Por fim, o direito à honra se liga diretamente à dignidade da pessoa humana e se desdobra em honra objetiva (decorrente do que a pessoa representa na sociedade em razão de sua conduta) e subjetiva (decorrente do que a pessoa representa em relação a si mesma); g) direito à inviolabilidade de domicílio: o candidato ao exame da OAB ou concursos públicos deve estar atento ao texto do artigo 5º, inciso XI, da CRFB/88, segundo o qual a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial. Note-se que o dispositivo informa que em caso de flagrante delito, desastre, ou para prestar socorro, o domicílio pode ser violado durante o dia e também durante a noite, haja visto a possibilidade de fuga, no caso de flagrante delito, ou o risco para a vida, no caso de desastre ou para prestar socorro. Porém, em se tratando de determinação judicial só há que se falar em violação de domicílio durante o dia; h) direito à impenhorabilidade da pequena propriedade rural: importante ao aluno não confundir o conteúdo do artigo 5º, XXVI, com o artigo 185, I, ambos da CRFB/88. O tema foi objeto de questionamento no exame 2009.2 da OAB. O art. 5º, XXVI, estipula que a pequena propriedade rural, assim definida em lei, desde que trabalhada pela família, não será objeto de penhora para pagamento de débitos decorrentes de sua atividade produtiva, dispondo a lei sobre os meios de financiar o seu desenvolvimento. Já o art. 185, I, estipula que são insuscetíveis de desapropriação para fins de reforma agrária: a pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra. Portanto, quando o tema for impenhorabilidade da propriedade rural produtiva, é apenas a pequena propriedade que foi albergada pelo direito à impenhorabilidade, logo, perfeitamente possível a penhora da média e da grande propriedade. A pequena e a média propriedade não podem ser desapropriadas para fins de reforma agrária, salvo se seu proprietário possuir outra. 21 Os temas abaixo descritos exigem do candidato uma atenção especial, já que são fruto de constantes questionamentos: a) racismo: a prática do racismo é conduta imprescritível e inafiançável, nos termos do artigo 5º, XLII da CRFB/88. b) ação de grupos armados, sejam eles civis ou militares, quando tendentes a atuar contra a ordem constitucional e contra o Estado Democrático: também é conduta imprescritível e inafiançável, nos termos do art. 5º, XLIV da CRFB/88; b) terrorismo, tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, tortura e crimes hediondos: não são suscetíveis de graça ou anistia, além de serem crimes inafiançáveis. Por estes crimes respondem os mandantes, os executores e os que poderiam evitá-los, mas se omitiram (art. 5º, XLIII). Note-se que tais condutas não são imprescritíveis. 2.2.2.1 Remédios constitucionais O rol do artigo 5º da Constituição Federal ainda apresenta os denominados remédios constitucionais, entendidos estes como garantias fundamentais, cuja finalidade é assegurar a observância de direitos fundamentais. Abaixo serão sumariamente expostos o habeas corpus, o mandadode segurança, o mandado de injunção, o habeas data e a ação popular. 2.2.2.1.1 Habeas corpus Dispõe o art. 5º, LXVIII: conceder-se-á habeas-corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder. Sua origem remonta à Magna Carta de 1215. O habeas corpus destina-se a assegurar às pessoas seu direito de liberdade de locomoção e pode ser impetrado, inclusive, em face de particulares. Pode ser preventivo (ameaça de violência ou coação na liberdade) ou repressivo (para fazer cessar a restrição à liberdade). O habeas corpus também pode ser utilizado para trancar ação penal ou inquérito policial sempre que lhes faltarem justa causa. Por exemplo, pode ser trancado via habeas corpus uma ação penal deflagradora de crime tributário quando a fiscalização encartada pela autoridade fazendária ainda está em curso, ou quando há ajuizamento de ação penal com descrição de conduta atípica. É importante lembrar que punições disciplinares militares não são passíveis de habeas corpus, nos termos do artigo 142, §2º da CRFB/88. O habeas corpus, como valiosa ferramenta de defesa dos direitos humanos, é gratuito (art. 5º, LXXII) e não exige a assinatura de um advogado para ser impetrado. Por derradeiro, recomenda-se ao aluno leitura dos dispositivos constitucionais que estipulam competência específica para impetração de HC quando as pessoas que são mencionados nos artigos 102, 105, 108, 109 e 114 da Constituição Federal de 1988. 