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Disciplina de genética básica para o curso de Zootecnia Consanguinidade e endocruzamento Introdução Mitos e realidades sobre endogamia Endocruzamento e termos correlatos: Endocruzamento: se refere ao acasalamento entre indivíduos aparentados (endocruzamento é sinônimo de reprodução consanguínea). Endogamia: quando os indivíduos acasalantes apresentam algum grau de parentesco. Consanguinidade: relação entre os indivíduos que compartilham algum grau de parentesco. Alguns exemplos de endocruzamento: As consequências do endocruzamento nas populações: O esquema abaixo mostra os efeitos de autofecundações sucessivas feitas a partir da geração F1. Podemos observar que o endocruzamento leva a um aumento na frequência de genótipos homozigotos em uma redução na frequência dos heterozigotos: Também podemos notar que, embora ocorram alterações nas frequências genotípicas, não se observa modificações nas frequências alélicas ao longo das gerações sucessivas de autofecundações. Então, se ser homozigoto dominante (Ex: AA) ou homozigoto recessivo (Ex: aa) não afetar a fertilidade e/ou a sobrevivência dos indivíduos, o endocruzamento não levará à nenhuma alteração nas frequências desses dois alelos. Por outro lado, mudanças nas frequências alélicas somente serão esperadas caso um dos alelos - por exemplo, o recessivo - afete a viabilidade dos indivíduos quando em homozigose. Neste tipo de situação, como o endocruzamento aumenta a quantidade de indivíduos homozigotos, nascerão uma maior proporção de indivíduos com baixa viabilidade (aa) - fenômeno este conhecido como depressão endogâmica. As consequências do endocruzamento nas famílias: A principal consequência de 2 indivíduos compartilharem um ou mais ancestrais comuns é que eles poderão portar réplicas (ou seja, cópias idênticas) de um ou mais genes presentes nesses ancestrais. E, se esses indivíduos se acasalarem, poderão passar tais réplicas para a sua prole, gerando descendentes autozigotos, quer dizer, com duas cópias idênticas de um mesmo gene que estava presente nesses ancestrais comuns. O esquema abaixo mostra um exemplo de homozigose por descendência devido ao acasalamento entre dois meio-irmãos: Observe que o filhote é homozigoto AA para a mesma molécula de DNA (representada em vermelho) que estava presente no ancestral comum de seus pais. Este indivíduo também poderia ter herdado as duas cópias em verde deste mesmo ancestral comum, se tornando aa. Conceituando alozigotos e autozigotos: Nos cruzamentos convencionais, onde não existe endocruzamento, podem ser formados indivíduos homozigotos e heterozigotos. O mesmo pode acontecer em acasalamentos consanguíneos. Entretanto, nesta última situação, também é possível o aparecimento de homozigotos por descendência, quer dizer, indivíduos que herdam duas cópias do mesmo gene (ou seja, a mesma molécula de DNA) de seu ancestral comum. Para diferenciar os homozigotos e heterozigotos convencionais dos homozigotos por descendência, usamos os termos alozigotos e autozigotos, conforme destacado no esquema abaixo: Alozigotos: são os genótipos que contém alelos não idênticos por descendência; estes podem surgir tanto via cruzamentos endogâmicos como não endogâmicos; Autozigotos: são os genótipos que contém dois alelos idênticos por descendência; portanto, eles somente surgem em acasalamentos endogâmicos. Para compreendermos melhor essa situação, observe o esquema abaixo. Ele mostra que existem duas maneiras de se formar um indivíduo autozigoto em uma acasalamento envolvendo meio irmãos. Quer dizer, o filhote desse acasalamento pode herdar duas cópias do DNA em vermelho (se tornando AA) ou duas cópias do DNA em verde (se tornando aa) e, em ambos os casos, ele será um indivíduo autozigoto. Os outros indivíduos dessas genealogias, embora possam ser homozigotos ou