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CARDOSO, Ciro. A Cidade Estado antiga

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Cidadania, participaçãopolítica,democracia:
estasnoçõesfundamentais,degrande
atualidade,formaram-seno períododequetrata
estelivro- o dascidades-Estadosda
Antigüidadeclássica.
Naquelemundodascidadesgregas
independentese da Repúblicaromana,todos
estariamdeacordocoma idéiadeAristóteles
quàntoa sero homemumanimalcujafinalidade
consisteemviver,comocidadão,umavida
associativanumacidade-Estadoe coma crença
dequeno Estadoimperamas leis,nãoos
homens.Tão beloidealexcluía,entretanto,as
mulheres,os escravose os estrangeiros
domiciliadose nãoimpediulongase sangrentas
lutas,emfunçãodasquaisa naturezadacidade-
-Estadoantigatransformou-semaisde umavez.
CiroFlamarionS. Cardoso,doutorem História,
é professordessaáreana UniversidadeFederal
Fluminense.Entreoutrostítulos,publicouO
trabalhocompulsórionaAntigüidade,O Egito
Antigoe, naSériePrincípios,O trabalhona
Américalatina colonial.
almirjr
Typewriter
almirjr
Typewriter
almirjr
Typewriter
1
A cidade-Estadona
Antiguidadeclássica
Rumoa umadefinição
A cidade-Estadoantigaéumadessasnoçõesque,uma
vezassimiladas,sãoentendidaseaplicadassemdificuldade,
masquesãodifíceisdedefinirempoucaspalavrasdema-
neiraadequadae convincente.
No séculopassado,FusteldeCoulanges,emseues-
túdo"sobreo culto,o Direito,asinstituiçõesdaGréciae
deRoma"a quedeuo títulodeLa citéantique,definiaa
cidade-Estadodizendoqueelanãoeraumareuniãodein-
divíduos,e simumaconfederaçãodegrupospreexistentes.
Assim,um ateniense,por exemplo,pertenciasucessiva-
mente- nelasingressandoatravésdecertascerimônias
religiosasescalonadasao longode diversosanos- a uma
famíliaextensa(genos),a umafratria,a umatriboe por
fimà cidade-Estado;eumromano,analogamente,perten-
cia a umafamíliaextensa(gens),a umacúria,a uma
triboe à cidade-Estado.O quedavaformaa cadaum
dessesgrupos,bemcomoà confederaçãodelesnumaci-
dade-Estado,era,paraesseAutor,o culto.Estaconcep-
çãogentilíciae religiosaacercad~origemdacidade-Es-
I
almirjr
Typewriter
CARDOSO, Ciro. A Cidade Estado Antiga. São Paulo: Ática, 1993. 
almirjr
Typewriter
6
tadojá nãoé aceitável,por razõesqueserãoapresentadas
oportunamente.Em compensação,a diferençaentre"ci-
dade" (ville em francês) e "cidade-Estado"(dté em
francês),vigorosamentetraçadapor Fustelde Coulanges,
aindaé útil1.
Em famosolivro editadopelaprimeiravezem 1893
e que,como o de Fustelde Coulanges,conheceunume-
rosasreimpressões,eis aquicomoW. WardeFowlerdefi-
niu a cidade-Estado:
.Atenas,Esparta,MI/eto,Slracusa,Roma,eramcidades,
comumaquantidademaioroumenordeterritóriodoqual
tiravamseusmeiosde subsistência.Esteterritórioera
semdúvidaumelementoessencial,masnãoconstltulao
coraçãoe a vidadoEstado.Eranacidadequeo coração
e a vidasecentravam,e o territórioerasomenteumapên-
dice. O Estadoatenlensecompreendiatodasas pessoas
livresqueviviamemAtenase tambémaquelasqueviviam
noterritóriodaAtlca;masestasúltimastinhamsuaexis-
tênciapolitlca,nãonaqualidadedehabitantesdaAtlca,e
simcomoatenlenses,comocidadãosdapólisdeAtenas.
Domesmomodo,o Estadoromano,mesmoquandoesten-
deraseuterritórioà totalidadedaPenlnsulaItaliana,era
aindaconcebidocomotendoseucoraçãoe suavidana
cidadedeRoma,comumatenacidadequelevoua multas
problemase desastres,eporfimà destruiçãodestaforma
peculiardeEstado.2.
Estadefiniçãodescritivaé claraebastanteadequada,
salvopelofatodedara entenderque"todasaspessoas
livres"queviviamemAtenase naAticaeramcidadãos
1FUSTELDECoULANGES.La citéantique.22.ed. Paris,Hachette,
1912.p. 143-161.(Em português:A cidadeantiga.Trad.deFre-
dericoOzanamPessoadeBarros.SãoPaulo,Ed. Américas,1966.
2 v.)
2FOWLER,W. Warde.The city-Stateof theGreeksandRomans.
9. reimpr.Londres,Macmillan,1916.p. 8.
7
atenienses,quando,na verdade,existiamos metecos(es-
trangeirosresidentes),livresmasnão cidadãos.
A cidade-Estadoclássicapareceter sidocriadapara-
lelamentepelosgregosepelosetruscose/ou romanos.No
casodestesúltimos,a influênciagregafoi inegável,embora
difícil de avaliarou medir. No entanto,apesarde traços
comuns,o desenvolvimentoda cidade-Estadogregae o
da etrusco-romana,mesmoadmitindoa grandeheteroge-
neidadedeevoluçõesperceptíveltambémnaprópriaGrécia,
mostramdesdeo início fortesespecificidadesqueautori-
zama suposição,nãodeumasimplesdifusão,masdeuma
criaçãoparalela.
Característicasdas cidades-Estados
Quaiseramascaracterísticascomunsa todasascida-
des-Estadosclássicas?Talvez possamosdistinguiras se-
guintescomosendoas maisimportantes:1) do pontode
vista formal,a tripartiçãodo governoem uma ou mais
assembléias,umou maisconselhos,e certonúmerodema-
gistradosescolhidos- quasesempreanualmente- entre
oshomenselegíveis;2) aparticipaçãodiretadoscidadãos
noprocessopolítico:a noçãodecidade-Estadoimplicaa
existênciadedecisõescoletivas,votadasdepoisdediscussão
(nosconselhose/ounasassembléias),queeramobriga-
tóriasparatodaa comunidade,o quequerdizerqueos
cidadãoscomplenosdireitoseramsoberanos;3) a inexis-
tênciadeumaseparaçãoabsolutaentreórgãosdegoverno
edejustiça,eo fatodequeareligiãoeossacerdóciosinte-
gravamo aparelhodeEstado.
Quantoao primeiroponto,umavezadmitidaa tri-
partiçãoemassembléia(s),conselho(s)e magistraturas,é
precisoadmitirtambémumaenormediversidadeno rela-
tivoaosnomes,ao número,à composição,aospoderes,
aosmétodosdeescolha,aofuncionamentoe àsrelações
~
8
entreaquelasinstânciasbásicas.Istotantonoespaçoquanto
no tempo,isto é, ao considerarmosdiferentescidades-Es-
tadosna mesmaépoca,ou umamesmacidade-Estadoem
momentossucessivosde suaevoluçãoconstitucional.Al-
gumasdas opçõesdivergentesserãoanalisadasnos capí-
tulos seguintes.
A soberaniadoscidadãosdotadosde plenosdireitos
eraimprescindívelparaa existênciadacidade-Estado.Se-
gundoos regimespolíticos,a proporçãodessescidadãos
em relaçãoà populaçãototal dos homenslivres podia
variarmuito,sendobastantepequenanasaristocraciase '
oligarquiase maiornasdemocracias.Outrossim,o lugar
estratégicoemquetaiscidadãosexerciamsuasoberania
podiavariarigualmente:emAtenaseraaassembléiapopu-
lar (a Eclésia),emRomaumconselho(o Senado).
Mesmonasdemocracias,contudo,eramexcluídosda
cidadaniaosescravos,osestrangeirosresidentese asmu-
lheres.Tal fatolevaa quecertosautoresduvidemda
existênciadas democraciasantigas- ou seja, afirmem
quenãoeramdemocracias-, oumesmodarepresentati-
vidadesocialdosregimespolíticosclássicosemgeral.Isto
nãoé aceitável:nãoapenasporqueao historiadorcabe
analisareexplicarosprocessoshistóricos,enãoemitirjul-
gamentosmorais,tambémporque,sejacomofor, ainda
nascondiçõesdaAntiguidadeclássica,comoindicaM. I.
Finley," 'governopelaminoria'ou 'governopelamaioria'
eraumaescolhasignificativa"e
.a liberdadee os direitosqueas facçõesreivindicavam
parasi eramdignosdeluta,apesardofatodequemesmo
'a maioria'fosseumaminoriadapopulaçãotota/"3.
Notemostambémque,emborao mundogregoe o
romanoconhecessema escritae delafizessemamplouso,
3FINLEY,M. I. Politicsin the ancientworld. Cambridge,Cam-
bridgeUniversityPress,1983.p. 9.
9
o regimeda cidade-Estadoantiga,baseadona participação
pessoaldireta- e não principalmentena delegaçãode
poderes-, no debatequeprecedea votação,implicava
"umaextraordináriapreeminênciada palavrasobretodos
os instrumentosde poder"4. Vernantserefereà palavra
faladaea observaçãovaletantoparaaGréciaquantopara
Roma.
Por fim, a cidade-Estadodesconheciao princípioda
separaçãodospoderesqueinformaasrepúblicasmodernas
e tambémascorporaçõesfechadas(relativamente)quesão
os exércitose muitasigrejasatuais. Embora houvesse
órgãosquepodemoschamarde "tribunais",certoscasos
eramjulgadospelosconselhosou assembléias.Os estrate-
gos (strategoi)atenienses,eleitosanualmentemasreelegí-
veis,eramlíderespolíticose tambémgenerais,assimcomo
os cônsulesromanos.Os sacerdoteseramo quenóscha-
maríamosdemagistradosou funcionáriosdo Estado,e os
magistradosde maisaltahierarquiade Roma,semserem
especificamentesacerdotes,levavama cabo sacrifíciose
tentavamadivinhara vontadedosdeuses(tomadadosaus-pícios).
A trajetóriadas cidades-Estados
Quandoexistiu,comtaiscaracterísticas,a cidade-Es-
tadoclássica?Paraqueencontremostodaselaseemespe-
ciala maisimportante- asoberaniaefetivadoscidadãos
- é mistereliminarasmonarquias,as tiraniase os perío-
dosdedomínioestrangeiro,mesmosendoverdadequeas
monarquiashe1enísticaseo impérioromanoreconheceram
4VERNANT,Jean-Pierre.Les originesde Ia penséegrecque.Paris,
PressesUniversitairesde France,1962.p. 40. (Em português:
Origensdo pensamentogrego.Trad. de Isis Lana Borges.São
Paulo,Difel, 1972.)
.
r- --
10 11
certograudeautogovernoàscidades-Estadose municípios
existentesem seusterritórios,a nível estritamentelocal,
diminuindodecisivamente,porém,sua liberdadede deci-
sãoe suarealindependência.O regimeda cidade-Estado
emsuapureza(e emmúltiplasvariantes)existiunaGrécia
somenteentreo VIII ou VII séculoa.C. e o final do
séculoIV a.C.,devendodescontar-seos períodosdastira-
nias em cadacidade (mesmose os tiranoscostumavam
manterasinstituiçõesdap6lis,semtentarentretantoinsti-
tucionalizarsuaprópriafunção);e na Romarepublicana.
No casodosetruscos,a cronologiaé difícil de estabelecer- talveznosséculosV e IV a.C.
Certasvariáveissãoessenciaisquandosetentacom-
parara trajetóriadascidades-Estadosantigas:população
(globale de cidadãos),extensãoterritorial,disponibili-
dadederecursos(cereais,madeira,metais),graudeurba-
nização,etc.Atenaseraumacidade-Estadomuitogrande
nocontextogrego,tendounificadotodaaÁtica.Emcon-
traste,a pequenailha deAmorgos(umadasCíclades)
tinhasuasuperfíciedivididaentretrêsínfimasp61eis.Na
medidaemqueo podemosafirmar,tendoemvistauma
documentaçãomuitodeficiente,pareceriaque,abaixode
umcertnlimitedeextensão,populaçãoerecursos- que,
porém,nãoé possíveldeterminaremcifrasprecisas-, a
cidade-Estadonãoconseguiaestabilidadepolítico-sociale
tinhadificuldadeemmantersuaindependência.No pólo
oposto,mesmosendoverdadequea conquistaouo domí-
nio(diretoouindireto)sobreterritóriosestrangeirostrazia
grandesvantagensàscidades-Estadosmaiores,capazesde
seexpandirpelasarmas,a incorporaçãocontínuadenovas'
terrase novoscidadãosacabariatornandoinviávelo fun-
cionamentodessaformapolítica,na qualeramuitoim-
portantea possibilidadede umaparticipaçãopessoaldi-
reta:foi o queaconteceuno casodaRepúblicaromana,
emboraninguémsaibadizercomexatidãoquandofoi atin-
gidoo limitesuperior(istoé, o pontoacimadoqualRoma
deixoude ser viávelcomocidade-Estado),nemdefini-lo
quantitativamente.
