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1 INTRODUÇÃO Se bem que métodos indirectos (nomeadamente, de índole geofísica, tais como estudos gravimétricos e magnéticos), técnicas experimentais (tais como ensaios laboratoriais e modelação laboratorial) e a análise físico-matemática (modelação matemática ou simulação computacional) contribuam cada vez mais para a compreensão dos fenómenos geológicos, a Geologia continua, primordialmente, a ser uma “ciência de campo”. É no terreno que o geólogo faz as suas primeiras observações e colhe as suas amostras. É, normalmente, ao terreno que regressa, para conferir, confirmar, infirmar ou rejeitar as conclusões a que as observações laboratoriais ou as análises teóricas o tenham conduzido. No campo, o geólogo observa o arranjo espacial das rochas, que agrupa, localmente, em “formações”, isto é, conjuntos de rochas com características litológicas e/ou paleontológicas que lhe conferem uma certa homogeneidade de fácies que as torna distinguíveis das restantes, com que contacta e tais que constituem uma unidade cartografável. Este agrupamento das rochas em formações (assim como, a definição de subunidades e o estabelecimento de correlações) é o objectivo da Estratigrafia. São outros os objectivos da Geologia Estrutural: aqui, os trabalhos são dirigidos no sentido de elucidarem a arquitectura dos materiais litológicos deformados e, em particular, as rochas. Num sentido mais lato, a Geologia Estrutural abrange a Tectónica, ciência que estuda as forças e os movimentos envolvidos nos fenómenos geológicos, nomeadamente, as forças e os movimentos que ocasionam os sismos ou os que produzem as estruturas geológicas. Falando-se de estruturas, convém ter presente que o termo pode ser usado em duas acepções distintas: i. significando uma forma bem definida assumida por uma unidade litológica, como, por exemplo uma dobra, uma falha, etc. (Figs.i1, i2); ii. significando a organização ou configuração de um corpo, como, por exemplo, em “estrutura dos Alpes”, “estrutura do Complexo de Bushweld”, etc. Fig.i1- Dobras com variadas formas, atitudes e dimensões 2 Fig.i2- Estruturas envolvendo fracturação (uma falha, uma zona de cisalhamento e boudinage de um dique) A relação entre a primeira e a segunda acepção é análoga à que existe entre uma letra do alfabeto e uma palavra (ou uma frase, ou um texto). À primeira acepção corresponde uma fase analítica dos estudos de Geologia Estrutural ; à segunda, uma fase de síntese. Nessa análise intervém a observação de “marcas” de deformação, nomeadamente, corpos distorcidos (Fig.i3). Fig.1.3- Marcas de deformação: oóides; conglomerado (área fotografada, ~15x9 cm); trilobites; pillow-lavas (altura do afloramento, ~1,5 m) A transposição da análise estrutural para uma síntese estrutural não é uma simples somatório de observações, nem corresponde, como se poderia supor, a uma simples mudança de escala de observação (como seria, por exemplo, passar de observações de estruturas no terreno a observações feitas a partir de um avião ou de um satélite artificial). Na verdade, o problema da escala de observação isto é, da correlação entre observações feitas a diferentes escalas coloca-se, desde logo, na fase analítica do estudo das estruturas geológicas. 3 Fig.i4- Dobras e fracturação desde a escala microscópica à megascópica A escala de observação pode variar de forma muito acentuada (Fig.i.5 cf. Fig.i1-4). Poderão observar-se deslocamentos, desde os prevalecentes ao nível da estrutura atómica dos cristais (densidade de deslocações, organização espacial das deslocações, estruturas subgranulares, geminações submicroscópicas, etc.), até deslocamentos envolvendo as maiores unidades tectónicas reconhecidas, as placas litosféricas. Fig.i5- Estruturas observadas ao microscópio electrónico de transmissão (cristal muito deformado, com elevada densidade de deslocações, com emaranhados definindo bandas de deformação; cristal com alguma recuperação da deformação, em que as deslocações – em menor número – apresentam duas orientações preferenciais, correspondentes à activação de dois sistemas de escorregamento; cristal recristalizado, com uma densidade de deslocações muito menor. Em baixo, estádio inicial de um agregado de cristais de plagióclase e, à direita, o produto final de uma recristalização desses cristais. As microfotografias de cima corresponder-se-ão, grosso modo, com as de baixo. 