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O valor do amanha CAP7

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7. A escolha intertemporal no ciclo de vida: infância e juventude
O ciclo de vida descreve um arco de formação, auge e declínio: infância e juventude; maturidade; velhice e decrepitude. A relação entre essas etapas, como vimos (pp. 25-8), não é de mera contiguidade no tempo, mas embute uma troca intertemporal: “viver agora, pagar depois”. Os genes descontam o futuro e o corpo jovem prospera às custas do corpo velho. Quais são os efeitos desse fato biológico sobre o processo de formação de crenças e escolhas intertemporais? Como o ciclo de vida influencia a percepção do tempo e como ele molda e altera as nossas preferências temporais? De que modo a psique e a conduta do animal humano tendem a reagir e lidar com os desafios, oportunidades e ameaças do arco finito de duração desconhecida que é a vida? Existiriam padrões comuns, ou seja, regularidades e tendências capazes de conferir maior inteligibilidade e coerência à imensa pluralidade de situações culturais e trajetórias individuais?
“Nascer: findou o sono das entranhas.” O recém-nascido tem todo o futuro pela frente, mas não dispõe do equipamento cerebral e mental para concebê-lo. Vive a imediatidade do instinto, sob a égide de seus estados viscerais. A sobrevivência do bebê humano — um dos mais frágeis e desamparados seres da natureza — depende de uma sofisticada rede de proteção que não só garanta seu sustento por vários anos (ao contrário dos chimpanzés e gorilas, ele não é capaz de se alimentar por si logo que desmama) como consiga ainda mantê-lo constantemente a salvo de si mesmo, dada sua notória falta de medo e senso de perigo. A virulência na expressão de carências e desconfortos viscerais é sua grande arma na luta pela vida.
(Difícil não lembrar, nesse contexto, a definição sugerida por Hobbes do homem mau como uma criança de colo em corpo adulto: “Se não dermos a elas tudo que pedem, elas serão impertinentes, e chorarão, e às vezes até baterão em seus pais, e tudo isso farão por natureza [...] um homem perverso é quase a mesma coisa que uma criança que cresceu e ganhou força e se tornou robusta, ou um homem de disposição infantil”. Ao que Diderot, bem-humorado, emendou: “Imagine um bebê de seis semanas com a imbecilidade mental apropriada à sua idade e a força e as paixões de um homem de quarenta. Obviamente, ele vai golpear o pai, violentar a mãe e enforcar a babá. Ninguém que se aproxime dele estará seguro”.)6
No polo oposto ao do recém-nascido — no limiar da porta de saída do arco da vida — o moribundo vive uma situação análoga. “Quando se está morrendo”, relata alguém que viu e viveu a experiência de perto, “está-se ocupado demais para pensar na morte: todo o organismo se dedica a respirar.”7 O aqui-e-agora do sobreviver minuto a minuto tiraniza a mente e comprime a percepção do tempo ao presente absoluto. Se é verdade que “quanto mais próximo um ser humano está da natureza, menos passado e futuro figuram em sua mente”, então o recém-nascido e o moribundo ocupam as fronteiras dessa dupla atemporalidade que (ao que parece) demarca o tempo mortal: o pré-nascer e o pós-morrer. A seta do arco da vida — flecha do tempo — é unidirecional. Os extremos, porém, se tocam. Para o moribundo, assim como para o recém-nascido, o passado e o futuro não existem como realidades subjetivas. A diferença é que, para o primeiro, isso corresponde, talvez, a uma verdade objetiva no tocante ao porvir.
Até que ponto uma criança é capaz de esperar? A paciência, como qualquer pai e qualquer mãe sabem e todo adulto possivelmente recorda, não é o forte da psicologia infantil, ainda que nenhuma criança seja proto-hobbesiana tempo integral. O que é menos conhecido é que os atributos da escolha intertemporal na infância — em diferentes idades e circunstâncias — vêm sendo investigados de modo sistemático por meio de uma fabulosa bateria de testes que visa elucidar seus principais elementos e mecanismos. O experimento clássico nesse campo de pesquisa — exaustivamente replicado e variado — teve os seguintes parâmetros básicos:8
 
a capacidade de espera das crianças:
um experimento
 
 
Uma criança pequena é introduzida numa sala e apresentada a um adulto que lhe convida a escolher uma entre duas alternativas antes de se retirar. Se ela decidir tocar a qualquer momento um sininho que está ao seu alcance, o adulto retorna à sala naquele exato instante e ela ganha uma unidade do confeito de que ela mais gosta. Mas, se ela não tocar o tal sininho e aguardar até que o adulto reapareça por si mesmo, então ela receberá como prêmio não uma, mas duas unidades do confeito. O adulto se retira e deixa a criança a sós, com as duas opções de confeitos no seu campo visual mas sem que ela tenha como pegá-los. Se a criança não tocar o sininho, o adulto espontaneamente retorna à sala após um intervalo máximo de vinte minutos.
 