heterozigotos não portarão a mesma molécula de DNA, sendo por isso chamados de alozigotos. Calculando o coeficiente de endocruzamento (F) nas famílias Com vimos anteriormente, um casal somente poderá ter um descendente autozigoto se ambos compartilharem um ancestral comum. Sewall Wright (1921), definiu uma maneira de se medir a intensidade da endogamia – o coeficiente de endocruzamento – em um heredograma e segundo Charles Cotterman (1940), o coeficiente de endocruzamento seria equivalente à probabilidade de identidade por descendência. Sendo assim, o coeficiente de endocruzamento (F) representa a probabilidade de que duas cópias de um gene em um indivíduo sejam idênticas pelo fato de seus ancestrais compartilharem um ancestral comum. Assim, o coeficiente de endocruzamento (F): Mede a porcentagem provável a mais de genes em homozigose que o indivíduo consanguíneo terá em comparação a outro indivíduo não consanguíneo da população; Expressa a porcentagem a mais de homozigose em relação a uma população base onde os acasalamentos são ao acaso; Representa a probabilidade de dois alelos serem idênticos no zigoto consanguíneo, devido ao parentesco entre os pais. Calculando o F nas famílias - método 1: Para se calcular a probabilidade do filhote endogâmico ser autozigoto (indicado pela seta verde) , basta identificar o número de passos que unem o descendente endogâmico ao seu ancestral (ou ancestrais) em comum. O ancestral comum será aquele(s) indivíduo(s) na genealogia que se conecta ao filhote tanto pelo lado materno como pelo paterno. Sempre que isso for possível de ser feito, teremos um acasalamento consanguíneo. Por exemplo, no heredograma abaixo, vemos que é possível traçar uma linha do filhote até a sua mãe, da sua mãe até ao seu avô, do seu avô ao seu pai, retornando ao filhote. Neste caso, como se trata do acasalamento entre meio-irmãos, o único ancestral comum é o avô: De acordo com as regras de probabilidade, como esses animais são diploides (2n), existe 50% de chance de cada indivíduo passar um de seus dois alelos para o seu descendente. E, devido ao endocruzamento, existe a chance que um mesmo alelo seja transmitido pelos dois lados da genealogia, gerando um filhote autozigoto. Então, a chance do filhote ser autozigoto A¹A¹ será: P(A¹A¹) = (1/2)4 = 1/16 ou 0,0625 Como essa espécie é diploide (2n), também existe a chance do filhote ser autozigoto A²A²: P(A²A²) = (1/2)4 = 1/16 ou 0,0625 Portanto, neste exemplo, a probabilidade deste descendente ser simplesmente autozigoto será: F = P(A¹A¹) ou P(A²A²) = 1/16 + 1/16 = 1/8 ou 0,125 Trocando em miúdos: A chance de que um animal proveniente do acasalamento entre meio irmãos seja homozigoto por descendência (ou seja, autozigoto) é de 12,5%. Além disso, espera-se que esse filhote também tenha em média 12,5% a mais de locos em homozigose que os outros filhotes não endogâmicos desta mesma população. Calculando o F nas famílias - método 2: Neste caso, o primeiro passo consiste em identificar os ancestrais comuns do indivíduo endogâmico (aquele que está conectado a ele via ambos os progenitores). Em seguida, deve-se contar o número (n) de indivíduos em cada alça de endogamia definida por um ancestral comum, excluindo o endogâmico, para então computar a quantidade (1/2)n para cada alça de endogamia e, por fim, somar os resultados. Exemplo 1: No exemplo acima, excluindo o indivíduo endogâmico A, teremos os indivíduos B, C e D: n(B, C e D) = 3 (1/2)n = (1/2)3 = 1/8 F = 1/8 ou 0,125 Exemplo 2: Calcule o F para descendentes provenientes do cruzamento entre irmãos completos. Observe que, neste caso, o filhote compartilha dois ancestrais em comum. Então, serão 4 possibilidades do filhote se tornar autozigoto. Assim o F para descendentes provenientes do cruzamento entre irmãos completos será: A tabela abaixo mostra os coeficientes de endocruzamento (F) e os coeficientes