Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
UNIVERSIDADE COMUNITÁRIA DA REGIÃO DE CHAPECÓ - UNOCHAPECO ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS E JURÍDICAS CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO ANA PAULA DA ROCHA LEITE O ESTADO BRASILEIRO E OS MECANISMOS JURÍDICOS E POLÍTICOS PARA A GARANTIA DOS DIREITOS HUMANOS DOS REFUGIADOS HAITIANOS CHAPECÓ (SC), 2015 ANA PAULA DA ROCHA LEITE O ESTADO BRASILEIRO E OS MECANISMOS JURÍDICOS E POLÍTICOS PARA A GARANTIA DOS DIREITOS HUMANOS DOS REFUGIADOS HAITIANOS Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade Comunitária da Região de Chapecó, UNOCHAPECÓ, como requisito parcial à obtenção do título de bacharel em Direito, sob a orientação do Prof. Me. Luiz Henrique Maisonnett. Chapecó (SC), novembro 2015 3 UNIVERSIDADE COMUNITÁRIA DA REGIÃO DE CHAPECÓ - UNOCHAPECÓ ÁREA DE CIÊNCIAS HUMANAS E JURÍDICAS CURSO DE GRADUAÇÃO EM DIREITO O ESTADO BRASILEIRO E OS MECANISMOS JURÍDICOS E POLÍTICOS PARA A GARANTIA DOS DIREITOS HUMANOS DOS REFUGIADOS HAITIANOS ANA PAULA DA ROCHA LEITE ________________________________________ Prof. Me. Luiz Henrique Maisonnett Professor Orientador ________________________________________ Prof. Dr. Reginaldo Pereira Coordenador do Curso de Direito ________________________________________ Prof. Me. Robson Fernando Santos Coordenador Adjunto do Curso de Direito Chapecó (SC), novembro 2015 4 ANA PAULA DA ROCHA LEITE O ESTADO BRASILEIRO E OS MECANISMOS JURÍDICOS E POLÍTICOS PARA A GARANTIA DOS DIREITOS HUMANOS DOS REFUGIADOS HAITIANOS Monografia aprovada como requisito parcial para obtenção do grau de BACHAREL EM DIREITO no Curso de Graduação em Direito da Universidade Comunitária da Região de Chapecó - UNOCHAPECÓ, com a seguinte Banca Examinadora: ________________________________________ Me. Luiz Henrique Maisonnett – Presidente ________________________________________ Xxxxx – Membro ________________________________________ Xxxxx – Membro Chapecó (SC), novembro 2015 5 Dedico este trabalho às pessoas mais importantes da minha vida: meu pai Rogério, minha mãe Marcia, meus irmãos Maria Eduarda e Luiz Henrique e meu padrinho Gilberto, pelo amor, apoio e incentivo infindável e incondicional. Sem o apoio, amor, compreensão e incentivo de vocês, com certeza eu não teria chegado até aqui. Obrigada por cada palavra de incentivo, gesto de carinho e cuidado e pela compreensão da importância deste momento. Dedico também à minha estrela no céu Marina que durante todos os anos de amizade sonhou comigo a realização deste momento e infelizmente não pode hoje estar presente fisicamente para vivenciar este momento comigo, mas sei que está sempre junto de mim. Vocês merecem meu amor e gratidão! 6 7 AGRADECIMENTOS Em primeiro lugar, agradeço a Deus por estar sempre presente em minha vida, por ajudar-me nos momentos difíceis e proporcionar-me momentos tão recompensadores como esta caminhada iluminada que findo hoje. Agradeço também à minha família por todo o amor, apoio e confiança que tiveram em mim durante todos estes anos de caminhada, por serem meu porto seguro, por me darem todo o colo e amor que precisei. Ao meu pai, por me ensinar a ser forte e confiante, por me dar forças quando me faltaram, me dar amor e acreditar em mim mesmo quando nem eu mesma acreditei, fazendo tudo e mais do que estava ao seu alcance para que eu pudesse realizar meus sonhos e desejos. A minha mãe, que é meu exemplo de mulher e vida, por me ensinar a enfrentar as dificuldades da vida com calma, por ser minha melhor amiga, meu espelho, minha cúmplice, por me incentivar, encorajar e me confortar nos momentos em que precisei, fazendo o possível e o impossível sempre para eu me tornasse uma mulher forte, decidida e batalhadora, assim como ela. Ao meu irmão pela preocupação, pela leveza e inocência que me fazem acreditar em um mundo melhor e mais humanizado, pelo amor e pelo cuidado que tem por mim. A minha irmã por ser meu porto seguro, minha alma gêmea, por ser minha companheira de vida, por me entender e me apoiar, e mesmo quando não me entende não me julgar, me dar suporte, por ser meu alicerce, meu porto seguro, minha âncora. A minha conquista também é de vocês, que estiveram e estão diariamente nesta batalha de vida. Aos meus companheiros de trabalho por participarem ativamente em boa parte desta conquista, me dando suporte e compreendendo as necessidades que a formação efetiva e extensiva da graduação exige. Aos meus colegas e companheiros de turma, em especial a Laura, Aline e Anna Caroline, que tornaram-se também amigas, confidentes e irmãs, acalentando e suportando meu desespero, pelo companheirismo, parceria e amizade incondicional, com certeza levarei vocês e a nossa amizade pelo resto da vida. As amigas Bruna e Fernanda pela compreensão de toda a reclusa durante a elaboração e finalização deste trabalho, pelo apoio, amor, carinho e preocupação ao longo da nossa amizade. A amiga Liliana que de colega de quarto em um congresso tornou-se amiga, confidente, por toda a ajuda, apoio, conforto e compreensão, sem seu apoio e confiança, eu 8 não teria conseguido. Vocês, minhas amigas, também são especiais nesta conquista! Aos mestres que nos proporcionaram todo o conhecimento possível, muito além do jurídico e didático, mas também de vida, em especial ao meu orientador, Luiz Henrique, pela paciência infindável, sabedoria, dedicação e ajuda prestada para que eu pudesse finalizar com êxito esta etapa. A todos que fizeram parte desta caminhada, minha sincera gratidão! 9 “...Para cada refugiado existe sempre um não refugiado que poderia ser um refugiado caso fossem diferentes as circunstâncias e prioridades políticas.” (Emma Haddad) “O homem pode perder todos os chamados Direitos do Homem sem perder a sua qualidade essencial de homem, sua dignidade humana. Só a perda da própria comunidade é que o expulsa da humanidade.” (Hanna Arend, Origens do Totalitarismo 10 RESUMO O ESTADO BRASILEIRO E OS MECANISMOS JURÍDICOS E POLÍTICOS PARA A GARANTIA DOS DIREITOS HUMANOS DOS REFUGIADOS HAITIANOS. ANA PAULA DA ROCHA LEITE. Luiz Henrique Maisonnett (ORIENTADOR(A). (Universidade Comunitária da Região de Chapecó – UNOCHAPECÓ). (INTRODUÇÃO) Tem-se como tema de pesquisa o instituto do refúgio enquanto meio efetivo para garantia dos direitos humanos dos refugiados, analisando-se em específico nos casos de refugiados ambientais haitianos no Brasil que em razão do terremoto ocorrido em 2010 no Haiti, obrigaram-se a abandonar seu Estado em busca de melhores condições de vida. Nesse sentido, aborda-se-á os mecanismos jurídicos e políticos adotados pelo Brasil para efetivar as garantias dos direitos humanos de tais refugiados em território nacional. (OBJETIVOS) A presente pesquisa tem como objetivo geral analisar as formas com que o Estado brasileiro efetiva a proteção aos imigrantes refugiados haitianos. Para tanto, faz-se uma análise histórica dos direitos humanos em âmbitonacional e mundial, bem como analisa-se a história do Haiti, de,sde a sua independência até o acontecimento