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Arbitragem Comercial Princípios, Instituições e Procedimentos A prática no CAM-CCBC Maristela Basso Fabrício Bertini Pasquot Polido Organizadores • • • Marcial Pons CAM-CCOC Centro de Arbitragem e Mediação ARBITRAGEM COMERCIAL: Princípios, Instituições e Procedimentos A prática no CAM-CCBC Organizadores MARISTELA BASSO F ABRÍCIO BERTINI p ASQUOT POLIDO Ana Gerdau de Borja • Caroline Costa • Christiana Beyrodt Cardoso Claudio Finkelstein • Cristiane Amaral de Oliveira Gertel Cristina Saiz Jabardo •Daniela Monteiro Gabbay • Fabio Alonso Vieira Fabrício Bertini Pasquot Polido • Frederico Gustavo Straube Giovana Valentiniano Benetti • Gustavo Santos Kulesza Júlio César Fernandes • Karin Hlavnicka Skitnevsky • Leandro Tripodi Leonardo de Castro Coelho • Luíza Helena Cardoso Kêimel Marcelo Junqueira Inglez de Souza • Marcelo Vieira Machado Rodante Mariana Cattel Gomes Alves • Maristela Basso Nathalia Mazzonetto • Patrícia Shiguerni Kobayashi Paulo Eduardo Campanella Eugênio • Rafael Villar Gagliardi Sílvia Bueno de Miranda • Sílvia Cristina Salatino Thiago Alves Ferreira dos Santos • Thiago Rodovalho • • 8 Marcial Pons CAM-CCOC MADRI j BARCELONA j BUENOS AIRES 1 SÃO PAULO Centro de Arbitragem e Mediação 9 A SENTENÇA ARBITRAL E SEUS DESAFIOS CRISTINA SAIZ J ABARD01 MARIANA CATTEL GOMES ALVES2 SÍLVIA JULIO BUENO DE MIRANDA3 Cristina Saiz Jabardo é advogada no L.O. Baptista, Schmidt, Valois, Miranda, Ferreira e Age!, nas áreas de arbitragem, direito societário e contratos. É formada em Direito pela Universidade de São Paulo, onde também obteve grau de Mestre em Direito Internacional. Especialista em Direito Contratual e Societário pela Fundação Getúlio Vargas. Participou do Planejamento e Coordenação do Primeiro Treinamento em Arbitragem Comercial para Advogados do CAM-CCBC («Advogando na Arbitragem»). 2 Mariana Cattel Gomes Alves é advogada no L.O. Baptista, Schmidt, Valois, Miranda, Ferreira e Age!, na área de arbitragem. Formada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). LL.M. em Direito do Comércio Internacional, Contratos e Resolução de Disputas, organizado pela Universidade de Turim e pelo International Training Centre da ILO, em colaboração com a Uncitral e o Instituto de Estudos Europeus. Especializada em Arbitragem Comercial Internacional pela Cornell Law School (2009) e pela Fundação Getúlio Vargas (2007) . Participou do Planejamento e Coordenação do Segundo Treinamento em Arbitragem Comercial para Advogados do CAM-CCBC («Advogando na Arbitragem»). 3 Sílvia Julio Bueno de Miranda é advogada no L.O. Baptista, Schmidt, Valois, Miranda, Ferreira e Age!, nas áreas de arbitragem, societário e contratos. Formada em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), obteve seu LL.M. pela University of Michigan Law School. Especialista em Direito Societário e em Arbitragem e Mediação pela Fundação Getúlio Vargas. Cursando Especialização em Administração de Empresas na Fundação Getúlio V argas. Participou do Planejamento e Coordenação de todos os Treinamentos em Arbitragem Comercial para Advogados do CAM-CCBC («Advogando na Arbitragem»). jefferson Realce jefferson Realce jefferson Realce jefferson Realce jefferson Realce jefferson Realce 314 ARBITRAGEM COMERCIAL 9.1 INTRODUÇÃ04 As partes recorrem à arbitragem para que seja resolvido, por um tribunal arbitral ou por árbitro único, um litígio que as opõe. A última etapa do procedi- mento arbitral é a decisória. A sentença arbitral é o objetivo do procedimento. No curso do procedimento, o julgador é recorrentemente conduzido a proferir decisões de naturezas diversas, qualificadas, conforme o caso, como sentença final ou parcial, ou simples ordens processuais ou provimentos de urgência. É essencial definir se a decisão do árbitro único ou tribunal arbitral pode ou não ser qualificada como sentença.5 Essa distinção tem efeitos rele- vantes, conforme se verá a seguir. A elaboração de uma sentença traz diversos desafios relativos à sua validade, reconhecimento e execução. Neste Capítulo, serão analisados os desafios atinentes à validade da sentença arbitral. Aqueles que dizem respeito ao reconhecimento e à execução serão tratados no Capítulo 12. O primeiro item abordará, de forma genérica e introdutória, as decisões do tribunal arbitral (9.2), que podem se subdividir em dois gêneros: a sentença (9.2.1) e outros tipos de decisões proferidas no curso do procedimento (9.2.2). Esses gêneros se dividem em espécies, que também serão abordadas em tópicos específicos. A sentença pode ser final (9 .2.1.1) ou parcial (9 .2.1.2), e os outros tipos de decisões podem ser de caráter meramente procedimental (9.2.2.1) ou de urgência (9.2.2.2). Tendo conceituado os gêneros e espécies das decisões proferidas pelo Tribunal Arbitral, passar-se-á à validade da sentença (9.3), finalidade última do procedimento arbitral, e às suas condições (9.3.1a9.3.3) e requisitos (9.3.4). Por fim, o último item deste Capítulo anali- sará as objeções à sentença arbitral (9 .4 ), abordando os seus métodos (9 .4.1 ), fundamentos (9.4.2) e efeitos (9.4.3). 9.2 DECISÕES DO TRIBUNAL ARBITRAL No iter do procedimento arbitral, o árbitro único ou tribunal arbitral é conduzido a proferir diversas decisões, sejam elas finais , parciais ou emer- genciais, bem como simples ordens processuais. Proferida uma decisão, é essencial definir se ela pode ou não ser qualificada como «sentença». 6 A qualificação é relevante porque a sentença tem efeito de coisa julgada, podendo ser objeto de pedido de anulação ou de exequatur, o que se depreende de tratados internacionais, como a Convenção de Nova Iorque sobre o Reco- 4 As autoras agradecem o precioso aUXI1io de Felipe Lima Matthes e Karina Sayuri Rampazzo Del Valhe Shiroma na preparação deste Capítulo. 5 SERAGLINI, Christophe. «L'arbitrage Commercial International». ln: BÉGUIN, Jacques; MENJUCQ, Michel (Dir.). Droit du commerce intemational. Paris: Litec, 2005 , p. 1035. 6 SERAGLINI , Christophe. Op. cit., p. 1035. CRISTINAS. JABARDO 1 MARIANAC. G. ALVES 1 SÍLVIAJ. B. DE MIRANDA 315 nhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras («Convenção de Nova Iorque») (Artigo III7) e o Protocolo de Genebra relativo a cláusulas de arbitragem («Protocolo de Genebra») (Artigo 1.08), bem como de legisla- ções nacionais, como a Lei Brasileira de Arbitragem - Lei 9.307/19969 (art. 3110), e a de diversos outros países, como a francesa. 11 Além disso, apenas sentenças são abrangidas pelas convenções internacionais sobre reconheci- mento e execução.12 A qualificação é importante também para regulamentos de determinadas instituições arbitrais, como a Corte de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI). Esse determina que a sentença arbitral deve ser apresen- tada à Corte em forma de minuta, sujeita a uma revisão formal antes de ser finalizada. 13 A simples ordem procedimental, por outro lado, não produz esses efeitos. Neste Capítulo será apresentado o conceito de sentença arbitral (9 .2.1.1 e 9.2.1.2) e de outros tipos de decisões proferidas pelo Tribunal Arbitral (9.2.2). Artigo m - «Cada Estado signatário reconhecerá as sentenças como obrigatórias e as executará em conformidade com as regras de procedimento do território no qual a sentença é invocada, de acordo com as condições estabelecidas nos artigos que se seguem. Para fins de reconhecimento ou de execução das sentenças arbitrais às quais a presente Convenção se aplica, não serão impostas condições substancialmente mais onerosas ou taxas ou cobranças mais altas do que as impostas para o reconhecimento ou a execução de sentenças arbitrais domésticas.» 8 Article 1. - «Each of the Contracting States recognizes the validity of an agreementwhether relating to existing or fature differences between parties subject respectively to the jurisdiction of different Contracting States by which the parties to a contract agree to submit to arbitration all or any differences that may arise in connection with such contract relating to commercial matters or to any other matter capable of settlement by arbitration, whether or not the arbitration is to take place in a country to whose jurisdiction nane of the parties is subject. Each Contracting State reserves the right to limit the obligation mentioned above to contracts which are considered as commercial under its national law. Any Contracting State which avails itself of this right will notify the Secretary-General of the League of Nations, in order that the other Contracting States may be so info1med.» 9 A Lei Brasileira de Arbitragem está disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/ leis/19307.htrn. Acesso em: 07.02.2013. 10 «Art. 31. A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo.» 11 SERAGLINI, Christophe. Op. cit., p. 1035. 12 GAILLARD, Emmanuel; SAVAGE, John. (Ed). Fouchard Gaillard Goldman on International Commercial Arbitration. Hague: Kluwer Law Intemational, 1999, p. 736. 13 Art. 33 do Regulamento da CCI: «Antes de assinar qualquer sentença arbitral, o tribunal arbitral deverá apresentá-la sob a forma de minuta à Corte. A Corte poderá prescrever modifi- cações quanto aos aspectos formais da sentença e, sem afetar a liberdade de decisão do tribunal arbitral, também poderá chamar a atenção para pontos relacionados com o mérito do litígio. Nenhuma sentença arbitral poderá ser proferida pelo tribunal arbitral antes de ter sido aprovada quanto à sua forma pela Corte.» O Artigo 27 (b) desse Regulamento determina que a sentença arbitral deve ser apresentada à Corte em forma de minuta, sujeita a uma revisão formal antes de ser finalizada. 