22 2.2.2.1.2 Mandado de segurança O mandado de segurança é figura residual, cabível apenas se não for pertinente o habeas corpus ou o habeas data, nos termos do artigo 5º, LXIX da CRFB/88. Para sua impetração exige-se a existência de direito líquido e certo, e que o responsável pela ilegalidade seja autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público. O mandado de segurança não comporta dilação probatória, haja vista exigência de direito líquido e certo, estando disciplinado, atualmente, pela Lei n.º 12.016/2009. Assim como o habeas corpus, o mandado de segurança pode ser preventivo (para evitar a lesão a direito líquido e certo) ou repressivo (para reparar a lesão). Pode ainda o mandado de segurança ser individual (art. 5º, LXIX) ou coletivo (art. 5º, LXX), em nítida hipótese de legitimação extraordinária, isto é, alguém que vai a juízo, em nome próprio, para defender direito alheio. Nesse último caso, são legitimados para impetração: a) partido político com representação no Congresso Nacional; e b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados. Importante atentar que há prazo de 120 dias para impetração do mandando de segurança, de natureza decadencial (que não se suspende nem se interrompe), contados da ciência da violação do direito, pelo interessado. 2.2.2.1.3 Mandado de injunção O mandado de injunção, por não raro motivo, é apontado como a ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão da via difusa. Ele é cabível sempre que a ausência de norma reguladora inviabilizar o exercício: a) de direitos e liberdades constitucionais; b) de prerrogativas inerentes à nacionalidade; c) de prerrogativas inerentes à soberania; d) de prerrogativas inerentes à cidadania. Fica claro, portanto, que o objeto do mandado de injunção é mais restrito que o objeto da ação declaratória de inconstitucionalidade por omissão, já que apenas o conteúdo explicitado pelo constituinte poderá ser alvo da impetração de mandado de injunção. A competência para processo e julgamento do mandado de injunção é do Supremo Tribunal Federal (art. 102, I, “q”, CRFB/88) ou do Superior Tribunal de Justiça (art. 105, I, “h”, CRFB/88), a depender de quem seja a conduta omissiva. A competência será do STF quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição: a) do Presidente da República; 23 b) do Congresso Nacional; c) da Câmara dos Deputados; d) do Senado Federal; e) das Mesas de uma dessas Casas Legislativas; f) do Tribunal de Contas da União; g) de um dos Tribunais Superiores; h) do próprio Supremo Tribunal Federal. Por sua vez, será do STJ a competência quando a elaboração da norma regulamentadora for atribuição: a) de órgão, entidade ou autoridade federal, da administração direta ou indireta, excetuados os casos de competência do Supremo Tribunal Federal; b) dos órgãos da Justiça Militar, da Justiça Eleitoral, da Justiça do Trabalho e da Justiça Federal. Por analogia à possibilidade de impetração de mandado de segurança coletivo, admite-se a impetração de mandado de injunção coletivo, cujo rol de legitimados é o mesmo do mandado de segurança, qual seja: a) partido político com representação no Congresso Nacional; b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados. No pólo ativo do mandado de injunção pode estar todo aquele que se encontre impedido de exercer direitos ou liberdades constitucionais, bem como qualquer prerrogativa inerente à nacionalidade, soberania ou cidadania. Já no pólo passivo estará aquele que deveria ter integrado a norma constitucional e não o fez, como por exemplo, o Presidente da República, o Congresso Nacional, a Câmara dos Deputados, o Senado Federal, o Tribunal de Contas da União etc. Proferida decisão pela procedência do mandado de injunção, surgem várias correntes indicando os possíveis efeitos por ela produzidos. Pedro Lenza aponta que o Supremo Tribunal Federal consagrou a teoria concretista geral, isto é, até que o legislador não atue, vige com efeito erga omnes a decisão proferida pelo STF no caso concreto. Em outras palavras, julgado procedente o mandado de injunção, será dada ciência àquele que deve legislar, nos mesmos termos em que ocorre com a Ação Declaratória de Inconstitucionalidade por Omissão, ou será fixado prazo de 30 dias se tratar-se de autoridade administrativa. No caso de ciência àquele competente para legislar, enquanto não o fizer, vige com efeito geral a decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, a qual assegura o direito pretendido e impede o não-exercício de direitos em razão da inércia do Poder Público. 