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1 SILVA, Andréia Cristina Lopes Frazão da. Reflexões metodológicas sobre a análise do discurso em perspectiva histórica: paternidade, maternidade, santidade e gênero. In: Cronos: Revista de História, Pedro Leopoldo, n. 6, p. 194-223, 2002. Reflexões metodológicas sobre a análise do discurso em perspectiva histórica: paternidade, maternidade, santidade e gênero* Andréia Cristina Lopes Frazão da Silva** Introdução Os estudos de Semântica, Semiótica e Teoria Literária influenciam, desde a década de 50, a reflexão histórica. As principais contribuições advindas destas áreas do conhecimento alertam para a falta de correspondência direta entre texto, autoria e contexto; destacam que os textos possuem leis próprias de estruturação e construção; sublinham que não existem sentidos naturais ou verdades atemporais e universais. 1 A partir destas contestações, tornou-se evidente que o trabalho do historiador, ao reconstruir o passado, é uma tarefa muito mais complexa do que ler e interpretar os documentos. Fazia-se necessário analisá-los, considerando as particularidades formais dos textos e os processos de produção de sentido. Os historiadores, então, passaram a incorporar conceitos e técnicas, denominadas genericamente como Análise do Discurso, aos seus trabalhos. Contudo, as categorias e as formas de analisar os discursos são múltiplas, variando de teórico para teórico. O termo discurso, por exemplo, recebe diversas significações: é sinônimo de fala, opondo-se, assim, à língua; é qualquer enunciado superior a uma frase; são as regras de encadeamento das frases que compõe um enunciado ou as condições de sua produção (GREIMAS, COURTÉS, s/d: 125-30; REIS, LOPES, 1988: 27-30). Se é inquestionável a contribuição da Lingüística e da Literatura para os estudos históricos, também o são as particularidades de cada um destes campos de conhecimento. Se partilhamos, historiadores e lingüistas, dos mesmos objetos – discursos, falas, textos – partimos de objetivos e perspectivas diferentes ao abordá-los. Assim, cabe ao historiador que se propõe a analisar discursos fazer opções, delimitar o que entende como discurso e as estratégias para analisá-los. É este o objetivo deste artigo. Traçar algumas reflexões sobre o conceito de discurso, em especial dos discursos de gênero, objeto de minhas investigações, e 2 apontar um possível caminho para a sua análise histórica. Neste sentido, além da apresentação dos princípios teórico e metodológicos que norteiam tal empreitada, incluo um exemplo prático de estudo dos discursos. Destaco que não estou preocupada em resolver questões teóricas ainda controversas ou propor uma teoria inovadora. O que apresento aqui é uma síntese, fruto das minhas reflexões teórico- metodológicas2 e de minha experiência docente, 3 que está voltada, sobretudo, para alunos de graduação e pós-graduação que estão iniciando suas pesquisas. Os procedimentos de pesquisa são, portanto, o foco deste artigo. Desta forma, não iremos tratar do projeto de pesquisa, etapa em que o planejamento da investigação é organizado, nem do texto historiográfico, no qual as conclusões de pesquisa são apresentadas segundo as regras próprias deste tipo particular de texto. Discurso: uma proposta de conceituação e de análise histórica Compreendemos discurso como uma construção humana coerente, coletiva, dinâmica, e organizada sobre uma determinada temática. Os discursos são, portanto, saberes, ou seja, compreensões produzidas pelas sociedades sobre as relações humanas, tal como define Foucault (1981). Os discursos não se limitam ao universo das idéias e não antecedem a organização social, tal como apontam os pensadores idealistas, já que é inseparável dela. Fazem-se presentes e constituem as práticas, as relações sociais, as instituições e as representações, ou seja, o social. Assim, tal como aponta Pinto, o social não forma uma totalidade organizada a partir de um centro que determina seu funcionamento, mas é um conjunto múltiplo de discursos (1989:39). 4 Nenhum discurso é totalmente absoluto, pois ainda que se torne hegemônico, não elimina o outro; busca desqualificá-lo, ignora-o. Também não é autônomo ou imutável, já que nasce a partir de outros discursos e deles sofre a interferência. Neste sentido, podemos afirmar que convivem, numa mesma sociedade, múltiplos discursos, com lógicas e preocupações diferentes, que se complementam ou se opõem. A constituição dos discursos, como já assinalamos, é inseparável do social. Porém, a sua materialização produz-se num determinado tempo e lugar, em meio a relações de forças, sob diversas linguagens, verbais ou não verbais (gestos, sons, imagens etc), e sempre para um outro. Ou seja, os discursos fazem-se presente nas 3 enunciações dos sujeitos (que pode ser um coletivo ou um indivíduo) que se dirigem a um dado receptor. 5 Um enunciado não é o discurso: o contém, o expressa, o materializa. Desta forma, um mesmo enunciado pode expressar mais de um discurso ou este pode estar presente de forma involuntária, como um desvio ou um não dito, em uma dada enunciação. Assim, defendemos que a única forma de reconstruir e analisar os discursos e sua dinâmica é através do estudo do enunciado e de sua transmissão, já que só assim é possível verificar como o discurso ganha/produz sentido. Os enunciados são expressões polifônicas e polissêmicas, que possibilitam variadas leituras. Como estrutura-se a partir de leis próprias, específicas de cada linguagem, um enunciado não pode ser analisado como um reflexo direto da visão de mundo de um dado autor ou da organização social na qual este estava inserido. Desta forma, não basta constatar a relação, em um dado enunciado, por exemplo, entre os termos mulher e virgindade. Há que verificar quem enunciou, para quem, de que forma, por que meios, quando, quais eram as relações de força no momento da enunciação e por que esta relação foi estabelecida para alcançar o seu sentido. Na análise dos discursos em história, portanto, há que levar em conta as particularidades do enunciado selecionado e as regras que o constituem, ou seja, o seu sistema abstrato de organização; os elementos extra-linguísticos à enunciação; e, por fim, a sua recepção, circulação e transmissão. A seguir, apresentarei uma proposta de análise das enunciações verbais textuais, 6 visando o levantamento de dados para o estudo dos discursos. O primeiro passo no estudo dos discursos em História é constituir o corpus documental, isto é, delimitar as enunciações que serão estudadas. 7 No caso do uso de documentos impressos, 8 empregue boas edições das fontes, incluindo uma edição na língua original de redação e, sobretudo, que apresentem as variações textuais dos manuscritos. Como “a forma contribui para o sentido” (CHARTIER, 2001: 148), se for possível, utilize edições em fac-símile ou leia descrições sobre os melhores manuscritos e/ou edições, para visualizar a organização espacial do texto, verificando se há marcações, anotações, ilustrações ou qualquer outro elemento que possa evidenciar as formas de transmissão, circulação e apreensão dessas enunciações. 