 
O dilema é claro: menos antes ou mais depois? A espera promete: 100% de juros reais em vinte minutos, ainda que a duração do prazo só se torne conhecida ex post. O resultado, qualquer que seja, dependerá de dois fatores principais: (a) da força do apelo à espera, ou seja, da intensidade e do brilho da expectativa do mais depois na mente da criança, e (b) da sua capacidade efetiva de espera, ou seja, de sua força de vontade e competência prática para não ceder ao impulso de ficar com o menos antes, mas aguardar e obter o prêmio/juro desejado.
Na prática, o resultado empírico do teste se revela fortemente ligado à idade. Ao passo que as crianças com até quatro anos invariavelmente tocam o sininho, embora com diferenças no lapso de tempo transcorrido antes de fazê-lo, a proporção das que se dispõem a esperar até o final do experimento (vinte minutos) atinge cerca de 60% para as que têm doze anos de idade. É no período formativo dos quatro aos doze anos, portanto, que o equipamento cerebral e mental da escolha intertemporal amadurece e começa a se fazer mais atuante, pelo menos potencialmente, na vida do animal humano.
A experimentação controlada não é o laboratório da vida. O que surpreende, porém, é verificar que ela parece capaz de prever com razoável grau de sucesso aspectos relevantes da trajetória futura dos indivíduos. Estudos longitudinais com crianças que participaram nos “testes de gratificação postergada” indicam que a capacidade de espera em idade pré-escolar está correlacionada com resultados de longo prazo em suas histórias de vida. As crianças que, já a partir dos quatro anos, revelaram maior disposição e aptidão à espera obtiveram notas mais altas no ensino médio, maior taxa de acesso à universidade e melhor desempenho acadêmico. Na idade adulta, elas apresentaram outros traços pessoais e sociais correlatos, como menor incidência de tabagismo e abuso de drogas, menor índice de delinquência e de conflitos familiares sérios.9
Esse padrão estatístico, é evidente, pouco nos diz sobre cada indivíduo concreto e sua irredutível singularidade. Além disso, o que vale para o ambiente sociocultural anglo-americano, onde foi realizada a imensa maioria dos estudos, não se aplica necessária e linearmente a outras culturas e sociedades. Nem todos os sistemas educacionais valorizam de igual modo a capacidade de refrear a impulsividade e pelejar na competição por recompensas remotas. Uma lição de caráter geral, entretanto, parece clara: pequenas diferenças no início da jornada — a disposição de esperar alguns segundos ou minutos adicionais para obter um ganho extra na satisfação de um desejo — podem se compor dramaticamente ao longo dos anos, em inúmeras situações e dilemas do cotidiano, de maneira a produzir discrepâncias palpáveis nas trajetórias futuras de vida. Pequenas causas, grandes efeitos: “uma sequência de pequenos atos de vontade conduz a grandes resultados” (Baudelaire).
Brincar ou estudar? Não é à toa que pais e mestres costumam interceder, às vezes de forma desajeitada ou pouco eficaz, com ameaças e promessas (“chinelo e chocolate”). É a voz rarefeita do futuro querendo se fazer ouvir e respeitar no presente. Se o paternalismo é condenávelna relação entre adultos, o que de resto nem sempre é um ponto pacífico, a impaciência infantil faz dele a regra do jogo na relação entre adultos e crianças. O castigo prospectivo equivale à conta de juros a pagar (posição devedora); o mimo ou recompensa é a receita esperada de juros pelas metas alcançadas (posição credora).
A elevada impaciência infantil, aos olhos dos adultos, decorre da combinação de uma tíbia faculdade de figurar mentalmente o amanhã (antevisão) e uma baixa capacidade de resistir ao apelo de estímulos e impulsos circunstanciais (autocontrole). A resultante é uma forte propensão a desfrutar o momento e descontar o amanhã. A razão é simples: o equipamento cerebral e mental da criança não está ainda de todo constituído.
Coisa inteiramente distinta, no entanto, é o fenômeno da impaciência juvenil. Existem jovens, é verdade, que vivem como velhos, assim como velhos que teimam em viver como jovens. Mas o que fica implícito na identificação de ambas as situações é que, embora o tempo subjetivo nem sempre afine com o ciclo biológico, existe uma noção clara e amplamente compartilhada acerca do que significa jovialidade.
A reprogramação hormonal da puberdade assinala a passagem da infância à juventude. No exato momento em que o equipamento básico da escolha intertemporal, responsável pelas faculdades de antevisão e autocontrole, encontra-se finalmente pronto e apto a atuar de forma mais plena, a natureza nos reserva uma deliciosa surpresa. Ela faz eclodir um coquetel de hormônios (derivado do verbo grego hormân: “pôr em movimento, excitar”) no metabolismo do animal humano: testosterona e estrogênio.
“A juventude”, sintetiza lapidarmente o duque de La Rochefoucauld, “é uma longa intoxicação: ela é a razão em estado febril.”10 O enredo da vida ganha pathos e vibração. O coração se agita, e os nervos se inflamam. Eletricidade e alvoroço. Importantes apostas — decisões de longo alcance — terão que ser feitas à luz de expectativas sobre o amanhã. A infância é o prefácio da obra — página virada. O melhor está por vir.
O raiar da juventude coincide com uma ampliação do horizonte temporal. O resultado, porém, é assimétrico. O passado é quase nada; o futuro é tudo. O tempo à frente parece se espraiar para muito além do que a vista alcança ou consegue divisar. O contraste com a perspectiva da velhice é bem retratado por Schopenhauer:
 