24 2.2.2.1.4 Habeas data O habeas data destina-se a garantia do direito de informação sobre a própria pessoa. Informação esta constante de bancos de dados públicos ou de caráter público. Assim, o habeas data pode ser impetrado em face de autoridade pública ou em face de autoridade privada inserida na administração de banco de dados que possua caráter público, como ocorre nos cadastros do SPC e SERASA. Com o habeas data pretende-se o acesso, a retificação ou a complementação de informações constantes em bancos de dados públicos ou de caráter público, desde que tenha havido anterior recusa da autoridade por eles responsável. Portanto, só há interesse de agir para impetração de habeas data se a petição inicial do mesmo acompanhar prova da recusa de acesso, retificação ou complementação de informações ou, ainda, da omissão da autoridade após a solicitação. 2.2.2.1.5 Ação popular O conteúdo do artigo 5º, LXXIII, da CRFB/88 deve ser memorizado pelo aluno, já que é frequentemente objeto de indagações, a começar pela legitimidade para a propositura da ação popular, que é reservada ao cidadão brasileiro. O objetivo da ação popular é anular ato lesivo ao: a) patrimônio público; b) moralidade administrativa; c) meio ambiente; d) patrimônio histórico; e) patrimôniocultural. O cidadão que ingressa com ação popular está isento de custas processuais e de honorários de sucumbência, salvo se estiver atuando de má-fé. Por meio da ação popular assegura-se aos cidadãos a interferência direta na coisa pública, em nítido exercício direto do poder (art. 1º, parágrafo único, CRFB/88). Ajuizada a ação popular, qualquer cidadão pode ingressar no feito como assistente ou litisconsorte. Se o autor desistir da ação, qualquer cidadão pode dar prosseguimento ao processo, assim como o Ministério Público. No caso de sentença improcedente em razão de ausência ou insuficiência de provas, qualquer cidadão pode ajuizar nova ação popular para rediscutir a matéria, desde que esteja de posse de novas provas, naturalmente. 2.3 Direitos sociais A Constituição de 1988 trata dos direitos sociais em dois títulos. No Capítulo II do Título II são abordados os direitos sociais, enquanto o Título 25 VIII cuida da ordem social. “Cindindo-se a matéria, como se fez, o constituinte não atendeu aos melhores critérios metodológicos” (SILVA, 2008, p. 285), posto que os direitos sociais compõe a ordem social. Para o conceito de direitos sociais, precisas são as palavras de José Afonso da Silva (2008, p. 286-287): “Assim, podemos dizer que os direitos sociais, como dimensão dos direitos fundamentais do homem, são prestações positivas proporcionadas pelo Estado direta ou indiretamente, enunciadas em normas constitucionais, que possibilitam melhores condições de vida aos mais fracos, direitos que tendem a realizar a igualização de situações sociais desiguais. São, portanto, direitos que se ligam ao direito de igualdade. Valem como pressupostos do gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade.” Os direitos sociais são próprios da segunda dimensão de direitos, isto é, aqueles que reclamam do Estado uma maior intervenção na defesa dos interesses da sociedade e redução das desigualdades sociais. Os direitos sociais também podem ser agrupados em individuais e coletivos, sendo a subdivisão dos mesmos fornecida pelo caput do artigo 6º, segundo o qual são direitos sociais: a) educação; b) saúde; c) alimentação (incluído no caput do artigo 6º pela Emenda Constitucional n.º 64/2010); d) trabalho; e) moradia; f) lazer; g) segurança; h) previdência social; i) proteção à maternidade e à infância; j) assistência aos desamparados. É importante estar atento à recente inclusão da alimentação como direito social, nos termos da modificação operada pela Emenda Constitucional n.º 64/2010. O rol do artigo 7º da Constituição Federal de 1988 equipara trabalhadores urbanos e rurais e lhes assegura, dentre outros direitos que visem a melhoria de sua condição social: I) a proteção do emprego contra a despedida arbitrária ou sem justa causa, assegurada indenização compensatória; II) o seguro-desemprego; 26 III) o fundo de garantia do tempo de serviço (FGTS); IV) o salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; V) piso salarial proporcional à extensão e à complexidade do trabalho; VI) irredutibilidade salarial, salvo acordo ou convenção coletiva de trabalho; VII) garantia de salário, nunca inferior ao mínimo, para os que percebem remuneração variável; VIII) décimo terceiro salário com base na remuneração integral ou no valor da aposentadoria; IX) remuneração do trabalho noturno superior à do diurno; X) proteção do salário na forma da lei, constituindo crime sua retenção dolosa; XI) participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei; XII) salário-família pago em razão do dependente do trabalhador de baixa renda nos termos da lei; XIII) duração do trabalho normal não superior a 8 (oito) horas diárias e 44 (quarenta e quatro) semanais, facultada a compensação de horários e a redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva de trabalho; XIV) jornada de 6 (seis) horas para o trabalho realizado em turnos ininterruptos de revezamento, salvo negociação coletiva; XV) repouso semanal remunerado, preferencialmente aos domingos; XVI) remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em 50% (cinquenta por cento) à do normal; XVII) gozo de férias anuais remuneradas com, pelo menos, um terço a mais do que o salário normal; XVIII) licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias; XIX) licença-paternidade, nos termos fixados em lei; XX) proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei; XXI) aviso prévio proporcional ao tempo de serviço, sendo no mínimo de trinta dias, nos termos da lei; XXII) redução dos riscos inerentes ao trabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança; XXIII) adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei; XXIV) aposentadoria; XXV) assistência gratuita aos filhos e dependentes desde o nascimento até 5 (cinco) anos de idade em creches e pré-escolas; 27 XXVI) reconhecimento das convenções e acordos coletivos de trabalho; XXVII) proteção em face da automação, na forma da lei; XXVIII) seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa; XXIX) ação, quanto aos créditos resultantes das relações de trabalho, com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos e rurais, até o limite de dois anos após a extinção do contrato de trabalho; XXX) proibição de diferença de salários, de exercício de funções e de critério de admissão por motivo de sexo, idade, cor ou estado civil; XXXI) proibição de qualquer discriminação no tocante a salário e critérios de admissão do trabalhador portador de deficiência; XXXII) proibição de distinção entre trabalho manual, técnico e intelectual ou entre os profissionais respectivos; XXXIII) proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de dezoito e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de quatorze anos; XXXIV) igualdade de direitos entre o trabalhador com vínculo empregatício permanente e o trabalhador avulso. É importante frisar, que aos trabalhadores domésticos são constitucionalmente assegurados apenas os direitos constantes nos incisos IV (salário mínimo), VI (irredutibilidade salarial), VIII (13º salário), XV (repouso semanal remunerado), XVII (férias anuais remuneradas), XVIII (licença à gestante), XIX (licença-paternidade), XXI (aviso prévio) e XXIV (aposentadoria), bem como a sua integração à previdência social, consoante estipula o parágrafo único do artigo 7º da Constituição Federal de 1988. Ainda no capítulo atinente aos direitos sociais, há previsão do direito de livre associação profissional ou sindical, observado o seguinte (art. 8º da CRFB/88): a) a lei não poderá exigir autorização do Estado para a fundação de sindicato, ressalvado o registro no órgão competente, vedadas ao Poder Público a interferência e a intervenção na organização sindical; b) é vedada a criação de mais de uma organização sindical, em qualquergrau, representativa de categoria profissional ou econômica, na mesma base territorial, que será definida pelos trabalhadores ou empregadores interessados, não podendo ser inferior à área de um Município; c) ao sindicato cabe a defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais ou administrativas; d) a assembléia geral fixará a contribuição que, em se tratando de categoria profissional, será descontada em folha, para custeio do sistema confederativo da representação sindical respectiva, independentemente da contribuição prevista em lei; e) ninguém será obrigado a filiar-se ou a manter-se filiado a sindicato; 28 f) é obrigatória a participação dos sindicatos nas negociações coletivas de trabalho; g) o aposentado filiado tem direito a votar e ser votado nas organizações sindicais; h) é vedada a dispensa do empregado sindicalizado a partir do registro da candidatura a cargo de direção ou representação sindical e, se eleito, ainda que suplente, até um ano após o final do mandato, salvo se cometer falta grave nos termos da lei. Na sequência, o artigo 9º da Constituição Federal de 1988 assegura aos trabalhadores o direito de greve, um dos mais fundamentais direitos de segunda dimensão. Por meio do direito de greve, a classe trabalhadora consegue evitar a exploração por parte da classe empregadora. A greve é, pois, a paralisação temporária das atividades laborativas em reivindicação de melhorias na relação trabalhista. No entanto, não se admite a completa interrupção de determinados serviços ou atividades. Caso qualquer delas possua caráter essencial, a greve deve respeitar a manutenção de um percentual mínimo de atividade, o qual