Houvesemdúvidacidades-Estadosinstáveise efême-
rasoMas aquelassobreasquaistemosmaisdocumentação_ Atenas,Esparta,Roma, atécertopontoCorinto -,
mesmoatravessandoconflitossócio-políticosàsvezesgra-
vesepassandopornumerosastransformações,conheceram
séculosdeexistênciaestável,comfortesentimentodeiden-
tidadeentreoscidadãose comforosinequívocosdelegi-
timidade.Ora, esteé um fatoqueexigeexplicação,já
que,mesmonascidades-Estadosdemocráticas,comoAte-
nas,pormuitotempoos líderespolíticossaíramdasfilas
daaristocraciae,maisemgeral,elasnãoeramdefatoigua-
litárias.Houve,portanto,fatoresquegarantirama hege-
moniadosgrupossociaisdominantes,detalmodoquea
própriadesigualdadesocialfosseconsideradalegítima-
até certo ponto pelo menos - pelasgrandesmassasda
população,incluindoos não-cidadãos.
Nesteponto,éfáciltornar-sevítimadeposiçõesidea-
listase simplificadoras.Há autoresqueatribuema estabi-
lidadedo regimea um"sentimentode identidade",um
"mododevida",uma"visãodomundo",quandoé exata-
menteistoquedeveserexplicado.ChristianMeier,por
exemplo,afirmaque
.a Identidadepolltlcadiminuiuas diferençasexistentes
entreas situaçõessóclo-econômlcasdosatenlensesem
proveitodesuaIdentidadecomocidadãos.,
e mesmoque,ao participarativamenteda vidade sua
p6lis,nenhumcidadãoprocuravaatingiratravésdapolí-
ticaobjetivosquenãofossempolíticos.Em outraspala-
vras,aparticipaçãopolíticaseria,paraoscidadãospobres,
umfimemsi mesmo,devidoà consideração,aorespeito,
j
12 13
Mecanismosideológicos
venerávelquelhe eraatribuídaemformahistórica,ou,
commaiorfreqüência,miticamente.:E:assimque,napeça
As suplicantes,de Eurípedes(representadaaproximada-
menteem420a.C.),vemoso míticoheróifundadorde
Atenas,Teseu,declararqueemsuacidadenãogovernava
umúnicohomem;tratava-sedeumacidadelivre,gover-
nadapelopovoatravésdemagistradosqueserevezavam
anualmente:emAtenas,ricose pobrestinhamosmesmos
direitos.Temosaía proclamaçãodaigualdadediantedas
leis,ou isonomia,e da liberdade,estaúltimainterpretada
emformasbemvariadas,massempreafirmada.Ora,sendo
o lendárioTeseuummonarca,suasafirmaçõessoamestra-
nhasemnossosouvidos,masaparentementenãonosdos
espectadoresdeEurípedesquandodaestréiadapeça.Ana-
logamente,no casoromano,Tito Lívio, escrevendona
épocadoimperadorAugusto,diziaque,depoisderealizar
umacerimôniareligiosa,Rômulo- o míticoprimeirorei
e fundadordeRoma- "convocouosseussúditosedeu-
-lhesleis,semasquaisa criaçãodeumcorpopolítico
unificadonãoteriasidopossível";logoadiante,atribuía
aomesmoreiacriaçãodoSenado,órgãocentraldaRepú-
blicaromana7.
Estesmecanismosdelegitimação,e outrosquecarre-
gavamconsigoahegemoniadosgruposdominantes,trans-
mitiam-seemprimeirolugarpelaeducaçãoformale in-
formal.Tal educaçãoinculcavavaloreshierárquicosnos
gregoseromanosdetodaextração.Aindaosanalfabetos,
pelaparticipaçãopessoalnasatividadesdoEstado- em
nívelmaiornascidadesdemocráticasdo quenasoligár-
quicas-, "educavam-~e"politicamente,absorvendoao
mesmotempomuitoselementoslegitimadoresdo regime
políticoe dadivisãosocial.
à valorizaçãoenfimdo statusdecidadãopelaopiniãopú-
blica!5
Entre os mecanismosideológicosque sustentavama
legitimidadedo Estado,citemosemprimeirolugara reli-
gião. Cadacidade-Estadotinhasuasdivindadesprotetoras
e a blasfêmiacontraelaseracrimedemorte,cujapunição
incumbiaao governo,exatamentecomo a de qualquer
outraofensacivil ou criminal.Antesdo iníciodasdelibe-
raçõesda assembléiapopularateniense,determinadossa-
cerdotes(peristiarcoi)imolavamporcos no altar, com
cujo sanguetraçavamum círculosagradoà voltado povo
reunido.Em Roma,antesde umabatalhaou deumaati-
vidadepúblicaimportante,eramconsultadosos auspícios
e realizadossacrifícios.No entanto,apesarde a religião
ter um efeitolegitimadorsobreo regimecomoum todo,
não serviapara apoiarindividualmenteum dadomagis-
trado ou uma dada decisãocoletiva. Acreditamosque
Finleytemrazãoao dizerqueo governoda cidade-Estado
antiga,na prática,senãona aparência,havia-seseculari-
zado6.
Outro elementoideológicobásicoera a crença,co-
muma gregose romanos,independentementedosregimes
políticos,de que na cidade-Estadogovernavam,não os
homens,masasleis. A legitimidadeda "lei consuetudiná-
ria" - nómos(lei) ou patriospoliteía(constituiçãoan-
cestral)paraos gregos,mosmaiorum(costumesdosante-
passados)paraos romanos- decorriada antiguidade
5MEIER,Christian.lntroductionà I'anthropologiepolitiquedel'An-
tiquitéclassique.Paris, PressesUniversitairesde France,1984.
p. 52.
6FINLEY,M. I. op. citop. 94.
7Ver sobreestetemaFINLEY,M. I. La constituciónancestral.
In: - . Uso y abusode Ia historia.Trad. de A. Pérez-Ramos.
Barcelona,Crítica,1977.p. 45-90.
14
Por outrolado,pormaisqueistodesagradeaosidea-
listascomoC. Meier,oscidadãosmaispobresesperavam,
e muitasvezesobtinham,vantagenstangíveisdesuapar-
ticipaçãona vidapúblicae da munificênciadoslíderes
aristocráticosqueocupavamo proscêniomesmonasdemo-
cracias,aindamaisvisivelmentenumacidadecomoRoma.
As cidades-Estadosmaiores,atravésdeconquistasou do
domínioindiretosobreoutrascidadese regiões,puderam
distribuirbenefíciosconcretosa seuscidadãos:os espar-
ciatas,senhoresdeEsparta,nãoprecisavamtrabalharem
atividadesprodutivas;os ateniensesdaépocadePéric1es
contaramcomcolônias(clerúquias)paraasquaisdesviar
oscamponesessemterrase usaramostributospagospor
seus"aliados"(defatosúditos),da Liga deDelos,em
obraspúblicasna cidade,na remuneraçãode atividades
políticase navaisdeAtenas,nasubvençãoaoscidadãos
maispobresdacidadeparaquepudessemassistiràsfun-çõesteatrais(queeramtambémreligiosase cívicas);a
exploraçãodasprovínciaspermitiuaRomaisentara Itália
inteirado imposto,aindasoba República,e maistarde
procedera distribuiçõesde trigogratuitasaoscidadãos
romanos(a 320000delesnoiníciodaditaduradeCésar).
Os aristocratasgregose osmembrosdanobilitasromana
daRepúblicausavamsuafortunapessoaldemodoa for-
marclientelaspúblicase privadas.Na Grécia,os ricos
financiavam- deformaaomesmotempocompulsóriae
honorífica- a Marinhae os festivaispúblicosde caráter
religioso(atravésdasliturgias),enquantoemRomacertos
magistrados(pretores,edis)deviampagarcomseupró-
priodinheiroosfestivaise espetáculos,bemcomocertas
obraspúblicas.Eramestesmecanismosqueserviamcom
freqüênciaà legitimaçãoe ao c1ientelismopolíticodas
grandesfamíliasquedominavamoscargospúblicos.Outro
mecanismo- queemAtenassequisdestruir,quandoda
implantaçãodademocracia,como sistemadecircunscri-
çõestopográficasartificiais(demos)e coma tiragemà
15
sortede muitasfunçõespúblicas- eraa solidariedade
localbaseadaemempréstimose outrosfavoresque,sobre-
tudoemzonasrurais,as famíliasricasfaziamaosneces-
sitados,obtendoassimmuitasvezeso seuapoiopolítico.
Para terminareste capítulo,convémrecordarum
pontoque nos ocuparáfreqüentementenos capítulosse-
guintes.As cidades-Estadosantigassó podemser enten-
didasno contextoglobaldas respectivassociedades.O
militarismoespecializadodetempointegraldosesparciatas
era possibilitadoe ao mesmotempoexplicadopor seu
domíniosobrenumerosapopulaçãoservil (os hilotas)na
Lacôniae na Messênia,sempreprontaà rebelião.Uma
vezabolidaa servidãopor dívidas- e por conseguintea
possibilidadede recrutarmaciçamenteos camponeseslo-
cais comomão-de-obradependente- em Atenas (592
a.C.) e em Roma (talvez323 a.C.),.o surgimentoe a
consolidaçãoda categoriatão típicado apogeudessasci-
dades-Estados- oshomenslivres/pequenosproprietários/
/cidadãos/soldados- dependeudo estabelecimentoe da
expansãodo escravismocomoprincipalrelaçãode pro-
dução.
2
A Gréciaantiga:
o mundodas "póleis"
A origem da cidade-Estado grega
A chegadaàGréciacontinentaleàsilhasdoMarEgeu
demigrantesdelínguaindo-européia,pontodepartidada
históriahelênica,pareceterocorridoporvoltade2200-
-2100a.C.,havendoaindadiscussõesacercadeterhavido
umaúnicaondamigratóriaou várias.Os novoSpovoa-
doressofreramo impactoaasculturasqueencontraram
naregião- emespecialdabrilhantecivilizaçãominoana
ou cretense- e foi no contextodetal contatocultural
queseinicioua civilizaçãogrega.
Durantea -segundametadedo 11milênioa.C.,na
Gréciacontinental,na ilhadeCretae provavelmentena
deRodes,cominfluxosqueatingiramasoutrasilhasdo
Egeu,a costadaSíriae daAsiaMenore,paraocidente,
a Sicíliae o suldaItália,desenvolveu-sea civilizaçãodo
PeríodoTardiodoBronzechamadamicênica,caracteriza-
dapelaexistênciadecentrospalacianosquasesemprefor-
tificados- Io1conaTessália,Tebase Gla naBeócia,a
acrópoleda futuraAtenasna Atica,Tirintoe Micenas
naArgólida,PilosnosudoestedoPeloponeso,Cnossosem
17
Creta- que,copiandotalvezo sistemaminoano,contro-
lavamburocraticamentereinosqueparecemtersidomais
extensoSdoqueasfuturascidades-Estados.As pesquisas
queseseguiramà decifração(começadaem1952)daes-
critasilábicausadanospalácios(linearB) permitiram-nos
vislumbrarumaorganizaçãoadministrativaquerecordaa
dosimpériosdo OrientePróximo- uma"civilizaçãodo
escriba".Ospalácioseramcentrostambémdearmazena-
gemdeprodutosobtidosatravésdetributaçãoe presta-
çõesdetrabalho,osquaisalimentavamumsistemadedis-
tribuiçãoderações.Apesardeser,noconjunto,umtipo
desociedadequepoucotinhaemcomumcoma daGrécia
posteriordascidades-Estados,comgrandedificuldade-
pelaslimitaçõesdaleituradoscaracterese pelaspróprias
característicasdasfontes- podemosentreveralgunsdos
elementosquefuturamente,depoisde grandesmodifica-
ções,tomariampartenaformaçãodapólisgrega:entreo
rei (wánax)e o supremochefemilitar(lawagetas),por
umlado,eporoutroo "povo"(damos)- nãosendoeste
defatounificado,masdivididoemdamoi,quepoderiam
sercomunidadesaldeãs,sefor corretaa interpretaçãode
certotipodeterras(ktonaikekemenai)comoterrasco-
munais-, adivinhamosdiversascategoriasdeguerreiros,
sacerdoteseproprietáriosdeterras(basilewes,lawoi,teles-
tai,equetai,ete.)quepodemter-sefundidonumaaristo-
cracia,umavezeliminadaa monarquiadospaláciosmicê-
nicos.