9 4 Há que sublinhar que estamos cientes que nenhum documento é capaz de nos fazer reviver o que passou, mas estamos certos de que eles, como materializações discursivas, permitem uma aproximação com o passado. Esta postura é resumida por Eleonora Costa (1994:190): Em vez de pretender trabalhar os indícios históricos (fontes) com a convicção de que esses nos levam à reconstrução do acontecimento, tomamo-los como uma construção discursiva. Ou seja, a fonte histórica é também um acontecimentoque deve ser desvendado como construção discursiva, como monumento. Como preparação para o estudo das enunciações, é imprescindível, também, familiarizar-se com o que chamamos de sistema de organização da enunciação. Ou seja, há que reconstruir a natureza do documento estudado, sua estruturação, e forma. O segundo passo é inventariar e ler criticamente os textos que apresentam estudos sobre os documentos e a temática de pesquisa selecionados. Este exercício funciona como uma preparação não só para a análise das fontes/enunciações, mas também pode auxiliar na interpretação dos dados; no levantamento de elementos extra-textuais; quanto à recepção, circulação e transmissão das enunciações; e, finalmente, nos pressupostos que darão suporte às suas questões e hipóteses de pesquisa.10 Neste sentido, também há que reunir material de apoio, como dicionários específicos, mapas históricos e cronologias, que podem ser úteis no estudo dos documentos, por exemplo, na localização de áreas geográficas que hoje recebem outros toponômios ou para identificação de pessoas e fatos citados. O terceiro, é definir claramente que tipo de dados deseja levantar no estudo das enunciações, a partir do quadro teórico previamente escolhido e da problemática de pesquisa. Estes elementos são fundamentais para a escolha de uma técnica de análise. Também sugiro que o pesquisador crie códigos particulares para o registro dos dados obtidos na análise. São recomendados símbolos, tabelas, fichas temáticas etc. O quarto passo, escolher uma técnica que permita inventariar os dados. As que listo a seguir resultam da minha leitura dos textos historiográficos, bem como da de trabalhos de Lingüistica e Teoria Literária. Procurei apresentar, para cada técnica, um trabalho historiográfico que, em minha opinião, é representativo de sua aplicação. 5 Estas técnicas de análise dos textos podem ser combinadas, dependendo dos objetivos da pesquisa e da natureza dos documentos a serem analisados. Por serem instrumentos de investigação, que visam somente o levantamento de dados, tais técnicas podem ser empregados em estudos que partam de quadros teóricos distintos. A- Análise lexicográfica Nesta técnica, escolhe-se uma palavra chave ou várias - que podem ser substantivos, adjetivos ou verbos ou ainda um único vocábulo em suas diversas categorias, como casa, casamento, casado ou casar - que denomino como unidade de análise. O(s) termo(s) devem ser selecionados em função do objetivo da pesquisa. Analisa-se o texto identificando onde a(s) palavra(s) figuram, verificando a que elementos ela(s) se relacionam, se associam ou se opõem. Esta técnica é aplicável a qualquer tipo de texto e permite abordagens quantitativas e qualitativas. O artigo de Joël Saugnieux, O Vocabulário da morte na Espanha do século XIII segundo a Obra de Berceo (1996), 11 é resultado de um exemplar uso desta técnica. B- Análise semântica Esta forma de análise atém-se ao estudo do sentido das palavras empregadas pelo autor como indícios de seu discurso. Neste caso também são selecionadas unidades de análise, que, porém, não são termos, mas categorias, como, por exemplo, os adjetivos associados a um personagem em uma certa narrativa. Aplica-se a qualquer tipo de documento e também possibilita abordagens qualitativas ou quantitativas. Identifico o texto de Le Goff, O vocabulário das categorias sociais em São Francisco de Assis e seus biógrafos do século XIIII (2001), como um caso ilustrativo do uso desta técnica. C- Análise sincrônica e diacrônica Com esta técnica, os documentos são analisados à luz de seu contexto literário em perspectiva sincrônica, ou seja, dos textos que lhe são contemporâneos, e diacrônica, dos que o antecederam. É aplicável, sobretudo, a textos que seguem formas fixas de organização, como documentos notariais e poemas, ou que 6 apresentam o mesmo conteúdo narrativo, já que permite apontar as continuidades e as rupturas. O uso desta técnica demanda uma certa erudição, já que exige que um dado documento seja confrontado a outros que lhe são anteriores ou contemporâneos. Aponto, como um exemplo de estudo que aplica esta técnica, o artigo Apresentação dos epitáfios joco-sérios portugueses e castelhanos (2001), de João Adolfo Hansen. D- Análise retórica Desenvolvida deste a Antigüidade, a análise retórica dedica-se a reconstruir a estrutura e a argumentação, apontando as figuras retóricas empregadas, de um dado texto. É ideal para a análise de textos dissertativos, como os jurídicos, os teóricos e os jornalísticos. Um exemplo do uso desta técnica é o texto de Leila Rodrigues da Silva, Prudência, justiça e humildade: elementos marcantes no modelo de monarca presente nas obras dedicadas ao rei suevo, (1997). E- Análise da narrativa Esta técnica é indicada para textos narrativos e/ou descritivos. Nela, busca-se identificar e analisar os diversos elementos que configuram a narrativa e que a tornam um todo de sentido, tais como o gênero literário (épico, drama, lírico) e a forma literária (romance, novela, conto, crônica) em que foi composta, o enredo, as personagens e sua caracterização, a presença ou ausência de um narrador e a sua forma de inserção a narração, se há indicações temporais e/ou espaciais etc. Para um exemplo do uso esta técnica, remeto ao meu artigo Milagros de Nuestra Señora: uma leitura histórica (1994). 12 Como já sublinhamos, o estudo dos discursos e de como eles ganham/produzem sentido não finaliza aqui e só é possível a partir da análise dos dados inventariados nas enunciações à luz do quadro teórico escolhido pelo pesquisador, dos elementos extra- textuais e da recepção, circulação e transmissão do enunciado. Compreendemos como elementos extra-textuais 13 a datação; as circunstâncias de produção do texto; o emissor, que pode ser uma pessoa, um grupo ou uma instituição; o local social e geo-político da confecção do documento; o processo de 7 composição, ou seja, as fontes usadas na redação dos textos, se o material foi revisto ou sofreu a ação de editores, as motivações para sua elaboração. Alguns destes dados podem figurar nos próprios documentos, contudo, na grande maioria dos casos, serão encontrados em textos historiográficos. Quanto à recepção, circulação e a transmissão do enunciado, faz-se importante reconstruir o provável receptor a que se destinava o documento e outros prováveis públicos; o meio da enunciação, ou seja, se foi manuscrito, impresso, oral etc; como este circulou e foi transmitido em variados espaços e no decorrer do tempo; se houve alguma repercussão face a enunciação (crítica, resposta, incorporação em outros enunciados etc). A partir do cruzamento destes dados, o pesquisador chegará às suas conclusões: que discurso, ou conjunto de discursos, se fez presente na enunciação e como ele ganhou e produziu sentido para um determinado receptor, ou receptores, num determinado espaço e tempo. São estas conclusões que deverão guiar a produção do texto historiográfico. 14 Acredito que a aplicação da técnica apresentada pode evitar que o pesquisador use a sua fonte como prova ou mera ilustração; faça somente uma análise literária dos documentos; produza paráfrases; imprima anacronismos e juízos de valor à sua análise. O que propomos aqui, portanto, é uma técnica que permita desconstruir as enunciações chegando, assim, a reconstruir um dado discurso. Desta forma, o estudo dos documentos vai além da hermenêutica, pois, como afirma Mello, “... enquanto a hermenêutica objetiva resgatar o sentido, ou os sentidos, de um texto e interpretá-los, a AD [Análisedos Discursos] preocupa-se com a história dos processos de significação buscando a compreensão dos discursos pela via das suas condições de produção” (1994:147). Um exemplo prático: paternidade, maternidade, santidade e gênero em perspectiva comparativa Dentre os múltiplos discursos que compõem o social, em nossas pesquisas, temos privilegiado os de gênero, ou seja, aqueles que se constituem a partir da 8 diferença biológica que marcam os sexos – macho e fêmea - na espécie humana. Como aponta Roger Chartier, "a diferença sexual é sempre construída pelo discurso que a funda e legitima" (1995, p. 39). Neste sentido, adotamos a definição de Joan Scott: gênero é o saber a respeito das diferenças sexuais (1994: 11-27). Ao adotarmos a categoria de gênero, estamos rejeitando o determinismo biológico e apontando que a distinção entre homem-mulher e masculino-feminino não é natural, universal ou invariante, mas constrói-se discursivamente e está presentes em todos os aspectos da experiência humana e a constituem (FLAX, 1991, p. 230). Nosso