316 ARBITRAGEM COMERCIAL 9.2.1 Sentença arbitral No direito brasileiro, a sentença é o ato pelo qual o julgador põe fim ao processo, após terem sido percorridas as etapas do devido processo legal.14 O julgador, ao proferir a sentença, resolve o conflito que foi levado à sua apreciação pelas partes. Quanto à sua origem, ela pode ser judicial ou arbi- tral. A Lei Brasileira de Arbitragem (como a de diversos países e também conforme tratados internacionais, como a Convenção de Nova Iorque) equi- parou a sentença arbitral à judicial quanto aos efeitos, tendo a sentença arbitral condenatória força de título executivo. 15 No âmbito da arbitragem comercial internacional, por sua especificidade, o conceito de «sentença» tem sido objeto de debate, tanto quanto a definição dos diversos tipos de sentenças existentes. Fala-se, na doutrina internacional, em sentenças finais, preliminares, provisórias, interlocutórias ou parciais, sem que essas «categorias» sejam efetivamente definidas. Em sua obra sobre a arbitragem comercial internacional, Fouchard, Gaillard e Goldman (atualizada por Gaillard e Savage) indicam que esses termos, que dividem as sentenças em espécies, são geralmente usados sem precisão.16 Citam, como exemplos, o regulamento de arbitragem da Comissão das Nações Unidas para o Direito Comercial Internacional (Uncitral), que estabelece, em seu Artigo 32.1 que, além de proferir a sentença final, o árbitro pode dar sentenças provisórias [interim], interlocutórias ou parciais, omitindo- -se quanto ao que vem a ser cada tipo de sentença. O Regulamento da CCI de 2012 segue a mesma linha, definindo sentença arbitral como sendo: o termo que se aplica «inter alia, a uma sentença arbitral interlocutória, parcial ou final» (Artigo 2.º (v)). O Regulamento do Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá (CAM- -CCBC) de 2012 tampouco contém definição, estabelecendo apenas, em seu Artigo 10.2, que «a sentença arbitral pode ser parcial ou final», sem especificar o que se entende por uma e outra. O nome conferido pelo tribunal arbitral (ou árbitro único) à decisão por ele proferida não é determinante para definir sua categoria. É a natureza da 14 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo- um comentário à Lei 9.30711996. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 277: «Ü ato mais relevante do árbitro no processo por ele capitaneado é, sem dúvida, momento em que o julgador outorga a prestação jurisdicional pretendida pelas partes.» 15 Art. 31 da Lei Brasileira de Arbitragem: «A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo condenatória, constitui título executivo.» Art. 475-N, IV do Código de Processo Civil («CPC» ): «São títulos executivos judiciais: ( ... ) IV - a sentença arbitral;». 16 GAILLARD. Op. cit., p. 735. CRISTINA S. JABARDO 1 MARIANA C. G. ALVES 1 SÍLVIA J. B. DE MIRANDA 317 decisão do julgador que a qualificará. 17 Adotando o conceito proposto por Fouchard, Gaillard e Goldman no âmbito da arbitragem comercial interna- cional, sentença é a decisão final do julgador a respeito de todas ou parte das questões a ele colocadas, quer diga respeito ao mérito do conflito, à jurisdição ou a uma questão processual que leva ao final do procedimento. 18 Interessante discutir, também, a nacionalidade da sentença arbitral. De acordo com o parágrafo único do art. 34 da Lei Brasileira de Arbitragem, 19 é estrangeira a sentença proferida fora do território brasileiro. A contrario sensu, é nacional a sentença proferida no Brasil. Esse critério está em linha com um dos critérios adotados pela Convenção de Nova Iorque para quali- ficar a nacionalidade da sentença arbitral.20 Salienta-se, aliás, nos termos do Artigo I(l) da Convenção de Nova Iorque, que esta só se aplica à execução 17 O item II.1.2 do Guia do Intemational Council for Commercial Arbitration (ICCA) sobre a interpretação da Convenção de Nova Iorque de 1958 (Guia ICCA), destaca que os árbitros podem proferir diversas decisões que não são necessariamente sentenças. Estas não entram no campo de aplicação da Convenção de Nova Iorque. 18 GAILLARD. Op. cit., p. 737. De acordo com o itemII.1.1 do GuiaICCA, as seguintes decisões proferidas pelo Tribunal Arbitral qualificam-se como sentenças: «I. Sentenças finais, i.e., sentenças que põem fim à arbitragem. Uma sentença abordando todos os pontos do mérito é uma sentença final. Da mesma forma, a denegação de jurisdição sobre a disputa apresentada a um tribunal arbitral é uma sentença final; II. Sentenças parciais, i.e., sentenças que dão uma decisão final sobre parte dos pedidos e deixam os demais para uma etapa subsequente do procedimento arbitral. Uma sentença abordando pedido de custos adicionais em uma arbitragem de construção, mas deixando pedidos de danos por defeitos e atrasos para uma etapa posterior do procedimento é uma sentença parcial (este termo é, por vezes, também utilizado para a categoria seguinte, mas, para uma melhor compreensão, é preferível distingui- -las); ill. Sentenças preliminares, por vezes também chamadas de sentenças interlocutórias ou provisórias, i.e., sentenças que decidem uma questão preliminar necessária para dispensar pedidos das partes, como uma decisão acerca da prescrição, ou acerca da lei aplicável ao mérito, ou acerca da existência ou não de responsabilidade; IV. Sentenças de custos, i.e., sentenças determinando o valor e a alocação dos custos da arbitragem; V. Sentenças declaratórias de acordo, i.e., sentenças consignando a solução amigável da disputa pelas partes. Uma sentença proferida à revelia, i.e., sem a participação de uma das partes, também se qualifica como uma sentença, desde que se enquadre em uma das categorias listadas acima.» 19 Art. 34. «A sentençaarbitral estrangeira será reconhecida ou executada no Brasil de confor- midade com os tratados internacionais com eficácia no ordenamento interno e, na sua ausência, estritamente de acordo com os termos desta Lei. Parágrafo único. Considera-se sentença arbitral estrangeira a que tenha sido proferida fora do território nacional.» 20 Artigo V - « 1. O reconhecimento e a execução de uma sentença poderão ser indeferidos, a pedido da parte contra a qual ela é invocada, unicamente se esta parte fornecer, à autoridade competente onde se tenciona o reconhecimento e a execução, prova de que: (a) as partes do acordo a que se refere o Artigo II estavam, em conformidade com a lei a elas aplicável, de algum modo incapacitadas, ou que tal acordo não é válido nos termos da lei à qual as partes o submeteram, ou, na ausência de indicação sobre a matéria, nos termos da lei do país onde a sentença foi proferida;( ... ); ou (d) a composição da autoridade arbitral ou o procedimento arbitral não se deu em conformidade com o acordado pelas partes, ou, na ausência de tal acordo, não se deu em conformidade com a lei do país em que a arbitragem ocorreu; ou (e) a sentença ainda não se tomou obrigatória para as partes ou foi anulada ou suspensa por autoridade 318 ARBITRAGEM COMERCIAL de sentenças estrangeiras e não domésticas.21 Entram, portanto, no âmbito de aplicação da Convenção de Nova Iorque: (i) as sentenças proferidas no território de um Estado que não o Estado em que se pretenda o reconheci- mento e a execução de tais sentenças22 e (ii) as sentenças não-domésticas, ou seja, (a) aquelas proferidas sob a lei de arbitragem de outro Estado, (b) as que envolvam elemento estrangeiro e (c) as anacionais.23 Destacam-se, aqui, três características necessárias para que uma decisão possa ser qualificada de sentença, acompanhando os ensinamentos de Fouchard, Gaillard e Goldman:24 1. A sentença deve ser proferida pelo tribunal arbitral (ou árbitro único). Assim, ordens ou decisões de instituições arbitrais, como a Corte da CCI ou o Presidente do CAM-CCBC, sobre, a título meramente exemplificativo, as partes que devem prosseguir num procedimento arbitral, não são sentenças. 2. A sentença põe fim à disputa submetida ao julgador. Assim, uma decisão preliminar ou antecipada, sujeita à instrução ou análise de provas e posterior confirmação da decisão, pelo próprio árbitro ou tribunal, não é uma sentença. Isso não quer dizer que esta não possa ser parcial, já que, em linhas gerais, a diferença desta em relação à final é que a sentença parcial, apesar de ser uma decisão que põe fim a uma (ou várias) questão colocada para o tribunal arbitral, não traz uma decisão sobre tudo25 (v. item 9.2.1.2). 3. A sentença obriga as partes. Portanto, uma decisão que só se toma vincu- lativa se as partes estão de acordo com ela, como ocorre em outras espécies de procedimentos alternativos de soluções de conflitos, não é uma sentença. Estabelecidos os conceitos gerais de sentença, com suas características diferenciadoras em relação a outros tipos de decisões, passa-se a tratar, breve- mente, de duas categorias de sentenças arbitrais, a final e a parcial. 9.2.1.1 Sentençafinal A expressão «sentença final» é usualmente empregada para definir a decisão, proferida pelo julgador, que põe fim à sua missão.26 É a partir dessa competente do país em que, ou conforme a lei do qual, a sentença tenha sido prof erida» (grifos nossos). 2 1 Item III do Guia ICCA. 22 Item III.1.1. do Guia ICCA. 23 Item III.1.2. do Guia ICCA. 24 GAILLARD. Op. cit. , p. 737 e 738. 25 Esse entendimento não é unânime, mas há decisões judiciais nacionais e internacionais que o confirmam. Há autores suíços que expressam entendimento diferente, sustentando que uma sentença que decide parcialmente questões não pode ser objeto de execução ou anulação, por exemplo. Nesse sentido, LALIVE, Pierre; PouoRET, Jean-Francois; REYMoND, Claude. Le droit de l'arbitrage interne et intemational en suisse. Lausanne-Suiça: Payot, 1989, p. 406-407. 26 BLACKABY, Nigel et alii. Redfern and Hunter on lnternational Arbitration. 