Entre1200e 1100a.C.todososcentrospalacianos
foramdestruídos,numaépocadeintensamovimentaçãode
povos,quetambémviuo fimdoreinohititae astentati-
vasdeinvasãodo DeltadoNilo pelos"povosdomar".
No casogrego,umatradiçãopreservadaporTucídides(I,
11) falada"voltadosHeráclidas",ou seja,dosdescen-
dentesdeHérac1esouHércules,episódioidentificadotra-
I
18
dicionalmentecomachegadadegrupostribaisquefalavam
umdialetogrego,o dório.Estaidentificaçãotemsidocon-
testada,porquede fatopareceriaqueo quadrodialetal
gregoatestadona:t;;pocaArcaicae na:t;;pocaQássica-
jônio (Atica,Eubéia,maiorpartedasCíclades,Jônia),
dório(Argólida,Lacônia,Messênia,Creta,Rodes,algumas
Cícladesmeridionais,Dórida), e6lio (Tessália,Beócia,
Eólida), arcado-cipriota(Arcádia,Chipre:quasesegura-
menteumremanescentedogregomicênico)- formou-se
numprocessolento,posteriora 1200-1100 a.C.
Sejacomofor,inaugurara-seumperíododegrandes
transformaçõesdifíceisdeseguir,poisdesapareceraa es-
crita(quesó reapareceria,emformaalfabéticaderivada
dafenícia,entre800e750a.C.):dependemosunicamente
daarqueologia.Estanosmostraalgunselementosdecon-
tinuidade- acerâmicachamadaproto-geométrica(1100-
-900a.C.)eraumaevoluçãodacerâmicamicênica,com
algumainfluênciadogeometrismodo nortedaSíria-,
mastambémmudançasnosassentamentospopulacionais.
Algumasdaslocalidadesquehaviamsidosedespalacianas
foramabandonadasparasempre(Pilos,Gla),outras(Ate-
nas,Tebas)continuaramsendohabitadas,massobrenovas
basesde organização,enquantoregiõesantesaparente-
mentepoucopovoadasreceberammuitosimigrantes.Isto
mostraquehouveumperíodo,apóso impactode1200-
-1100a.C.,demovimentaçõese reacomodaçõesdepes-
soas;períododuranteo qual,entre1000e900a.C.,como
tambémconfirmaa arqueologia,fundaram-senumerosos
assentamentosgregosnacostadaAsiaMenor(regiõesda
Eólida,Jôniae Dórida). A distribuiçãodoscentrosde
poderseregionalizou,preparandoa pulverizaçãopolítica
típicadaGréciadaspó/eis.O comércio,ascomunicações
e a arteregrediramporalgunsséculos.Emcompensação,
difundiu-seo usodo ferro.
19
Tempos homérlcos
Os poemasatribuídosa Homero- a Ilíada,fixada
oralmentepor voltade750a.C.,e a Odisséia,cujafixação
oral talvezse tenhadadomeioséculodepois- e os
poemasdeHesíodo(quiçátambémde700a.C.aproxi-
madamente)mostramummundobemdiferentedoqueé
iluminadopelosdocumentosescritosemlinearB no mi-
lênioanterior;ummundono qualjá seestavadandoo
surgimentodacidade-Estadogregaoupólis.
NessaGréciadostemposhO,méricose do inícioda
:t;;pocaArcaica,já existiamaglomeraçõesaparentemente
urbanasonde,numdescampado(agorá)reunia-sea popu-
lação.paraescutar,semdireitoa intervir,os debatesdos
aristocratas,chamadosde"reis"(nomeiodosquaiso rei
propriamentedito era simplesmenteum primeiroentre
iguais- primusinterpares).Emoutraspassagens,tem-
-sea impressãodequeo Conselhoaristocráticoqueacon-
selhavao reisereuniaprimeiro,dandoa conhecerdepois
suasdeliberaçõesaorestodapopulação.No entanto,os
debatesnãoconduziam,ao quetudoindica,a qualquer
decisãoporvoto,e a noçãodapóliscomoumacomuni-
dadedecidadãosnãosurgiraainda.As oposiçõescida-
dão/estrangeiroe livre/escravo,tãotípicasposteriormente
daspó/eisgregas,sóexistiamembrionariamente,semcla-
reza.
O centrodaorganizaçãosocialeraa famíliaaristo-
cráticaquesejulgavadescenderdeumheróiou deum
deus- o genos-, certamenteumafamíliapatriarcalex-
tensaemquevárioscasaispodiamconviversoba autori-
dadedeumúnicochefe;masnãoum"clã",comoera
usualmentedefinida,soba influênciadeMorganeEngels,
atéasprimeirasdécadasdesteséculo.Acreditava-se,então,
queo genosfosseumclãpossuidordeterras'emcomum
e quedesuadiferenciaçãointernasurgiraa polarização
emaristocraciaepovo;mastal interpretaçãocarecede
20
base. O genosera invariavelmentesó aristocráticoe não
há sinaisdepropriedadecoletivanospoemashoméricose
nos de Hesíodo. Telêmaco,filho de Odisseuou Ulisses,
não contoucom qualquerajuda"clânica"contraos pre-
tendentesà mãodesuamãequedilapidavamsuaherança
e os casosde vingançaaparecem,nos poemas,ligadosà
iniciativade amigose parentespróximospor sangueou
aliança- pais,filhos,sogros,genros-, nãosetratando
de"vingançacoletivadoclã". E emHesíodovemosuma
disputaemtornodadivisãodaherançapaternaentreir-
mãos,nãoqualquerdivisãodeterra"comunitária".Assim,
se estivercorretaa interpretaçãodasktonaikekemenai
comoterrascomunitárias,haviamuitojá o tinhamdei-
xadode ser.
Cadagenoserao núcleoemtomodoqualseorga-
nizavauma"casa"realounobre,o oikos,quereuniapes-
soas- alémdafamília,diversascategoriasdeagr.egados
livrese deescravos- e bensvariados(terras,rebanhos,
o "palácio"- de fatobemmodesto-, um"tesouro"
constituídoporreservasdevinhoe alimentos,objetosde
metal,tecidospreciosos,etc.),todose tudoobedecendo
aochefedogenosemquestãq.Foradooikos,achamos:
umacategoriade"trabalhadoresdacoletividade"(demiur-
gos), gozandode certo r-estígio social- artesãoses-
pecializados,profetas,médicos,arautos,poetascantores
(aedos),etc.-, queiamdeuma"casa"nobrea outra
namedidaemquefossemsolicitadosseusserviços;cam-
ponesessemterras(tetes),quealugavamquandopodiam
suaforçadetrabalhoe erammuitomalvistos;e- sabe-
mo-Iopor Hesíodo- pequenosproprietáriosdeterras.
A pólis aristocrática
A constituiçãodapólisaristocráticaplenamentecarac-
terizadadeu-secomo desaparecimentodamonarquia,subs-
~
21
tituídapormagistradoseleitospelanobrezadesangueentre
seusprópriosmembros,persistindoo Conselho,antesórgão
consultivodo rei, agoracom freqüênciao centroda vida
política. Esta evolução,que pareceter ocorridoentrea
segundametadedo séculoVIII a.C. e o início do século
seguinte,significou,por um lado, uma subordinaçãodo
genose do oikos à comunidade(seguidado enfraqueci-
mentodestasformastradicionaisdeorganizaçãopré-urba-
na), e por outroladohá indíciosdeque,de algummodo,
os aristocratasse apoderaramdasterrasmelhorese mais
extensas.O surgimentodapólis tambémestevevinculado
a um vigorosoaumentoda população,que a arqueologia
comprovaa partirde aproximadamente800 a.C. f: pos-
sívelquea populaçãodaAtica,por exemplo,hajaquadru-
plicadoentre800e 750a.C.,e quaseduplicadoentre750
e700a.C.,seestiveremcorretososcálculostentados.Este
acréscimodemográfico,juntamentecomumaretomadado
progressotecnológico,artesanale comercial,foi fator de
rápidaurbanização.
Os gregosde épocasposterioresconservavama lem-
brançadeque,emcertoscasos,o aparecimentodaspóleis
ligara-se,no passado,a um movimentode concentração
populacionale fusãopolítica:chamavamsimpolitiaaunião
de váriascoletividadespara formaroutra maior e sine-
cismoo mesmofenômenoquando,paralelamente,dava-se
o transplantede boa partedos habitantesà aglomeração
maisimportanteou a umacidadeespecialmentefundada
para tal. Isto é confirmadopor movimentossemelhantes
ocorridosna f:pocaClássica,por exemploao formarem-
-se as póleisde f:lis e de Mantinéia,no Peloponeso,no
séculoV a.C.
Do ponto de vista topográfico,uma pólis, no seu
núcleourbano,dividia-secomfreqüênciaemduaspartes,
que podiamter surgidoprimeiroindependentemente:a
acrópole,colinafortificadae centroreligioso,e a ástyou
cidadebaixa,cujopontofocalerao lugardereunião(pos-
teriormentetambémummercadocomlojas), a ágora.Um
terceiroelementomuitasvezespresenteera o porto,mas
estepodiatambémformarumaaglomeraçãoseparada,em- -
borapróxima(é o casodo Pireu,principalportode Ate-
nas). Por fim, o territóriorural semeadode aldeias
(khóra) completavao quadroda cidade-Estado.Esta
visãotopográficaé maisnossado quedosgregos,para
osquaisumacidade-Estadoeraformadapelacomunidade
deseuscidadãos:daíquemencionassem,falandodepó-
leis,"osatenienses","oslacedemônios","oscoríntios",e
nãoAtenas,EspartaouCorinto.
Note-sequeascidades-Estadosnãoseformaramem
todaa Gréciaantiga.Ao surgireme sedesenvolveremem
certasregiõesmasnãoemoutras,acentuou-seumdesen-
volvimentodesigualqueprovavelmentetinharaízesbem
maisantigas.M. Austine P. Vidal-Naquetpropuseram
duasinteressantestipologiasdosEstadosgregos,clara-
menteperceptíveistalvezsódoséculoVI a.C.~mdiante.
Em primeirolugar,distinguiramo ethnose a pólis,isto
é,o Estadosemcentrourbanoe o quetinhaumacidade
comonúcleo.Atenas,Corinto,Mileto,sãoexemplosde
póleis;Tessália,Macedônia,Arcádiae'outrasregiõesrurais
atrasadasforampormuitotempoethné.Emsegundolugar,
separaramos Estados"modernos"- releve-sea lingua-
gempoucoadequada- dosEstados"arcaicos",querendo
significarporumladoaquelesEstadosquepassarampelo
conjunto.dastransformaçõesocorridasnaGréciaarcaica
e clássicae,poroutrolado osqueconheceramevolução
maislimitadae preservaramlongamenteestruturasaristo-
cráticasatrasadas.Os Estados"modernos"eramsempre
póleis(Atenas,Mileto);os "arcaicos"podiamserpóleis
(Esparta,ascidades-Estadoscretenses)ou ethné(Tessá-
lia, Lócrida)l.
1AUSTIN,Michel& VIDAL-NAQUET,Pierre. Economieset sociétés
enGreceancienne.Paris,ArmandColin, 1972.p. 92-6. (Coleção
U 2).
23
As grandeslinhasde evoluçãodas
cidades-Estados
Quandoas cidades-Estadosgregascomeçama ser
maisbemiluminadaspelasfontesescritas,nósasachamos,
naBpbcaArcaica(séculosVIII-VI a.C.),emplenacrise
sociale política(stásis),entreguesà lutaentrefacções.