estudo, portanto, privilegia a análise dos textos hagiográficos a partir de duas categorias principais: santidade e gênero. Entendemos por santidade o conjunto de comportamentos, atitudes e qualidades que num determinado lugar e tempo são critérios para considerar um indivíduo como venerável, seja pelo reconhecimento oficial pela Igreja ou não. Ou seja, trata-se de um saber, uma construção histórica, que ganha nuanças e particulariza-se em diferentes culturas, espaços e períodos, assim como o gênero. Nossa pesquisa em curso busca discutir, através do estudo dos textos de Gonzalo de Berceo e Tomás de Celano, se as diferenças sexuais socialmente instituídas e o discurso de gênero formulados no seio da sociedade mediterrânica, no século XIII, estão presentes na construção de padrões de santidade. Trata-se de um estudo qualitativo e comparativo. Partimos de quatro pressupostos principais: nos séculos XII e XIII ocorreram transformações nos ideais de santidade, sobretudo nas regiões mediterrânicas, como analisou Vauchez (1989: 211-30); a Igreja, no século XIII, buscou implantar um modelo de sociedade, na qual todos os seus membros deveriam ter espaços e funções definidos (SILVA, 2000a: 218-20); os textos hagiográficos foram uma das estratégias utilizadas pela Igreja para propagar este projeto ideal de sociedade (RUBIN, 1994: 108-29); neste período, houve um crescimento da vida religiosa feminina, não obstante a sistematização do pensamento misógino ocidental (MARTIN, 1996: 422). Selecionamos cinco obras para serem analisadas: duas de autoria de Gonzalo de Berceo e três de Tomás de Celano. Todas são vidas de santos, mas apresentam particularidades, conforme assinalaremos a seguir. 9 Gonzalo nasceu por volta de 1196, em um povoado denominado Berceo, situado em La Rioja Alta, região do reino de Castela. Foi criado no mosteiro de San Millán de la Cogolla, porém foi ordenado como sacerdote. 15 Tornou-se célebre por ter sido o primeiro poeta a escrever em castelhano do qual possuímos dados históricos. Produziu doze obras, todas sobre temas religiosos, em versos: três hinos, três obras marianas, duas obras de caráter doutrinal e quatro obras hagiográficas. 16 Pelo caráter culto de sua produção literária, acredita-se que Gonzalo de Berceo estudou na Universidade de Palência, local onde aprendeu as técnicas que aplicou em seus poemas. É provável, conforme hipótese levantada por Brian Dutton, que tenha escrito suas hagiografias por encomenda, para servirem de propaganda do mosteiro de San Millán de la Cogolla, suscitando ofertas e peregrinações. 17 Dentre os seus poemas hagiográficos, optamos por analisar a Vida de Santo Domingo de Silos (VSD) e a Vida de Santa Oria (VSO), porque tratam de santos que viveram no mesmo espaço e foram contemporâneos. A VSD narra a biografia de Domingo, que foi clérigo secular, eremita e prior do mosteiro de San Millán de la Cogolla no século XI. Após conflitos com o rei Garcia de Nájera, exilou-se em Castela, onde atuou como abade reformador do cenóbio de Silos. Esta obra foi redigida por volta de 1240, a partir do texto latino Vita Dominici Siliensis, da autoria de um monge, Grimaldo, e escrito em fins do século XI. Está composto por 777 estrofes de 4 versos e dividido em três partes. Na primeira apresenta a biografia de Domingo; na segunda, seus milagres em vida e sua morte; e, na terceira, seus milagres após a morte. Este poema foi transmitido por três manuscritos medievais. O primeiro, o S, que se encontra no Mosteiro de Silos, é datado de 1240. Acredita-se que é uma cópia, contemporânea à redação do texto, feita em San Millán de la Cogolla por um monge silense. O segundo é o H, da Real Academia de la Historia, datado de 1360. Trata-se de uma cópia de S, provavelmente realizada para o mosteiro de San Martin de Madrid, então filiado ao Mosteiro de Santo Domingo de Silos. O terceiro, o E, que pertence à Real Academia de la Lengua, só contém fragmentos do poema. Também é do século XIV. Em nosso trabalho, estaremos empregando duas edições críticas e impressas da VSD: a elaborada por Aldo Ruffinato (1992), que, tomando o manuscrito S como base, o corrigiu utilizando E, e a preparada por Brian Dutton (1978), que também parte de S, mas o coteja com H e E. 10 A VSO relata a vida de Oria, que, muito jovem, tornou-se reclusa do Mosteiro de San Millan de la Cogolla. Esta foi, segundo os especialistas, a penúltima obra elaborada por Gonzalo de Berceo, cerca de 1264. É formada por 205 estrofes de 4 versos e parece não ter tido, originariamente, divisões. Acredita-se que a principal fonte latina deste poema foi uma vita, hoje perdida, elaborada pelo monge de San Millán de la Cogolla, Munio, que foi o confessor da santa, no século XI. Este poema foi preservado por um único manuscrito medieval, o F, do século XIV, que se encontra na Real Academia de La Lengua Em nossas investigações utilizaremos duas edições críticas e impressas da VSO. A elaborada por Isabel Úria (1992), que toma o texto de F como base corrigindo-o por I, cópia realizada no século XVIII de um manuscrito medieval, hoje perdido, e a de Brian Dutton (1981), que também se baseia nestes manuscritos. 18 Tomás19 nasceu por volta de 1200 em Celano, cidade situada em Abruzos, região então pertencente ao Reino da Sicília. Ingressou na Ordem Franciscana cerca de 1215. Em 1221, dirigiu-se como missionário para a Alemanha. No ano seguinte, tornou-se o custódio de Wormácia, Maiença, Espira e Colônia. Posteriormente, ocupou o cargo de ministro regional da ordem franciscana naquela área. Voltou para a Itália em 1223, período em que, provavelmente, pôde conviver um pouco com Francisco. Trabalhou, como copista, na biblioteca do Sacro Convento em Assis e deu assistência espiritual às clarissas de Tagliacozzo, cidade da Marca de Ancona. Morreu em 1260. Um dos mais importantes intelectuais da Ordem Franciscana em seus primórdios, Celano possuía uma ampla cultura eclesiástica. Compôs, além de duas vidas de Francisco, a Vida I (1Cel) e Vida II (2Cel) e uma de Clara de Assis, Legenda de Santa Clara (LSC), hinos sacros e textos litúrgicos. 20 A 1 Cel foi escrita por ocasião da canonização de Francisco, no ano de 1228, a pedido do papa Gregório IX. O objetivo da obra era propagar, por toda cristandade, a biografia e os milagres do santo fundador da Ordem Franciscana recém canonizado. Este texto foi, durante algumas décadas, a biografia oficial do santo de Assis. Está organizada em três livros. O primeiro, dividido em 30 capítulos, narra desde o nascimentode Francisco até o ano de 1224. O segundo, com 10 capítulos, tem como temática central os acontecimentos ocorridos nos anos de 1225 e 1226, finalizando 11 com o relato da morte do santo. O terceiro está dividido em duas partes: a primeira trata especificamente do processo de canonização e, a segunda, dos milagres após a morte. A 2 Cel foi escrita entre 1244 e 1247, provavelmente a partir do material entregue após uma solicitação feita ao Capítulo de 1244, para que todos os que possuíssem dados sobre Francisco os remetessem ao ministro geral da ordem. A obra está dividida em dois livros. O primeiro, com 25 capítulos, é uma espécie de complemento à 1Cel. O segundo, escrito na primeira pessoa do plural e repleto de informações inéditas, reúne 198 capítulos, nos quais são apresentados uma série de episódios da biografia, incluindo os relatos sobre a sua morte e canonização, bem como os seus ensinamentos em vida. 21 No momento de sua redação, a Ordem Franciscana estava enfrentando problemas advindos de sua expansão e institucionalização. Por este motivo, nessa biografia, voltada para a edificação dos frades, Tomás procurou exaltar a figura de Francisco e alçá-lo como um exemplo a ser seguido por todos os que optassem por ingressar na Ordem. Por ordem do Capítulo Geral de 1266, que instituiu a Legenda Maior de Boaventura como a oficial de Francisco, todos as outras biografias do fundador da ordem deveriam ser destruídas. Neste sentido, estas obras foram abandonadas pelos franciscanos, sendo preservadas somente por outras instituições religiosas. 