deve ser destinado a remediar as necessidades inadiáveis da comunidade. É ainda previsão atinente ao capítulo dos direitos sociais, que trabalhadores e empregadores tem assegurada sua participação nos colegiados dos órgãos públicos em que seus interesses profissionais ou previdenciários sejam objeto de discussão e deliberação (art. 10 da CRFB/88). Por fim, consoante dispõe o artigo 11 da Constituição Federal, nas empresas com mais de 200 (duzentos) empregados, é assegurada a eleição de um representante destes com a finalidade exclusiva de promover-lhes o entendimento direto com os empregadores. Contudo, o rol de direitos sociais assegurados à sociedade pela Constituição Federal de 1988 não se exaure no mencionado Capítulo II, do Título II (arts. 6º ao 11), mas se agrega aos constantes do Título VIII (arts. 193 a 232), consoante se passa a analisar. 2.3.1 Ordem social Consta do Título VIII da Constituição Federal de 1988 a maior concentração de direitos sociais, típicos da denominada 2ª dimensão de direitos, os quais traduzem a atuação de um Estado intervencionista, comprometido com a realização da desejada justiça social. Neste título o constituinte abordou temas como a seguridade social (arts. 194 a 204), a educação (arts. 205 a 214), a cultura (arts. 215 e 216), o desporto (art. 217), a ciência e a tecnologia (arts. 218 e 219); a comunicação social (arts. 220 a 224), o meio ambiente (arts. 225), a família, a criança, o adolescente e o idoso (arts. 226 a 230), e os índios (arts. 231 e 232). O artigo 193 da CRFB/88 é fundamental quando o assunto é a ordem social, já que ele estipula que a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais. 29 2.3.1.1 Seguridade social A seguridade social, como sugere o nome, visa o fornecimento de segurança à sociedade, por parte do Estado. Assim, presta-se por três vias: a) a saúde; b) a assistência social; c) a previdência social. A seguridade social rege-se pelos seguintes princípios: a) universalidade da cobertura e do atendimento; b) uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais; c) seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços; d) irredutibilidade do valor dos benefícios; e) equidade na forma de participação no custeio; f) diversidade da base de financiamento; g) caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados. Segundo dispõe o artigo 195 da Constituição Federal de 1988, a seguridade social deve ser financiada por toda a sociedade e entes federados (União, Estados, Distrito-Federal e Municípios). Importante dispositivo atinente a seguridade social é o parágrafo quinto, constante do artigo 195 da CRFB/88, segundo o qual nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total. A Constituição Federal de 1988 é clara ao estipular que a pessoa jurídica que estiver em débito com a seguridade social não poderá contratar com o Poder Público, nem receber benefícios ou incentivos fiscais ou de crédito. Em relação as contribuições sociais, cumpre expor que o artigo 195, parágrafo sexto da Constituição Federal de 1988, estipula que a instituição ou majoração de contribuições sociais sujeita-se ao princípio da noventena, também chamado de anterioridade mitigada (que veda a cobrança do tributo instituído ou majorado antes do decurso de 90 dias da data em que haja ocorrido a publicação da lei que o instituiu ou majorou), mas não se sujeita ao princípio da anterioridade (que veda a cobrança do tributo instituído ou majorado no mesmo exercício financeiro em que ocorreu a publicação da lei que o instituiu ou majorou). O princípio da noventena, assim como o da anterioridade são direitos fundamentais da pessoa humana, que não pode ser surpreendida pelo Estado-fisco. Conteúdo seguinte e de extrema importância, muito embora também diretamente relacionado às matérias tributárias, consta do artigo 195, §7º da Constituição Federal de 1988. Segundo o dispositivo, são isentas (leia-se, 30 imunes) de contribuição para a seguridade social as entidades beneficentes de assistência social que atendam as exigências estabelecidas pela lei. Embora a Constituição Federal tenha empregado o vocábulo “isentas”, trata- se de nítida hipótese de imunidade tributária, fato que o candidato a exames públicos deve estar atento. Guardadas as peculiaridades, a diferença básica entre saúde, assistência social e previdência social é que a primeira será prestada a todos, indistintamente, a segunda será prestada aos mais necessitados, independente de contribuições, e a terceira será prestada apenas àqueles que contribuíram durante os períodos pré-determinados pela Previdência Social, ou que deles eram economicamente dependentes. Passa-se, pois, a sumária análise de cada