de parentesco (r) para diferentes tipos de acasalamentos consanguíneos: Observação: O coeficientede parentesco (r) estabelece a fração dos genes que provavelmente dois parentes compartilham em virtude de possuírem um ou mais ancestrais em comum. Calculando o F nas populações O modelo de EHW considera, dentre outras coisas, que os acasalamentos ocorrerão de uma maneira totalmente aleatória. O endocruzamento quebra essa regra, fazendo com que uma população endogâmica saia desse equilíbrio. O grau de endocruzamento nas populações: As populações podem exibir naturalmente, ou então serem forçadas, a algum grau de endocruzamento ao longo das gerações. O grau de endocruzamento pode ser influenciado pelo comportamento reprodutivo, pela forma de dispersão, pela distância entre as subpopulações, pelo tamanho populacional, dentre outros fatores. Assim, o coeficiente de endocruzamento (ou coeficiente de Wright ou índice de fixação) pode variar entre diferentes populações: 0 ≤ F ≤ 1 Onde: F = 0 → todos são alozigotos F = 1 → todos são autozigotos Em uma população de fertilização cruzada, onde ocorram tanto acasalamentos entre indivíduos aparentados como entre indivíduos não aparentados: Assim, em uma população que apresente algum grau de endocruzamento teremos: Com o endocruzamento, esta população alcançará o equilíbrio de Wright: D = p²(1 – F) + pF H = 2pq(1 – F) R = q²(1 – F) + qF Comparando os modelos de equilíbrio de Hardy-Weinberg e de Wright: Exemplos de populações com as mesmas frequências alélicas (p = 0,6 e q = 0,4), mas com diferentes coeficientes de endocruzamento: Unindo a genética de populações com o endocruzamento Numa determinada população, as frequências dos genes alelos autossômicos R e r giram em torno de 99% e 1%, respectivamente. Diante dessas informações, determine a probabilidade de: Nascimento de indivíduos RR, Rr e rr em uma população de acasalamentos ao acaso. Como se trata de uma população de acasalamento ao acaso, as frequências esperadas de nascimentos podem ser conseguidas por meio do modelo de equilíbrio de Hardy-Weinberg. Sabendo que a frequência do alelo R é 0,99 e do alelo r é 0,01, então: p² = 0,99² = 0,9801 x 100 = 98,01% nascerão RR; 2pq = 2 x 0,99 x 0,01 = 0,0198 x 100 = 1,98% nascerão Rr; q² = 0,01² = 0,001 x 100 = 0,1% nascerão rr. Nascimento de indivíduos RR, Rr e rr em uma população que apresente um coeficiente de endocruzamento de 40%. Neste caso, devemos recorrer ao modelo de equilíbrio de Wright, pois esta população apresenta endocruzamento. Assim, as frequências dos dois alelos serão as mesmas do exemplo anterior (p = 0,99 e q = 0,01), e o índice de endocruzamento será F = 0,4: p²(1 – F) + pF = 0,99²(1 - 0,4) + 0,99 x 0,4 = 0,98406 x 100 = 98,406% nascerão RR; 2pq(1 – F) = 2 x 0,99 x 0,01(1 - 0,4) = 0,01188 x 100 = 1,188% nascerão Rr; q²(1 – F) + qF = 0,01²(1 - 0,4) + 0,01 x 0,4 = 0,00406 x 100 = 0,406% serão rr. Nascimento de indivíduos RR, Rr e rr em uma população que apresente um coeficiente de endocruzamento de 60%. p²(1 – F) + pF = 0,99²(1 - 0,6) + 0,99 x 0,6 = 0,98604 x 100 = 98,604% nascerão RR; 2pq(1 – F) = 2 x 0,99 x 0,01(1 - 0,6) = 0,00792 x 100 = 0,792% nascerão Rr; q²(1 – F) + qF = 0,01²(1 - 0,6) + 0,01 x 0,6 = 0,00604 x 100 = 0,604% serão rr. Podemos observar que, à medida que aumenta o endocruzamento, menos indivíduos heterozigotos são formados e mais homozigotos nascerão. Unindo genética de populações com o endocruzamento e a probabilidade condicional A taxa de nascimento de animais afetados por uma doença recessiva situa-se em torno de 1/40.000 na população A e 1/20.000 na população B. Em ambas populações existe um macho fenotipicamente normal, mas heterozigoto para esse gene deletério, que será posto para cruzar com uma fêmea também normal. Diante disto pergunta-se: Se eles forem cruzados com fêmeas normais e não aparentadas das suas próprias