1Cel foi reencontrada em 1768, e a 2Cel, em 1806. A primeira edição crítica destas obras só foi feita em 1241 e dela dependem todas as realizadas posteriormente, bem como as traduções. A LSC foi escrita em 1255, por ocasião da canonização de Clara de Assis. Discutiu-se, durante algum tempo, quem seria o autor desta legenda. Pelas características estilísticas, conclui-se que foi Tomás de Celano, hipótese que hoje é consenso entre os pesquisadores. 22 Esta obra está dividida em duas partes. Na primeira é apresentada a biografia, a morte e os funerais de Clara. Na segunda, os milagres após a morte e a canonização. Esta hagiografia dirigia-se às mulheres, sobretudo às clarissas, e tinha como principal meta apresentar Clara como um modelo a ser imitado. Esta obra recebeu uma edição crítica em 1910, a partir do manuscrito 338 da Biblioteca Comunal de Assis. 12 O objetivo geral de nossa pesquisa é identificar as oposições, associações e relações, presentes em cada um dos enunciados selecionados, na caracterização das santas e os santos, a partir das seguintes unidades de análise: corpo, relacionamentos, formação intelectual, espaço de ação, milagres, práticas da espiritualidade, atitudes e comportamentos, atribuições e virtudes. A meta é levantar e contrapor os dados referentes às santas e aos santos em cada autor. Tais dados serão cruzados aos elementos extra-textuais e aos de recepção, circulação e transmissão e, à luz dos conceitos teóricos selecionados, interpretados. Desta forma, acreditamos que poderemos reconstruir os processos de significação do discurso de gênero que permeou a construção da santidade feminina e masculina na enunciação dos dois hagiógrafos mediterrânicos. Para ilustrar nossos procedimentos de coleta de dados nos documentos/enunciações, escolhi como unidade de análise o relacionamento dos santos e santas com seus pais, ou seja, a paternidade e a maternidade. Assim, ao analisar os documentos, vou buscar identificar como tais categorias se articulam ou se opõem à santidade e ao gênero. No estudo, combinei a técnica da análise semântica com a análise da narrativa, pois priorizo os personagens – mães e pais dos santos e santas – e os adjetivos e ações a eles associados. A seguir, transcrevo os trechos da fonte que serão estudados, seguidos dos registros dos dados. O critério para seleção de tais fragmentos foi a referência feita aos pais e às mães das santas e dos santos biografados. Optei por apresentar o texto bilingüe dos documentos. Todos os dados referentes às unidades de análise estão destacados em negrito nos textos transcritos. Para registro dos dados estou usando uma tabela. 23 Ela está subdividida em cinco colunas. Na primeira, anoto a referência do documento; no meu caso, sigo as siglas e a forma de notação universal. Na segunda, listo os dados a destacar. Em alguns casos, transcrevo palavras chaves ou expressões da texto em análise. A terceira coluna reservo para registrar dúvidas que foram suscitadas na análise e/ ou esclarecimentos encontrados. Na quarta, escrevo as conclusões parciais. Na última, lanço tudo aquilo que considero relevante na análise do documento, mesmo que não esteja diretamente ligado ao tema em estudo. 13 VSO 24 11 - Essa virgen preciosa de quien fablar solemos fue de Villa Vellayo segunt lo que leemos; Amuña fue su madre, escripto lo tenemos, García fue el padre, en letra lo avemos. 12 - Fue de Villa Velayo Amuña natural; el su marido sancto, García, otro tal, siempre en bien punaron, partiéronse de mal, cobdiciavan la gracia del Reï celestial. 13- Omnes eran cathólicos, vivién vida derecha, davan a los señores a cascuno su pecha; non fallava en ellos el dïablo retrecha, el que todas sazones a los buenos asecha. 14- Nunca querién sus carnes mantener a gran vicio, ponién toda femencïa en fer a Dios servicio, esso avién por pascua e por muy grant delicio, a Dios ponién delante en todo su oficio. 15 - Rogavan a Dios siempre de firme coraçón, que lis quisiesse dar alguna criazón, que fues al su servicio fuesse, que por otri non, e siempre mejorasse esta devocïón. 16 - Si lis dio otros fijos no lo diz la leyenda, mas diolis uma fija de spirital fazienda, que ovo con su carne baraja e contienda, por consentir al cuerpo nunca soltó la rienda. VSO 25 11 - Essa virgem preciosa de quem estamos falando era de Villa Vellayo segundo o que lemos; Amuña foi sua mãe, escrito o temos, García foi o padre, em letra o possuímos. 12 - Amuña era natural de Villa Velayo, García, o seu santo marido, também; sempre se esforçavam para fazer o bem, apartando-se de mal, cobiçavam a graça do Rei celestial. 13 – Eram homens católicos, viviam vida direita, davam a cada um dos senhores o seu tributo, não encontrava neles defeito o diabo, o que em todos os momentos aos bons engana. 14- Nunca queriam manter suas carnes em grande prazer, se esforçavam para servir a Deus, a isso tinham por festa e por muito grande gozo, punham a Deus a frente de todo o seu oficio. 15 – Sempre rogavam a Deus de firme coração, que lhes quisesse dar alguma descendência, que estivessem ao seu serviço, ao de outro não, e sempre melhorasse esta devoção. 16 - Se lhes deu outros filhos a legenda não diz , mas deu-lhes uma filha repleta de bens espirituais, que contra a sua carne lutou e contendeu, por consentir ao corpo nunca soltou a rédea. 17 – Os pais foram, sem dúvida, santos e justos que foram merecedores de engendrar tal filha: 14 17 - Sanctos fueron sin dubda e justos los parientes que fueron de tal fija engendrar merescientes: de niñez fazié ella fechos muy convenientes, sedién marabilladas ende todas las yentes. 18 - Apriso las costumbres de los buenos parientes, quanto li castigavan ponié en ello mientes, con ambos sus labriellos apretava sus dientes, que non salliessen ende vierbos desconvenientes. de menina ela fazia ações muito corretas, deixava maravilhadas todas as pessoas. 18 - Aprendeuos costumes dos bons pais, logo que a ensinavam guardava tudo na mente, com os lábios apertava seus dentes, para que não saíssem palavras inconvenientes. Tema: Paternidade / Maternidade (VSO 12-18) Referênci a Dado a destacar Questões/ Esclarecimentos Conclusões parciais Outras Observações VSO 12 -14 1- Caracterização dos pais de Oria – Amuña e Garçia- com adjetivos positivos. 1-A caracterização dos pais é coletiva, mas, ao apresentar o nome do pai, o autor acrescenta o aposto “santo marido”. Por quê? 1- Os pais de Oria eram pessoas dedicadas a Deus. 1- Em VSO13 o autor usa o termo homem para referir-se à mãe e ao pai de Oria. VSO 15-17 1-Os pais rogam a Deus por filhos e este concedeu uma filha repleta de bens espirituais porque eles foram merecedores. 1- Filha santa, prêmio pelos pais serem santos e justos. VSO 18 A filha aprendeu os costumes dos O autor estabelece uma relação entre 15 os costumes dos pais. uma relação entre a santidade dos pais e a santidade dos filhos. VSD 5. Señor Sancto Domingo, dizlo la escriptura, natural fue de Cañas, non de bassa natura, lealmientre fue fecho a toda derechura, de todo muy derecho sin nulla depresura. 6. Parientes ovo buenos, del Criador amigos, que siguién los esiemplos de los padres antigos; bien sabién escusarse de ganar enemigos, bien lis vinié en mientes de los buenos castigos. 7. Juhanes avié nomne el su padre ondrado, de liñage, de Mansos, un omne señalado, amador de derecho, de seso acabado, non falsarié judicio por aver monedado. 8. El nombre de la madre dezir no lo sabría, como non fue escrito no lo devinaría, mas ayan la su alma Dios e Sancta María; prosigamos el curso, tengamos nuestra vía. 9. La cepa era buena, engendró buen sarmiento, non fue caña liviana, la que torna el viento; ca de luego fo cuerdo, niño de buen cimiento, de oír vanidades no lo prendié taliento. VSD 5. Senhor Santo Domingo, diz a escritura, era natural de Cañas, de origem nobre, lealmente foi feito com toda retidão, muito direito em tudo sem nenhum defeito. 6. Teve bons pais, amigos do Criador , que seguiam os exemplos dos antigos pais; bem sabiam como esquivar-se de ganhar inimigos, tinham sempre em mentes dos bons ensinamentos. 