catastrófico que foi o terremoto que assolou o país. Como objetivo específico, analisa-se as políticas existentes e as preocupações do Estado brasileiro em garantir a efetivação dos direitos humanos dos refugiados, analisando ainda as legislações pertinentes ao assunto, tendo como norteio a Convenção de 51 a qual está relacionada ao Estatuto do Refugiado. O presente trabalho caracteriza-se como sendo pesquisa bibliográfica, analisando as causas que deram origem à migração forçada dos haitianos, bem como a legislação nacional e internacional acerca da proteção aos refugiados. (CONCLUSÃO) Através da presente pesquisa, percebe-se a evolução nacional e internacional acerca do instituto do refúgio, bem como o surgimento de uma nova classe de refúgio, denominada como refúgio ambiental. Analisando a legislação brasileira, percebe-se claramente a preocupação do legislador em assegurar de várias formas os direitos humanos a todo e qualquer refugiado que buscasse tal proteção em solo brasileiro. Quanto à análise dos mecanismos políticos utilizados para a garantia dos direitos humanos dos refugiados haitianos, percebe-se que, mesmo sem o reconhecimento da comunidade internacional acerca do refúgio ambiental, razão pela qual os haitianos não enquadrar-se-iam como refugiados ao buscar tal proteção, percebe-se uma manobra política do Estado brasileiro para, por equiparação ao estado de refugiado, garantir tal proteção à eles, através da concessão do visto permanente por razões humanitárias. (PALAVRAS- CHAVE) Refúgio, refúgio ambiental, migrantes, haitianos, refugiados, Estado brasileiro. ABSTRACT ENVIRONMENTAL AND HAITIAN REFUGEES OF THE POSSIBILITY VOLUNTARY REPATRIATION. LILIANA LAVNICZAK BORBA. Luiz Henrique Maisonnett (ADVISOR). (Universidade Comunitária da Região de Chapecó - Unochapecó). (INTRODUCTION) The theme of the research is the institute of refuge, focusing on the emergence of a new class called Environmental Refuge, with special attention to Haitians environmental refugees, which in consequence of the 2010 earthquake, were forced to abandon its state in search of better living conditions. It will also address - voluntary repatriation as a way to permanently resolve the refugee issue. (OBJECTIVES) Research has as main objective to analyze the emergence of environmental refuge, subject to the relevant legislation and existing loopholes that allow legalization of the new class, as well as examines the possibility of managing the national Haitians as environmental refugees. As a specific purpose, in allusion to durable solutions mentioned in the laws that normative the refuge, we seek to examine the possibility of environmental refugees voluntarily repatriate. (THEMATIC AXIS) The main theme of the Law Course, at Universidade Comunitária da Região de Chapecó - (Unochapecó) to which the work is linked to, is called "The State and the Citizenship" (METHODOLOGY) The present study is characterized as a literature research, adopting the deductive method , taking into the analyzes the causes that led to the forced migration of Haitians and legislation of the refuge institute, observing gaps in actual legislation to enable the emergence and positivization of the environmental refuge. Furthermore, through the analysis of the laws on the subject, seeks to understand whether voluntary repatriation is the effective way to solve the problem. (CONCLUSION) Through analysis of the relevant legislation to the refuge, it is observed that beyond of interpretation, it would be possible to frame the environmental refuge as a new rising class, allowing adequate protection for migrants who are forced to leave their motherland as a result of environmental disasters. Facing these solutions, there is the possibility to voluntarily repatriate Haitians if there are political, economical and social conditions on Haiti. (KEY-WORDS) Environmental Refuge, migrants, Haitians, voluntary repatriation. LISTA DE SIGLAS ACNUDH Alto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos ACNUR Alto Comissariado da ONU para Refugiados CNIg Conselho Nacional de Imigração CONARE Comitê Nacional para os Refugiados DOPaz Destacamento de Operações de Paz DPF DIR DIDH DUDH Departamento de Polícia Federal Direito Internacional do Refugiado Declaração Internacional dos Direitos Humanos Declaração Universal dos Direitos Humanos MICIVIH Missão Civil Internacional no Haiti MIF Força Multinacional Interina Minustah Missão de Estabilidade das Nações Unidas no Haiti OIR Organização Internacional dos Refúgiados ONU ONG Organização das Nações Unidas Organização Não Governamental PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento UNIC Rio Centro de Informações das Nações Unidas – Rio de Janeiro UNRRA Administração das Nações Unidas para o Socorro e Reconstrução (United Nations Relief and Rebabilitation Administration) URSS União das Repúblicas Socialista e Soviéticas 13 LISTA DE APÊNDICES APÊNDICE A - ATESTADO DE AUTENTICIDADE DA MONOGRAFIA ...................... 79 APÊNDICE B - TERMO DE SOLICITAÇÃO DE BANCA ................................................. 81 14 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 16 2 DIREITOS HUMANOS E O ESTADO BRASILEIRO ....................................................... 18 2.1 DIREITOS HUMANOS E A HISTÓRIA .......................................................................... 18 2.2 O BRASIL NA COMPLEXIDADE DOS DIREITOS HUMANOS ................................. 24 2.4 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS DO CAPÍTULO ............................................................ 26 3 O HAITI ................................................................................................................................ 27 3.1 O HAITI: Da colonização à independência ........................................................................ 27 3.2 A ERA DUVALIER: Uma ditadura de família .................................................................. 29 3.3 UMA NOVA ERA POLÍTICA .......................................................................................... 31 3.4 UMA FORÇA PACIFICADORA NO HAITI ................................................................... 34 3.5 DEPOIS DA CRISE, O TERREMOTO ............................................................................. 36 3.6 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS DO CAPÍTULO ............................................................ 39 4 O INSTITUTO DO REFÚGIO E OS MECANISMOS PARA ASSEGURAR OS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS AOS HAITIANOS NO BRASIL ................. 40 4.1 O INSTITUTO DO REFÚGIO E A SUA ANÁLISE HISTÓRICA ................................. 40 4.2 O REFUGIADO ................................................................................................................. 44 4.2.1 A Obtenção do Status de Refugiado ................................................................................ 47 4.3 O INSTITUTO DE ASILO ................................................................................................ 