5. ed. Inglaterra: Oxford University Press, 2009, p. 519. CRISTINA S. JABARDO 1 MARIANA C. G. ALVES 1 SÍLVIA J. B. DE MIRANDA 319 decisão final que cessa a jurisdição do árbitro,27 salvo em relação a eventuais pedidos de esclarecimento e embargos arbitrais, previstos e permitidos em regulamentos de instituições arbitrais28 e legislações de alguns países.29 Uma «sentença final» pode ser aquela que resolve o último aspecto de um conflito, por isso mesmo pondo fim à jurisdição do árbitro. Distingue-se, portanto, da sentença parcial ou cautelar, para citar exemplos de sentenças que não põem fim à jurisdição do árbitro30 (v. itens 9.2.1.2 e 9.2.2.2 adiante). Em sua obra sobre a arbitragem comercial internacional, Fouchard, Gaillard e Goldman definem a sentença como sendo a decisão que põe fim ao conflito, por completo ou em parte. Ela é final porque de fato põe fim à(s) questão(ões) que lhe(s) foi(ram) colocada(s) para decidir. Essa definição parece ser a mais adequada. Há uma espécie de sentença que põe fim ao processo arbitral e que encerra a jurisdição dos árbitros, mas que não passa, necessariamente, por todo o iter do procedimento arbitral. Trata-se da sentença homologatória, ou seja, aquela pela qual o árbitro ou tribunal homologa acordo alcançado pelas partes. No decorrer do procedimento arbitral, pode ocorrer de as partes chegarem a um acordo sobre o conflito, optando (i) por finalizar o procedimento arbitral e celebrar um contrato que estabelece os termos e condições desse acordo; ou (ii) aproveitar a existência de um tribunal arbitral ou árbitro único já consti- tuído para que este transforme seu acordo numa sentença, que faz coisa julgada entre as partes e é passível de homologação em diversos países signatários de convenções internacionais sobre o reconhecimento e execução de sentenças. Em relação à sentença homologatória, uma primeira questão é levan- tada: estão os árbitros obrigados a homologar o acordo das partes, quando elas assim solicitarem? Diversas leis nacionais e regulamentos institucionais, como o da CCI, o da Uncitral, o da LCIA e o do CAM-CCBC, prescrevem 27 Ver, nesse sentido, BAPTISTA, Luiz Olavo. «Correction and Clarification of Arbitral Awards». ln: BERG, Albert Jan Van Den (Ed). Arbitration advocacy in changing times . [s.I.]: Kluwer Law Intemational, 2011 (ICCA Congress Series n. 15) p. 275-288. 28 Exemplos: Regulamento de Arbitragem da Uncitral (Arts. 35-37), Regulamento da CCI, Regulamento da Câmara de Comércio de Estocolmo (Arts . 41e42) e Regulamento da London Court of Intemational Arbitration (LCIA) (Art. 27). 29 Exemplos: Lei Modelo da Uncitral (Art. 33), English Arbitration Act de 1996 (Seção 57), Lei Brasileira de Arbitragem (Art. 30), Gennan Arbitration Statute de 1997 (novo Art. 1702 bis do Judicial Code) e Swedish Arbitration Act de 1999 (Seção 32). 30 Aliás, o grupo de trabalho da Lei Modelo da Uncitral propôs essa definição, embora tenha sido a controvérsia sobre essa terminologia que fez com que a Uncitral abandonasse a tentativa de definir o conceito de «sentença>>. Hã, entretanto, vestígios dessa tentativa de definição como, por exemplo, no Artigo 32, § 1.º, que determina que a sentença final extingue o procedimento arbitral. 320 ARBITRAGEM COMERCIAL que os árbitros têm discrição para decidir a esse respeito, evitando, assim, impor-lhes uma obrigação.31 A prática demonstra que, na maioria dos casos, promove-se a homolo- gação. Nas hipóteses em que há recusa (dentre as quais as mais comuns são quando o acordo das partes fere a ordem pública, configura fraude ou afeta direitos de terceiros32), os árbitros apresentam os fundamentos de sua decisão. Existe o entendimento de que a homologação sópode abranger as maté- rias que tenham sido objeto da arbitragem, pois a jurisdição dos árbitros está a ele circunscrita. Nessa mesma linha, se o acordo disser respeito a matéria que não tenha sido objeto de convenção de arbitragem, o árbitro ou tribunal deveria extinguir o processo sem homologar o acordo.33 Este ponto merece, contudo, uma reflexão: a arbitragem é fruto do consentimento das partes. Se as partes concordam em submeter à homolo- gação dos árbitros questão não discutida na arbitragem, e que integra o acordo para pôr fim ao litígio, haveria razão para que esse acordo não fosse homolo- gado (desde que, claro, seus termos estejam em consonância com as normas cogentes do nosso ordenamento e a ordem pública e versem sobre questão arbitrável)? Nesse contexto, destaca-se, inclusive, o importante papel exercido pelos árbitros: incentivar a conciliação e o acordo entre as partes. A celebração de acordo no curso da arbitragem tem ocorrido em número considerável de casos.34 No decorrer do procedimento arbitral, e em alguns momentos-chave como, por exemplo, na celebração do termo de arbitragem, antes ou após a audiência, há uma propensão maior para isso. O termo de arbitragem, que marca o início do procedimento, é o momento em que as partes começam a notar os rumos do procedimento e, por isso, podem querer pôr-lhe fim. A fase prévia à audiência, quando as despesas com o processo e com a defesa aumentam e o desgaste para as partes pode também ser maior, é, também, propícia para o acordo. Por outro lado, após a audiência, a instrução está se encerrando e cada parte tem uma melhor percepção das provas existentes e de sua maior ou menor fragilidade para suportar um ou outro posicionamento. 3 1 BoRN, Gary B. lnternational commercial arbitration. New York: Kluwer Law International, 2009, p. 2437. 32 BAPTISTA, Luiz Olavo. Arbitragem Comercial e Internacional. São Paulo: Lex Magister, 2011, p. 274. 33 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e Processo: um comentário à Lei 9.30711996. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 377. 34 De acordo com as estatísticas da CCI relativamente às sentenças arbitrais proferidas em 2011 , do total de 347 laudos finais, 41 deles foram resultado de acordo entre as partes, ou seja, sentenças homologatórias. Nesse sentido, ICC lnternational Court of Arbitration Bulletin, vol. 23,n. 1, 2012,p. 15. CRISTINA S. JABARDO 1 MARIANA C. G. ALVES i SÍLVIA J. B. DE MIRANDA 321 Há, ainda, uma segunda questão que se levanta em relação a sentenças homologatórias. Têm elas o mesmo efeito e autoridade de uma sentença final? A Convenção de Nova Iorque não se refere expressamente à sentença homo- logatória. Por outro lado, a Lei Modelo da Uncitral sobre Arbitragem Comer- cial Internacional de 1985, com alterações adotadas em 2006 (Lei Modelo da Uncitral) fornece um argumento sólido para que se aplique, às sentenças homologatórias, o mesmo regime que o de qualquer outra sentença final, já que indica, no parágrafo 2.º do seu Artigo 30, que ela «goza do mesmo status e produz os mesmos efeitos que qualquer outra sentença sobre o mérito de um conflito». A Lei Brasileira de Arbitragem segue a mesma linha, em seu art. 28 e, portanto, de acordo com o direito brasileiro, a sentença homologatória produz os mesmos efeitos e tem a mesma autoridade de uma sentença final proferida pelo árbitro ou tribunal arbitral. 9.2.1.2 Sentença parcial A sentença parcial é aquela pela qual o tribunal arbitral ou árbitro único resolve, definitivamente, parte do litígio que lhe foi submetido à apreciação. Ela é conceituada, por alguns autores, como sendo aquela sentença que põe fim a um ou mais aspectos de um litígio, sem encerrar o procedimento.35 As sentenças parciais são normalmente utilizadas quando é possível decidir uma questão que precede outras,36 especialmente com o objetivo de reduzir custos e tempo do procedimento. Jurisdição e competência, lei apli- cável ao contrato e responsabilidade (an debeatur) são exemplos de questões que podem ser decididas por meio de sentenças parciais. Alguns autores criticam a denominação «sentença final»/«sentença parcial»37 porque ela pode levar a uma interpretação errônea de que a sentença parcial não resolveria definitivamente o seu objeto. Para evitar confusão, propõe-se que a sentença parcial seja oposta à «global»38 e não à final. 35 Vide BoRN, Gary B. Op. cit. p. 2428-2429. ÜAILLARD, Ernmanuel. Op. cit., p. 740. 36 O Professor Luiz Olavo Baptista definiu a sentença parcial como sendo: «( ... ) uma decisão sob~e certa questão preliminar - por exemplo, a determinação da competência do Tribunal Arbitral, ou a aplicabilidade da cláusula arbitral a quem não figura entre os signatários do contrato que a contém. Pode também ser proferida sobre certa questão que precede outras. A d~isão proferida sobre essa questão - que deve ser indeterminada e independente das ~emais - pode ser vista como mera antecipação de parte da decisão. A prática é de, quando isso ocorre, fazer menção na sentença final à decisão já tomada, anexando ou transcrevendo a sentença parcial.» (BAPTISTA, Luiz Olavo. Arbitragem comercial e internacional. São Paulo: Lex Magister, 2011, p. 271-272). 37 ÜAll..LARD, Ernmanuel. Op. cit., p. 741. 38 Idem, 1999, p. 741. 322 ARBITRAGEM COMERCIAL Independentemente da nomenclatura que se utilize, importa ter presente que a sentença parcial, como a final, decide definitivamente o litígio que se propõe resolver. A diferença, porém, é que a sentença parcial decide apenas uma parte do conflito e, portanto, não põe fim ao procedimento arbitral (ainda que conclua o aspecto do litígio de que ela trata), ao passo que a sentença final, sim, o finaliza, esgotando a jurisdição do árbitro ou tribunal arbitral no momento em que as partes são intimadas da decisão.39 Diversas legislações nacionais e regulamentos de instituições de arbi- tragem (por exemplo, o da CCI, o da Uncitral, e o da LCIA), conferem poderes aos árbitros para proferirem sentenças parciais. A Lei Brasileira de Arbitragem não se refere expressamente a essa possibilidade, embora possa se inferir sua admissão por via oblíqua no Código de Processo Civil (nos termos da Lei 11.232/2005, que passou a contemplar a possibilidade de «fatiamento» do mérito). A questão já foi objeto de discussão no Brasil, mas o debate, hoje, parece ter sido superado.4° Com base no art. 2.