A raizprimeiradestacriseparecesero resultadodacom-
binaçãodoaumentodemográfico(contínuodurantetoda
essafasedahistóriagrega)coma circunstânciadeesta-
rem,comose disseanteriormente,muitasdasmelhores
terrasmonopolizadaspelaaristocraciadesangue,quedis-
punhadetodoo poderpolíticoejudiciário.Emcontraste,
oslotesdoscamponesespobres,devidoa contínuasparti-
lhassucessórias,podiamchegara tamanhosínfimos.Mas
odetalhenosescapa:oúnicoexemplorelativamentemenos
obscuroé o deAtenas,queseráexaminadono próximo
capítulo.Em todocaso,algumasdascaracterísticasque
podemosentrevernaAticaparecembastantegerais.Uma
delaséo empréstimoinnatura(sobretudodecereais)que
osproprietáriosmaisricosfaziamaoscamponesespobres,
doqualpodiaresultaraperdadaterrapelosúltimos,con-
tinuandoo ex-donoa trabalhara parcela,agoracomo
arrendatário;e mesmoumaformadeescravidãoouservi-
dãopordívidas,já queo pagamentodestaseragarantido
pelapessoadodevedore deseusfamiliares.
Partindoda lutaentreproprietáriose despossuídos,
credorese devedores,a evoluçãodapólisdependeutam-
bémdeoutrosfatores,entreosquaisosqueapontampara
a urbanização,a divisãodo trabalho,a importânciacres-
centedaeconomiamercantil.A arqueologiapermitecom-
provarumartesanatocujaqualidadeestavaaumentando,
a exportaçãodecerâmicagreganosséculosVII eVI a.C.,
a importaçãodeartigosdeluxoorientais,o surgimentodé
templosimponentese outrosmonumentos,maistardia-
menteo inícioda economiamonetária(cujaexpansão
24
entreas cidades-Estadosgregasfoi sobretudoum fatodo
séculoVI a.C.) e de um sistematécnicoespecificamente
helênicoa partir do séculoVI a.C. Uma interpretação
anacrônicae exageradade algunsdessesfatores,típicade
finsdo séculoXIX e iníciosdoséculoatual,baseadanuma
ênfaseexcessivanosaspectosmercantise no papeldosar-
tesãose comerciantes,levouaumafortereaçãoemsentido
contrárionestasúltimasdécadas.Ressaltou-seo caráter
maciçamenteagrárioda sociedadegregae o fato de não
teremsofridoos coríntiosqualquercatástrofeperceptível
quandoAteJ?assuperouCorinto na exportaçãode cerâ-
mica. Mostrou-seque a moeda,inventadano reino da
Lídia aindano séculoVII a.C., dali passouàs cidades
gregasem processoquese escalonaao longode muitas
décadas,masquea arqueologiaprovasermaistardiodo
queos textosescritosdisponíveispoderiamfazersupor;e
queo seusurgimentopôdedever-sea fatoresextra-econô-
micos,pelomenosde início: vontadedeafirmarumaética
da eqüidadenasrelaçõessociais,deproclamara soberania
das póleis - sendoa cunhagemde moedasum símbolo
de independência-, de facilitaropagamentodeimpostos
e multasexigidospelascidades-Estados,maistardede fi-
nanciartropasmercenárias,etc.
];:possível,porém,quesetenhaido longedemaisna
minimizaçãodo comércioe dos fatoreseconômicosnão-
-agrários.Afinal, a nãoserqueumariquezaestranhaaos
padrõestradicionaisdosnobrespossuidoresde terrasex-
tensastenhafeitosuaaparição,seriadifícil explicara in-
dignaçãodeTeógnisdeMégarapor nãodesdenharo aris-
tocratacasar-secoma filha de.um homemrico denasci-
mentoinferiore por dominaremos comerciantes(TEÓG-
NIS,185et seqs.,349), ou a de Alceu deMitilenediante
da riquezaquefaz o homem(fragmento49), ou aindaa
afirmaçãode Simônidesde Ceos (citadopor Aristóteles)
acercade sero "bomnascimento"merariquezaherdada,
paranão mencionara asseveraçãomaisantigado beócio
25
lIesíododequea virtudee a glóriaseguema riqueza(Os
trabalhose os dias,313).
A colonização grega
Ao mesmotempoconseqüênciada criseagrária,para
a qualconstituíaumasaída,e fatorde umprogressoeco-
nômicodiversificado,a colonizaçãogregafoi umdosacon-
tecimentosessenciaisdos séculosarcaicos,emboracom
ímpetomenorealgumasmodificaçõesseestendessemigual-
menteaos séculosclássicos(V e IV a.C.). Semdúvida,
foi a buscade terrascultiváveisque,em primeirolugar,
levouexpediçõesfundadorasgregasao MediterrâneoOci-
dental,ao norteda África, ao nortedo Egeu,à Propôn-
tide (atualMar de Mármara)e ao Ponto Euxino (atual
Mar Negro), num extraordináriomovimentode multipli-
caçãodaspóleis helênicas- cujonúmerochegariaaapro-
ximadamente1500.a 2000. O própriofatodequeco-
munidadesgregastenhampassadoa existiremtodoo
contornodoMediterrâneoedeseusanexos,porém,inten-
sificoumuitoa navegaçãoe o comércio.Como tempo,
tambémsurgiramfundaçõesdeindubitávelfinalidadeco-
mercial:Emporionna Espanha,Náucratisno Egito;de
fato,AI-Mina,semdúvidaum"empório"ounúcleomer-
cantilno norteda Síria,surgirabemantes,no século
IX a.C.
A colôniagregatípica,ouapoikía,eraumacidade-
-Estadoindependente,fundadaporumametrópolequeen-
viavaumguiaoufundador(oikistés)efinanciavaa expe-
dição;esta,noentanto,podiacontarcomcontingentesde
váriaspóleis.Na maioriadasvezes,buscava-seumapla-
nícielitorâneafértil,cujasterraseramdivididasigualita-
riamenteentreosprimeiroscolonos,sendoqueseconhe-
cemredivisõesprovocadaspelachegadadenovasondas
26
I
demigrantese quea situaçãoprimeiradeigualdadenão
foi durável.
A intervençãodas autoridadesmetropolitanasera
clara:nãosetratavademigraçõesespontâneasorganiza-
dasemcaráterprivado.Platão(Leis,735e-736a)vianos
homensdesprovidosderecursosumperigo,já queambi-
cionavamosbensdosricos,e nacolonizaçãoumaexpul-
sãobenigna,paraquea pólisdelesse desembaraçasse.
UmatradiçãoconservadaporHeródoto(IV, 153)acerca
dafundaçãodeCirenemostraque,pelomenosemcertos
casos,o governodacidade-Estadodesignavaporsorteio
aspessoasquedeveriampartir;umainscriçãodo século
IV a.C.confirmaa autenticidadedaafirmaçãoe adiciona
outrasinformações:a penalidadeparaquemsenegassea
partirquandodesignadoeraa morte,acompanhadade
confiscodosbens;alémdosescolhidospelasorte,eram
aceitosvoluntários.
Tudoistoacentuaosaspectosagráriosdacrise,eda
colonizaçãocomoumadesuassoluções.Mesmoassim,é
bempossívelque,aindanacriaçãodecolôniasfundamen-
talmenteagrárias,nãoestivessemausentesoutrasmotiva-
ções,comoo aprovisionamentoem metais(de que a
Gréciaé,noconjunto,bempobre).Nãosedeveesquecer
deque,noséculoV a.C.- maisdocumentado-, certas
razõeseconômicasdacolonizaçãosãoclaramentemencio-
nadaspelasfontes:buscadeterrasnasquaisestabelecer
cidadãospobres,semdúvida;mastambémcontrolede
portoscomerciaise minasdeouronaTrácia(TucfDIDES,
I, 100,referindo-seà colôniadeAnfípolis,fundadapelos
ateniensese seusaliadosatravésdoenviode10000colo-
nos),cortesdemadeiraparaconstruçãonavalnamesma
região(TucÍDIDES,V, 108). Outrossim,umadasrazões
invocadaspelosenviadosdeCorcira(atualCorfu)para
convenceros ateniensesa queprestassemajudaà sua
cidade_ colôniainsulardeCorintoemconflitocomsua
metrópole_ foi a posiçãoestratégicada mesmaemrela-
---.. ..
27
ção à rota de navegaçãoda Gréciacontinentalà Magna
Grécia(sulda Itália) e à Sicília (TUCÍDIDES,I, 36). Não
hárazõesparasuporqueconsideraçõescomoestasnãose
fizessemsentirjá anteriormente,por maisquealgunsdos
fatoreseconômicosquepesarammuitono séculoV a.C.
_ por exemploa buscade fontesde abastecimentode
cereaise do controledasrespectivasrotas- somenteno
finalda];:pocaArcaicadefatocomeçassema teralguma
incidência.
Na longae variadahistóriada colonizaçãogrega
aconteceramquasetodasaspossibilidadesimagináveis.Os
gregosàsvezesseestabeleceramatravésdeacordoamigá-
vel comos indígenas,outrasvezesexplorando-oscomo
servos.Houvecolôniasqueporsuavezfundaramcolô-
nias.Gruposdecolonosenviadosporumacidadeinicia-
vamumestabelecimentoe posteriormenteeramexpul.sos
por recém-chegados:Zancle,na Sicília,depoischamada
Messina,foi fundadaporcolonosprovenientesdailhaEu-
béia,osquaisforamsubstituídospormigrantesdailhade
SamosedaJôniaquefugiamdospersas,expulsosporsua
vezpelotiranoda cidadede Rhegion,queali instalou
pessoas de variadas procedências (TUCÍDIDES, VI, 4) .
DiodorodaSicília(V, 9) fala-nosdehomensdeCnidoe
deRodesque,impedidosde seestabeleceremna Sicília
pelosfenícios,misturaram-seà populaçãoindígenadas
ilhasLípari (porvoltade580a.C.),cujosistemacomu-
nitáriodepropriedadedaterraadotarampormuitotempo.
Repercussõespolíticas
Querepercussõespolíticastiveram,emseuconjunto,
os fatoresjá mencionados:criseagrária,colonização,ur-
banização,progressostecnológicos,expansãodoartesanato
e daeconomiamercantil?
28
Aparentemente,comoocorreriaalgunsséculos.depois
emRoma,a diferenciaçãosocialresultantede taisfatores
levoutambéma umadiferenciaçãodasreivindicações.Aos
pobresinteressavaa aboliçãodasdívidas- e suaconse-
qüência,o fim da escravidãoou servidãopor dívidas-
e a partilhadasterras.Às pessoasenriquecidasmasque
nãopertenciamà aristocraciatradicional,importavasobre-
tudoobtera fixaçãodasleis por escritoe certosdireitos
políticos. '
O monopóliodas magistraturase da justiçapelos
nobresde sanguejá eravistopor Hesíodocomofontede
injustiça,quandomencionavaos "homenscomedoresde
presentes"(Os trabalhose os dias,220-221)- ou seja,
magistradoscorruptos,subornáveis.Foi nascolôniasoci-
dentais,segundoparece,quesurgiramos primeiroslegis-
ladores_ Zaleucosde Locres (663-662a.C.), Carondas
deCatânia;emseguidaforamnomeadoslegisladorestam-
bémna Gréciacontinental(Filolau deCorintoemTebas,
DráconemAtenas)e nascidadesgregasdacostadaÁsia
Menor. Nestaúltimaregiãoeramchamadosaisymnetai,
título que significaterempor funçãoregularequitativa-
menteos direitos:o quemostrabemqueos legisladores
nãoselimitarama fixarpor escritoo direitoaristocrático
e consuetudinário,masagiramtambémcomoreformadores
políticose sociais,chamadosqueforamcomomediadores
dasfacçõesemconflito. Nomeadosvitaliciamenteou por
tempolimitado,gozaramde poderesextensosde tipo le-
gislativoe executivo.
Uma dasrazõesqueexplicama possibilidadede in-
fluíremos não aristocratasdetentoresde algunsrecursos
na transformaçãoparcial do regimepolítico foi a cha-
mada"revoluçãohoplítica". Por volta de 700 a.C. ou
poucodepois,o antigomodode combate,queselimitava
no essenciala duelosentrenobresqueiam ao campode
batalhaa cavalomascombatiama pé, cedeuo lugar a
infantesarmadosdeumacouraçametálica,de um escudo
-
29
leveno braçoesquerdoe de umalança,não maisarma
de arremesso,mascom a qual,segurana mãodireita,se
avançavadiretamenteao encontrodo inimigonummovi-
mentocoletivoe ritmadoque exigiamuito treinamento
conjunto. Esta infantariapesadados hoplitasapareceu
em funçãoda reuniãode uma sériede transformações
técnicasqueforamsurgindoaospoucose finalmentecon-
fluíramnumsistemacoerente.A mudançano modode
fazera guerraimplicavaumamudançasocial:o combate
singulareraprópriode umareduzidaaristocraciamilitar
quemonopolizava,ou quase,o uso dasarmas;a falange
hoplíticaexigiaum grandenúmerode combatentesbem
treinados.Paraadquiriro armamentode um hoplitaera
precisoserpelo menosum camponêsmédio,comalguma
renda. ~stolevou, mesmoassim,a uma partilha,ainda
quelimitada,do poderpolítico:a assembléiapopular,que
reuniao povo (demos)ou,pelomenos,o seusetorcapaz
de armar-se,começoua sair do silêncioque no passado
lhe haviasidoimpostonasassembléiascantadaspor Ho-
mero,nas quaissó aos aristocratasfora permitidaa pa-
lavra.