7. Juhanes tinha por nome o seu pai honrado, da linhagem dos Mansos, um homem insigne, amante do direito, de completo juízo, não haveria falseado juízo por ter enriquecido. 8. Dizer o nome da mãe eu não saberia, como não foi escrito não o adivinharia, mas que tenham a sua alma Deus e Santa Maria; prossigamos o curso, tenhamos nossa via. 9. A cepa era boa, engendrou bom sarmento, não era um caule fraco, que o vento dobra; porque o menino de bom cimento logo foi prudente não o interessava ouvir futilidades. 16 Tema: Paternidade / Maternidade (VSD 5-9) Referência Dado a destacar Questões/ Esclarecimentos Conclusões parciais Outras Observações VSD 5 1- A estrofe caracteriza Domingo como nobre, leal nos atos, direito, e sem defeito. 1- Origem nobre - topos hagiográfico? VSD 6 1- Caracterização coletiva dos pais com bons adjetivos, ressaltando o fato destes imitarem aos pais antigos e de guardarem os bons ensinamentos. 1- Pais como pessoas corretas e bons aprendizes. VSD 7-8 1- Destaque dado ao pai, Johanes, associando-o a adjetivos positivos. 2- O nome da mãe não é mencionado e não é associado a adjetivos positivos. 1- Por que a mãe de Domingo não é associada a adjetivos positivos? 2- Por que a alma da mãe de Domingo é recomendada a Deus e Maria? 1- O autor recomenda, com a expressão “mas ayan la su alma Dios e Sancta María” a mãe de Domingo. VSD 9 1- Relação entre a raiz (Cepa) e o bom sarmento (ramo de vinha) 1- Cepa – refere-se aos pais – mãe e pai – ou só ao pai? 1-O autor estabelece uma relação entre a santidade do pai e do filho. LSC - Incipit legenda Sanctae Clarae virginis Et primo de ipsius ortu. 1 Admirabilis femina, Clara vocabulo et virtute, de civitate Asisii, claro satis genere traxit originem: beato Francisco primum LSC- Começa a legenda da virgem Santa Clara. Antes de tudo, seu nascimento 1 Mulher admirável por seu nome, Clara de palavra e virtude, natural de Assis, de 17 traxit originem: beato Francisco primum concivis in terris, on regnans postmodum in excelsis. Pater eius miles et tota utroque parente progenies militaris; domus bundans, et copiosae, iuxta morem patriae, facultates. Mater eius nomine Ortulana, fructiferam in orto Ecclesiae plantulam paritura, fructibus bonis et ipsa non mediocriter abundabat. Nam quamvis maritali iugo subdita, quamvis curis familiaribus alligata, vacabat tamen proposse divinis obsequiis, insistebat operibus pietatis. Ultra mare siquidem cum peregrinantibus devota transivit, et loca illa perlustrans, quae Deus homo sacris vestigiis consecrarat, tandem cum gaudio remeavit. Iterum ad S. Michaelem Archangelum causa orationis accessit, et Apostolorum limina devotius visitavit. 2 Quid plura? Ex fructu arbor cognoscitur (cfr. Mat 12,33; Luc 6,44), et fructus ex arbore commendatur. Praecessit in radice divini copia muneris, ut in ramusculo sequeretur abundantia sanctitatis. Praegnans denique mulier, et partui iam vicina, cum ante crucem in ecclesia Crucifixum attente oraret ut eam de partus periculo salubriter expediret, vocem audivit dicentem sibi (cfr. Act 9,4): Ne paveas mulier, quia quoddam lumen salva parturies, quod ipsum lumen clarius illustrabit. Quo edocta oraculo, natam infantulam sacro baptismate renascentem, Claram vocari iussit, sperans promissi luminis claritatem pro divinae beneplacito voluntatis aliqualiter fore complendam. De conversatione in domo paterna 3 Edita mox in lucem parvula Clara, tempestivo satis in umbra saeculi coepit clarescere lumine, atque intra teneros annos morum splendescere probitate. Docili corde primum ex matris ore fidei rudimenta suscepit, et spiritu interius conflante pariter et formante, vas revera purissimum, vas esse innotuit gratiarum. Extendebat libenter ad pauperes manum suam (cfr. Prov 31,20) et de abundantia domus suae supplebat inopias (cfr. 2Cor de palavra e virtude, natural de Assis, de família muito preclara, foi concidadã do bem-aventurado Francisco na terra e, depois, foi reinar com ele na glória. O pai era militar, e a família, de cavaleiros, dos dois lados. A casa era abastada e as riquezas, para o padrão local, copiosas. Sua mãe Hortolana, que devia dar à luz a planta frutífera no jardim da Igreja, também era rica em não poucos bons frutos. Embora presa aos laços do matrimônio e aos cuidados familiares, entregava-se como podia ao serviço de Deus e a intensas práticas de piedade. Tanto que, por devoção, foi com os peregrinos ao ultramar e voltou toda feliz, depois de visitar os lugares que o Deus-Homem consagrou com suas pegadas. Também foi ao santuário de São Miguel Arcanjo para rezar e visitou piedosamente as basílicas dos apóstolos. 2 Para que vou dizer mais? A árvore se conhece pelo fruto (cfr. Mt 12,33; Lc 6,44) e o fruto é recomendado pela árvore. Já houve abundância de dons divinos na raiz paraque houvesse abundância de santidade no ramo pequeno. A mãe, grávida, próxima de dar à luz, estava orando ao Crucificado diante da cruz, na igreja, para passar saudavelmente pelos perigos do parto, quando ouviu uma voz que dizia (cfr. At 9,4): Não temas, mulher, porque, salva, vais dar ao mundo uma luz que vai deixar a própria luz mais clara. Instruída pelo oráculo, quis que a filhinha, ao renascer pelo sagrado batismo, se chamasse Clara, esperando que se cumprisse de algum modo, pelo beneplácito da vontade divina, a claridade da luz prometida. Sua vida na casa paterna 3 Apenas dada à luz, a pequena Clara começou a brilhar com luminosidade muito precoce nas sombras do século e a resplandecer na tenra infância pelos bons costumes. De coração dócil, recebeu 18 domus suae supplebat inopias (cfr. 2Cor 8,14) plurimorum. Et ut suum sacrificium gratius esset Deo, proprio corpuscolo delicata subtrahebat cibaria, clamque per internuncios mittens, reficiebat viscera pupillorum. Sic ab infantia secum miseratione crescente (cfr. Iob 31,18), mentem compassivam gerebat, miserorum miserias miserantem. costumes. De coração dócil, recebeu primeiro dos lábios da mãe os rudimentos da fé e, inspirando-a e formando-a interiormente o espírito, esse vaso, em verdade puríssimo, revelou-se vaso de graças. Estendia a mão com prazer para os pobres (cfr. Pr 31,20) e, da abundância de sua casa, supria a indigência (cfr. 2Cor 8,14) de muitos. Para que o sacrifício fosse mais grato a Deus, privava seu próprio corpozinho dos alimentos mais delicados e, enviando-os às ocultas por intermediários, reanimava o estômago de seus protegidos. Assim cresceu a misericórdia com ela desde a infância (cfr. Jó 31,18) e tinha um coração compassivo, movido pela miséria dos infelizes. Tema: Paternidade / Maternidade (LSC 1-3) Referênc ia Dado a destacar Questões/ Esclarecimentos Conclusões parciais Outras Observações LSC 1-2 1- Pai militar 2- Mãe, apesar de casada, servia a Deus. Fez, inclusive, peregrinações a lugares distantes. 1- Esta é a única vez que o pai de Clara é mencionado. Por quê? Morrera quando Clara ainda era criança? 1- O pai é só citado. Seu nome é sequer informado. 2- Todo o destaque vai para a mãe. É estabelecida, pelo hagiógrafo, uma relação entre a santidade da mãe e da filha. 1- Celano usa a mesma imagem, retirada da Bíblia, da relação entre raiz e ramo presente em VSD 9. Aqui a raiz é claramente Hortolana. 2- Os autores partilham dos mesmos símbolos, cuja fonte é, certamente, a Bíblia. LSC 3 1- A mãe como a primeira educadora de Clara. Relação entre a santidade da mãe e da filha, transmitida pela educação dos “fidei rudimenta “. Primeira educação religiosa, no seio da família, e a cargo das mulheres. 19 1 Cel - OPUSCULUM PRIMUM Ad laudem et gloriam Dei omnipotentis Patris et Filii et Spiritus Sancti. Amen. Incipit vita beatissimi patris nostri Francisci Caput I - Qualiter conversatus sit in habitu et animo saeculari. 