º da Lei Brasileira de Arbitragem, privilegiando-se a autonomia da vontade das partes, os árbitros têm poderes para proferir sentenças parciais, desde que autorizados pelas partes ou, pelo menos, desde que não haja nenhuma manifestação delas em sentido contrário. Essa autoridade seria inerente à função do árbitro de resolver o conflito do modo mais eficiente e adequado possível.41 Algumas questões se colocam em relação às sentenças parciais: pode ela ser tratada como verdadeira sentença, para todos os efeitos, ou deve ela ser tida como ato provisório ratificável na sentença final? Em se admitindo a primeira hipótese, seria aplicável o dispositivo legal que trata da anulação das sentenças (art. 33 da Lei Brasileira de Arbitragem)? Em relação ao cumprimento das sentenças parciais, imagine-se que se trate de decisão que importe obrigação de fazer, entregar coisa, ou pagar. Havendo resistência da parte contrária, poderia o credor iniciar procedimento judicial de execução da sentença parcial? Essas questões ainda aguardam uma resposta do judiciário. Entende- -se, entretanto, que, sendo a sentença parcial final em relação ao conflito que resolve, ela deve produzir todos os efeitos da sentença final. Essa, aliás, pode ser uma desvantagem da prolação de sentenças parciais, pois pode abrir mais vias para o recurso ao judiciário no âmbito do procedimento arbitral. 39 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentárioà Lei 9.30711996. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2007, p. 302-304. 4° CARMONA, Carlos Alberto. Op. cit., 2007, p. 351. 4 1 BoRN, Gary B. Op. cit., 2009, p. 2431. CRISTINA S. JABARDO 1 MARIANA C. G. ALVES 1 SÍLVIA J. B. DE MIRANDA 323 9.2.2 Outros tipos de decisões No curso do procedimento arbitral, os árbitros podem se valer de deci- sões para ordenar o procedimento (9.2.2.1) ou resguardar os interesses das partes envolvidas na arbitragem (9.2.2.2). Essas decisões se diferenciam das sentenças arbitrais, qualificadas no item anterior. 9.2.2.1 Decisões de caráter procedimental As ordens emitidas pelo tribunal arbitral no curso do procedimento podem ser denominadas ordens procedimentais, ordens processuais, comu- nicados, despachos, dentre outros. Podem, ainda, ser enviadas por e-mail às partes, sem qualquer denominação. O nome e a forma dessas ordens não são relevantes. O que as identifica é a natureza e a finalidade: são decisões de cunho meramente processual, que visam dar andamento ao procedimento, conduzindo-o em direção à solução da disputa. É por meio destas que o tribunal arbitral se comunica com as partes, fixando o calendário do procedimento, orientando a produção das provas, solicitando esclarecimentos sobre questões a respeito das quais deseja ser melhor informado, dando por encerrada a instrução.42 Estas podem servir, inclusive, para chamar a atenção das partes para o comportamento adotado na arbitragem (criação de tumultos processuais, excesso de manifestações, exageros na linguagem) e aplicar sanções. Exemplos interessantes dessas decisões podem ser encontrados no Apêndice IV do Regulamento da CCI de 2012, que trata das técnicas para a condução do procedimento.43 Pode ocorrer de a primeira determinação dos árbitros às partes - após o recebimento de manifestações e documentos, conforme calendário definido no termo de arbitragem - seja para que especifiquem e justifiquem as provas que pretendem produzir. O que se espera do tribunal arbitral é que, ao apreciar os pedidos de provas, já tenha um conhecimento do caso sufiCiente para que defira tão somente as provas que lhe pareçam úteis e necessárias. Com isto, evitam-se delongas com provas inúteis - que podem ser custosas e demorar a serem concluídas.44 São exemplos de ordens relativas às provas: (i) designação da audiência (local, data, horário) e definição dos procedimentos a serem nela adotados 42 Este tipo de decisão é referido, por exemplo, no Artigo 27 do Regulamento da CCI, que trata do encerramento da instrução e da data para transmissão da minuta da sentença arbitral. 43 Regulamento da CCI de 2012. Disponível em http://www.iccwbo.org/products-and- -services/arbitration-and-adr/arbitration/icc-rules-of-arbitration/. Acesso em: 07.02.2013. 44 Veja a esse respeito o Artigo 7.4.I do Regulamento do CAM-CCBC: «7.4. l. Caberá ao Tribunal Arbitral deferir e estabelecer as provas que considerar úteis, necessárias e adequadas, segundo a forma e a ordem que entender convenientes ao caso concreto.» 324 ARBITRAGEM COMERCIAL (ordem de inquirição dos depoentes, limitação de tempo para inquirição, apresentação de depoimentos escritos, organização dos core bundles45); (ii) ordenação da perícia: nomeação de perito do tribunal arbitral ou determinação às partes para que indiquem assistentes técnicos, podendo o tribunal indicar que, se necessário, nomeará perito de sua confiança para analisar pontos de discordância entre esses assistentes; convocação de reunião com peritos e assistentes para definição do cronograma dos trabalhos, apreciação dos quesitos das partes e formulação dos quesitos do tribunal arbitral, honorários e despesas dos peritos; e (iii) disposição sobre o acesso a documentos em poder da parte contrária ou de terceiros. Outro exemplo de decisão para ordenar o procedimento é aquela que determina a sua bifurcação. Esta foi incluída no referido Apêndice IV do Regulamento da CCI como uma das técnicas de condução da arbitragem,46 visando, também, à diminuição de custos do procedimento. Nota-se que, na prática, tem sido bastante utilizada, tanto em arbitragens domésticas como internacionais (v. item 9.2.1.2 acima, sobre a sentença parcial). É de destaque o papel do presidente do tribunal arbitral na emissão de ordens processuais. Na prática, é muitas vezes o presidente que toma a frente na condução do procedimento, elaborando os projetos das ordens e subme- tendo-os à consideração dos outros árbitros. A possibilidade de concessão de poderes específicos ao presidente é referida em leis, regulamentos e termos de arbitragem (assinatura das ordens processuais em nome do tribunal, tomada de decisões relativas à fixação de prazos e outras, após consulta aos coárbitros, decisões sobre cautelares em caso de urgência).47 45 Core bundles: aqui se está referindo aos cadernos contendo cópias dos principais documentos do caso, aos quais as partes farão referência em audiência (por exemplo, para perguntar às testemunhas). Estes podem ser organizados pelas partes, em conjunto, e são entregues aos árbitros antes da audiência. 46 Um dos exemplos do Apêndice IV: «(a) bifurcar o procedimento ou proferir uma ou mais sentenças arbitrais parciais sobre questões centrais, quando tais medidas possam genuinamente contribuir para uma resolução mais eficiente do caso.» 47 Artigo 29 da Lei Modelo da Uncitral: «Decision-making by panei of arbitrators. ln arbitral proceedings with more than one arbitrator, any decision of the arbitral tribunal shall be made, unless otherwise agreed by the parties, by a majority of all its members. "However, questions of procedure may be decided by a presiding arbitrator, if so authorized by the parties or all members of the arbitral tribunal"» . Artigo 33.2 das Regras de Arbitragem da Uncitral: «Decisions. l. When there is more than one arbitrator, any award or other decision of the arbitral tribunal shall be made by a majority of the arbitrators. "2. ln the case of questions of procedure, when there is no majority or when the arbitral tribunal so authorizes, the presiding arbitrator may decide alone, subject to revision, if any, by the arbitral tribunal"». CRISTINAS.JABARDO 1MARIANAC.G.ALVES 1 SÍLVIAJ.B.DEMIRANDA 325 Muito embora as ordens processuais não estejam sujeitas a recurso, sua irregularidade pode eventualmente afetar a validade da sentença arbitral.48 A parte que desejar apresentar recurso contra a sentença arbitral com fundamento nessa irregularidade deverá tê-la suscitado prontamente perante os árbitros, no momento em que a questão surgiu. Caso contrário, pode-se entender que renunciou a isso.49 Pode haver casos em que não é evidente se determinada decisão do tribunal arbitral é uma ordem ou uma sentença, apesar de ter sido qualificada pelo tribunal como uma ou outra. Esta distinção é relevante, diante dos efeitos da sentença arbitral, já tratados no item 9.2.1 acima. Um exemplo ilustrativo é a decisão proferida pela Corte de Apelação de Paris no caso Brasoil, 50 que reconheceu que a decisão que havia sido denominada pelo tribunal arbitral como ordem, tratava-se, em realidade, de sentença arbitral, na medida em que, por meio dela, o tribunal rejeitara o pedido da Brasoil, colocando fim à arbitragem. Como observado acima, deve-se atentar à natureza e à finalidade da decisão que é proferida para enquadrá-la como sentença ou não. 48 SERAGLINI, Christophe V. Op. cit., p. 1036. 49 Um exemplo interessante a esse respeito pode ser encontrado no Artigo 32 das Regras de Arbitragem da Uncitral: «Article 32. Waiver of right to object. "Afailure by any party to object promptly to any non- compliance with these Rules or with any requirement of the arbitration agreement shall be deemed to be a waiver of the right of such party to make such an objection ", unless such party can show that,under the circumstances, its failure to object was justified». A Lei Brasileira de Arbitragem contém disposição semelhante: «Art. 20. A parte que pretender arguir questões relativas à competência, suspeição ou impedimento do árbitro, ou dos árbitros, bem como nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção de arbitragem, deverá fazê-lo na primeira oportunidade que tiver de se manifestar, após a instituição da arbitragem>>. 