Na medidaem que os problemasfundamentaisdas
massaspopularesnãoeramcabalmentesolucionadospelas
transformaçõespolíticasjá mencionadas,abria-sea possi-
bilidadedo surgimentode um regimepolíticopeculiar:a
tirania. A partir de meadosdo séculoVII a.C., e por
maisdecemanos,diversoslíderespopulares,quasesempre
de origemnobre,consideradosusurpadorespor umatra-
diçãoaristocráticaantigaque os autoresatuaiscuriosa-
menterepetem,tomaramo poderpelaforçaou ardilosa-
mente.Em CorintoforamtiranosCípseloe seufilho Pe-
riandro(655-585a.C.); emMégara,Teágeneschegouao
poderem640a.C. e unsdezanosdepoisapoiou,emAte-
nas,o golpeabortadodeseugenroCílon; Sícion,no norte
do Peloponeso,foi governadapor Ortágorase Clístenes
duranteumséculo,atéaproximadamente550a.C.;nacosta
30
daÁsiaMenore nasilhasvizinhashouvetambémnume-
rosostiranos,sendoosmaisfamososTrasíbulodeMileto
(fimd,oséculoVII a.C.)ePolícratesdeSamos(derrubado
pelospersasporvoltade520a.C.). Defato,dascidades
maisimportantes,sóEspartae Eginanãoconhecerama
tirania.
Queumregimetão generalizado,por maisde um
séculoumadasformasdegovernoprincipaisdaGrécia,
sejaconsideradoporhistoriadoresdehojecomouma"irre-
gularidadeconstitucional"ousimplesmentecomoum"re-
gimedetransição",é provadeumaaceitaçãoacríticado
mauhumordeescritoresaristocráticosouoligárquicosdo
passado,bemcomoda lembrançadeformadada tirania
pelopovoemépocasposteriores,causadapelosaspectos
derigore impopularidadequeostentouemseusúltimos
temposnafasearcaica(poishouvedepois,sobretudoem
áreasperiféricasdomundogrego,novastiranias,sendoa
maisfamosaa deDionísio,o AntigodeSiracusa,405-367
a.C.).
Ostiranoschegaramaopoderdediferentesmaneiras:
reisquealmejavamlivrar-seda tuteladosaristocratas;
magistradoseleitosquepelaforçasemantiveramnocargo
ao expiraro seumandato;por fim, líderesmilitaresde
grandepopularidadequederambem-sucedidosgolpesde
estado(ARISTÓTELES,política,V, 1310b).Trêscaracte-
rísticasdoregimeaparecemcomclareza:1) o governodo
tiranoeradetipopessoale consideradoilegalpelosaris-
tocratas,emboraelemantivesseo aparelhotradicionaldos
órgãosdesuapólis(decertomodo,a tiraniaseexercia
paralelamentea taisórgãos);2) sualegitimidadee sua
basesocialvinhamdofatodeprotegerospopularescontra
a classedominante(ouseja,governarama maiorpartedo
tempoapoiadospelamaioriadapopulação,o quetorna
umtantoestranhoconsiderarilegalo governodostiranos,
exatamentecomofaziamosnobresporrazõesóbvias:fora
a sualegalidadequeostiranosromperam);3) emquase
- -- -
~
31
todosos casos,o tiranoeraumnobre,ou pelomenospar-
cialmentedescendentedenobres(estaúltimapossibilidade- o tiranoresultantede casamentomisto- sendoilus-
tradapor Cípselode Corintoe Pítacode Lesbos).
Quis-seexplicara ascensãodatiraniapela"revolução
hoplítica".A verdade,entretanto,é que,mesmoquando
haviamsido líderesmilitares,umavezno poderos tira-
nosfaziamusodemercenários,nãodamilíciadecidadãos.
Ao apoiar-sepoliticamentenasmassaspopulares,emfavor
dasquaistomavadiversasmedidas- quenormalmente
não incluíam,porém,qualquerredistribuiçãoradicaldas
terras -, a tiraniapromoveua configuraçãodo demos
comoforça políticamaisestruturadado que o fora até
então:ela significou,assim,a destruição,não dos aristo-
cratas,m"aSda sociedadee do regimearistocráticosmais
ou menosexclusivos.Por isso mesmo,a tiraniaarcaica
foi seguidapela democraciaou por regimesoligárquicos
bemmenosestreitosdo queos do passado2.
Evoluções divergentes
Terminadaa eradostiranosarcaicos,aoiniciar-seo
períodoclássico(séculosV e IV a.C.),percebemosno
mundogregoevoluçõesdivergentes,sejaemdireçãoà de-
mocracia,sejapararegimesoligárquicos.Estasevoluções
dependeramtantodoresultadodaslutassociaisepolíticas
internasquantodaintervençãodascidades-Estadosmaio-
res,umasnasoutrase no regimedasmenores.Esparta
apareciacomocampeãdosregimesoligárquicose inimiga
dastiraniase democracias:interveioparaderrubardiver-
sostiranos,inclusiveosPisistrátidasdeAtenas,e a favor
do estabelecimentoou restauraçãodeoligarquias,emes-
2Ver MossÉ,Claude.La tyranniedansIa Greceantique.Paris,
PressesUniversitairesde France,1969.p. 203-5.
r----
32
pecial- masnãosomente- no Peloponeso(TUCÍDIDES,
I, 19;VI, 59). Atenaseraa defensoradosregimesdemo-
cráticos,queinstalavanascidades-Estadosqueeramsuas
aliadas,transformadasemsúditas,e emsuascolônias(cle-
rúquias). Duranteas lutaspelo poder,os aristocratase
oligarcastendiama apelarpara Esparta (TUCÍDIDES,I,
107;111,65, etc.;XENOFONTE,Helênicas,IV, 8, 20), os
democratasparaAtenas(TucfDIDES,I, 115;111,47; VIII,
21, etc.). Quantoa Tebas,se no séculoV a.C. apoiava
os oligarcas(TUCÍDIDES,11,2; VI, 95), com a mudança
do seupróprioregimeno séculoseguintepassoua intervir
a favor dosdemocratas(XENOFONTE,Helênicas,VII, 1,
41 a 46). Analogamente,quandoda opçãopor alianças
externas,as cidadesdemocráticastendiama aliar-seàs de
mesmoregimee as oligárquicasa outrasoligarquias(Tu-
CÍDIDES,V, 31, 44).
Tomemostrêsexemplosde evoluçõesdivergentesno
final do séculoV a.C.: Corcira,Mégarae MeIo (Milo).
Em conflitoabertocomCorinto,suametrópole,desde
435 a.C., CorciraapeloualgunsanosdepoisparaAtenas.
Um doschefesdopartidodemocrático,Peithias,conseguiu,
nos tribunais,condenarcincodos maisricos cidadãosda
ilha a umafortemulta,alegandoteremcometidoumcrime
religioso. Os acusados,informadosde que Peithiasiria
apresentarao Conselhode Corcira,de que era membro,
umprojetodealiançadefensivae ofensivacomosatenien-
ses,organizaramum ataquearmadoao mencionado.Con-
selho,matandoo líder democratae outrassessentapes-
soas. Conseguiramdestemodoimpedira aliança.A che-
gaGade UmbarcodeCorintoe de enviadoslacedemônios
encorajouos oligarcasa atacaremos democratas,vencen-
do-osmomentaneamente.À noite,porém,o povotomou
a acrópolee lá sefortificou,ocupandoigualmenteum dos
portos;os oligarcas,por suavez,ocuparama ágora,onde
residiame tinhamsuaslojas- tratava-sede umaoligar.
I
\
I
33
quia sobretudode comerciantes-, e o outroporto.
Ambasas facçõestentaramobter o apoio dos escravos,
prometendo-Ihesa liberdade:estes,na suamaioria,opta-
ram pelos democratas,enquantoos oligarcasrecrutaram
oitocentosmercenáriosilírios no continente.No combate
quese seguiu,do qual tambémparticiparamas mulheres,
os popularesforamvitoriosos.Os oligarcasincendiaram
a ágora- e portantoseusprópriosbens_ parabarrar
aosinimigoso acessoaoarsenalnavale seusarmamentos.
O barcocoríntioe os mercenáriosseretiraramfurtiva-
mente.ChegaramreforçosenviadosporAtenase maisde
quatrocentosoligarcasserefugiaramnumtemplo.A si-
tuaçãomudoucoma chegadadenumerososbarcospeJo-
ponésios,quecombaterame derrotaramosnaviosdeCor-
cira (quenãocontaramcomajudadosatenienses).Os
democratasdecidiramentraremacordocomosoligarcas.
Masospeloponésiosseretiraram,enquantoastropastra-
zidaspelosbarcosdeAtenasforamintroduzidasnacidade.
Seguiu-seumterrívelmassacrede oligarcas,mesmonos
templos,o qualdurousetedias.Os devedoresaproveita-
ramparadesembaraçar-sede seuscredores,matando-os
(427a.C.). Os sobreviventesdentreosoligarcas,instala-
dosnumamontanhada ilha,dedicaram-sea umaguerra
de guerrilhas.Aceitaram,posteriormente,parlamentar
comos atenienses,quelhesderamgarantiase aosquais
serenderam;masforamentreguestraiçoeiramenteaosde-
mocratasdeCorcira.Muitosforammassacradose outros
sesuicidaram,enquantosuasmulheresforamescraviza-
das.A facçãooligárquicafoi,portanto,literalmenteani-
quilada,em425a.C. (TuCÍDIDEs,111,70 a 81; IV, 46a 48).
Diferentefoi o resultadodadisputaentredemocratas
e oligarcasemMégara,maisoumenosnamesmaépoca.
Osdemocratasforamaprincípiovitoriosos,eosoligarcas,emparteexpulsos,pilhavamo territórioda cidade,que
~
34
já sofriacomosataquesdeAtenas- jáqueMégaraera
aliadadeEspartadurantea Guerrado Peloponeso.Os
partidáriosdaoligarquiaquepermaneceramnacidadede-
fendiama voltadosbanidos.Os democratasentraram
entãoemconversaçõescomos atenienses,poisestavam
decididosa entregarMégaraa Atenasparaevitara volta
dosexiladose doregimeoligárquico.Os ateniensescom-
binaramcomelesumplanodeaçãomilitar,mas,sebem
quetal planotivessesucessoinicial,os lacedemôniose
beóciosintervierame acabaramvitoriosos.Apesardepro-
messasdeclemênciaedecomposiçãopolítica,osoligarcas,
umavezinvestidosdemagistraturasdoEstadoemMégara,
conseguiramcondenarà morteumacentenadedemocra-
tas. Implantaramentão"umregimefrancamenteoligár-
quico"(TUcÍDIDES,IV, 66 a 74).
A ilhadeMeIorecusara-sea entrarparaa Ligade
DeloscontroladaporAtenas.Em416a.C.,osatenienses
organizaramcontraelaumaexpediçãomilitar,comajuda
deQuioe Lesbos.Acampadasastropasnailha,emissá-
riosateniensessedirigiramà cidadedeMeIo,governada
porumaoligarquia.Os governantesnãopermitiramque
falassemà assembléiapopular,forçando-osa discutirso-
mentecomos magistradose o Conselhode notáveisda
cidade_ coisaquefoi ironizadapelosemissários:estes
observaramqueosoligarcastemiama discussãoaberta,a
qualpoderiainduzir"a massadoscidadãos"a sedeixar
convencerpelosargumentosdosatenienses.Não houve
acordo.Depoisdeumanodecerco,MeIocaiuempoder
dosseusinimigos.Oshomensadultosforammassacrados,
asmulherese criançasescravizadase asterrasdailhare-
partidasa quinhentoscolonos(clerucos)atenienses.Neste
caso,portanto,a quedado regimeoligárquicosignificou
tambéma aniquilaçãodapólis(TUcÍDIDES,V, 84a 116).