1- Vir erat in civitate Assisi, quae in finibus vallis Spoletanae sita est, nomine Franciscus, qui a primaevo aetatis suae anno a parentibus secundum saeculi vanitatem nutritus est insolenter et ipsorum miseram vitam diu imitatus et mores, vanior ipse atque insolentior est effectus. Quoniam haec pessima consuetudo apud eos, qui christiano censentur nomine, sic undique inolevit et perniciosa doctrina haec, velut lege publica, ita ubique firmata est et praescripta, ut ab ipsis cunalibus remisse nimis et dissolute filios suos studeant educare. Primo namque cum fari vel balbutire incipiunt, turpia quaedam et exsecrabilia valde, signis et vocibus edocentur pueruli nondum nati: et cum tempus ablactationis advenerit, quaedam luxu et lascivia plena non solum fari sed et operari coguntur. Non audet aliquis illorum, aetatis timore coactus, honeste se gerere, quoniam ex hoc duris subiacet disciplinis. Ideo bene ait saecularis poëta: “Quia inter exercitationes parentum crevimus, ideo a pueritia nos omnia mala sequuntur”. Testimonium hoc verum est, cum eo inimiciora sint illis vota parentum, quo cessere felicius. Sed et cum paulo plusculum aetate profecerint, se ipsis impellentibus, semper ad deteriora opera dilabuntur. Ex vitiata namque radice arbor vitiosa succrescit, et quod semel male depravatum est, vix reduci potest ad regulam aequitatis. Cum vero adolescentiae portas coeperint introire, quales eos fieri arbitraris? Tunc profecto omni dissolutionis genere fluitantes, eo quod liceat eis explere omne quod libet, omni studio se tradunt flagitiis deservire. Sic enim voluntaria servitute servi effecti peccati, arma iniquitatis exponunt omnia membra sua, et 1 Cel PRIMEIRO LIVRO Para louvor e glória de Deus todo-poderoso Pai, Filho e Espírito Santo. Amém. Começa a vida do nosso beatíssimo pai Francisco. Capítulo 1 - Como tinha conduta e mentalidade mundanas. 1- Vivia na cidade de Assis, na região do vale de Espoleto, um homem chamado Francisco. Desde os primeiros anos foi criado pelos pais com arrogância, ao sabor das vaidades do mundo. Imitou- lhes por muito tempo a via mesquinha e os costumes e tornou-se ainda mais arrogante e vaidoso. Esse péssimo costume difundiu-se por toda parte, entre os que se dizem cristãos, como se fosse lei pública, tão confirmada e preceituada em toda parte que procuram educar seus filhos desde o berço com muito relaxamento e dissolução. Apenas nascidas, mal começam a balbuciar e a falar, as crianças aprendem, por gestos e palavras, coisas vergonhosas e verdadeiramente abomináveis. Na idade de abandonarem o seio materno, são levadas não só a falar mas também a fazer coisas indecentes e lascivas. E nenhuma delas ousa, impressionada pelo temor da idade, comportar-se honestamente, pois isso as poderia expor a castigos severos. Bem disse o poeta pagão: “Como crescemos no meio dos hábitos de nossos pais, desde a infância acompanham-nos todos os males”. Este testemunho é bem verdadeiro, pois quanto mais perniciosa é para as crianças a condescendência dos pais, tanto mais elas se sentem felizes em lhes obedecer. Quando crescem mais um pouco, caem por si mesmas em práticas cada vez piores. Uma árvore de raízes más só pode ser má, e o que foi pervertido uma vez dificilmente poderá ser endireitado. Quando chegam às portas da adolescência, que poderão ser esses jovens? Então, no turbilhão de toda sorte de prazeres, sendo- lhes permitido fazer tudo que lhes apraz, 20 iniquitatis exponunt omnia membra sua, et nihil in se christianae religionis in vita seu in moribus praeferentes, solo christianitatis nomine se tuentur. Simulant miseri plerumque se nequiora fecisse quam fecerint, ne videantur abiectiores, quo innocentiores exsistunt. lhes permitido fazer tudo que lhes apraz, entregam-se de corpo e alma aos vícios. Assim, escravos voluntários do pecado, fazem de todos os seus membros instrumentos de iniquidade. Sem nada conservar da religiosidade cristã em sua vida e em seus costumes, defendem-se apenas com o nome de cristãos. Esses infelizes muitas vezes até fingem ter feito coisas piores do que de fato fizeram, para não passarem por mais vis na medida em que são mais inocentes. Tema: Paternidade / Maternidade (1Cel 1) Referênci a Dado a destacar Questões/ EsclarecimentosConclusões parciais Outras Observações 1Cl 1 1- Francisco era vaidoso e arrogante devido à educação dada pelos seus pais. 1- O autor pagão que é transcrito por Celano é Sêneca. 1- O comportamento dissoluto de Francisco é fruto do mesmo comportamento dos pais. 2- Na caracterização dos pais não há diretivas de gênero. 1- O autor faz um longo discurso moralizante sobre a educação dada aos filhos pelos pais, no qual um autor pagão é citado como uma autoridade para sustentar a tese do autor. 2-O uso da imagem da raiz como geradora da árvore também figura nesta obra, mas com sentido negativo. 2 Cel - PRIMUM OPUS. Incipit “memoriale in desiderio animae (cfr. Is 26,8)” de gestis et verbis sanctissimi patris nostri Francisci. 2 Cel - PRIMEIRO LIVRO Começa a “recordação pela qual a alma aspira a” dos feitos e palavras de nosso pai São Francisco 21 De conversione eius. Caput I - Qualiter vocatus est prius Ioannes, postea Franciscus; quod mater prophetavit de ipso, et quod etiam de se ipso futura praedixit, et de patientia in vinculis. 3 Franciscus, servus et amicus Altissimi, cui divina providentia hoc vocabulum indidit, ut ex singulari et insueto nomine opinio ministerii eius toti citius innotesceret orbi, a matre propria Ioannes vocatus fuit, cum de filio irae (cfr. Eph 2,3), ex aqua et Spiritu Sancto renascens (cfr. Ioa 3,5), gratiae filius est effectus. Quae mulier, totius honestatis amica, quoddam virtutis insigne praeferebat in moribus, sanctae illius Elisabeth, tam impositione nominis ad filium (cfr. Luc 1,57-63) quam et spiritu prophetali, aliquo similitudinis privilegio gaudens. Nam Francisci magnanimitatem et morum honestatem admirantibus convicinis, quasi divino instructa oraculo, sic aiebat: “Quid putatis iste filius meus erit (cfr. Luc 1,66)? Meritorum gratia, Dei filium (cfr. Mat 5,9) ipsum noveritis affuturum”. Haec revera nonnulorum erat opinio, quibus, grandiusculus factus, studiis valde bonis placebat Franciscus. Relegabat semper a se omne quod apud aliquem sonaret iniuriam, et urbanis adolescens moribus, omnibus videbatur non illorum parentum, Qui dicebantur eius, prosapia genitus. Ioannis proinde nomen ad opus ministerii pertinet quod suscepit, Francisci vero ad dilatationem famae suae, quae de ipso, iam plene ad Deum converso, ubique cito pervenit. Celeberrimum ideo supra omnium festa sanctorum festum Ioannis Baptistae ducebat, cuius dignitas nominis mysticae virtutis impressit sibi vestigium. Illo inter natos mulierum non surrexit maior (cfr. Mat 11,11), isto inter fundatores religionum non surrexit perfectior. Observatio certe digna praeconio. De sua conversão. Capítulo 1 - Como foi primeiro chamado de João, depois de Francisco, o que também ele profetizou que ia acontecer a seu respeito, e da paciência na prisão 3 Servo e amigo do Altíssimo, Francisco recebeu esse nome por providência divina, para que, por sua singular originalidade, mais rapidamente se difundisse por todo o mundo o conhecimento de sua missão. Recebeu de sua mãe o nome de João quando deixou de ser filho da ira para ser filho da graça, ao renascer da água e do Espírito Santo c. Essa mulher, modelo de retidão, era de uma virtude notável, e teve o privilégio de se parecer com Santa Isabel, tanto pelo nome que deu ao filho como pelo espírito profético. Pois, quando os vizinhos se admiravam da grandeza de alma e da integridade de Francisco, dizia, como que inspirada: “Quem vocês pensam que vai ser este meu filho? Ainda vão ver que, pelos seus merecimentos, vai ser um verdadeiro filho de Deus”. De fato, era essa a opinião de várias pessoas quando, já mais grandinho, Francisco conquistou a simpatia de todos por seus bons esforços. Sempre afastava de si tudo que pudesse parecer injúria para alguém e, como um adolescente bem educado, parecia a todos que não era descendente da linhagem daqueles que eram conhecidos como seus pais. Por isso o nome João convém à missão que recebeu, mas Francisco convinha melhor à difusão de sua fama que, quando ele se voltou plenamente a Deus, chegou rapidamente a toda parte. Para ele a festa mais importante entre as de todos os santos era a de São João Batista, cujo nome insigne o havia marcado com uma força mística. Entre os nascidos de mulher não apareceu nenhum maior do que o primeiro (cfr. Mt 11,11); entre os fundadores de Ordens não houve nenhum mais perfeito do este. Esta observação merece certamente ser proclamada. 