5-0 Braspetro Oil Services v. The Management and lmplementation Authority of the Great Man-made River Project, O 1.07 .1999. A decisão deste caso foi comentada por Jose Maria Afonso Puig (Pum, Maria Afonso. «Deliberation and Drafting Awards in Intemational Arbitration». ln: FERNÁNDEZ-BALLESTEROS, Miguel Ángel (Ed.); AR.IAs, David (Ed.). Liber Amicorum Bernardo Cremades. La Ley, 2010, p. 131-158). Confira-se o seguinte trecho da decisão da Corte de Apelação de Paris: «The classi.fication of the award (conferred upon a decision) does not depend on the terminology used by the arbitrators or by the parties ... after fi.ve months' dispute, the arbitral tnbunal gave the "order" on 14 May 1998, whereby, after in-depth analysis of both parties' ~tance, it declared that "the claim made by Brasoil was dismissed because it had not proven lfs allegation of fraud. This well-founded decision - in which the arbitrators considered the disputed stances raised by the parties and analysed them in depth in order to ascertain whether th~y were sufficiently well-founded, finally to settle the dispute between the parties definitively Wlth regard to Brasoil's applicationfor review, the rejection of which put an end to the dispute - would appear to be a clear example of the arbitral tribunal exercising its jurisdictional power" ... lrrespective of being classi.fied as an «order», the decision of 14 May 1998 ... is, therefore, an award». 326 ARBITRAGEM COMERCIAL 9.2.2.2 Medidas de urgência51 As medidas de urgência têm como finalidade evitar a ocorrência de dano iminente e de difícil reparação a uma das partes, o que justifica sua concessão pelos árbitros em momento anterior à prolação da sentença arbitral. Estas visam à preservação dos interesses das partes envolvidas na arbitragem, podendo ser concedidas para preservação do status quo, das provas, para assegurar o pagamento das custas da arbitragem, para garantir a possibilidade de execução da futura sentença, dentre outras finalidades.52 São medidas de natureza temporária, que são concedidas independentemente da decisão a ser proferida no mérito.53 Ao conceder determinada medida de urgência, o tribunal arbitral pode determinar à parte beneficiada pela medida que preste garantia (por exemplo, caução mediante depósito de valores em escrow account, carta de fiança, dentre outras).54 O poder dos árbitros para conceder medidas de urgência pode ser confe- rido diretamente pelas partes, pela legislação aplicável, ou ainda pelas regras da instituição que administra o procedimento.55 No Brasil, embora a Lei de 51 Por «medidas de urgência>> buscou-se referir a todas as medidas concedidas pelos árbitros e cortes estatais diante de um pleito de tutela de urgência formulado pelas partes. O Regulamento do CAM-CCBC também se refere a medidas de urgência, em seu Artigo 8. 52 Confira-se o Artigo 17 da Lei Modelo da Uncitral, que traz em seu item (2) uma definição de «interim measure» e exemplos de determinações dessa natureza: «(2) "An interim measure is any temporary measure ", whether in the form of an award or in another form, by which, at any time prior to the issuance of the award by which the dispute is finally decided, the arbitral tribunal orders a party to: (a) Maintain or restore the status quo pending determination of the dispute; (b) Take action that would prevent, or refrainfrom taking action that is likely to cause, current or imminent harm or prejudice to the arbitral process itself; (e) Provide a means of preserving assets out of which a subsequent award may be satisfied; or (d) Preserve evidence that may be relevant and material to the resolution of the dispute.» 53 V. YESILIRMAK, Ali. «lnterim and Conservatory Measures in ICC Arbitral Practice, 1999-2008». JCC lntemational Court of Arbitration Bulletin, Paris, vol. 22, Special Supplement, p. 5-11, 2011. 54 V., por exemplo, o Artigo 8.1 do Regulamento do CAM-CCBC: «8.1. A menos que tenha sido convencionado de outra forma pelas partes, o Tribunal Arbitral poderá determinar medidas cautelares, coercitivas e antecipatórias, que poderão, a critério do Tribunal, ser subordinadas à apresentação de garantias pela parte solicitante». E também Artigo 17-E da Lei Modelo da Uncitral: «Article I 7 E. Provision of security ( 1) The arbitral tribunal may require the party requesting an interim measure to provide appropriate security in connection with the measure.» 55 BoRN, Gary B. Intemational Commercial Arbitration. Kluwer Law Intemational, 2009, P· 1945-1970. Regulamento do CAM-CCBC, Artigo 8.1.: «8.1. A menos que tenha sido convencionado de outra forma pelas partes, o Tribunal Arbitral poderá determinar medidas cautelares, coercitivas CRISTINA S. JABARDO 1 MARIANA C. G. ALVES 1 SÍLVIA J. B. DE MIRANDA 327 Arbitragem não seja clara a respeito (v. art. 22, § 4.º 56), o poder dos árbitros para conceder essas medidas é reconhecido pela doutrina57 e jurisprudência, notadamente a do Superior Tribunal de Justiça.58 Caso o tribunal arbitral ainda não tenha sido constituído, as partes podem recorrer ao judiciário para pleitear medidas de urgência, o que não implica renúncia à jurisdição arbitral. 59 Podem, ainda, em determinados casos, recorrer e antecipatórias, que poderão, a critério do Tribunal, ser subordinadas à apresentação de garantias pela parte solicitante.» Regulamento da CCI, Artigo 28(1) - Medidas Cautelares e Provisórias: «l. A menos que as partes tenham convencionado diferentemente, o tribunal arbitral poderá, tão logo esteja na posse dos autos, e a pedido de uma das partes, determinar a adoção de qualquer medida cautelar ou provisória que julgar apropriada. O tribunal arbitral poderá subordinar tal medida à apresentação de garantias pela parte solicitante. A medida que for adotada tomará a forma de ordem procedimental devidamente fundamentada, ou a forma de uma sentença arbitral, conforme o tribunal arbitral considerar adequado.» Artigo 25.1 das Regras da LCIA: «25.1. The Arbitral Tribunal shall have the power, unless otherwise agreed by the parties in writing, on the application of any party: (a) to order any respondent party to a claim or counterclaim to provide security for all or part of the amount in dispute, by way of deposit or bank guarantee or in any other manner and upon such terms as the Arbitral Tribunal considers appropriate. Such terms may include the provision by the claiming or counterclaiming party of a cross-indemnity, itself secured in such manner as the Arbitral Tribunal considers appropriate, for any costs or losses incurred by such respondent in providing security. The amount of any costs and losses payable under such cross-indemnity may be determined by the Arbitral Tribunal in one or more awards; (b) to order the preservation, storage, sale or other disposal of any property or thing under the control of any party and relating to the subject matter of the arbitration; and ( c) to order on a provisional basis, subject to final determination in an award, any relief which the Arbitral Tribunal would have power to grant in an award, including a provisional arder for the payment of money or the disposition of property as between any parties.» 56 Artigo 22, § 4.º, da Lei Brasileira de Arbitragem: «§ 4.º Ressalvado o disposto no § 2.º, havendo necessidade de medidas coercitivas ou cautelares, os árbitros poderão solicitá-las ao órgão do Poder Judiciário que seria,originariamente, competente para julgar a causa.» 57 CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei 9.30711996. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 322-238. 58 Confira-se trecho da decisão da 3.ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, publicada em 12.06.2012, em ltarumã Participações vs. PCBJOS, REsp 1.297.974-RJ: «A competência do Tribunal Arbitral para processar e julgar pedido cautelar formulado pelas partes encontra-se pacificada na doutrina e na jurisprudência, visto que o poder é inerente ao compromisso arbitral, estando expressamente previsto no art. 22 da Lei 9.307/1996.» Cite-se também a decisão proferida pela mesma Turma, publicada em 21.12.2012, em Petrobras vs. Tractebel Energia, AgRg na Medida Cautelar 19.226-MS. 59 V. Artigos 8.2 e 8.2.2 do Regulamento do CAM-CCBC, 28.2 do Regulamento da CCI e 25.3 das Regras da LCIA: Regulamento do CAM-CCBC, Artigos 8.2 e 8.2.2: «8.2. Havendo urgência, quando ainda não instituído o Tribunal Arbitral, as partes poderão requerer medidas cautelares ou coercitivas à autoridade judicial competente, se de outra forma 328 ARBITRAGEM COMERCIAL a um árbitro de emergência60 (v. a esse respeito o artigo 29 e o Apêndice V do Regulamento da CCI, e o art. 37 das Regras do Intemational Centre for Dispute Resolution ( «ICDR» )61). Uma vez constituído o tribunal arbitral, cabe aos árbitros apreciar o cabimento dessa medida, inclusive revendo a decisão tomada pelo judiciário, para mantê-la, modificá-la ou revogá-la62 (v. artigo 8.2.1. do Regulamento do CAM-CCBC63). Em relação aos requisitos, diversas são as fontes que podem ser consul- tadas pelos árbitros quando da decisão sobre a concessão ou não das medidas de urgência. Por se tratar de questão processual, é usual a consulta à lei que governa a arbitragem (normalmente a lei do local da arbitragem). Diversas outras fontes também podem ser consultadas, como as tendências em arbi- não houver sido expressamente estipulada por