48 4.4 O REFÚGIO E SUA RELAÇÃO COM O DIREITO INTERNACIONAL DOS DIREITOS HUMANOS ........................................................................................................... 51 4.5 A PROTEÇÃO DOS REFUGIADOS E A ACNUR ......................................................... 52 4.5.1 ACNUR – Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados .......................... 54 4.6 O INSTITUTODO REFÚGIO AMBIENTAL .................................................................. 55 4.7 A PROTEÇÃO NACIONAL AOS REFUGIADOS: OS MECANISMOS UTILIZADOS PELO ESTADO BRASILEIRO ............................................................................................... 58 4.7.1 O Estatuto dos Refugiados .............................................................................................. 61 4.7.2 CONARE ......................................................................................................................... 63 4.7.3 Visto permanente por razões humanitárias ...................................................................... 64 4.8 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS DO CAPÍTULO ............................................................ 65 5 CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 67 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 69 15 APÊNDICES ............................................................................................................................ 77 1 INTRODUÇÃO Os fundamentos dos Direitos Humanos, conforme o art. 1º da Declaração Universal de 1948 consiste na dignidade humana, considerada o preceito-matriz de todo o sistema global. Em outras palavras, é possível dizer que os direitos humanos são inerentes, ou seja, todo ser humano adquire-os simplesmente por existir como ser humano. O Haiti possui uma história impactante aos que a pesquisam. Foi o primeiro Estado a tornar-se independente nas Américas, sendo construído em sua maioria por negros. Apesar de ter sido um país com grande propensão ao sucesso, as longas batalhas internas que sucederam os anos da independência, somadas a longos períodos ditatoriais e vários conflitos, acabaram por reprimir seu povo, tornando-o calejado e sofrido. Após isto, várias foram as intervenções internacionais sofridas no Haiti, as quais o tornaram um país fraco, dependente e sem quaisquer condições, tanto econômicas, quanto políticas e sociais para o seu povo, tornando difícil a sobrevivência em território nacional, fazendo com que este ficasse sem a proteção que em regra, deveria ser exercida e garantida pelo Estado. Em meio ao caos instalado por conta da instabilidade política e da criminalidade existente, a história do Estado ficou marcada também pelos conflitos com os Direitos Humanos do seu povo, que ficou exposto à criminalidade que confrontava com as tropas que estavam no Estado com a responsabilidade de manter a paz. Desta forma, o povo se viu obrigado a conviver longe dos moldes considerados minimamente adequados para se viver com dignidade, tendo seus direitos humanos e fundamentais cada vez mais degradados em decorrência da situação na qual o Estado encontrava-se. Diante de tal situação e da violação permanente dos direitos humanos, percebe-se a necessidade do povo haitiano em buscar em outros países a garantia e positivação de seus direitos, violados e escassos em seu país de origem, havendo assim, uma crescente no que diz respeito à migração deste povo. O reconhecimento e a positivação do instituto do refúgio surgiu a partir da necessidade de proteger os civis atingidos de forma ou outra, pela Segunda Guerra Mundial. A partir daí, 17 houve sua evolução ao longo da história, com a criação de legislações e órgãos que buscavam garantir os direitos humanos daquelas pessoas que sofriam com a violação destes por parte de seu país de origem ou residência. A partir desta situação, sente-se a necessidade de entender melhor a questão dos direitos humanos, realizando pesquisa e análise do seu surgimento enquanto direito reconhecido e positivado pela comunidade internacional. Em decorrência dos fatos citados, faz-se uma análise histórica do Estado do Haiti, bem como da catástrofe ambiental ocorrida no país, para que se possam compreender melhor os motivos que levaram o povo haitiano a buscar o refúgio. Para tanto, a pesquisa divide-se em três capítulos. O primeiro, intitulado de Direitos Humanos e o Estado brasileiro, aborda a história dos direitos humanos, desde seu surgimento, passando pelo reconhecimento em âmbito internacional, fazendo uma análise também do surgimento e positivação destes no Brasil e em sua legislação. O segundo capítulo, O Haiti, apresenta uma pesquisa abrangendo toda a história do Haiti, desde a sua colonização até a ocorrência do terremoto que assolou o país em 2010, abordando as consequências que este desastre ambiental trouxe para o país, dentre elas, a busca do povo haitiano por refúgio em outros países, vez que, devido à, dentre outros fatores, o terremoto que assolou o país, seus direitos encontravam-se ainda mais violados. O terceiro e último capítulo, O instituto do refúgio e os mecanismos para assegurar os Direitos Humanos e fundamentais aos haitianos no Brasil, é mais extenso e complexo, abrangendo os institutos de refúgio e asilo para que se possa compreender sua diferenciação, fazendo uma análise da nova classe de refúgio que vem surgindo no âmbito internacional, qual seja o refúgio ambiental, fazendo por fim, uma análise da legislação brasileira acerca da proteção e positivação do instituto do refúgio, bem como os mecanismos adotados pelo Estado brasileiro para garantir os direitos dos refugiados haitianos, visto que pelo fato de o refúgio ambiental ainda não estar reconhecido pela comunidade e órgãos internacionais que tratam do assunto, estes não enquadrarem-se nos requisitos para a concessão do status de refugiado. 18 2 DIREITOS HUMANOS E O ESTADO BRASILEIRO O presente capítulo visa explicar o conceito dos direitos humanos, como surgiu e como se desenvolveu, no Brasil e no mundo, durante o passar dos anos até os dias atuais. É importante destacar que, conforme apontou Leite (2011) só se julgou necessária a criação de um dispositivo que regulasse os Direitos Humanos, a partir das barbáries acontecidas principalmente durante a Segunda Guerra Mundial, onde se constatou uma crescente no que tange ao desrespeito para com os direitos básicos e fundamentais da pessoa humana apenas por questões raciais, religiosas, sociais e etc. Assim, para que se possa entender o objetivo geral deste trabalho de pesquisa, se faz necessário um breve estudo sobre a História dos Direitos Humanos, para que se possa compreendê-lo atualmente. 