22 Tema: Paternidade / Maternidade (2 Cel 3) Referênc ia Dado a destacar Questões/ Esclarecimentos Conclusões parciais Outras Observações 2 Cel 3 1- Mãe como modelo de retidão, associada a Isabel, personagem do NT. 1- O pai não é mencionado. 2- Apesar de elogiar a mãe, não é feita, no texto, uma associação entre a santidade de Francisco e a santidade ou educação dada pela sua mãe. 1-Uso do método alegórico, com o qual faz relações entre os personagens bíblicos e os da 2 Cel. 2-Francisco era um adolescente educado, que não parecia descender da mesma linhagem de seus pais. 1-Francisco não herda de seus pais a educação. Após a análise das enunciações de Gonzalo de Berceo e Tomás de Celano, podemos traçar algumas conclusões. Face ao hagiógrafo italiano, o ibérico faz mais referências aos pais dos santos e santas. Para ele há uma relação direta entre a santidade dos pais e a dos filhos. Porém, ao fazê-lo, ainda que trate os genitores em conjunto, dá destaque aos pais. Assim Garçia, pai de Oria, é um santo marido e Juhanes, pai de Domingo, era honrado, nobre, insigne, ajuizado, honesto. Em Celano ocorre o oposto. Há poucas referências aos pais e mães e, quando há algum destaque, este vai para as mães. Os pais, quando muito, são só citados. Como assinalamos no item anterior, após o levantamento dos dados textuais, há que os cruzar com os extra-textuais e os referentes a recepção, a circulação e a transmissão da enunciação, e interpretá-los a partir de alguns pressupostos, teóricos ou não, que, no que se refere a estas reflexões, já foram apresentados no decorrer É impossível reproduzir aqui todos os passos deste processo cognitivo. Vamos elaborar, contudo, uma síntese ilustrativa. 23 Tanto Celano quanto Berceo escreveram hagiografias, ou seja, textos que têm como temática central um santo ou uma santa, com objetivos didáticos e litúrgicos. Porém, Gonzalo escreveu suas obras em romance, ou seja, a língua usado no cotidiano; em forma de versos; a pedido de um mosteiro que seguia a regra beneditina; celebrizando santos locais que viveram dois séculos anteriores à redação dos poemas. É possível concluir, por tais dados, que suas obras estavam voltadas para um grande público e que, provavelmente, tinham como principal objetivo angariar doações para o mosteiro que patrocinou sua redação. Pelas características formais dos textos, é possível supor que eram lidos em voz alta para os peregrinos que acorriam ao mosteiro de São Millán de la Cogolla. Neste sentido, há uma clara preocupação do autor em realçar a santidade de Domingo e Oria, para ele, manifestada desde antes do nascimento! Este é um topos hagiográfico, retomado para afirmar a superioridade dos santos locais. Ao fazer a associação entre a santidade dos genitores com a dos filhos, porém, Berceo destaca as figuras masculinas. O nome da mãe de Domingonão figura no poema e a ela não é associado, de forma direta, qualquer adjetivo positivo. Trata-se de um não dito. Por outro lado, no caso dos pais de Oria, mesmo que sejam caracterizados em conjunto na maior parte dos versos, ao nome de Garçia é adicionado o aposto “santo marido”, remetendo o seu público ao papel de chefe da família e guia de sua esposa. Além disso, no verso 13a, o poeta usa o termo omnes (homens) ao referir-se ao casal. Em sua enunciação, Gonzalo de Berceo materializa um discurso de gênero, no qual, se há uma associação entre santidade os genitores e seus filhos, ela faz-se possível devido à liderança, sobretudo moral e espiritual, dos pais, homens, no seio da família. Face aos poemas berceanos, as obras de Celano apresentam particularidades: foram escritas em latim; em prosa; a pedido de papas e da maior autoridade da Ordem Franciscana, o ministro geral; narram a biografia e os feitos maravilhosos de santos contemporâneos, para os quais se aspirava o reconhecimento universal e tinham, como principal objetivo, divulgar, principalmente entre o corpo eclesiástico e os próprios membros da nascente Ordem, o culto aos santos recém canonizados - Francisco em 1228 e Clara em 1255 - oficialmente pela Igreja. Há nestas hagiografias, 24 porém, a despeito da mesma autoria/emissor, divergências no tratamento da maternidade e da paternidade. Em 1 Cel, primeira a ser redigida, todo o enfoque está em Francisco. Recém- falecido, a sua trajetória ainda estava viva na memória de muitos. Neste sentido, o autor, apesar de enaltecer a figura do fundador da Ordem Franciscana, não incorpora os topoi hagiográficos típicos de tais obras, como o da santidade herdada, elaborando um texto mais realista e de caráter moralizante. Assim, não sublinha a relação de Francisco com seus pais, mas aproveita este elemento para fazer um longo discurso sobre a vida dissoluta dos genitores e seus efeitos nos filhos. Seu texto, apesar de voltado para toda a cristandade, estava em latim e, portanto, priorizava um público letrado, formado sobretudo por clérigos que, certamente, transmitiriam, oralmente, o discurso de Celano. Desta forma, sem inspirar-se em diretivas de gênero, o autor adverte sobre má influência dos pais na formação dos filhos, defendendo que o pecado dos pais é a raiz dos pecados dos filhos. 2 Cel tem outro público. Dirige-se aos frades, em um momento em que as crises internas, decorrentes do crescimento da ordem, começavam a surgir. Aqui, apesar da figura da mãe de Francisco ser realçada, não é feita nenhuma associação entre a santidade do filho e a santidade da mãe. Esta obra ajusta-se, face a 1Cel, muito mais aos padrões tradicionais das hagiografias; contudo, como relacionar a piedade de uma mulher casada com a santidade de seu filho em um texto dirigido a religiosos celibatários? Por outro lado, a relação entre a santidade de Francisco com a de seu pai era, certamente, impossível, já que os conflitos entre os dois eram de conhecimento geral. Assim, sem poder associar a santidade de Francisco à educação recebida por seu pai, prefere omitir este elemento. O discurso de gênero, neste caso, materializa-se através do silêncio. A LSC é uma hagiografia escrita para as mulheres, sobretudo religiosas, e deseja difundir padrões ideais de comportamento feminino. Assim, nesta obra, há destaque para Hortolana que, apesar de casada, como é sublinhado no texto, era uma mulher piedosa. Ela teria imprimido tal devoção no espírito da filha, que, por sua vez, ela acabou por se tornar uma virgem consagrada a Deus, aperfeiçoando, de certa forma, a vivência da fé ensinada por sua mãe. Os dos modelos ideais de comportamento feminino - a mulher casada, devotada à fé e aos filhos, e a virgem dedicada a Deus - dentre os quais todas as mulheres deveriam optar para seguir, fazem-se presentes na 25 enunciação de Celano. Esta enunciação é uma materialização do discurso de gênero que considera as mulheres como seres naturalmente inferiores e danosos, a si e aos outros, e que só podem se redimir através da fé e das obras de piedade. Faz-se importante ressaltar que as considerações aqui traçadas são uma síntese e não se configuram como um texto historiográfico organizado que, como já sublinhamos, possuem regras próprias de estruturação. As conclusões a que chega um pesquisador deverão, portanto, nortear a produção do texto que não irá relatar, tal como foi feito aqui, as diversas etapas da pesquisa, mas apresentar, fundamentado em vários argumentos, as conclusões de sua pesquisa. Contudo, este é um tema para um novo artigo... Conclusão Na perspectiva pós-estruturalista que adotamos, o social é um conjunto múltiplo de discursos. Neste sentido, os discursos são constituídos a partir de outros discursos e deles sofre a interferência. Nenhum discurso é totalmente absoluto, ainda que hegemônico, já que um dado discurso não elimina o outro. No estudo dos discursos há que ter em mente que a sua constituição, sua formulação e sua circulação são etapas distintas. É através de sua enunciação que o discurso, previamente constituído, formula-se, materializa-se. Assim, é só através do estudo da enunciação é que se pode chegar ao discurso. A enunciação, contudo, ocorre num determinado tempo e lugar e para um dado receptor. É justamente no ato da enunciação e da recepção que o discurso produz/ganha sentido. Assim, não basta estudar um enunciado, há que reconstruir os processos de formulação dos discursos e de sua circulação. Para o estudo dos enunciados propomos algumas técnicas, sublinhando, contudo, que elas são um mero instrumento de levantamento de dados. É um trabalho empírico que não exclui a necessidade de uma reflexão, a partir de pressupostos teóricos e não teóricos, dos dados coletados, que incluem não só os textuais, mas também os extra-textuais e os referentes à sua recepção, circulação e transmissão. 