elas. Nesse caso, a parte deverá dar ciência ao CAM-CCBC das decisões.» «8.2.2. O requerimento feito por uma das partes a uma autoridade judicial para obter tais medidas, ou a execução de medidas similares ordenadas por um Tribunal Arbitral, não serão considerados como infração ou renúncia à convenção de arbitragem e não comprometerão a competência do Tribunal Arbitral .» Regulamento da CCI, Artigo 28 .2 - Medidas Cautelares e Provisórias: «2. As partes poderão, antes da remessa dos autos ao tribunal arbitral, e posteriormente, em circunstâncias apropriadas, requerer a qualquer autoridade judicial competente que ordene as medidas cautelares ou provisórias pertinentes. O requerimento feito por uma das partes a uma autoridade judicial para obter tais medidas, ou a execução de medidas similares ordenadas por um tribunal arbitral, não será considerado como infração ou renúncia à convenção de arbitragem e não comprometerá a competência do tribunal arbitral a este título. Quaisquer pedidos ou medidas adotadas pela autoridade judicial deverão ser notificados sem demora à Secretaria, devendo esta informar o tribunal arbitral.» Artigo 25.3 das Regras da LCIA: «25.3. The power of the Arbitral Tribunal under Article 25.1 shall not prejudice howsoever any party's right to apply to any state court or other judicial authority for interim or conservatory measures before the formation of the Arbitral Tribunal and, in exceptional cases, thereafter. Any application and any order for such measures after the formation of the Arbitral Tribunal shall be promptly communicated by the applicant to the Arbitral Tribunal and all other parties. However, by agreeing to arbitration under these Rules, the parties shall be taken to have agreed not to apply to any state court or other judicial authority for any order for security fo r its legal or other costs available from the Arbitral Tribunal under Article 25.2.» 60 A atuação do árbitro de emergência, figura existente no regulamento de algumas instituições arbitrais, como a CCI e o ICDR, restringe-se à apreciação de medidas de urgência que não podem aguardar a constituição do tribunal arbitral. A atuação desse árbitro limita-se à fase pré-constituição do tribunal. As questões relativas ao status do árbitro de emergência e ao seu procedimento fogem do escopo da presente análise. 6 1 A ICDR é o braço internacional da American Arbitration Association - AAA. As regras estão disponíveis em www.adr.org/aaa. Acesso: 07.02.2013. 62 ÜAILLARD, Emmanuel; SAVAGE, John. (Ed). Fouchard Gaillard Goldman on lntemational Commercial Arbitration. Hague: K.luwer Law Intemational, 1999, p . 711-723. 63 Regulamento do CAM-CCBC, Artigo 8.2.1: «8.2.1. Assim que instituído o Tribunal Arbitral, caberá a ele manter, modificar ou revogar a medida concedida anteriormente.» CRISTINAS.JABARDO 1MARIANAC.G.ALVES1 SÍLVIAJ. B. DEMIRANDA 329 tragem intemacional.64 Na prática, em geral, os tribunais arbitrais verificam a existência do fumus boni iuris e do periculum in mora.65 Quanto a outros requisitos cuja observância pode ser exigida, é ilustrativo o Artigo 17 .A da Lei Modelo da Uncitral.66 Interessante observar que, ao conceder determinada medida de urgência, podem os árbitros determinar à parte beneficiada que informe prontamente caso ocorra a alteração das circunstâncias que justificaram a concessão da medida. Nestes e em outros casos, havendo justificativa para tanto, pode o tribunal arbitral modificar, suspender ou cassar a medida anteriormente concedida. 67 Verificados os requisitos e concedida a medida, a parte contra quem a medida é dirigida pode cumpri-la voluntariamente o que, conforme a prática da CCI, ocorre na maioria dos casos.68 Se oferecer resistência, o árbitro pode solicitar a cooperação das cortes estatais, pois apenas estas podem determinar o cumprimento forçado da medida.69 Caso a medida seja dirigida a terceiros, que não são partes na arbitragem, ela deve ser solicitada diretamente às cortes estatais. Em relação às medidas ex parte, estas são raramente concedidas pelos árbitros.70 As medidas de urgência são normalmente concedidas pelos árbitros sob a forma de ordens, apesar de haver a possibilidade de serem concedidas sob a forma de sentenças.71 64 YESILIRMAK, Ali. «lnterim and conservatory measures in ICC Arbitral Practice, 1999-2008». Bulletin de la Cour Intemationale d 'Arbitrage de la CCI, Paris, vol. 22, 2011, p. 5-11. 65 Veja os requisitos citados por BoRN, Gary B. Jntemational Commercial Arbitration. Kluwer Law Intemational, 2009, p. 1981-1992. 66 «Article 17 A. Conditionsfor granting interim measures. (1) The party requesting an interim measure under article 17(2)(a), (b) and ( c) shall satisfy the arbitral tribunal that: (a) Harm not adequately reparable by an award of damages is likely to result if the measure is not ordered, and such harm substantially outweighs the harm that is likely to result to the party against whom the measure is directed if the measure is granted; and (b) There is a reasonable possibility that the requesting party will succeed on the merits of the claim. The determination on this possibility shall not affect the discretion of the arbitral tribunal in making any subsequent determination .» 67 FRY, Jason; ÜREENBERG, Simon; MAzzA, Francesca. The secretariat's guide to ICC arbitration: a praticai commentary on the 2012 ICC rules of arbitrationfrom the secretariat of the ICC intemational court of arbitration. Paris: RT, 2012, p. 292. 68 FRY, Jason; ÜREENBERG. Op. cit., 2012, p. 292. 69 Os árbitros prescindem do poder de imperium. 7 ° Como observa FRY, Jason. Op. cit., 2012, p. 291. 71 A título'lixemplificativo, v. trecho do Artigo 28(1) do Regulamento da CCI: «( ... )A medida que for adotada tomará a forma de ordem procedimental devidamente fundamentada, ou a forma de uma sentença arbitral,conforme o tribunal arbitral considerar adequado» (grifamos). 330 ARBITRAGEM COMERCIAL 9.3 VALIDADE DA SENTENÇA ARBITRAL A prática demonstra que a maioria das sentenças de arbitragens inter- nacionais é cumprida espontaneamente, sem a necessidade de se recorrer à execução forçada perante o judiciário.72 Porém, como isso não ocorre com todas as sentenças, é fundamental analisar se o resultado da arbitragem, que é a sentença, reúne todas as condições necessárias para a sua execução forçada, caso se faça necessária. Para que a sentença arbitral seja válida e exequível, deve conter os requisitos impostos pela legislação de cada país, pelas regras institucionais escolhidas pelas partes,73 ou acordados pelas próprias partes na convenção de arbitragem. 74 Quanto à legislação, devem-se analisar as regras de dois países: o da sede da arbitragem, cujos requisitos são considerados para a anulação da sentença, e o do local onde se pretende executar a sentença, verificando se ela poderá ser reconhecida e executada naquele local.75 Caso as partes tenham indicado onde pretendem executar a sentença, ou de outra forma solicitado a observância a requisitos da legislação de determinado país, os árbitros deverão atender esses requisitos. Porém, como é pouco comum que as partes façam essa indicação, e elas podem escolher livremente onde executar a sentença, um bom parâ- metro para guiar o trabalho dos árbitros é aplicar o critério estabelecido na Convenção de Nova Iorque, que permitirá que a sentença seja reconhecida e executada em todos os países signatários.76 Neste item, serão analisadas as precondições de validade da sentença arbi- tral, (item 9.3.1), as condições de validade relacionadas ao objeto da sentença (item 9.3.2), os limites a que a sentença está sujeita para que seja válida (item 9.3.3), e os requisitos de validade das sentenças arbitrais (item 9.3.4.). 72 BoRN, Gary B. Intemational Commercial Arbitration. Kluwer Law Intemational, 2009, p. 2326. 73 Artigo 10 do Regulamento de Arbitragem do CAM-CCBC; Artigos 30 a 35 do Regulamento de Arbitragem da CCI; Seção V do Regulamento de Arbitragem da Uncitral (regulamentos disponíveis em http://www.ccbc.org.br/default.asp?categoria=2&subcategoria=Regulamento 2012; http://www.iccwbo.org/products-and-services/arbitration-and-adr/arbitration/icc-rules- of-arbitration/;ehttp://www.uncitral.org/uncitral/en/uncitral_texts/arbitration/2010Arbitration_ rules.html). 74 BoRN, Gary B. Intemational Commercial Arbitration. Kluwer Law Intemational, 2009, p. 2443. 75 Este tema será tratado no Capítulo 12 (Reconhecimento e execução das sentenças arbitrais). 76 REDFERN, Alan et alii. Redfem and Hunter on International Arbitration, Oxford University Press, 2009, p. 549. CRISTINA S. JABARDO 1 MARIANA C. G. ALVES 1 SÍLVIA J. B. DE MIRANDA 331 9.3.1 Precondições para a sentença Em relação às precondições, deve-se analisar a validade da convenção arbitral, e, em seguida, a regularidade da constituição do tribunal arbitral.77 9.3.1.1 Validade da convenção de arbitragem A convenção de arbitragem é um negócio jurídico, e, como tal, deve observar alguns requisitos para ser válida. O primeiro deles é a forma escrita, que facilita comprovar que as partes abriram mão de submeter suas disputas aos órgãos judiciais originariamente competentes em favor do órgão arbitral por elas escolhido.78 O segundo requisito é o consentimento das partes à convenção, que pode ser comprovado por sua assinatura (ou do contrato ou do instrumento no qual ela está contida), por trocas de correspondências subsequentes consentindo com a convenção e em alguns casos até tacitamente, se as partes tiverem parti- cipado ativamente do procedimento arbitral sem apresentar objeção quanto a sua vinculação a ele. 79 O último requisito é a capacidade das partes para concluir um negócio jurídico. Como a maioria das legislações arbitrais nacionais e internacionais é omissa neste ponto, discute-se qual a lei aplicável para a sua definição: alguns defendem que deve ser aplicada a lei nacional ou do domicílio de cada uma das partes, e outros entendem que deve ser aplicada a lei que governa o mérito da disputa. 