2.1 DIREITOS HUMANOS E A HISTÓRIA Os Direitos Humanos são, de acordo com Filho (2014, p.697), as consequências de várias fontes, como os costumes de civilizações antigas, produção jusfilosófica e a disseminação do cristianismo. Nesta época, com base nestas fontes é que surgiu o conceito de dignidade humana, que na visão deles, era um valor espiritual inerente ao próprio homem. O autor dispõe ainda que, várias são as teorias que fundamentam os direitos humanos, destacando-se a jusnaturalista (ordem suprema e imutável), a positivista (criação do homem- lei) e a moralista (consciência moral do povo). Acerca do direito jusnaturalista, baseada nas lições Castilho (2010, p. 19) importa ressaltar que no início das civilizações, a doutrina dos direitos humanos, tinha como ordem um sistema de normas que não eram fixadas pelo Estado, qual seja o direito natural, que dependia de referências e valores éticos. Assim, para que se possa compreender o direito jusnaturalista, faz-se um comparativo entre as definições deste e do direito juspositivista, podendo-se dizer que o enquanto o direito natural definiria o que é justo por natureza, o chamado direito juspositivista o direito positivodefine o que é justo por lei. De acordo ainda com Filho (2014, p. 697) o fundamento dos Direitos Humanos, conforme o art. 1º da Declaração Universal de 1948 consiste na dignidade humana, que é 19 considerado o preceito-matriz de todo o sistema global. Assim, todo ser humano adquire tais direitos simplesmente por existir como tal (inerência). A dignidade humana, de acordo com as lições de Ingo Sarlet (2012, p. 38) surgiu no âmbito do pensamento jusnaturalista em meados dos séculos XVII e XVIII, onde enfim teve sua concepção aceita como ideia de direito jusnaturalista, passando por um processo de racionalização, muito embora se mantivesse a noção fundamental de que todos os homens são iguais em dignidade e liberdade. Já nas lições de Hobbes, percebe-se um conceito da dignidade humana, onde esta é reconhecida como os valores do indivíduo no contexto social, vinculando-se ao prestígio pessoal e dos cargos exercidos pelo indivíduo, sendo este, portanto, um valor atribuído pelo Estado e pelos seus demais membros a alguém da sociedade. Aqui, percebe-se que o pensamento de Hobbes não é humanitário, mas sim capitalista ao ponto em que se percebe que ele acredita que a dignidade significa o valor que o homem tem tal qual qualquer outra coisa, quanto mais importante para a sociedade maior valor possui em razão do uso do seu poder. Assim, para ele o valor não é absoluto, mas é algo que depende da necessidade e do julgamento das outras pessoas da sociedade, conforme dispôs em sua obra Leviatã (p. 54): “Um hábil condutor de soldados é de alto preço em tempo de guerra presente e iminente, mas não o é em tempos de paz”. Acerca da evolução do reconhecimento dos direitos humanos durante a evolução história, baseada nas lições de Castilho (2013), pode-se dizer que nem todos os direitos humanos foram reconhecidos, positivados e respeitados de uma só vez, em um único momento. Percebe-se o contrário disto, vez que o reconhecimento dos direitos humanos é fruto de um longo caminhar histórico, que ainda nos dias atuais, reconhecendo novos direitos humanos, adaptando outros, etc., sendo importante salientar aqui que os valores e princípios que inspiram o surgimento, desenvolvimento e reconhecimentos dos direitos humanos, estão ligados intimamente com a evolução da própria sociedade, pois sem esta evolução, não se percebem os novos direitos humanos surgindo, o que por sua vez, dificulta no reconhecimento destes. Castilho (2013, p. 40) afirmou ainda que os primeiros documentos históricos que davam conta de algumas garantias, ainda que básicas, de direitos humanos, datavam 1800 a.C., como é o caso do Código de Hamurábi, onde nele estava prevista a conhecida forma de dosimetria da pena, chamada de “lei de talião”, que representou o fim das penas arbitrárias, além da garantia de alguns direitos básicos como um salário mínimo por dia de trabalho, direitos a alimentos da mãe e filhos, entre outros. Porém, no que tange aos marcos históricos 20 acerca da formação dos direitos humanos, propriamente ditos, pelo mundo, a historia começou alguns anos mais tarde. Após o Código de Hamurábi, de acordo com Castilho (2013, p. 41), surgiu em 1.215 a Magna Carta Libertatum na Inglaterra, assinada pelo Rei conhecido como João Sem-Terra, sendo que no referido documento foram consignados alguns direitos dos súditos. Após isto, em 1.628, a Petition of Right na Inglaterra, representou avanços no que tange ao reconhecimento dos direitos humanos, transformando a monarquia absolutista em monarquia constitucionalista, instigando o que mais tarde viria a ser a Revolução Francesa. Já em 1.679, conforme dispôs Castilho (2013, p. 51), o povo, diante da guerra civil inglesa, ainda sentia a necessidade de uma proteção legal mais enérgica, para que pudesse impedir os chamados “desmandos das autoridades”. Assim, exigiu-se do Rei Carlos II que fosse promulgada a Lei do Habeas Corpus, a qual garantiria o fim das prisões indevidas e ilegais, resgatando uma prerrogativa de direitos humanos, sendo que esta lei, conforme a própria autora dispõe: “[...] tratava-se do direito da pessoa ilegalmente detida ser levada diante de um tribunal para que ali se decidisse a legalidade de sua detenção”. Na realidade, baseado nas lições acima citadas, e no que obra de autores como Castilho (2013) e Piovesan (2011) publicaram, em especial a obra de Castilho, percebe-se que muitas foram as leis que surgiram durante os anos, e cada uma delas, trazia uma nova necessidade de reconhecimento de direitos humanos, como os casos da Bill of Rights Inglesa em 1689; a Bill of Rights Americana em 1789. Foi a Primeira Declaração dos Direitos do Homem, segundo Castilho (2013, p. 58), a consequência do mais importante movimento histórico do mundo moderno, chamado Revolução Francesa, a qual tinha como tripé de princípios o lema: “Igualdade, Liberdade e Fraternidade”. Foram estes princípios que consolidaram a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, a qual foi promulgada pela Assembleia Nacional francesa, em 1.789. Ainda acerca da Declaração dos Direitos do Homem, baseada na obra de Castilho (2013), pode-se dizer que tal declaração estabeleceu novas reformar políticas, quais davam maiores direitos aos cidadãos, como o direito à liberdade e o tratamento igualitário perante a lei, direito este que seria alcançado através da tripartição dos poderes em três setores por assim dizer: Executivo, Legislativo e Judiciário, independentes entre si, de modo que um não pudesse intervir no outro. De acordo com Leite (2011, p. 10 e 11), A Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 surgiu como uma resposta emergente às várias barbáries contra a pessoa humana, acontecidas durante a Segunda Guerra Mundial, podendo citar como exemplos o 21 ataque Norte-Americano às cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, o qual provocou milhares de mortes de inocentes, mesmo após a guerra ter sido findada com a rendição do Japão; e ainda o fato de os nazistas enviarem para campos de concentração e matarem aproximadamente seis milhões de judeus, por pura intolerância. Assim, em 1945, após o fim da Guerra, a ONU (Organização das Nações