qual. 2.3.1.1.1 Saúde A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (art. 196 da CRFB/88). No âmbito da saúde, o princípio da universalidade da cobertura e do atendimento (regente da seguridade social) encontra seu ápice, uma vez que o direito à saúde deve ser garantido a todos, sem qualquer distinção. No Brasil, a saúde pública é prestada por um sistema único, o SUS (Sistema Único de Saúde), organizado conforme as seguintes diretrizes: a) descentralização, com direção única em cada esfera de governo; b) atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais; c) participação da comunidade. O financiamento desse sistema único de saúde ocorre com base em recursos da seguridade social e de todos osentes federativos, podendo ainda se valer de outras fontes. Entretanto, a prestação dos serviços de saúde não ficou guardada à exclusividade pelo Estado, que autorizou a atuação da iniciativa privada, a qual pode, inclusive, participar de forma complementar do sistema único de saúde, mediante contrato de direito público ou convênio, possuindo preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos. Em se tratando de instituições privadas com fins lucrativos, é vedada a destinação de recursos público para auxílios ou subvenções. Também foi vedada pelo Constituinte a participação direta ou indireta de empresas ou capitais estrangeiros na assistência à saúde no país, salvo expressa autorização legal. A Constituição Federal de 1988 deixou a cargo do legislador infraconstitucional o estabelecimento de condições e requisitos que facilitem a remoção de órgãos, tecidos e substâncias humanas destinadas a transplantes, pesquisa e tratamento, assim como a coleta, processamento e transfusão de sangue e seus derivados, vedando a comercialização. 31 Portanto, o transplante de órgãos é direito fundamental da pessoa humana, sendo dever do Estado adotar todos os meios necessários a efetivação desse direito que tutela a vida, a integridade e a saúde humana. 2.3.1.1.2 Previdência social Diferentemente da saúde, prestada a todos, indistintamente, a Previdência Social destina seus benefícios apenas aos que com ela contribuíram, ou aos dependentes econômicos destes, atendidos todos os demais requisitos. A segurança social prestada por meio da Previdência abrange: a) cobertura dos eventos de doença, invalidez, morte e idade avançada; b) proteção à maternidade, especialmente à gestante; c) proteção ao trabalhador em situação de desemprego involuntário; d) salário-família e auxílio-reclusão para os dependentes dos segurados de baixa renda; e) pensão por morte do segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, em valor nunca inferior ao salário mínimo. Como diferente não poderia ser, a Previdência Social não pode adotar critérios diferenciados para concessão de aposentadoria aos beneficiários do regime geral da previdência social, ressalvados os casos de atividades especiais, exercidas sob condições que prejudiquem a saúde ou a integridade física e quando se tratar de segurados portadores de deficiências. Os benefícios pagos pela Previdência Social que tenham caráter substitutivo em relação ao rendimento do trabalhador não podem ter valor inferior ao salário mínimo. Logo, quando o benefício não apresentar o caráter de substituição ao rendimento, nada impede que possua valor inferior ao salário mínimo. Para aposentadoria pelo regime geral da Previdência Social, são requisitos: a) 35 anos de contribuição, se homem, e 30 de contribuição, se mulher; b) 65 anos de idade, se homem, e 60 anos de idade, se mulher, reduzido em 5 anos o limite para os trabalhadores rurais de ambos os sexos e para os que exerçam suas atividades em regime de economia familiar, nestes incluídos o produtor rural, o garimpeiro e o pescador artesanal. No caso de professor, cujo tempo de serviço tenha sido exclusivamente dedicado às funções de magistério na educação infantil, de ensino fundamental e de ensino médio, a aposentadoria poderá ser concedida após 30 anos de contribuição, se homem, e 25 anos de contribuição, se mulher. 