4 As observações afectam, pois, entidades de dimensões que vão desde 10-6 cm até cerca de 108 cm, ou seja, uma gama de 15 ordens de grandeza. Entre aqueles valores extremos, um sem número de situações: deslocamentos intergranulares, deslocamentos correspondentes a estruturas observáveis em amostra de mão (estruturas mesoscópicas), em afloramentos da ordem do metro de extensão (estruturas macroscópicas), ou à escala regional (estruturas megascópicas). Apesar da grande disparidade de escalas de observação, o objectivo do geólogo estruturalista é, sempre, estabelecer relações entre os diferentes dados de observação e integrá-los coerentemente. Importa, ainda, não esquecer que fenómenos de natureza química têm, também lugar na deformação (Fig.i6). Por exemplo, a deformação promove a difusão diferencial dos elementos químicos (e dos minerais) e as transformações químicas podem facilitar a deformação plástica dos minerais e dos seus agregados. Fig.i6- Fenómenos de difusão quimica à escala submicroscópica (decomposição spinodal num cristal de plagióclase, com bandas com uma largura da ordem da centena do angstrom) e à escala mesoscópica (segregação de quartzo associado a dobramento e bandagem metamórfica que se estende por dezenas de metros) Neste curso, dar-se-á especial atenção às estruturas que, frequentemente, se observam à escala mesoscópica, ou seja, às estruturas habitualmente designadas por estruturas menores: foliações, lineações, dobras, etc. O estudo dessas estruturas é fundamental para a determinação do estado de deformação das rochas, da história dessa deformação e da própria estrutura regional (i.e., megascópica) da área em causa. No estudo das estruturas patentes nas rochas, desde logo se levanta um problema: o da distinção entre estruturas primárias e estruturas secundárias. Dizem-se primárias (Fig.i7) aquelas estruturas resultantes de processos sedimentares (como, por exemplo, marcas de ondulação e fendas de dessecação) ou de processos magmáticos (estruturas fluidais ou estruturas formadas durante a consolidação do magma). Mas, não são estas as estruturas que, em geral, interessam ao estruturalista. A este interessam, especialmente, as estruturas resultantes da deformação de rochas preexistentes, por efeito de tensões sobre elas exercidas. Frequentemente (mas não necessariamente), estas estruturas secundárias acompanham ou são parte integrante de manifestações de metamorfismo. 5 Fig.i.7- Várias estruturas primárias (fendas de dessecação, estruturas sedimentares, um dique, estratificação magmática). Note-se que o dique, porque está deformado, pode ser importante para a análise estrutural regional Se há estruturas cuja natureza, primária ou secundária, é inequívoca, outras há, cujo carácter é difícil de discernir (Fig.i8). Na maioria dos casos, porém, atendendo ao enquadramento geológico-estrutural dessas estruturas, é possível chegar a uma conclusão segura. Fig.i8- Dobra: estrutura sedimentar primária ou estrutura pós-diagenética ? O objectivoda Geologia Estrutural não consiste, unicamente, em definir e caracterizar, correlativamente, as estruturas observadas e os episódios de deformação. Ela procura, ainda, definir as condições ambientais em que se deu a deformação, em particular, caracterizar o estado de tensão dominante em cada fase de deformação. 6 Aquele segundo objectivo constitui um projecto ambicioso, pois, apesar dos inúmeros progressos resultantes dos numerosos trabalhos experimentais e teóricos levados a cabo, especialmente, durante os últimos trinta anos, as respostas ainda são muito precárias. Vários factores contribuem para a complexidade das situações com que o geólogo se depara: i. em cada momento da história da deformação de uma dada rocha, existe uma relação particular entre a deformação incremental (infinitesimal) e o estado de tensão momentâneo, pelo que só a partir de estruturas formadas instantaneamente se poderão inferir estados de tensão; de outro modo, determinar-se-ão estados de tensão médios, para uma certa área e um dado período de tempo; ii. a anisotropia mecânica das rochas; iii. o complexo comportamento reológico das rochas, dado que os mecanismos básicos que comandam o fluxo dos minerais e seus agregados - as rochas - variam no espaço e no tempo. Sobre este último aspecto, têm-se conseguido notáveis avanços nos últimos vinte anos. A aplicação de conceitos da Termodinâmica permite determinar a probabilidade de presença de defeitos nas estruturas cristalinas, estabelecer as equações que regem a sua mobilidade e determinar os seus modos de organização espacial mais estáveis. Daí, poderão inferir-se mecanismos de deformação e as condições em que cada um desses mecanismos prevalece, num dado mineral (Fig.i9). Fig.i9- Mapa de mecanismos de deformação para a olivina (d=0,1 mm). (Stocker & Ashby, 1973) 7 No entanto, se bem que, qualitativamente, muito se tem avançado (através de análises teóricas), a determinação dos mecanismos de deformação prevalecentes em cada mineral, em função de diferentes variáveis físicas (tensões exercidas, temperatura, dimensão do grão mineral), abrange uma lista muito limitada de minerais (nomeadamente, quartzo, calcite, olivina, halite e gelo), pois isso exige o conhecimento, para cada mineral, de parâmetros físicos (coeficientes de difusão dos átomos, diversas energias de activação, por exemplo), cuja determinação experimental é complexa. Mas, se tais estudos de microfísica estão, ainda, numa fase de desenvolvimento, já a abordagem macrofísica da Reologia (i.e., a análise da elasticidade das rochas, a determinação das condições de fracturação das mesmas e a caracterização geométrica da deformação das rochas) é uma questão trivial.
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