26 Esperamos que a técnica aqui apresentada venha a auxiliar os estudantes que estão se iniciando em suas pesquisas em História. Longe de ser uma proposta inovadora, o que apresentamos aqui é uma síntese, constituída a partir da leitura de autores teóricos, de textos historiográficos, da conversa com alunos e colegas 26 e, sobretudo, do ensaio e erro em nossas atividades de pesquisa e orientação. O que propomos é um auxílio para a sistematização das pesquisas sobre os discursos e de seus processos de significação, em especial para a análise das enunciações, mas que não deve se constituir como uma camisa de força, mas funcionar como uma espécie de diretriz que deverá ser adaptadas à natureza e ao cotidiano de pesquisa de cada um. Bibliografia: BACCEGA, M. A. Palavra e discurso. História e literatura. São Paulo: Ática, 1995 BARDIN, L. Análise de Conteúdo. Lisboa: Ed. 70, s.d. BARTOLI, M. Clara de Assis. Petrópolis: Vozes-Família Franciscana do Brasil, 1998. CARDOSO, C. F. Semiótica, História e classes sociais. In: ___. Ensaios racionalistas. Rio de Janeiro: Campus, 1988. p. 61-92. ___. , VAINFAS, R. 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Notas * Texto publicado em Cronos: Revista de História, Pedro Leopoldo, n. 6, p. 194-223, 2002. ** Professora do Departamento de História e do Programa de Pós-graduação em História Comparada (PPGHC) da UFRJ; Co-coordenadora do Programa de Estudos Medievais (Pem) da UFRJ; Pesquisadora do CNPq. 1 Sobre o impacto dos estudos de Semântica, Semiótica e Teoria Literária na História ver, dentre outros trabalhos, ROBIN, 1977; CARDOSO, 1988; CHEVALIER,1988; BACCEGA, 1995; 29 CARDOSO, VAINFAS, 1997: 375-400; MCNALLY, 1999. 2 Estas reflexões teóricas estão relacionadas ao desenvolvimento do projeto Santidade e Gênero na Hagiografia Mediterrânica no século XIII: um estudo comparativo, que desde agosto de 2001 recebe apoio financeiro do CNPq. 3 Durante o primeiro semestre letivo de 2002 ministrei, no Programa de Pós-Graduação em História Comparada da UFRJ, uma disciplina voltada para a abordagem das questões que figuram neste artigo. Assim, o material aqui apresentado é, em grande parte, resultado das discussõesrealizadas com os alunos durante o curso. Agradeço ao grupo, formado pelas alunas Alessandra Costa Mamede, Carolina Vianna, Daniele Gallindo Gonçalves e Souza, Elisabeth da Silva dos Passos, Fabrícia Angélica Teixeira de Carvalho, Irenilda R. B. de R. M. Cavalcanti e Rita de Cássia Damil Diniz. A elas dedico este trabalho. 4 Não desconhecemos as diversas críticas que têm sido levantadas contra a postura teórica que adotamos, sobretudo de autores da escola marxista. Sobre estas críticas ver, dentre outros, as obras de FREADMAN e MILLER, 1994; EAGLETON, 1997; WOOD e FOSTER, 1999. 5 Sobre os três momentos nos processos de produção do discurso, ver ORLANDI, 2001. 6 A opção pelo material verbal justifica-se por dois motivos: minha formação acadêmica e o fato de que a maioria dos historiadores ainda prioriza os textos verbais. 7 Estas enunciações podem ser verbais ou não verbais, orais ou escritas. Porém, como já assinalamos, priorizamos, aqui, os textos verbais escritos. 8 Estou me referindo aos textos manuscritos, sobretudo os antigos e medievais, que se tornam públicos através de edições impressas ou livros eletrônicos. 9 Para a contribuição dos aspectos formais do texto no estudo das enunciações ver SILVA, 2000b. 10 Como assinalamos na introdução, não trataremos, nesse artigo, da redação do projeto de pesquisa. Gostaríamos de ressaltar, porém, que em nossa perspectiva, os pressupostos da pesquisa não se resumem ao quadro e conceitos teóricos, mas é tudo aquilo de onde o pesquisador parte, suas premissas, idéias-base, a partir das quais o autor constitui suas questões de pesquisa. Ao apresentar minha pesquisa em desenvolvimento, aponto quais são os meus pressupostos. Este exemplo pode ser elucidativo sobre o que entendemos por pressupostos. 11 Optamos por citar trabalhos disponíveis em português, para facilitar a consulta dos leitores. A referência completa de tais obras encontra-se na bibliografia final. 12 Este trabalho, escrito no início da década de 90, parte de pressupostos teóricos distintos dos que empregamos no presente. 13 O que é definido como elementos extra-textuais ou extra-discursivos, como denominam alguns, variam de autor para autor. 14 Uma das grandes dificuldades dos alunos de graduação e pós-graduação é justamente separar as etapas da pesquisa propriamente dita - momento de levantamento, seleção, análise, interpretação e conclusão sobre os dados – da de redação, quando há que transformar os resultados da pesquisa em um texto organizado, com coerência, clareza e profundidade. Este tema não será tratado neste artigo. Sugiro a leitura de textos que apresentem dicas para a organização de idéias e redação e, no caso específico da escrita historiográfica o artigo de D’ASSUNÇÃO, 2000. 15 Sobre a biografia de Gonzalo de Berceo ver SILVA, 2001. 16 Gonzalo de Berceo compôs três hinos - dedicados à Virgem, ao Espírito Santo e a Jesus-, além dos poemas marianos Milagros de Nuestra Señora, Loores de Nuestra Señora e El duelo de la Virgen; as obras doutrinais Del sacrificio de la Misa e Los Signos del Juicio final e, por fim, os textos hagiográficos Martirio de San Lorenzo, Vida de Santa Oria, também 30 intitulada por alguns estudiosos como Poema de Santa Oria e as já mencionadas Vida de San Millan de la Cogolla e Vida de Santo Domingo de Silos. 17 Segundo Brian Dutton, com exceção das obras doutrinais, todos os demais poemas berceanos apresentam temáticas em estreita ligação com o cenóbio emilianese: Millán, segundo a tradição, fora o fundador do mosteiro, no século VI; Oria foi emparedada deste mesmo mosteiro no século XI; Domingo, o reformador do Mosteiro de Silos, fora monge e prior do cenóbio de la Cogolla no século XI; Lorenzo, martirizado durante a perseguição aos cristãos sob Décio, em meados do século III, foi homenageado por Millán, que deu o seu nome a uma montanha onde viveu como eremita; quanto às obras marianas, estariam relacionadas à Igreja de San Millán de Yuso, dedicada à Virgem (DUTTON, 1984:177-83). 18 Possuímos também, dessas obras berceanas, uma edição em fac-símile. 19 Sobre a biografia e as obras de Tomás de Celano ver PRINZIVALLI, 1999 e PEDROSO, 1998: 20-9. 20 São atribuídas a Tomás de Celano o hino Dies Irae, o Fregit Victor Virtualis, a Sanctitat Nova Signa, o Tratado dos Milagres e uma Legenda Coral da Vida de Francisco de Assis para uso litúrgico. 21 Sobre a expansão, institucionalização e os problemas internos da Ordem ver DESBONNETS, 1987; MERLO, 1999; PELLEGRINI, 1999. 22 Uma síntese sobre o debate quanto a autoria da LSC ver BARTOLI, 1998: 17. 23 Cada pesquisador deve construir a sua própria forma de registro de dados, adaptado aos temas de pesquisa e, sobretudo, suas características individuais. A que figura aqui é só um exemplo ilustrativo. 24 A referência completa da edição impressa da documentação aqui transcrita encontra-se na bibliografia final. 25 A tradução dos versos transcritos da VSD e VSO foi feita pela autora do artigo. 26 Dentre os colegas com os quais tenho discutido tais questões, destacam-se as professoras doutoras Leila Rodrigues da Silva e Maria Cristina Correia Leandro Pereira. Deixo registrado, aqui, meu agradecimento às suas sempre preciosas críticas e sugestões.
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