Encarada do ponto de vista da juventude, a vida é um futuro indefinidamente longo, ao passo que na velhice ela parece um passado deveras curto. Assim, a vida no seu início se apresenta do mesmo modo que as coisas quando nós as olhamos através de um binóculo usado ao contrário; mas, no seu final, ela se parece com as coisas tal como são vistas quando o binóculo é usado do modo normal. Um homem precisa ter envelhecido e vivido bastante para perceber quão curta é a vida.11
 
O uso parcimonioso do tempo — e também do dinheiro, como nota Aristóteles — não é um atributo juvenil.
O jovem, portanto, ainda que naturalmente impulsivo e entregue às demandas e apelos do momento (sua visão generosa do tempo favorece isso), tem a faculdade da antevisão. Ele figura em sua mente um amanhã. O futuro, entretanto, o que é? Uma abstração, um romance por ser escrito, uma película virgem a ser filmada e roteirizada com a câmera da imaginação. O passado — quase nada — é lenha calcinada; o futuro — vastas possibilidades — é promessa de combustão. Ao contemplar a vida que tem inteira pela frente, o jovem procura rechear o vácuo do futuro com a fantasia. Ocorre que sua antevisão do amanhã é tudo menos um esforço frio e sóbrio de encarar limites, aceitar a existência de trade-offs ou fixar probabilidades minimamente objetivas. Aos olhos de um jovem — e por razões compreensíveis —, conceber o futuro, imaginar tudo o que a vida lhe promete e reserva, não é exercício de previsão — é sonho.
Alguns, é claro, voam mais alto que outros. Quando o juízo decola, Ícaro despenca. “Como acredita o homem, em sua juventude, estar tão perto de seu objetivo!”, exclama Hölderlin. “É a mais bela de todas as ilusões com a qual a natureza ampara a fraqueza de nosso ser.” A confissão do poeta, ainda que representando um ponto extremo, traduz uma experiência que, em diferentes graus e contextos, é provavelmente comum a todos. Daí que, como dirá Machado de Assis com a fina mordacidade de sua verve, “um dos ofícios do homem é fechar e apertar muito os olhos a ver se continua pela noite velha o sonho truncado da noite moça”. Se é verdade que os homens, como sugere David Hume, “têm em geral uma propensão muito maior para superestimarem a si próprios do que para se subestimarem”, o que dizer então dos jovens? O pai da teoria econômica, Adam Smith, tutor e professor de jovens universitários, responde: “Em nenhuma fase da vida humana o desprezo pelo risco e a esperança presunçosa de sucesso se encontram mais ativos do que naquela idade em que os jovens escolhem sua profissão”.12
A psicologia temporal da juventude abriga, portanto, dois vetores dominantes. De um lado, a impulsividade: o vigor dos sentidos e a veemência dos afetos na flor da idade reforçam o apego ao momento e suas oportunidades de desfrute imediato. De outro, o otimismo: a perspectiva de um tempo indefinidamente longo à frente e a disposição sonhadora diante do que a vida promete — se não a todos, ao menos a si próprio — reforçam a confiança no futuro pessoal.
“Sonhe como se for viver para sempre; viva como se for morrer amanhã.” A fórmula atribuída ao (jovem) ator James Dean não precisa ser sugerida ou prescrita aos jovens. Pois ela traduz de forma impecável.
a percepção espontânea do tempo e a subjetividade características do modo de ser juvenil: a existência como uma sucessão de dias e momentos isolados a serem vividos intensamente, um por vez, e um futuro pessoal auspicioso — venturoso e feliz — que se desenrola a perder de vista no horizonte à frente. Quem pediria mais?
A resultante desses dois vetores, do ponto de vista da escolha intertemporal, é clara e unívoca como uma flecha. Ambos conspiram em uníssono na mesma direção: uma forte preferência pelo presente em relação ao porvir, ou seja, uma elevada taxa de desconto do futuro. O efeito do primeiro vetor — a impulsividade — é imediato. A atração pelo prazer e a aversão à dor atam-nos ao presente. Quaisquer que venham a ser suas consequências posteriores, entregar-se com ímpeto e abandono ao momento que passa e se oferece — uma vocação natural da juventude — significa ipso facto atribuir um valor maior ao aqui-e-agora do que ao amanhã. Diante das “pernas de louça da moça que passa”, em nome do que esperar? O carnaval aí está. É a lógica do carpe diem horaciano.13