populações, qual será o risco desses casais virem a ter uma cria afetada pela doença? Sabemos que os machos são heterozigotos, pois isso nos é informado no postulado da questão. Por outro lado, sabemos apenas que as fêmeas com as quais eles irão se acasalar são normais. Como se trata de uma doença recessiva, indivíduos normais podem ser homozigotos dominantes ou heterozigotos. Dessa forma, a única chance do casal formado produzir um filhote afetado, ou seja, homozigoto recessivo, é se a fêmea também for heterozigota. Então, neste exemplo, temos que calcular as seguintes probabilidades: Probabilidade do casal ter um filhote afetado (aa) = P(pai ser heterozigoto) x P(mãe ser heterozigota) x P(de um casal heterozigoto ter um filhote homozigoto recessivo) Até aqui, sabemos apenas as probabilidades do pai ser heterozigoto (1,0) e de um casal de heterozigotos ter um filhote homozigoto recessivo (1/4 ou 0,25). Nos falta a probabilidade dessa fêmea normal ser heterozigota. Como temos as frequências de nascimentos de indivíduos homozigotos recessivos em cada população, podemos recorrer ao modelo de equilíbrio de Hardy-Weinberg. População 1: Sabemos que a taxa de nascimento de indivíduos homozigotos recessivos é 1/40.000 ou 0,000025 ou 0,0025%. Se considerarmos que essa população está em equilíbrio de Hardy-Weinberg, então: q² = 0,000025. q = √q² = 0,005 p = 1 - q = 0,995 Tendo p e q em mãos, calculamos as probabilidades de nascimentos nessa população: p (0,995) q (0,005) p (0,995) p² = 0,990025 pq = 0,004975 q (0,005) pq = 0,004975 0,000025 Nesse exercício, temos que levar mais um fator em consideração: O quadro acima mostra todas as possibilidades de nascimento, inclusive a chance de nascimentos de machos e fêmeas afetados. Porém, o macho foi posto para se acasalar com uma fêmea normal. Portanto, temos que descartar a chance dela ser afetada (q²), quando calculamos a probabilidade dessa fêmea ser heterozigota. Nesse caso, uma fêmea normal pode ser homozigota, com probabilidade de p²/(p² + 2pq), ou heterozigota, que é o que nos interessa: P(fêmea ser heterozigota) = 2pq/(p² + 2pq) P(fêmea ser heterozigota) = 0,00995/(0,990025 + 0,00995) P(fêmea ser heterozigota) = 0,00995 Depois de tudo isso, podemos calcular a chance de nascimento de um filhote afetado a partir do acasalamento de um macho heterozigoto com uma fêmea normal pega ao acaso da população: Probabilidade do casal ter um filhote afetado (aa) = P(pai ser heterozigoto) x P(mãe ser heterozigota) x P(de um casal heterozigoto ter um filhote homozigoto recessivo) Probabilidade do casal ter um filhote afetado (aa) = 1,0 x 0,00995 x 0,25 Probabilidade do casal ter um filhote afetado (aa) = 0,00248756 x 100 = 0,249% População 2: O raciocínio para calcular tal probabilidade é o mesmo usado na população 1. O que difere é que a frequência da doença é o dobro nessa população. Se eles cruzarem com suas meias-irmãs, qual será o risco dessa cria vir a ser acometida por essa doença? Se a fêmea com a qual ele vai se acasalar é sua meia irmã, como ele carrega esse alelo recessivo em seu genoma, existe a chance dela também portar esse mesmo alelo. A probabilidade de dois indivíduos aparentados compartilharem um mesmo alelo é dado pelo coeficiente de parentesco (r). O coeficiente r varia para diferentes graus de parentesco, como podemos ver no quadro abaixo: No caso de meios irmãos, a chance deles compartilharem um mesmo alelo é r = 1/4 ou 0,25. Então, a probabilidade desse casal ter um filhote afetado será: Probabilidade do casal ter um filhote afetado (aa) = P(pai ser heterozigoto) x P(mãe ser heterozigota) x P(de um casal heterozigoto ter um filhote homozigoto recessivo) Probabilidade do casal ter um filhote afetado (aa) = 1,0 x 0,25 x 0,25 Probabilidade do casal ter um filhote afetado (aa) = 0,0625 ou 6,25%
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