80 77 No caso Kanematsu, o Superior Tribunal de Justiça negou a homologação da sentença arbitral proferida de acordo com o Regulamento da AAA diante da ausência de prova de existência da convenção de arbitragem: «Sentença estrangeira contestada. Juízo arbitral. Ausência de prova quanto à sua eleição. Art. 37, inciso II, da Lei 9.307/1996. I - Não trazida aos autos a prova da convenção de arbitragem, não é possível homologar-se laudo arbitral. II - Observância à norma contida no inciso II do art. 37 da Lei 9.307/1996. ill-Pedido homologatório indeferido.» (SEC 885, STJ, rel. Min. Francisco Falcão, DJ de 10.09.2010, grifos nossos). Este caso foi analisado Albert Jan van den Berg no seguinte artigo: Brazil n. 13, Kanematsu USA Inc. v. ATS - Advanced Telecomrnunications Systems do Brasil Ltda, Superior Tribunal de Justiça, 2 August 201 O in Albert J an van den Berg ( ed), Y earbook Cornmercial Arbitration 2011 - volume XXXVI (Kluwer Law International 2011) p. 258-259. Outro exemplo de anulação decorrente de violação às precondições, pode ser visto nesta decisão citada por Pedro A. Batista Martins: «Diante de tais falhas não há qualquer dúvida de que a sentença prolatada é nula, diante da nulidade do compromisso arbitral e da suspeição do árbitro referido, forte no art. 32, I e II, da lei mencionada [LA], tendo a demanda sido proposta dentro do prazo legal sinalado pelo art. 33 da Lei 9.307/1996. Por estes motivos, nego provimento à apelação interposta (TJRS, 12.ª Câmara Cível, Apelação Cível 70.005.797.774, rel. Des. Carlos Eduardo Zietlow Duro, 03.~.2003). In MARTINS, Pedro A. Batista. Apontamentos sobre a lei de arbitragem. Rio de Janerro: Forense, 2008, p. 330 (grifos nossos). 78 BoRN, Gary B:Üp. cit , 2009, p. 584. 79 Idem, ibidem, p. 641. 80 ÜAILLARD, Emmanuel (Ed.). Op. cit., 1999, p. 243-244. 332 ARBITRAGEM COMERCIAL 9.3.1.2 Regularidade na constituição do Tribunal Arbitral O método de escolha dos árbitros deve obedecer à vontade das partes, que podem definir expressamente o método ou incorporar um mecanismo indireto de nomeação. Caso a arbitragem seja institucional, será utilizado o mecanismo previsto no regulamento da instituição escolhida pelas partes, a não ser que as partes optem por outro mecanismo.81 No entanto, a vontade das partes não é absoluta, estando limitada por fatores que visam a garantir uma correta administração da justiça82 como, por exemplo, a exigência de independência e imparcialidade dos árbitros, conforme explicado abaixo. Em geral, as leis de arbitragem nacionais exigem que os árbitros sejam independentes e imparciais, de modo a resguardar a neutralidade e o regular desenvolvimento do procedimento. Admite-se que as partes aceitem um árbitro que tenha revelado circunstância indicativa de parcialidade ou dependência, desde que esta decisão seja feita de modo transparente. 83 No entanto, quando a circunstância revelada pelo árbitro for muito grave e comprometa signi- ficativamente sua imparcialidade e independência, não poderá o árbitro ser nomeado, ainda que as partes concordem com sua aceitação.84 Existem alguns instrumentos internacionais que auxiliam os árbitros a decidirem acerca da gravidade da circunstância revelada, como as IBA Guidelines on Conflicts of Interest in International Arbitration.85 Outra precondição de validade da sentença arbitral é o respeito aos prin- cípios fundamentais do processo. O procedimento arbitral deve compor-se de normas indispensáveis que assegurem o respeito ao devido processo legal, ao tratamento igualitário das partes e ao direito de apresentar as respectiva.:: razões.86 9.3.2 Objeto da sentençaA sentença arbitral deve contemplar todas as questões controvertidas, objeto da arbitragem, de modo a satisfazer as pretensões das partes e solucionar 81 Como exemplo, o regulamento da instituição escolhida pelas partes pode estabelecer que cada parte indicará um árbitro, e que o árbitro presidente será indicado por um órgão da própria instituição. Mas as mesmas partes podem, na cláusula de arbitragem, já estabelecer que cada uma delas indicará um árbitro e que o árbitro presidente será indicado em conjunto pelos coárbitros escolhidos pelas partes. 82 GAILLARD, Emmanuel (Ed.). Op. cit. , 1999, p. 464. 83 BoRN, Gary B. Op. cit. , 2009, p. 1508. 84 BoRN, Gary B. Op. cit. , 2009, p. 1510-1511. 85 Disponível em http://www.ibanet.org/Publications/publications_IBA_guides_and_free_ materials.aspx. Acessado em: 10.02.2013. 86 BAPTISTA, Luiz Olavo. Arbitragem Comercial e Internacional. São Paulo: Lex Magister, 2011, p. 216. CRISTINA S. JABARDO 1 MARIANA C. G. ALVES 1 SÍLVIA J. B. DE MIRANDA 333 sua disputa. É imprescindível, portanto, saber como se dá a delimitação do objeto da arbitragem e até que momento as partes podem alterar seus pedidos. No início do procedimento, as partes podem formular seus pedidos em termos vagos e genéricos. Uma modificação nesses pedidos será possível dependendo do que foi acordado entre as partes ou do que dispõem as regras aplicáveis ao procedimento. Alguns regulamentos institucionais, como o da CCI, prescrevem que modificações nos pedidos são admissíveis em qualquer momento anterior à assinatura do termo de arbitragem (ou ata de missão).87 Após sua assina- tura, novos pedidos só poderão ser introduzidos com a devida autorização do tribunal arbitral.88 A justificativa para esta restrição é evitar que as partes promovam diversas alterações em seus pedidos ao longo do procedimento, prolongando-o desnecessariamente e prejudicando o contraditório e o devido processo. 89 Por outro lado, há legislações de arbitragem e regulamentos institucio- nais que adotam uma postura mais liberal em relação à introdução de novos pedidos. A Lei Modelo da Uncitral, por exemplo, permite modificações em qualquer momento do procedimento, desde que não haja prejuízo ao devido processo e que os novos pedidos estejam abrangidos pela convenção de arbitragem.90 Essa postura parece mais adequada ao procedimento arbitral, caracterizado pela informalidade e flexibilidade, desde que não prejudique a estabilidade do procedimento. Em relação a este ponto, o importante é que o objeto da arbitragem seja estável, ou seja, embora a fundamentação possa variar ao longo do procedimento, o objeto tem que ser um mesmo. 9.3.3 Limites da sentença Para tratar dos limites da sentença, recorrer-se-á à noção de arbitrabili- dade.91 Esta se subdivide entre os aspectos objetivo e subjetivo. O primeiro cuida das matérias que podem ser levadas ao juízo arbitral para solução, ao passo que o segundo trata de quem pode se submeter ao procedimento arbitral. Em relação ao aspecto objetivo, pode-se dizer que matérias que não envolvam um interesse econômico (direito patrimonial) disponível, que versem sobre direitos inalienáveis e que envolvem áreas sensíveis ao interesse público, como trabalhista, propriedade intelectual, falência e concorrencial, 87 GAILLARD, Emmanuel (Ed.). Op. cit., 1999, p. 659. 88 BoRN, Gary B. Op. cit., 2009, p. 1818. 89 GAILLARD, Emmanuel (Ed.). Op. cit., 1999, p. 669. 90 BoRN. Op. cii:;-o009, p. 1820. 91 N '·• ""\ a presente obra, ver também a discussão sobre arbitrabilidade, relativamente às cláusulas de arbitragem, à p. 89 (Capítulo 3). 334 ARBITRAGEM COMERCIAL levantam dúvidas quanto à arbitrabilidade.92 O árbitro, ao julgar essas maté- rias, deverá fazer considerações quanto à ordem pública (internacional) para . definir sua arbitrabilidade.93 Ainda em relação aos aspectos objetivos, é vedado ao árbitro proferir uma sentença citra petita, ultra petita ou extra petita.94 Para tanto, devem ser observadas a convenção de arbitragem e os pedidos formulados pelas partes.95 Estes elementos fixam o limite da jurisdição e competência dos árbitros - tratados no Capítulo 6 - e tudo o que estiver dentro deste limite deve ser decidido.96 Quanto ao aspecto subjetivo, abordado no Capítulo 3, em regra pode submeter-se à arbitragem qualquer pessoa capaz de contratar.97 Em relação a este ponto, o tema que mais gerou discussão no Brasil foi o de se os Estados ou entidades estatais poderiam se submeter à arbitragem. O sistema legal de cada país contém regras quanto à possibilidade de os estados vincularem-se à arbitragem. Há uma regra internacional firmemente estabelecida segundo a qual um Estado ou entidade estatal que aceitou se vincular a uma convenção de arbitragem não pode, posteriormente, valer-se de uma disposição de seu próprio sistema legal para contestar a validade de sua vinculação.98 92 «Countries following the civil-law tradition have often tumed to legislation to mark the borderline between what is - and is not- arbitrable. ( .. . ) Trying to identify these disputes that may be submitted to arbitration, the French Code Civil speaks of "rights of which one can dispose freely"; the Japanese Code of Civil Procedure refers to disputes that "the parties are entitled to settle"; the Portuguese Act on Voluntary Arbitration mentions "disposable rights"; whereas the Swiss Private International Law Act treats as arbitrable "any dispute involving property". ( .. .) As one might expect, common-law jurisdictions rely largely on case-law to delimit arbitrability.» V ARADY, Tibor; BARCELO III, John J.; MEHREN, Arthur T. von. Intema- tional Commercial Arbitration. St. Paul: West Group, 1999, p . 220-221. Em linha com o indicado por V ARADY, a Lei Brasileira de Arbitragem estabelece os limites da arbitrabilidade objetiva: «Art. 1.0 As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis» (grifamos). 