A opçãopelademocraciaia alémdeobjetivospura-
mentepolíticosparaasmassaspopulares,quecontinuavam
I 35
reivindicandoa redivisâodas terras(ver um exemplo-
o de Leontini, na Sicília - em TucíDIDES,V, 4). Se
acreditarmosemAristóteles(ConstituiçãodeAtenas,XL,
3), emcertascidadesos democratas,ao tomaremo poder,
procederamefetivamentea tal redivisão.
Conhecemosbem mal as instituiçõesdemocráticas
fora de Atenas. A maisantigadas democraciasgregas
seriaa deQuio, anteriormesmoà ateniense.f: sobretudo
por inscriçõesquesabemosteremas cidadesdemocráticas
órgãosgrossomodo análogosaos de Atenas - Eclésia ou
assembléiapopular,Bulé ou Conselho,magistradoseleitos
ousorteados-, masentrevemosalgumasdiferenças:menor
poderdos tribunais,inexistênciade remuneraçãopor ati-
vidadespolíticas,inexistênciado ostracismo(salvoemSi-
racusaantesde405a.C.e emArgos). No séculoIV a.C.,
anteriormenteà intervençãoda Macedônia,havia mais
póleisdemocráticasdo queoligárquicasna Grécia.
As cidades-Estadosoligárquicas,tal comoas demo-
cráticas,tinhamassembléiaspopulares(Ecclesíai,Halíai),
conselhose magistrados.Mas as condiçõesde acessoà
cidadaniaplenaeramdistintas,apesarde bem variadas,
comosabemospor Aristótelesprincipalmente.Haviauma
diferençaentrecidadãosquechamaríamospassivos,excluí-
dosdosdireitospolíticostantoquantoos estrangeirosresi-
dentes(metecos)e os escravos,e cidadãosativos(polí-
teuma), cujo númeropodia variar (mil em Cólofon ou
Crotona,seiscentosem Massália,etc.). Em geral,eram
critériosdefortunaou rendaanualquefaziama diferença
entreas duascategoriasde cidadãos.Por outrolado,nas
oligarquias,comfreqüênciaa assembléiapopulartinhapo-
deresrestritos,sendoo Conselhoo órgãodegovernomais
importante.Em cidadesondecertasfamíliasaristocráticas
aindadominavam(cidadesda Tessália,Massália,Cnido,
Heracléia),as magistraturaseramhereditáriase não ele-
tivas. Havia,outrossim,limiteslegaismínimosde idadee
de riquezapara o acessoà magistraturae ao Conselho.
36
Além da cidade-Estado: ligas e
federações de cidades
Não obstanteo particularismoestritodapólis grega,
desdea Época Arcaica temosnotícia da existênciade
associaçõesqueenglobavamcertonúmerode cidades-Es-
tados.
As mais antigasforam as anfictionias,organizadas
em torno de um santuáriopan-helênicopara o culto
comum - como ocorreu, por exemplo, no famoso san-
tuário de ApoIo em Delfos. Cada anfictioniatinha um
Conselhointegradopor representantesdas cidades-mem-
bros, massemfunçõespropriamentepolíticas,já que só
cuidavade acordosdiplomáticos.
Os gregoschamavamsimaquiaumacordoou associa-
ção militar,emprincípioparaa defesa,o qualpodiaen-
globardiversascidadesquepermaneciamindependentese
dispor de um Conselho.A maisfamosafoi a simaquia
peloponésia,tambémconhecidacomoLiga do Peloponeso,
formadano séculoVI a.C. por iniciativade Esparta,que
se ligou à maioriadas cidadesoligárquicaspeloponésias
por tratadosbilaterais,às vezescomplementadospor ou-
tros tratadosdasdemaiscidadesentresi. Uma exceção
de pesofoi Argos,pólisdemocráticae tradicionalinimiga
deEsparta,a qualserecusoua participar.O nomeoficial
desta simaquia - "os lacedemôniose seus aliados" -
mostrabem que, emboraos membrosmantivessemem
princípiosuaautonomiainterna,o predomínioespartano
eraclaro. O Conselhoda liga eraconvocadoe presidido
por magistradosde Esparta(éforos) e cadacidadenele
tinhaum voto. A segundacidadeemimportânciada :;i-
maquiapeloponésiaera Corinto, por sua riquezae sua
frotadeguerra.No séculoV a.C.,depoisdaguerracontra
os persas,e maisaindaapósa vitóriasobreAtenasem
404 a.C., Espartaconseguiumaiorcentralizaçãoem seu
benefícioda simpatiapeloponésia.
'.......
í .,
37
A união dos gregospara enfrentara ameaçados
persaslevou à formação,aliásdifícil, da chamadaLiga
pan-helênicade Corintoem481 a.C., simaquiacujo co-
mandoterrestree marítimocoubea Esparta. De fato,
grandesporçõesda Gréciapermaneceramneutras(Creta)
ou apoiaramospersas(Tessália,Beócia). Espéciedealar-
gamentopassageiroda simaquia peloponésia,a Liga de
Corinto foi, no entanto,bemmais frouxaem suaorga-nização.
Ainda no decorrerda guerracontraos persas,em
476 a.C., Atenasconseguiuformarà sua voltaumaliga
marítimacom a .finalidadede libertaras cidadesgregas
da Asia Menor,aindasobo jugo do impériopersa_ o
quefoi conseguidoem449a.C.-, e atacare pilhareste
últimoemrepresáliapelasguerrasmédicas.A associação,
cujo tesourocomumficariadepositadona ilha de Delos,
centro religiosodos jônios do Egeu, é conhecidacomo
Liga deDelos. Delaparticipavama maiorpartedasilhas
Cíclades,a ilha Eubéia, algumasdas ilhas costeirasda
Asia Menor,partesdascostasdaTráciae doMar deMár-
mara. As cidadesmaiorescontribuiriamcom barcosde
guerra,asmenorescomdinheiro.Atenasteriao comando,
masno Conselhoda ligacadacidadedisporiadeumvoto.
Tratava-se,no início, deumasimaquia,cujonomeoficial
era: "os ateniensese seusaliados" Como tempo,porém,
a Liga de Delosse transformouemumimpériomarítimo
submetidoa Atenas.Estapassoua castigarascidadesque.
tentassemabandonara aliança,o tesourocomumfoi trans-
feridoparaAtenas(454 a.C.), ondepassoua serusado
em despesasda própriapólis ateniensee não da liga, o
Conselhodestadesapareceuecolônias(cIerúquias)deate-
niensesqueconservavamsuacidadaniade origemforam
criadasemterritóriosvaziosou emterrasconfiscadasaos
insurretos,paravigilânciado império.O regimedemocrá-
tico foi impostoa muitasdascidadesda Liga de Delos
que eramantesoligárquicas,bem como a moedae os
38
pesose medidasdeAtenastiveramdeseradotadospor
todas.QuandoEspartaderrotouAtenase seusaliadosna
Guerrado Peloponeso(404a.C.), a Liga deDelosfoi
dissolvida;reapareceu,porém,menore menosestruturada_ massempresobhegemoniaateniense- em377a.C.
Alémdasassociaçõesdecidadesatéagoramenciona-
das,houveoutrasmenosextensas.A maisimportantefoi
a LigaBeócia,naverdadeumEstadofederaldisfarçado,
controladoporTebas.A liga,formadapelaprimeiravez
emmeadosdo séculoVI a.C.,consolidou-seumséculo
maistarde;foi dissolvidaem386a.C.e reestruturadaem
374a.C. Na LigaBeóciaos direitose deveresdascida-
desparticipanteseramdeterminadospelasrespectivasci-
frasdepopulação,daídecorrendoo predomíniotebano.
Dividia-seemonzedistritose, no Conselhofederalde
660membros,240eramdeTebas.Haviaonzebeotarcas
oumagistrados,dosquaisquatroeramtebanos,comfun-çõesprincipalmentemilitares,um tesourocomume um
tribunalcoletivo.Oligárquicano séculoV a.C.,coma
transformaçãodeTebasnumademocraciano séculose-
guinte,tambéma LigaBeóciapassoua terumcaráterde-
mocrático,eliminando-sea distinçãoentrecidadãosativos
e passivose passandoa assembléiapopularcoletivaa ter
grandespoderes.
o fimdascidades-Estadosautônomas
o grandesurtodaescravidãoedasrelaçõesmercantis
quemarcarao finaldaEpocaArcaicaprolongou-sepelo
séculoV a.C. Já noséculoseguinte,muitoshistoriadores
modernoscrêemper:eberumacrise.A longaGuerrado
Peloponesocaracterizara-sepelafreqüênciacomqueos
camposdosinimigoseramdevastados,ascolheitasquei-
madas,as árvorescortadas.A propriedade,muitopar-
celada,tendeua seconcentrar:especuladorescompravam
r ~
39
asterrasarruinadasa baixopreço,sejapararecuperá-Ias
erevendê-Ias,sejaparapraticarumaagriculturadeexpor-
taçãocommão-de-obraescrava.A urbanizaçãoseacen-
tuava:Atenaspassoua concentrar50%dapopulaçãoda
Ática,enacidadeumnúmeroconsideráveldepessoasem-
pobrecidasviviamdosdesembolsoscrescentesdoEstado.
A dependênciado cerealimportadoseacentuou.E ver-
dadequeos aspectoseconômicosda crisedo séculoIV
a.C.sãopoucoclarose àsvezescontraditórios,nãoha-
vendounanimidadea respeito- pois indubitavelmente
existiramtambémelementosde progressoe expansão3.
Nãohámuitasdúvidas,no entanto,dequea partir
de380a.C.algunsdosparâmetrosbásicosdasociedade
gregatenhamsofridorápidamudança,queemmeioséculo
conduziriaà ruínadosistemadecidades-Estadosindepen-
dentes.Novoscentrose elementosde poderpolíticoe
militarsurgirameinfluenciaramfortementea situação.Se
a hegemoniaespartanaapós404a.C.significaraatécerto
pontoa continuidadede padrõesrelativament~tradicio-
naisdeguerrae depolítica,apósa segundadécadado
séculoIV a.C.o usocrescentedacavàlaria,asmudanças
no sistemahoplíticoe o númerocadavezmaiordemer-
cenários,minandoa equaçãotradicionaldo exércitocom
o "povoemarmas",a ascensãodahegemoniadeTebas
e emseguidao grandepesodeumamonarquiamacedô-
nicamuitofortalecidanosnegóciosgregos,revelaramser
fatoresradicalmentenovos.
As sucessivastentativasdehegemoniadesdeo século
anteriorapontavam,no fundo,ao fatobásicodequea
pólis,quadrodemasiadamenteestreito,estavaemdesa-
cordocomo avançoconstantedaintegraçãoeconômicae
culturaldaGrécia,bemcomodosperigosexternos.No
entanto,ospolíticose ospensadoresnasuamaiorianão
3Ver MUSTI, Domenico. L'economia in Grecia. Roma. Laterza,
1981. p. 125-34.
40
encontravamsoluçõesalternativas:os Estadosideaisvis-
lumbradospor Platão e Aristóteleserampó/eis. Alguns
já viam a soluçãonumauniãodos gregos,federandoas
cidades-Estadosemassociaçõesmaisvastas:erao casode
Isócrates,paraquemtal uniãodeveriapassarpelavitória
sobreos persase queacreditavaver.emFilipe da Mace-
dôniao líder capazde realizartão ambiciosoplano.
O grandeadversáriodas manobrasmacedônicasna
Grécia,Demóstenes,perceberacom maior lucidezque a
vitóriadeFilipe deixariasubsistirsomenteumacaricatura
da democraciaateniensee da independênciadas pó/eis
gregas.Foi o que ocorreuapós 338 a.C., quandoos
gregosforamderrotádosemQueronéiapelosmacedônios.
A civilizaçãoda pólis morreuentão,por maisque,for-
malmentee numavisãosuperficial,tudoparecesseindicar
a suapersistência.
3
Atenase Esparta
Aristótelese seusdiscípuloselaboraram,numtraba-
lho deequipe,158monografiasacercadasconstituições
deoutrastantascidades-Estados,dasquaisumasó (Car-
tago)nãoeragrega.Ora,todasseperderam,comexceção
da quese referea Atenas,recuperadaem1891ao ser
publicadauma cópia quasecompletaprovenientedo
Egito. Se bemqueelementoscontidosnasmonografias
perdidasforamincorporadosporAristótelesemsuaPolí-
tica,a verdadeé quesóa respeitodeAtenase Esparta
o conjuntodasfontesantigasdisponíveisfornecedados
suficientesparaumavisãorelativamentesatisfatória,em-
borapersistammuitaslacunas,muitasperguntassemres-
postasseguras,mesmoquantoa estasduaspó/eis.