O mecanismo e o efeito do segundo vetor — a confiança no futuro — são mais sutis, mas não menos operantes. A impulsividade é a força do presente na ação. A antevisão de um amanhã melhor — próspero e vitorioso — é um convite a antecipar no tempo, isto é, a procurar usufruir ou tirar partido desde já do que o futuro promete. Isso tem lugar na imaginação, é claro, mas também — na medida do possível — na ação. Essa “medida do possível” atende pelo nome de crédito, termo derivado do verbo latino credere: “confiar, acreditar”. “Ter crédito” significa, portanto, ser merecedor de confiança, ou seja, de que acreditem naquilo que se promete ou penhora fazer.
A lógica dessa operação transparece de forma cristalina na trama deO mercador de Veneza. O jovem e impetuoso Bassanio está enamorado de Portia, uma jovem, linda e solteira aristocrata, herdeira de um fabuloso dote. Acontece, porém, que ele precisa de recursos de que não dispõe para poder cortejá-la e sobrepujar seus rivais. A saída é tomar um empréstimo. Mas como obter crédito sem ter o que dar em garantia? Entra em cena o amigo e protetor, Antonio: um rico empresário do comércio colonial ultramar que aceita intermediar a operação. Como todo o seu capital está naquele momento aplicado em embarcações comerciais que só retornarão a Veneza no futuro, ele toma um empréstimo em seupróprio nome, oferece uma garantia que supõe supérflua, apenas para cobrir a remota hipótese de inadimplência, e transfere o dinheiro ao jovem amigo. Devidamente dotado, Bassanio entra na disputa, vence os rivais e desposa Portia. O mercado financeiro bancou (indiretamente) seu sonho de fortuna e amor; mas os mares traiçoeiros deixaram o amigo Antonio à mercê do sonho de vingança de Shylock.
O palco é o espelho da vida. Impulsividade e otimismo: o jovem Bassanio enamorado personifica a psicologia temporal da juventude. A paixão arrebatadora por Portia — ainda que não alcance os píncaros delirantes de um Romeu — não pode esperar. O raciocínio em que se apoia o seu pedido de crédito é irreparável. A antevisão de um grande futuro afeta a preferência temporal dos indivíduos. Se você tem a perspectiva de uma vida próspera e larga, por que abrir mão agora de coisas que serão gritantemente mais abundantes e fáceis de obter no futuro? Ao contrário. O que a lógica recomenda, nesse caso, é precisamente o caminho oposto: antecipar as benesses e a renda esperada futuras de modo a tirar proveito delas agora, ou seja, enquanto elas são mais escassas e, portanto, relativamente mais valiosas. O crédito é o instrumento dessa antecipação, e o juro é o preço que deverá ser pago, mais à frente, pelo que se importou do futuro. Quanto maior a confiança que se tem no amanhã, maior o juro que se estará disposto a pagar para antecipar e desfrutar desde já suas promessas.
Como o exemplo de Bassanio demonstra, a impaciência juvenil tem sua lógica: sua temerária aposta (salvo o “pequeno detalhe” que por pouco não degringolou em tragédia) vingou. O raciocínio em si é impecável; o perigo real não está aí. Ele se aloja não na cadeia lógica da operação de antecipar recursos, mas nas premissas em que ela está assentada — as crenças saturadas de sonho e desejo que geram e alimentam as grandes apostas juvenis. A fórmula impulsividade + antevisão onírica do futuro pessoal — viver cada dia como se fosse o último + sonhar como se fosse imortal — é um campo minado de armadilhas e desenganos. O mercado formal de crédito, no entanto, como veremos a seguir, é apenas um aspecto particular ou microcosmo de uma realidade que perpassa as mais diversas dimensões da vida prática. O principal ativo à disposição dos jovens — o capital que a natureza adiantou do corpo velho e pôs desde já nas mãos deles — é sua própria juventude.

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