93 GAJLLARD. Op. cit., 1999, p. 338-339. 94 BAPTISTA. Op. cit., 2011, p. 269-270. 95 Como explica Dinamarco, deve haver uma correlação entre o pedido e o concedido, sendo vedado ao árbitro conceder à parte mais que ou coisa diversa do pedido. DINAMARCO, Cândido Rangel. «Limites da sentença arbitral e de seu controle jurisdictional». ln: MARTINS, Pedro A. Batista; ÜARCEZ, José Maria Rossani (coords.). Reflexões sobre arbitragem: in memoriam do Desembargador Cláudio Vianna de Lima. São Paulo: LTr, 2002, p. 331. % CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e processo: um comentário à Lei 9.30711996. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2009, p. 371. 97 Art. l.º da Lei Brasileira de Arbitragem: «Art. 1.0 As pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis» (grifamos). 98 GAJLLARD. Op. cit., I999, p. 322. CRISTINAS. JABARDO 1 MARIANAC. G. ALVES 1 SÍLVIAJ. B. DE MIRANDA 335 9.3.4 Requisitos de validade Entre os reqms1tos mais comuns presentes em diversas legislações, que estão em linha com a Lei Modelo da Uncitral99 e com a Convenção de Nova Iorque (sendo um exemplo a Lei Brasileira100), estão (i) a necessidade de a sentença ser dada por escrito; (ii) o respeito a limites de prazo; e que da sentença conste (iii) a data e o local onde foi proferida; (iv) a assinatura dos árbitros; e (v) a motivação. Neste item serão analisados cada um desses aspectos. 9.3.4.1 Registro escrito O registro da sentença deve ser escrito.101 O registro por vídeo ou áudio não é suficiente. Além de possibilitar a prova do conteúdo da decisão, a forma escrita facilita o seu reconhecimento e execução no estrangeiro, visto que a Convenção de Nova Iorque exige a apresentação de uma cópia autenticada ou da via original da sentença. 102 99 Art. 31 da LeiModelo da Uncitral: «Artigo 31.ºForma e conteúdo da sentença arbitral. (1) A sentença arbitral será feita por escrito e assinada por um ou mais árbitros. Em um procedimento arbitral com mais de um árbitro, serão suficientes as assinaturas da maioria dos membros do tribunal arbitral, desde que seja mencionada a razão da omissão das restantes. (2) A sentença será fundamentada exceto se as partes acordarem que não haverá fundamentação ou se se tratar de uma sentença proferida com base em um acordo entre as partes nos termos do artigo 30.º. (3) Da sentença constará a data e o local da arbitragem, em conformidade com o artigo 20.º, parágrafo 1.0 • Considerar-se-á que a sentença foi proferida nesse local. (4) Proferida a sentença, será enviada a cada uma das partes uma cópia assinada pelo árbitro ou árbitros, nos termos do parágrafo l.º do presente artigo.» 100 Art. 24, caput, da Lei de Arbitragem Brasileira: «Art. 24. A decisão do árbitro ou dos árbitros será expressa em documento escrito.» Art. 26 da Lei de Arbitragem Brasileira: «Art. 26. São requisitos obrigatórios da sentença arbitral: 1 - o relatório, que conterá os nomes das partes e um resumo do litígio; II - os fundamentos da decisão, onde serão analisadas as questões de fato e de direito, mencionando- -se, expressamente, se os árbitros julgaram por equidade; III - o dispositivo, em que os árbitros resolverão as questões que lhes forem submetidas e estabelecerão o prazo para o cumprimento da decisão, se for o caso; e IV - a data e o lugar em que foi proferida. Parágrafo único. A s~ntença arbitral será assinada pelo árbitro ou por todos os árbitros. Caberá ao presidente do tnbunal arbitral, na hipótese de um ou alguns dos árbitros não poder ou não querer assinar a sentença, certificar tal fato.» 101 Art. 24 da Lei de Arbitragem Brasileira: «A decisão do árbitro ou dos árbitros será expressa em documento escrito.» Art~go 31(1) da Lei Modelo da Uncitral: «A sentença arbitral será feita por escrito ( ... )»; Artigo 10.3 do Regulamento de Arbitragem do CAM-CCBC: «A sentença arbitral será expressa em .documento escrito». Artigo 34.1 do Regulamento de Arbitragem da CCI: «Após a sentença arbitral ter sido proferida, a Secretaria notificará às partes o texto assinado pelo tribunal arbitral, desde que os custos da arbitragem tenham sido integralmente pagos à CCI pelas partes ou por uma delas.» 102 Artigo IV, 1, "a", da Convenção de Nova Iorque: «A fim de obter o reconhecimento e ~xecução mencionados no artigo precedente, a parte que solicitar o reconhecimento e a 338 ARBITRAGEM COMERCIAL a sentença foi proferida define a sua nacionalidade. 112 Existe uma discussão sobre a necessidade de a sentença ser proferida no local da sede da arbitragem escolhido pelas partes. Na ausência de dispositivo legal, de regulamento insti- tucional ou de manifestação das partes, pode-se entender que uma postura mais liberal pode ser adotada, permitindo-se que a sentença seja proferida em local diverso do da sede da arbitragem. Em sentido contrário, havendo dispo- sição de que os locais devem ser coincidentes, isso deve ser observado.113 Em relação a esta questão, a Lei Modelo da Uncitral adota uma posição flexível, exigindo que a sentença indique o local da arbitragem, que poderá ser esco- lhido pelas partes ou fixado pelos árbitros, 114 e considera que a sentença foi proferida nesse local. 115 9.3.4.4 Assinatura dos árbitros Outro requisito é o da assinatura: a lei brasileira, 116 como a Lei Modelo da Uncitral1 17 exige que a sentença seja assinada pelos árbitros. Este requisito, entretanto, não deve conferir a um membro de tribunal arbitral o poder de bloquear a expedição de uma sentença que tenha sido aprovada por unani- midade ou maioria.118 Se um dos árbitros se recusar a assiná-la ou discordar de seu teor, a sentença poderá ser assinada pela maioria dos árbitros ou pelo 112 Art. 34, parágrafo único, Lei de Arbitragem Brasileira: «Considera-se sentença arbitral estrangeira a que tenha sido proferida fora do território nacional.» 113 GAILLARD. Op. cit., 1999, p. 772. 114 Artigo 20 da Lei Modelo da Uncitral: «Local da arbitragem: (1) As partes podem decidir livremente sobre o local da arbitragem. Na falta de tal decisão, este local será fixado pelo tribunal arbitral, tendo em conta as circunstâncias do caso, incluindo a conveniência das partes. (2) Não obstante as disposições do parágrafo l.º do presente rutigo, o tribunal arbitral pode, salvo acordo das partes em contrário, reunir-se em qualquer local que julgar apropriado para a realização de consultas entre os seus membros, para a oitiva de testemunhas, de peritos ou das partes, ou para a inspeção de mercadorias, outros bens ou documentos.» 115 Artigo 31 (3) da Lei Modelo da Uncitral: «Da sentença constará( ... ) o local da arbitragem ( ... ). Considerar-se-á que a sentença foi proferida nesse local.» Conforme a Nota explicativa do Secretariado da Uncitral sobre a Lei Modelo da Uncitral, não é necessário que os árbitros se reúnam fisicamente para assinar a sentença em um mesmo local, e a emissão da sentença pode ocorrer por meio de uma sequência de atos, ocorridos em vários locais, por telefone ou por correspondência. 116 Art. 26, parágrafo único, da Lei de Arbitragem Brasileira: «A sentença arbitral será assinada pelo árbitro ou por todos os árbitros. Caberá ao presidente do tribunal arbitral, na hipótese de um ou alguns dos árbitros não poder ou não querer assinar a sentença, certificar tal fato.» 117 Artigo 31 (1) da Lei Modelo da Uncitral: «A sentença arbitral será feita por escrito e assinada por um ou mais árbitros( ... ).» 118 Embora isso aconteça em alguns lugares, qualquer país que contenha regra tão rígida não deve ser considerado adequado para arbitragens internacionais, como apontado por REDFERN, Alan, et alii. Redfern and Hunter on International Arbitration, Oxford University Press, 2009, p. 552. CRISTINA S. JABARDO j MARIANA C. G. ALVES j SÍLVIA J. B. DE MIRANDA 339 presidente, e deverá informar os motivos da ausência das demais assinaturas.119 Essa regra, que permite a assinatura isolada de um dos árbitros ou da maioria, também está refletida em grande parte dos regulamentos de arbitragem.120 9.3.4.5 Motivação Quanto à motivação, a lei brasileira exige que os árbitros motivem sua decisão, expondo as questões de fato e de direito sobre as quais recai o julga- mento. 121 Outras legislações admitem a sentença não fundamentada, 122 e a Lei Modelo da Uncitral dispensa a fundamentação sempre que as partes tiverem acordado isso, e nos casos de homologação de acordo.123 Uma discussão interessante que surge daí é se uma sentença não motivada proferida em um país que admite isso poderia ser executada no Brasil, ou se sua homologação representaria uma violação à regra de que todas as sentenças devem ser funda- mentadas.124 O Supremo Tribunal Federal e o Superior Tribunal de Justiça 119 BoRN. Op. cit., 2009, p. 2446-2447. Artigo 31 (1) da Lei Modelo da Uncitral: «( ... )Em um procedimento arbitral com mais de um árbitro, serão suficientes as assinaturas da maioria dos membros do tribunal arbitral, desde que seja mencionada a razão da omissão das restantes.» 120 Artigo 10.3.2 do Regulamento de Arbitragem do CAM-CCBC: «10.3.2. A sentença arbitral será reduzida por escrito pelo Presidente do Tribunal Arbitral e assinada por todos os árbitros. Caberá ao Presidente do Tribunal Arbitral, na hipótese de um ou alguns dos árbitros não assinarem a sentença, consignar tal fato.» Artigo 31. l. do Regulamento de Arbitragem da CCI: «Quando o tribunal arbitral for composto por mais de um árbitro, a sentença arbitral será proferida por decisão da maioria. Se não houver maioria, a sentença arbitral será proferida pelo presidente do tribunal arbitral sozinho.» Artigo 33.1. do Regulamento de Arbitragem da Uncitral:
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