Unidas) foi criada, com o objetivo principal de garantir a manutenção da paz entre as nações. A promulgação da Declaração ocorreu em 10 de Dezembro de 1948 através da Terceira Assembleia-Geral da ONU, por meio da Resolução nº 217, sendo nomeada como “Declaração Universal dos Direitos Humanos”. Atualmente a concepção dos Direitos Humanos segundo Castilho (2013, p. 13), no que tange ao âmbito internacional é de uma formulação recente, vez que a Declaração Universal dos Direitos Humanos fora estabelecida apenas em 1948, pouco tempo após a Segunda Guerra Mundial, momento em que a população mundial ficou horrorizada com as crueldades cometidas pelos Nazistas. Acerca dos direitos que se consideram fundamentais para a humanidade, baseada nas lições de Ricardo Castilho e também na leitura da Declaração Universal dos Direitos Humanos, pode-se facilmente perceber que os três primeiros artigos da referida Declaração sintetizam o que se considera, até mesmo nos dias atuais, direitos fundamentais para a humanidade, quais sejam os princípios de que todas as pessoas são livres e iguais em dignidade e direitos, de que estas são dotadas de razão e consciência e devem agir em relação umas às outras envoltas pelo espírito de fraternidade; que toda pessoa tem capacidade para gozar de seus direitos e liberdades estabelecidos na referida declaração, sem distinção qualquer de espécie (raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política, origem social, nacional, riqueza, etc.) e que toda pessoa tem direito à vida,à liberdade e à segurança social. Segundo o pensamento de Piovesan (2011, p. 167 e 168), os direitos humanos como reivindicações morais são fruto de um espaço simbólico de ação e luta social, numa busca incessante pela dignidade humana. Castilho (2013, p. 13) leciona que a Declaração Universal de 1948 foi ratificada pela Declaração dos Direitos Humanos de Viena, em 1993. Porém, a Declaração de Viena não foi apenas uma mera ratificação, vez que na verdade ela avançou em relação à Declaração Universal quando definiu como responsabilidades primordiais dos Governos a proteção e a promoção dos direitos humanos. Além disto, as normas de direito internacional de proteção dos direitos humanos declara que todas as pessoas devem ter protegidos seus direitos, independente de distinções entre nacionais e estrangeiros. Baseada nas lições de Norberto Bobbio (2004) pode-se destacar que os direitos 22 humanos nascem como direitos naturais universais, porém desenvolvem-se como direitos positivos particulares, o que acontece quando cada Constituição incorpora as suas Declarações de Direitos, para posterior e finalmente poder encontrar plena realização como direitos positivos universais. Analisando o pensamento de Oliveira (2015, p. 179), pode-se perceber que apesar de os direitos humanos serem inerentes ao homem, eles só são declarados como “Direitos Fundamentais”, quando inseridos em uma Constituição. Piovesan (2011, p. 168) destaca a ponderação de Norberto Bobbio, ao afirmar que acerca dos fundamentos dos direitos humanos, o maior problema deste tema não é a fundamentação, mas sim a proteção destes. Aqui, é importante notar que o Direito Internacional dos Direitos Humanos surge com o sentido maior de resguardar os valores da dignidade humana, quais são concebidos como fundamento principal dos direitos humanos. De acordo com Piovesan (2011, p. 169), os direitos humanos, que hoje se destacam como questão central no âmbito da proteção internacional, tiveram precedentes históricos ao longo dos anos, até chegar ao patamar atual. O longo caminho percorrido para chegar até a situação atual passou pela criação do Direito Humanitário, da Liga das Nações e da Organização Internacional do Trabalho, considerados como sendo os primeiros marcos para o processo de internacionalização dos direitos humanos. Para que se pudesse ser alcançado o cenário internacional para as garantias dos direitos humanos, foi preciso redefinir o âmbito e o alcance do conceito tradicional de soberania estatal, para que assim pudesse ser permitido o advento dos direitos humanos como questão de interesse internacional, transformando assim o indivíduo em um sujeito de Direito Internacional. Segundo Piovesan (2011, p. 169) baseada na definição de Thomas Buergenthal: “o Direito Humanitário constitui o componente de direitos humanos da lei da guerra (the human rights component of the law of war). 1” Ou seja, o direito humanitário, é o direito aplicado em hipóteses de guerra, com a finalidade de fixação de limites à atuação do Estado e assegurar que sejam primados os direitos fundamentais. Tal proteção se destina a militares postos fora de combate e a populações civis. Desta forma, o Direito Humanitário foi a primeira expressão de que mesmo nas hipóteses de conflitos armados, há limites à liberdade e à autonomia dos Estados, no plano internacional. Piovesan (2011, p. 170 e 171) dispõe também que, por sua vez, a liga das nações 1 Thomas Burgenthal, Internacional human rights, p. 14. 23 posteriormente, surgiu para reforçar a concepção dos Direitos Humanitários, reforçando a necessidade da relativização da soberania dos Estados. Assim, a Liga das Nações foi criada logo após a Primeira Guerra Mundial, tendo como finalidade principal promover a cooperação, a paz e a segurança internacional. Porém, a Convenção da Liga das Nações ainda tinha previsões bastante genéricas no que tange aos direitos humanos, voltando-se mais ao sistema de minorias e aos parâmetros internacionais do direito do trabalho, nos quais os Estados ficavam comprometidos em assegurar condições de trabalho mais justas e dignas para homens, mulheres e crianças, sendo que nos casos onde os Estados violassem suas obrigações, eram impostas sanções econômicas e militares a estes. Piovesan (2011, p. 171) destaca ainda, que juntamente com os Direitos Humanitários e com a Liga das Nações, a Organização Internacional do Trabalho também foi criada logo após a Primeira Guerra Mundial e também contribuiu para o processo de internacionalização dos direitos humanos, tendo como finalidade a promoção dos padrões de condições dignas de trabalho e bem-estar. Mesmo após o surgimento gradativo dos direitos humanos no cenário internacional, segundo Piovesan (2011, p. 175), a consolidação de fato do Direito Internacional dos Direitos Humanos se deu somente em meados do século XX, decorrente da Segunda Guerra Mundial, onde os Estados feriram gravemente os direitos humanos dos povos envolvidos na guerra. O doutrinador Oliveira (2015, p. 179) também lecionou que os homens só tomaram consciência da importância da proteção dos Direitos Humanos e da criação de órgãos e dispositivos legais que pudessem de fato garantir a proteção efetiva de tais direitos, após a Segunda Guerra Mundial, para que se pudesse garantir que os seres humanos não sofreriam mais atrocidades como as cometidas pelos nazistas contra os judeus e outros grupos de pessoas, sendo desta forma, criada a Organização das Nações Unidas e a declaração de inúmeros Documentos Internacionais de Direitos Humanos, dentre os quais, a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, dentre outros. Baseada nas lições de Piovesan APUD Thomas Buergenthal2 percebe-se claramente que o moderno Direito Internacional dos Direitos Humanos, foi um fenômeno pós-guerra, uma vez que seu desenvolvimento só ocorreu de fato após as várias barbáries e atos praticados na Era Hitler, as quais culminaram nas violações dos direitos humanos, bem como na certeza 2 Thomas Buergenthal, Internacional human rights, p. 17. 