As circuntânciasinescapáveisdadocumentaçãotrans-
formam,assim,doiscasosno fundoextremos,e portanto
atípicosquandocomparadosa outrascidades-Estadoshe-
lênicas,emparadigmasrespectivamentedosregimesde-
mocráticose oligárquicosda Gréciaclássica.Atenase
Espartacontrolavamterritóriosbemmaisextensosdoque
os da imensamaioriadaspó/eise atravésda liderança
exercidasobrenumerosascidadesreunidasemligasatin-
42
giram,no seuapogeu,níveisdepodertambémmuitosupe-
rioresaosqueestavamaoalcancedasoutrascidades.Seja
comofor, é verdade,igualmente,queasorganizaçõespolí-
ticasqueostentavamnaÉpocaClássicaapresentamnume-
rosospontoscomunscomas de outrascidadesdemocrá-
ticase oligárquicas,motivopelo qual - comotambém
pelapróprialiderançaqueexerceram- suaanáliseapre-
sentaum interessequeexcedeo dossimplesestudosmo-
nográficos.
Atenas
A maisantigaorganizaçãopolíticaquepodemosco-
nhecercom algumasegurançaremontaa uma época-
segundopareceos séculosVIII e VII a.C. - em quea
monarquiahaviadesaparecido,sendoo "rei" agoraum
magistradoentreoutros- quechegarama nove-, todos
conhecidosposteriormentecomoarcontes.O arconterei
tinhasobretudofunçõesreligiosas;o polemarco,militares;
o arcontepropriamentedito, ou arconteepônimo,dava
seu nomeao ano (ao tornar-seanualo arcontado,em
épocanãodeterminadacomprecisão)e tinhafunçõesreli-
giosasejudiciárias;os seistesmótetas,surgidosmaisrecen-
temente,eramencarregadosderedigire tornarpúblicasas
decisõesconsideradasobrigatóriase gozavamde poderes
judiciários.Os arconteserameleitossomenteentreos aris-
tocratas,primeiroemcarátervitalício,depoispor dezanos,
por fim anualmente. O Conselho - chamado Areópago
- tinhafunçõespolíticasextensasmasmalprecisadas
pelasfontes;atuavacomotribunalsupremoeguardiãodo
regime.Formavam-nomembrosvitalícios(ex-arcontes).
Em 621-620a.C.,umlegislador,Drácon,introduziu
reformaspolíticascujalembrança,nos temposclássicos,
havia-setornadoimprecisa.É possível(cf.ARISTÓTELES,
ConstituiçãodeAtenas,IV, 2) queo essencialdessasmo-
43
.
dificaçõestenhaconsistidonaadmissãodetodososhopli-
tas- incluindoosdeorigemnãonobre- à cidadania,
comdireitoa elegeros arcontes(emboranãopudessem
talvezsermagistradose portantoingressarnoAreópago).
Seriaestranhoquea "revoluçãohoplítica"não tivesse
efeitosemAtenaspor essaépoca.
SeestainterpretaçãodasreformasdeDráconforcor-
reta,elasderamsatisfaçãoaosateniensesmaisricosque
nãofossemaristocratas,masnãoaoscamponesespobres.
Estes,atravésdomecanismodoendividamento,tornavam-
-se"clientes"(pelátai)e arrendatários(hectémoroi)dos
ricos,pagando- asinterpretaçõesdivergem- um sexto
ou cincosextosda colheitacomoaluguelda terraque
haviamperdidoao nãopoderressarciro quedeviam;e
mesmo,persistindosuainsolvênciaaopontodenãopaga-
remo aluguel,e já queasdívidaseramgarantidaspor
suaspessoase asde seusfamiliares,podiam,comsuas
mulherese filhos,servendidoscomoescravosforada
Ática,ou nestatrabalharcomoservosdeseuscredores.
A terraestavaconcentradaempoucasmãos.Umatalsi-
tuaçãolevoua "queos nobrese a multidãoentrassem
emconflitodurantelongotempo"(ARISTÓTELES,Consti-
tuiçãodeAtenas,11,1 e V, 1).
Os detalhesdoconflitonãosãoconhecidos,masem
592-591a.C.Sólonfoi eleitoarcontecomamplospoderes,
encarregadodeprocederareformassociaisepolíticas.Ele
nãoefetuoua redivisãodasterrasreclamadapelospopula-
res,masrealizouumaradicalaboliçãodasdívidaseproi-
biu,no futuro,tomarasprópriaspessoascomogarantia
dedívidas.Ao queparece,ospequenosproprietáriosque
haviamperdidosuasterrasvoltaramà plenapropriedade
destas;os quehaviamsidovendidoscomoescravosno
exteriorforam,namedidadopossível,compradosaosseus
donospeloEstadoatenienseealforriados.Atribuía-sepos-
teriormenteaSólontambémumareformadospesoseme-
didase dosistemamonetário,masa arqueologiademons-
~-
.,
I
44 4S
tra quea moedanão haviaaindaaparecidona Ática em
suaépoca. ,
Do pontode vistapolítico,Sólonintroduziuum sis-
temacensitário,dividindoos cidadãosem quatroclasses
segundoo rendimentoagrícolaanualde quedispunham:
pentacosiomédimnoi(istoé,aquelescujasterrasrendessemquinhentasmedidasdecereaise/ou de azeite),cavaleiros,
zeugitase tetes,com rendimentosdecrescentes.Somente
a primeiraclassetinhaacessoao arcontado,as trêspri-
meirasa magistraturasmenores,os tetesunicamenteà
Eclésia(assembléiapopular)e aos tribunais.Atribuía-se
a Sólon tambéma criaçãode um segundoConselho,a
Buléde quatrocentosmembros,ao lado do Areópago,que
continuavasendoo guardiãodas leis.
Ao quetudoindica,as reformasde Sólonsó apazi-
guarampor pouco tempoa luta socialou stásis.Depois
de algumasdécadasde conflitose tentativasde acordo
entreas facções- que tinhamuma expressãotopográ-
fica: a "planície"oligárquica,a "montanha"democrática
e o "litoral"moderado-, o chefearistocráticoda facção
popular,Pisístrato,tomouo podercomotirano.Ele epos-
teriormentedoisdeseusfilhospermaneceramno poder-
intermitentementeno casode Pisístrato- de 561 a 510
a.C. O povofoi desarmado,algunsdosaristocratasforam
exiladosou executadose suasterrastalvezdivididasentre
camponesespobres. Pisístratoinstituiujuízes itinerantes
parao territórioruralda Ática e um sistemade emprés-
timosaos pequenoscultivadores.Criou ou encorajoua
colonizaçãoateniensena Trácia, realizouobraspúblicas
que acentuaramo caráterurbanode Atenase deramem-
pregoa cidadãospobres,transformoua cidadenumgrande
centroculturale fortaleceuos seuslaçosreligiososcomo
Egeu (participaçãoateniensenas cerimôniasem Delos).
Ao morrer,foi sucedidopor seusfilhos. O regimetornou-
-seduroapóso assassinatodeumdeles.O outro,Hípias,
foi por fim derrubadopelogenosbanidodosalcmeônidas,
comapoiodo oráculodeDelfose doshoplitasespartanos.
Espartafavoreceua formação,e,mAtenas, de um
regimeoligárquico,mas dois anos depoisda quedada
tirania,um Alcmeônida,Clístenes,conseguiu,com forte
apoiopopular,imporreformasqueinauguraramo regime
democráticoem508a.C. O corpodecidadãosfoi aumen-
tadopelaadmissãode certonúmerode metecos(estran-
geirosresidentes)e libertosà cidadaniaateniense.Vi-
sandoa eliminaras facçõesde baseregionale o jogo de
influênciasnaszonasrurais,Clístenesdividiuos cidadãos
emdeztribos(emlugardasquatrotribos"étnicas"tradi-
cionais dos jônios) e 160 divisõesadministrativas,os
demos,repartidosem trinta circunscriçõeseleitorais-
sendoque cada tribo reuniatrês destascircunscrições:
umadacidade,umado litoral e umado interior. Alguns
autoreschamama atençãoparaestaíntimarelaçãoentre
"espaçocívico", "espaçogeométrico"e "espaçogeográ-
fico" na obra de Clístenes1.
As reformaspropriamentepolíticasde Clístenessão
mal conhecidas:na verdade,tendia-seno séculoV a.C. a
atribuir-lhegrandenúmerode mudançasde fatoposterio-
res. Assim,por exemplo,a criaçãoda novamagistratura
eletivaconstituídapelosdezestrategosou generaisdatade
fato só de 501-500'a.C.: eleitospor um ano,eramree1e-
gíveisindefinidamente.O ConselhoouBuléteveo número
de conselheiroselevadopara quinhentos(cinqüentapor
tribo, tiradosà sorte), sendosuasfunçõeso controledas
magistraturase talvezjá entãoa preparaçãodosprojetos
deresoluçõesqueseriamsubmetidosà assembléiapopular.
Clístenesconservouasclassescensitáriasestabelecidaspor
Sólon. Alguns autoresantigosatribuíam-lhea instituiçãoI
1Ver por exemplo VERNANT,Jean-Pierre. Espace et organisation
politiqueen Greceancienne.In: - . Mytheet penséechezles
Grecs,I. Paris,Maspero,1974.p. 207-29.
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do ostracismo,queno entantofoi posterior,tendosido
aplicadopelaprimeiravezem488-487a.C.: emassem-
bléiacujoquorumnãopodiaserinferiora seismilcida-
dãos,e tendoocorridoemassembléiaanteriora decisão
deprocedera talvotação,votava-se(sendoo votoneste
casoescritoe secreto,enquantoordinariamenteeraesta-
belecidopelacontagemdasmãoslevantadas)pormaioria
simplesa expulsãocomcassaçãodedireitospolíticos(ati-
mía)pordezanosdeumcidadãodenunciadocomopoli-
ticamenteperigosoou subversivo.O condenadopoderia
recebernoestrangeiroarendaprovenientedeseusbense,
ao voltara Atenas- passadosdez anosou sendocha-
madoantespor decisãopopular-, recuperavaautoma-
ticamenteos plenosdireitosde cidadão.A medidaera
encaradacomorecursocontraa ameaçade umavoltaà
tirania.
Duranteos séculosV e IV a.C.a democraciaate-
niensese completoucomdiversasmedidastomadasao
longodeváriasdécadas.Em 487-486a.C.instituiu-sea
tiragemà sortedosarcontessegundolistaselaboradas
pelosdemos.Contando-senovearcontesmaisumsecre-
tário,haviaumportribo.Istoenfraqueceua maisantiga
dasmagistraturasemproveitodosestrategos,queeram
eleitos.Poucoa pouco,as exigênciascensitáriasforam
sendolegalmentederrubadasoucaindoemesquecimento
paraasdiferentesfunções,mesmoasmaisaltas.Comoo
Areópagohaviaconcentradooutravezgrandespoderes
quandodaguerracontraospersas,o líderpopularEfial-
tesfezcomqueaEclésiavotasseumareformaqueoprivou
detaisatribuiçõesemfavordaBulée dotribunalpopular
dosheliastas(cujosmembroseramsorteados),porvolta
de462-461a.C. No períododePéricles-líder dogenos
dosAlcmeônidasque,simplesmentecomoumdosestrate-
gos,de fatodirigiua vidapolíticaatenienseentre460e
429a.C.- restringiu-seo acessoà cidadania,agorasó
possívelaosfilhosdepaie mãeatenienses,em451a.c..
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(anteriormenteera suficientequeo pai fosseateniense),
e a criaçãodamistoforiaouretribuiçãomonetáriaaoexer-
cíciodecertoscargospúblicose aosmarinheirosda pode-
rosafrotaquea cidadeconstruírapor influênciadeTemís-
tocles,sendoqueessaremuneraçãose estendeumuitono
séculoIV a.C.; tal medidapermitiuqueos cidadãosmais
pobrespudessemparticipardapolíticasemperdadosmeios
de subsistência.Comona épocadePéricleserao tesouro
da Liga de Delos,transformadaemimpério(arkhé) ate-
niense,quefinanciavaestase outrasdespesasestatais,a
supressãoda liga depoisda derrotafrenteaosespartanos
em 404 a.C. criou sériosproblemasparaas finançaspú-
blicas. Atribui-seao final do séculoV a.C. a criaçãoda
graféparánomon,disposiçãoqueconsistianapossibilidade
deseintentarprocessoa qualquercidadão,acusando-ode
submeterà Eclésiauma proposiçãocontráriaàs leis vi-
gentes,mesmosetalproposiçãotivessesidoaprovada.