32 2.3.1.1.3 Assistência social A Assistência Social prescinde de contribuições, destinando-se à segurança dos mais necessitados e sendo prestada a quem dela necessitar. O princípio-referência da Assistência Social é o da seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços. Seletividade, na medida em que as prestações ofertadas pelo Estado por meio da Assistência Social deverão ser feitas de acordo com possibilidades econômico-financeiras da Seguridade Social, e, distributividade, na medida em que ocorre a distribuição de renda aos mais necessitados com base nas contribuições pagas pelos menos necessitados, além, evidentemente, dos valores oriundos de todos os entes federativos. São objetivos da Assistência Social: a) a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice; b) o amparo às crianças e adolescentes carentes; c) a promoção da integração ao mercado de trabalho; d) a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária; e) a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. O mencionado no item “e” refere-se ao benefício assistencial de prestação continuada, pago ao idoso e ao deficiente que não possuírem meios de prover sua própria subsistência, assim entendidos aqueles cuja renda familiar per capita não ultrapassar ¼ (um quarto) de salário mínimo. Portanto, para obtenção deste benefício, dois são os requisitos: a) o de ordem biológica ou fisiológica, isto é, idade ou deficiência; e b) a impossibilidade de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por seus familiares. Por fim, cumpre lembrar que com base no que dispõe o Estatuto do Idoso (Lei n.º 10.741/2003), são consideradas idosas as pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos. 2.3.1.2 Educação, cultura e desporto 2.3.1.2.1 Educação Atento à importância da educação, o Constituinte tratou pormenorizadamente do tema, tendo deixado claro que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, e que visa o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. São princípios constitucionais da educação: a) igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; 33 b) liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; c) pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; d) gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais; e) valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; f) gestão democrática do ensino público, na forma da lei; g) garantia de padrão de qualidade. h) piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal. Mas o ensino, assim como a saúde, não ficou reservado à iniciativa pública, podendo também ser transferido à iniciativa privada, desde que cumpridas as normas gerais de educação nacional e autorizadas após avaliação de qualidade realizada pelo Poder Público. Dentre os conteúdos mínimos obrigatórios para o ensino fundamental, é importante frisar que o ensino religioso é facultativo, haja vista laicidade do Estado brasileiro. Dispõe a Constituição Federal de 1988, que os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil, enquanto que os Estados e o Distrito Federal deverão guardar prioridade para os ensinos fundamental e médio. É importante atentar-se para o vocábulo prioridade, utilizado pelo Constituinte, e não exclusividade. Para o desenvolvimento da educação, da receita de impostos (compreendida a proveniente de transferências), é obrigatória a destinação: a) nunca inferior a 18%, pela União; b) nunca inferior a 25%, pelos Estados, Distrito Federal e Municípios. Em exames públicos, é importante estar atento aos percentuais mencionados. Mais que o dever do Estado em observar tais percentuais, é direito de todos cobrar essaobservância, pois é ela que efetiva, de forma qualitativa, o direito fundamental à educação. 2.3.1.2.2 Cultura A cultura carrega as origens e as crenças de um país, e tem proteção constitucional no Brasil. A todos foi garantido o pleno exercício dos direitos culturais, cabendo ao Estado o apoio e incentivo à valorização e à difusão das manifestações culturais, dentre as quais incluem-se as indígenas e as afro-brasileiras. O Plano Nacional de Cultura, instituído pela Emenda Constitucional n.º 48/2005, rege-se nos termos da lei, tem duração plurianual, objetiva o desenvolvimento cultural do país e à integração das ações do poder público para: a) defesa e valorização do patrimônio cultural brasileiro; 34 b) produção, promoção e difusão de bens culturais; c) formação de pessoal qualificado para a gestão da cultura em suas múltiplas dimensões; d) democratização do acesso aos bens de cultura; e) valorização da diversidade étnica e regional. 2.3.1.2.3 Desporto Também o fomento das práticas desportivas é dever do Estado e constitui direito de todos, devendo-se observar: a) a autonomia das entidades desportivas dirigentes e associações, quanto a sua organização e funcionamento; b) a destinação de recursos públicos para a promoção prioritária do desporto educacional e, em casos específicos, para a do desporto de alto rendimento; c) o tratamento diferenciado para o desporto profissional e o não- profissional; d) a proteção e o incentivo às manifestações desportivas de criação nacional. Consta do parágrafo primeiro, do artigo 217 da CRFB/88, uma importante exceção à regra geral de que é desnecessário exaurir a via administrativa para instaurar a via judicial. Em se tratando de justiça desportiva, e apenas nesse caso, é obrigatório que a via administrativa seja completamente exaurida, sob pena de faltar condição da ação ao postulante na via judiciária. 