24 de que parte destas violações poderiam ser prevenidas se houvesse de fato um efetivo sistema de proteção internacional dos direitos humanos. Assim, Oliveira (2015, p. 182) esclarece que no tocante aos Direitos Humanos, há uma certa relativização do conceito de soberania, onde por exemplo, a soberania dos Estados não é um princípio absoluto, devendo estar sujeita a certas limitações em prol dos Direitos Humanos. Atualmente, os Direitos Humanos encontram proteção internacional através da proteção prevista nos Pactos e Convenções Internacionais da ONU (Organização das Nações Unidas). É desta forma, de acordo com Oliveira, (2015, p. 183) que ocorre a internacionalização dos Direitos Humanos, sendo expandida a proteção dos seres humanos através dos documentos internacionais e sistemas de proteção firmados entre os estados- membros da ONU, após as fatídicas ocorrências e consequências da Segunda Guerra Mundial. 2.2 O BRASIL NA COMPLEXIDADE DOS DIREITOS HUMANOS Conforme já fora citado no capítulo anterior, conforme as disposições do art. 1º da Declaração Universal de 1948, o fundamento básico dos direitos humanos sempre fora a dignidade da pessoa humana. Conforme as lições de Sarlet (2011, p. 49 e 50), torna-se difícil elaborar uma conceituação clara acerca do que efetivamente seja a dignidade humana, inclusive para os efeitos de definição no que concerne ao âmbito protecional enquanto norma jurídica fundamental, vezque há muito o que se falar e buscar acerca da questionável viabilidade de se alcançar algum conceito satisfatório do que é a dignidade humana nos dias atuais. A dificuldade em entender e conceituar a dignidade da pessoa humana decorre do fato de que muitas doutrinas usavam contornos vagos e imprecisos para conceituação desta, caracterizados principalmente pela sua ambiguidade e porosidade, conforme lecionou Sarlet (2011, p. 50), sendo que houve até alguns autores que apresentaram uma linha de raciocínio onde a dignidade da pessoa humana representaria o valor absoluto de cada ser humano, e que este não sendo indispensável, seria insubstituível. Aqui, se faz importante o destaque de que a dignidade não existe somente onde seja reconhecida pelo Direito e /ou na medida em que este a reconhece, mas a dignidade existe a partir da existência do ser humano, sendo este um direito inerente ao homem, independente do reconhecimento deste seu direito por parte do Estado no qual vive. 25 De acordo com dados expostos por Oliveira (2015, p. 183), dentre os tratados dos quais o Brasil faz parte no sistema global, estão: Carta das Nações Unidas, qual foi aberta à assinatura pela Conferência de São Francisco em 26/06/1945, assinada pelo Brasil em 21/09/1945, sendo aprovada em nosso país pelo Decreto-lei nº 7.935/75 e devidamente promulgado pelo Decreto nº 18.841/45. Declaração Universal dos Direitos Humanos: adotada e proclamada pela Resolução nº 217-A (III) da Assembleia-Geral das Nações Unidas em 10/12/1948 e assinada pelo Brasil na mesma ocasião; Convenção Relativa ao Estatuto dos Refugiados de 1951: fora convocada através da Resolução nº 429 (V) da Assembleia-Geral das Nações Unidas em 14/12/1950 e promulgada pelo Decreto nº 50.215/1961; Dentre outras mais, destacam-se as convenções que versam sobre eliminação de todas as formas de discriminação racial, discriminação contra mulheres, convenção dos direitos da criança, etc. Os Direitos Humanos vem sendo efetivados no Ordenamento Jurídico Brasileiro a partir do artigo 1º, III da Constituição Federal, o qual estabelece que um dos fundamentos da República Federativa do Brasil é a dignidade da pessoa humana, que visa assegurar meios mínimos para a existência de uma pessoa. Já em seu artigo 5º, § 2º, a Constituição Federal afirma que os direitos e garantias nela expressos através de seu texto legal “não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”, ou seja, não só o art. 1º garante a dignidade da pessoa humana como um dos direitos fundamentais do cidadão, como o seu artigo 2º vem para assegurar e enfatizar que, até mesmo os direitos constantes em acordos e pactos nos quais o Brasil seja signatário serão efetivamente assegurados pela Constituição. Muito embora alguns doutrinadores já entendessem que a Constituição atribuía aos direitos internacionais uma hierarquia especial de norma constitucional, no entendimento do Supremo Tribunal Federal este entendimento não prevalecia, ou seja, para o órgão, os Tratados Internacionais de Direitos Humanos eram considerados normas supralegais (acima das leis, mas abaixo da Constituição, na linha de pensamento da pirâmide da hierarquia), sendo que, este entendimento só fora alterado, a partir da Emenda Constitucional 45/2004, a qual incluiu o §3º no artigo 5º da Constituição Federal de 1988, o qual promoveu a constitucionalização dos tratados e convenções internacionais, conforme Oliveira (2015, p. 208), onde dispõe que se quisesse equipará-los às normas constitucionais, seria preciso a 26 aprovação do Congresso nacional, conforme dispôs o referido artigo: Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais. Assim, analisando todo o exposto acima, é perceptível o fato de que o Brasil absorveu muito bem os Direitos Humanos, incorporando seus tratados e convenções em seu ordenamento jurídico, passando assim, a garantir com mais efetividade a proteção dos direitos humanos dos seus cidadãos. 2.4 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS DO CAPÍTULO As garantias dos direitos humanos se consolidaram com o passar do tempo de forma mais efetiva, a partir da exposição de diversas figuras importantes para o mundo. A partir do pensamento de que de fato, todo homem tem direitos humanos e fundamentais inerentes à si, ou seja, efetivam esta garantia tão somente a partir do seu nascimento, é que a sociedade passa a buscar maneiras de certificar-se de que tais direitos, até então considerados não tão importantes, seriam positivados e cumpridos pelos Estados. A busca incessante pela efetivação dos direitos humanos dos cidadãos se dá até hoje, ainda que suas violações se deem de forma mais camuflada do que antigamente se apresentavam. Anseiam-se medidas que garantam a todo cidadão, de qualquer país do mundo, seus direitos humanos e fundamentais, e este tem sido o trabalho incansável de muitas organizações, como é o caso da ONU (Organização das Nações Unidas). 