Considerandoagorao funcionamentodas instituições
democráticasdeAtenasno seuapogeu,osdireitospolíticos
pertenciamaoscidadãosdo sexomasculinodemaisdede-
zoitoanos(emboradosdezoitoaosvinteanos,naprática,
o serviçomilitarou efebiarestringissea participaçãodos
jovens), sendoquepara certasfunçõesexigia-sea idade
mínimadetrintaou maisanos. O centroda vidapolítica
eraa assembléiapopularou Eclésia,formadaemprincípio
por todosos cidadãosnogozodeseusdireitos,comamplas
funçõeslegislativas,executivas(votaçãoda guerraou da
paz, decisãoacercadas negociaçõesdiplomáticase dos
tratados),judiciárias (emborana maioriadas vezesos
casosfossemenviadospelaassembléiaaostribunais)eelei-
torais(eleição,confirmaçãoe eventualsuspensãodasma-
gistraturaseletivas;cassaçãoeventualtambémdos cargos
quedependiamde sorteio). Uma limitaçãoao seuvasto
poderera,no séculoV a.C.,o fatodesópodervotarpro-
jetosde leis ou de decretospreparadospelaBulé (probu-
lêumata),mastal restriçãodesapareceuno séculoseguinte.
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o ConselhoouBulé de500membros- cidadãosdemais
detrintaanostiradosà sortepor umano (só sepodiaser
buleutaduasvezesna vida), de início entreas trêspri-
meirasclassescensitárias,e submetidosa um examede
cidadanialegítimae de moral,pelo Conselhoem fim de
mandato,antesde tomarposse,bemcomoà prestaçãode
contas ao sair do cargo - preparavaprojetos de legisla-
ção, controlavaos tesoureirose recebiaas prestaçõesde
contasdosmagistradosquandodeixavamo cargo,recebia
embaixadas,encaminhavaprocessosde alta traição. O
Conselhoraramentese reuniaem sessãoplenária:suas
funçõesprincipaiseramexercidasduranteum décimodo
anopor cadapritania(seçãodecinqüentamembros),en-
carregadatambémde convocare presidira Eclésia. O
ConselhomaisantigoouAreópago,compostodemembros
vitalícios(ex-arcontes),teveseuspoderesrestringidosao
julgamentodos assassinatosvoluntáriosde cidadãose de
certoscrimesreligiosos.Mas os tribunaispopularestira-
dos à sorte- os 51 éfetas,os juízesdos demos(30 até
403a.C.,depois40), os 6000heliastas(defatodivididos
emtribunaismenoresoudicastérios),etc.- viram-seatri-
buir a maioriada justiçacivil e criminal.A partirde fins
do séculoV a.c., um corpode legisladores(nomotetas)
sorteadosdentreosheliastasfoi encarregadodeestabelecer
um repertóriode todaa legislaçãoem vigor.
Quantoaosmagistrados,os maisantigos,os arcontes
- de fato dez, um por tribo, contando-seo secretário-,
tiradosà sortedesde487-486a.C., ficavamum ano no
cargo;suasfunçõesforamremanejadase, no conjunto,di-
minuídasno períododemocrático:por exemplo,o arconte
polemarcoperdeua chefiado exércitoe passoua serres-
ponsávelpelascerimôniasfúnebresemhonradoscidadãos
mortosem combate,além de tornar-seuma espéciede
juiz dos metecosou estrangeirosresidentes,cuidandoda
instruçãodosprocessosqueos envolviam.Os magistrados
maisimportanteseramsemdúvidaos dez estrategos,de
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inícioeleitospelaEclésiaà razãodeum por tribo,depois
semtal limitação,por um ano,masreelegíveisindefinida-
mente.Deveriamser casadoslegitimamentee proprietá-
rios ruraisna Ática (a funçãodeestrategonãoeraremu-
nerada). Além de suasatribuiçõesmilitares,repartiamo
impostode guerrasobreo rendimentoagrárioe sobrea
riquezamonetária,estabeleciamo impostodevidopelos
metecoseo tributopagopelos"aliados"daLiga deDelos.
Podiamconvocara assembléiapopularem caráterextra-
ordinárioenelatinhamprioridadenaapresentaçãodesuas
moções;assistiamsequisessemàssessõesda Bulé (mesmo
as secretas).Havia magistradosmenosimportantesdo
queosjá mencionados;eramescolhidospor sorteio.Entre
elesestavamos dez tesoureiros(um por tribo), para os
quaissemantevepor maistempoa exigênciadepertencer
à primeiraclassecensitária.
Já no séculoV a.C., por duasvezes,em funçãode
graves derrotas militares - depois da catástrofesofrida
pelaexpediçãoenviadapelosateniensesà Sicília,em411
a.C. e apósperderAtenasa Guerrado Peloponesopara
Esparta,em404-403a.C. - ocorreramduasbrevesten-
tativasde estabelecimentode governosoligárquicos.A
guerracontraEspartacausarasériosproblemasà agricul-
tura, interromperasetoresartesanaisfundamentaise em
especialafetaraa extraçãode pratano monteLáurio, ao
ocorrerem413 a.C. a fugamaciçadosescravosdaÁtica
(TUCÍDIDES,VII, 27). As dificuldadesresultantessepro-
longaramno séculoIV a.C., afetandoa vida dasinstitui-
çõesdemocráticasda cidade:só a remuneraçãogarantiaa
afluênciaà Eclésiae a dificuldadede obterrecursoscon-
duziu a processosàs vezesescusoscontracidadãosricos,
paraconfiscar-Ihesos bens. Tornou-semaisrara,outros-
sim,a possibilidadedefundarclerúquiasno exterior,assim
aliviandonaÁtica a tensãoagrária.Ainda maisgrave,tal-
vez,fossea mudançado caráterdamagistraturadosestra-
tegos,devidoà falênciado exércitohoplíticotradicionale
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à extensãodo usode soldadosmercenários,fiéis somente
aosseuschefese portantoutilizáveisemapojodepolíticas
de promoçãoindividual. Os adversáriosda democracia
pretendiam,também,quedesdea mortede Péricleso re-
gimepassaraa serorientadopor "demagogos"irresponsá-
veis: acusaçãoque deveriaser analisadacom cuidadoe
emdetalhe,poisempartepelomenosdecorriado despeito
depensadoresreacionários,comfreqüênciadeorigemaris-
tocrática.Mesmoassim,há razõessuficientesparapensar
queo apogeudo regimedemocráticoateniensejá passara
há muitoquandosuaautonomiafoi decisivamenterestrin-
gidapelavitóriade Filipe 11da MacedôniaemQueronéia
(338 a.C.). Poucodepois,em322a.c., a democraciafoi
substituídaemAtenaspor umaoligarquiacensitária.
Esparta
emcontrastecomos 2 500km2daÁtica, queerajá con-
sideradagrandeemcomparaçãocoma maioriados terri-
tóriosdascidades-Estadoshelênicas:Espartaera auto-su-
ficienteemcereaise, coisaaindamaisrarana Grécia,dis-
punhade minasde ferrona Lacônia. Por fim, e princi-
palmente,os esparciatasconstituíamum casoextremode
especializaçãomilitar: as atividadeseconômicaseramdei-
xadasaosperiecose aoshilotas,escravosdoEstadoespar-
tanopostosa serviçodos esparciatas,vivendoestesúlti-
mos"comoexércitoacampadoe nãocomopessoasfixadas
emcidades"(PLATÃO,Leis, 11,666e),a tal pontoqueos
homensadultostomavamem comumas refeições(syssí-
tias), repartidosem gruposque na guerra combatiam
juntos,emlugard~fazê-Ioemsuascasas.
Emboraalgunsdos traçosda organizaçãoespartana
- o hilotismoe asrefeiçõescoletivas,por exemplo_
fossemencontradostambémemoutrascidadesdo mundo
grego(as de Cretaem especial),no conjuntotratava-se
de um casomuito peculiar. Como explicá-Io?Os pró-
priosespartanose seuscontemporâneosda f:pocaClássica
atribuíama constituiçãoespartana- resumidanumdo-
cumentoconhecidocomo"GrandeRetra"- a um pe-
ríodo muito antigoe a um legisladormítico inspirado
pelo deusApoIo: Licurgo. A arqueologia,no entanto,
bem como fragmentosque se conservaramda obra de
certospoetasarcaicos(Álcman,Tirteu), mostramquepor
muitotempoEspartateveumaevoluçãosimilarà deoutras
cidadesda Grécia,por exemploem matériade lutasso-
ciais e de históriaintelectual,e quesomenteentre600 e
500a.C. secompletouo processoquea transformounum
casoà parte.
Acredita-seque o episódiofundamentalno sentido
de darformaa Espartatal comoa conhecemosfoi a con-
quistada Messênia,regiãodo Peloponesovizinhaà La-
cônia,e a transformaçãode seushabitantesem hilotas,
comojá ocorreracom parteda populaçãoda Lacônia,
Nos fins da f:pocaArcaicae nos temposclássicos,
Espartanosaparececomoumapólisextremamenteatípica.
Em primeirolugar,a urbanizaçãodacidadenuncasecom-
pletou: permaneciaconstituídapor um conjuntode al-
deiase seustemplose construçõesnãomostravamesplen-
dor nemarterefinada(TUCÍDIDES,I, 10). Em segundo
lugar,o termoque designavaoficialmentea pólis esp'ar-
tana- "os lacedemônios"- não erasinônimodo con-
juntodoscidadãos,comonasoutrascidades-Estados:com-
preendia,semdúvida,os cidadãosou esparciatas,mas
tambémos periecos,súditosde Espartasemquefossem
metecos,os quaisgozavamde autonomiainternaemsuas
cidadese povoados(a impressãoé a de uma evolução
no sentidodo surgimentodeváriaspóleisna Lacônia,que
tivessesidointerrompidaemalgumponto,paradar lugar
a umaassociaçãoou subordinaçãosui generis).Em ter-
ceirolugar,o territóriocontroladopor Esparta,depoisda
conquistada Messênia,erade poucomaisde 5 000km2,
L r
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segundomuitosautoresdevidoà conquistade etniasante-
riormenteestabelecidaspelosinvasoresdórios (emboranão
hajaprovasde queperiecose hitotasnão fossemdórios).
A primeiraguerrada Messêniapareceter ocorridono
sé~uloVIII a.C., na épocado rei Teopompo(fragmento
4 deTirteu). No séculoseguinte,a revoltadosmessênios
levouà segundaguerrada Messênia,quesegundose crê
coincidiucomo augeda lutasocialemEspartapelaredi-
visãodas terrase com a adoçãodo sistemahoplíticode
combate.Esta coincidênciafoi decisiva.Como as divi-
sõesentreos esparciatasestavamdificultandoa vitória,
num momentoem que uma forma de lutar que exigia
coesãohavia-setomadoessencial,decidiu-sea redivisão
dasterrasda Lacôniae da Messêniaoutravezderrotada
(na Lacôniahaviatambémterrasquepertenciamaospe-
riecos,as quaisnão foram tocadas)em lotes,de início
iguais,comos hitotasqueos habitavam.Estefatoexplica
que Espartanão tenhaconhecidoa tirania,enquantoo
domíniosobrenumerososhilotassempreprontosà rebe-
lião - fato confirmadopor múltiplosexemplosde revol-
tasemdiversasépocas- permiteentendera especializa-
ção militar. O poetaTirteu, contemporâneoda segunda
guerrada Messênia- provavelmenteemmeadosdo sé-
culo VII a.C. - define(fragmento3) o governode Es-
partacomoconsistindoemdoisreis- outrapeculiaridade
da pólis espartana-, Conselhode anciãos,e os homens
do povo, cujo deveré a obediênciaaos superiores.Esta
obediênciaera conseguidamedianteuma educaçãoespe-
cialíssima,que entre outras coisas proibia terminante-
menteaos jovensa discussãoda legislaçãoespartanano
quepudesseter debom ou ruim,obrigando-os"a procla-
marcomumasó voz e comumasóbocaquetudoé nela
excelente,postoqueseusautoresforamos deuses"(PLA-
TÃO,Leis, I, 634d). No entanto,foi só no séculoVI a.C.
que o sistemaespartanoadquiriutodasas

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