2.3.1.3 Ciência e tecnologia Em se tratando de tema essencial ao desenvolvimento do Estado, também foi dedicado espaço exclusivo à disciplinação da Ciência e Tecnologia. Compete ao Estado promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológica, pesquisa esta que será voltada, especialmente, para solução dos problemas brasileiros e desenvolvimento da produção em âmbito nacional e regional. A autonomia tecnológica do país será buscada, nos termos de lei federal, pelo incentivo ao mercado interno. 2.3.1.4 Comunicação social É por meio da comunicação social que se efetivam diversos direitos fundamentais. É plena, no Brasil, a liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social, observados, evidentemente, as restrições que lhe são impostas de forma natural por outros direitos fundamentais como, por exemplo, a intimidade e a privacidade. Assim, está vedada a censura, tenha ela natureza política, ideológica ou artística. 35 O Constituinte teve preocupação especial e destinou à reserva da lei federal: a) a regulamentação das diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada; b) o estabelecimento dos meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente. O artigo 221 da Constituição Federal de 1988 enumera os princípios que as emissoras de rádio e televisão devem estar atentas, quais sejam: a) preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; b) promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; c) regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; d) respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família. No que se refere a propaganda comercial de tabaco, bebidas alcoólicas, agrotóxicos, medicamentos e terapias, poderá ser legalmente restrita além de ter que, sempre que necessário, advertir sobre os malefícios decorrentes de seu uso. A propriedade de empresa jornalística e de radiodifusão sonora e de sons e imagens é privativa de brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 (dez) anos, ou de pessoas jurídicas constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sede no País (art. 222, CRFB/88). Mas não só a propriedade, também a responsabilidade editorial e as atividades de seleção e direção da programação veiculada são privativas de brasileiros natos ou naturalizados há mais de 10 (dez) anos, em qualquer meio de comunicação social (art. 222, §2º da CRFB/88). A concessão, permissão e autorização para o serviço de radiodifusão e de sons e imagens é de competência do Poder Executivo e é cercada de garantias. Uma vez concedido ou permitido o serviço das naturezas mencionadas, a não-renovação da concessão ou permissão só será admitida mediante voto de, no mínimo, 2/5 (dois quintos) do Congresso Nacional, em votação nominal, isto é, aquela votação em que é possível identificar quem proferiu qual voto. Antes do prazo de término da concessão ou permissão, só se admite seu cancelamento por decisão judicial. O prazo da concessão ou permissão para emissoras de rádio é de 10 (dez) anos, e para emissoras de televisão é de 15 (quinze) anos. 36 2.3.1.5 Meio ambiente O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um típico direito da 3ª dimensão (ou geração) de direitos. Trata-se de um direito de todos, difuso, sendo dever do Estado e de toda a sociedade zelar por sua proteção e preservação para as presentes e futuras gerações. Ao Poder Público, tendo em vista o acima exposto, a Constituição Federal de 1988 outorgou o dever de: a) preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; b) preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; c) definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; d) exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; e) controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; f) promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; g) proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. Em relação àqueles que exploram recursos minerais, é obrigatória a recuperação do meio ambiente degradado. Ademais, todas as condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão seus infratores, sejam pessoas físicas ou jurídicas, a sanção de natureza penal e administrativa, além da obrigação de reparação dos danos. Fechando o Capítulo destinado ao meio ambiente, é conveniente estar atento que foram declaradas patrimônio nacional, cuja utilização deverá assegurar a preservação do meio ambiente: a) a Floresta Amazônica brasileira;
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