27 3 O HAITI Este capítulo incide em um estudo sobre o Estado do Haiti, de sua colonização até o desastre ambiental ocorrido em janeiro de 2010, para que assim seja possível compreender a crescente imigração que vem ocorrendo e os motivos pela busca do refúgio. Para tanto, analisar-se-ão os aspectos históricos desta nação, desde a situação política complexa que a história do Haiti nos apresenta até a complexidade dos acontecimentos quando do desastre ambiental ocorrido, o qual levou à degradação do meio ambiente sustentável e acarretando também na desvalorização dos direitos humanos. Todos estes aspectos embasados nos direitos internacionais que buscam a proteção dos direitos humanos e fundamentais destes refugiados. 3.1 O HAITI: Da colonização à independência O Haiti foi descoberto em meados de 1492 por Cristóvão Colombo e colonizado por espanhóis, o qual em princípio era chamado de Isla Hispaniola, é um Estado localizado nas ilhas do Caribe e é a primeira República negra fora do continente africano, de acordo com Borba (2014, p. 17), e conforme Paula, (2014, p. 12), o descobrimento da então chamada Isla Hispaniola não foge muito à história de muitos outros países da América, vez que fora Cristóvão Colombo em uma de suas muitas viagens em sua incansável busca pelas Índias, que descobriu a ilha que hoje é a nação do Haiti. Porém, conforme escreveram Borba (2014, p. 17) e Paula (2014, p. 13), o Haiti que até então era território da Espanha, teve território transferido para a França por volta de 1697, numa tentativa de tentar recuperar-se da crise assolava tais países que firmaram tal acordo, sendo que a partir daí a colônia começou a lutar contra a mão de obra escrava e o cultivo da cana-de-açúcar. O Haiti em seu princípio, antes da colonização, tinha como nativos índios, que foram escravizados e exterminados. Acerca disto, temos: Como procedimento comum na conquista das Américas os índios foram escravizados e passaram a servir seus senhores para o trabalho na produção de açúcar, café e cerâmica. Em 28 anos, devido aos conflitos entre nativos e espanhóis, a população nativa escravizada foi praticamente exterminada. 28 (PAULA, 2014, p. 12) Conforme o que escreveram Gorender (2004) e Borba (2014), o Estado do Haiti tinha um futuro promissor, sendo o pioneiro na conquista pela sua independência em 1804, após ter lutado bravamente pela abolição da escravidão esendo a colônia que mais obtinha lucro nas Américas no início do século XIX. Como destaca Paula (2014, p. 13), tal busca pela independência, iniciou-se com motivação no sistema autoritário e rígido instaurado pela burguesia branca e rica que predominava a sociedade, a qual era formada principalmente pelos proprietários e comerciantes de monocultura, sendo que a população pobre, a qual era formada principalmente por brancos pobres que tinham ofícios de baixa remuneração, como por exemplo, os professores e artesãos, funcionários da monarquia e os escravos em sua maioria, passaram a promover rebeliões frente às desigualdades sociais instauradas. Como destaca Matijascic (2010, p. 3) já no final do século XVIII ocorreram na região norte da colônia, revoltas de escravos, mas, conforme Chaves Jr., (2008, p. 57), a luta pela independência foi promovida efetiva e principalmente por Toussaint L’Overture, qual era um negro revolucionário, que teve como incentivo a revolução francesa e os ideais liberais daquela época, lutando por movimentos antiescravistas e anticolonialistas. Conforme Paula (2014, p. 13), a primeira manifestação de revolta dos escravos e mulatos, ocorreu em 1791, ato este que resultou na mobilização de aproximadamente 400 negros participantes de tal revolução, porém, a guarda nacional conseguiu controlar tal ato. Neste contexto, é importante destacar que o líder das principais revoluções de escravos, Toussaint L’Overture “foi declarado governador geral e propôs novas diretrizes para o Haiti, como por exemplo, a substituição de mão de obra escrava pelo trabalho remunerado e a quebra do monopólio Francês para ampliar suas vendas a outros países” (PAULA, 2014, p. 13). Ainda de acordo com Paula (2014, p. 13), em 1794 houve uma forte revolução dos escravos, que culminou na abolição da servidão, ano este em que a França passou a dominar toda a extensão da Ilha do Haiti, e foi em 1801 que o antes escravo e agora livre Toussaint L’Overture fora deposto e morto pelos franceses, sendo que “O desfecho da jornada de Toussaint L’Overture na Guerra da independência com prisão e morte marcou a história haitiana sendo considerada ‘universalmente’ como uma tragédia” (CHAVES JR., 2008, p. 57). Em 1803, segundo Paula (2014, p. 13) os franceses foram derrotados pelo exército 29 liderado por Jacques Dessalines, e em 1804 fora declarada a independência do Haiti e Dessalines proclamou-se Imperador. De acordo com Chaves (2008, p. 59), a revolução que inspirou e marcou a história do Haiti, também acarretou na fragmentação da então Ilha de São Domingos em duas unidades políticas totalmente distintas. Ainda de acordo com o autor supracitado, a parte leste do Estado só fora reincorporada ao Haiti em meados de 1820. Porém, em 1843 houve outra separação, a qual criou a República Dominicana como país independente, o qual conviveu ao longo dos anos com uma série de conflitos, acarretados principalmente pelas instabilidades do seu então Estado vizinho. Conforme Stochero (2008), mesmo com a independência alcançada, houve em 1915 uma ocupação militar dos Estados Unidos no Haiti, no mesmo ano em que os escândalos relacionados aos problemas que assolavam o Estado vieram à tona, ficando conhecidos por toda a comunidade internacional, sendo que só por volta de 1934, ou seja, 19 anos depois, é que o Haiti fora desocupado pelos Estados Unidos, contudo, a influência norte-americana era nítida em alguns aspectos, principalmente políticos. Stochero (2010), após tornar-se uma ilha independente, o Haiti acabou por sofrer com as constantes ditaduras, golpes de Estado, tendo vários protestos violentos, o que ocasionou em cada vez mais constantes intervenções da ONU (Organização das Nações Unidas). Com todos estes acontecimentos no Estado, este se desestabilizou, enfraquecendo socialmente, politicamente e principalmente economicamente, o que acarretou em anos de instabilidade e segurança para o povo. 3.2 A ERA DUVALIER: Uma ditadura de família Os resquícios de laços entre Estados Unidos e Haiti, de acordo com Borba (2014, p. 18) somente foram rompidos em 1956, quando este passou a ser governado por François Duvalier, médico, especializado em sociologia, cuja capacidade intelectual era altíssima, mais conhecido pela população como Papa Doc). Duvalier se autoproclamou presidente do país, e segundo Paula (2014, p. 14) seu governo teve como principal característica o extermínio da oposição e a perseguição da Igreja Católica, tendo permanecido no poder até 1971 de acordo com Borba (2014, p. 18) quando morreu por causas naturais e fora substituído por seu filho Jean-Claude, também chamado de 30 Baby Doc, percebendo-se um regime vitalício como forma de controle do Governo do Estado, instaurado por Papa Doc, ainda antes de sua morte, cujo regime teve apoio da elite econômica da época. De acordo com Borba (2014, p.18) e Stochero (2008), percebe-se que no período governado por Fraçois Duvalier, assim como no governo seguinte, liderado por seu filho Baby Doc, a consagração de um período de ditadura no governo do Haiti, decorrente dos moldes de repressão, regime de terror e grande sequência de assassinatos no país, ocorridos durante tal período. Grondin descreve o perfil desta família, responsável pela ditadura instaurada nestes longos anos: Uma breve descrição desta família e da forma de governar permitirá ilustrar a relação entra a cultura, poder e subdesenvolvimento, a importância da cor da pele para a formação dos grupos de poder, e a instrumentalização da cultura popular para o controle das massas e a legitimidade do poder. Aqui aparece uma diferença entre o “Papa Doc”, um mestre manipulador da cultura, que busca em outros fatores o apoio para a manutenção da sua ditadura. (GRONDIN, 1985, p. 43). Grondin (2008) destaca que Jean-Claude Duvalier, também conhecido como Baby Doc, cursava o segundo ano de direito seguiu os caminhos do pai no que tange ao poder frente à política do país, mesmo sem ter notoriamente o mesmo intelecto, profissionalismo e política de seu pai, mostrando que o cargo de presidência do país tinha característica vitalícia. Baby Doc ainda, sentindo necessidade de cercar-se de aliados em seu governo, deu os cargos de maior significância para sua família. A comunidade internacional, ao contrário do que acontecera na era de governo de Papa Doc, passou a observar com maior atenção e constância os acontecimentos no Estado Haitiano, que apresentava um grande número de imigrações e inúmeros desrespeitos com os direitos humanos (BORBA, 2014). Papa Doc, antes de sua morte, juntamente com seu filho Baby Doc, reescreveu a Constituição Haitiana, conferindo ao governo ainda mais poderes e garantindo ao presidente o direito de repressão à oposição, e ainda, na mesma Constituição “fora atribuída, genericamente, ao povo haitiano a denominação de “negros”, modo pelo qual toda a população haitiana seria reconhecida” (BORBA, 2014, p. 19). Foi somente em 1986 que a população se revoltou por se ver cada vez mais cidadãos descontentes com as desigualdades sociais que assolavam o país e seu povo, bem como com os métodos de repressão utilizados pelo governo de Baby Doc, momento em que este 31 abandona o país, buscando asilo na França (STOCHERO, 2012). Acerca deste momento de reviravolta na história do Haiti, Borba dispõe: Após 25 anos de exílio, em meio à instabilidade política enfrentada pelo Haiti é que Jean-Claude retorna ao país, é quando os casos de violação aos direitos humanos cometidos durante seu governo passam a ser relatados, conforme o Auto Comissariado da ONU para os Direitos Humanos (ACNUDH),torturas, estupros e assassinatos extrajudiciais são documentados pelos haitianos e organizações internacionais de direitos humanos na esperança de que a justiça feita. (BORBA, 2014, p. 19). Com o retorno de Jean-Claude Duvalier ao Haiti, em 28 de fevereiro de 2013 começou o seu julgamento, o qual reiterava o sentimento de que a justiça efetivamente garantiria que não mais ocorreriam as impunidades que ocorrera na era de seu mandato, sendo visto como um dos passos mais importantes dados pelo Estado do Haiti na busca pela garantia da dignidade e dos demais direitos humanos e fundamentais de seu povo. 3.3 UMA NOVA ERA POLÍTICA Neste novo cenário político do Haiti, após as derrubadas dos governos do poder através de golpes de Estado, um padre chamado Jean-Bertand Aristide, conhecido também por Titide ganhou destaque, conhecido por, dentre seus objetivos, a extinção do Exército. Tal padre, segundo Stochero (2010) foi considerado o único concorrente com maior possibilidade de concorrer contra a ditadura da família Duvalier, sendo que no final de 1990, finalmente tal fato se consagra, com a eleição de Titide como presidente. Muito embora tenha sido eleito após uma grande crise ditatorial e visto como a chance da mudança do país, Titide acabou por ser derrubado da presidência por um golpe de Estado em meados de setembro de 1991, golpe este liderado por Raoul Cedras e apoiado pela elite, sendo obrigado a procurar asilo nos Estados Unidos, de acordo com Chaves Jr. (2008). Acerca das consequências da derrubada de Titide do governo haitiano, BORBA apud. STOCHERO dispôs: Com a derrubada de Titide, cresce o número de imigrações e novamente uma onda de ataques assolam o país, que na busca por reestabelecimento recebe novas intervenções internacionais. No ano seguinte, o Haiti hospeda pela primeira vez uma missão de paz, com o objetivo de criar uma polícia local e modernizar as Forças Armadas, impor um embargo financeiro e militar, e ainda conduzir o ex-padre ao poder. (BORBA, 2014, p. 20, apud STOCHERO, 2010). 32 A partir da derrubada de Titide, de acordo com Borba (2014, p. 20) percebe-se nos anos seguintes o crescimento de uma grande crise política a surgir no Haiti, onde o Estado passa a sofrer frequentes intervenções das Nações Unidas, o povo passa a sofrer com a escassez de alimentos, produtos manufaturados, e intervenções internacionais, cujo principal foco era o Conselho de Segurança das Nações Unidas que “fortalece o bloqueio naval ao país o que afeta a estrutura social haitiana e impulsiona a busca pela imigração e refúgio como alternativa de sobrevivência” (CHAVES JR., 2008, p. 64). Acerca do caos instalado no cenário político do Haiti, tem-se: A situação permanece a mesma até meados de 1994, quando o presidente deposto denuncia a constante violação aos direitos humanos no país. Com isso o Haiti recebe mais uma vez uma missão de paz, conhecida por Missão Civil Internacional no Haiti (MICIVIH) 3 , que prevê monitorar as situações que desrespeitem os direitos humanos. Para Chaves Jr. (2008) as forças multinacionais intervém, em decorrência de uma reestruturação iminente da democracia, devido aos altos indicies de criminalidade e desordem política que o Estado enfrentava, tendo as forças multinacionais o objetivo maior a tentativa de reestabelecer o cumprimento da Constituição e respeito à democracia, promovendo uma nova eleição no país. Após as eleições realizadas em outubro de 1994, um dos aliados de Aristide, Rene Preval, assume a presidência com 88% dos votos, para assumir o governo pelo período de cinco anos (BORBA, 2014), contrariando o que todos esperavam, visto que o mais esperado como natural seria Aristide na disputa das eleições, as quais este ganharia. Porém, tal atitude seria um desrespeito à própria Constituição, desqualificando o processo de reconstrução democrática que pairava no país. Com a posse de Rene Preval, Aristide acabou por romper com o partido do governo então vigente, que até então, era seu partido também (CHAVES, 2008). De acordo com Chaves (2008, p.65) em 1997, após o rompimento de Aristide com o então presidente e seu partido, Titide cria um novo partido, nomeado de “Família Lavalas”, o qual ganharia as próximas eleições, mas seria impugnado sob fortes acusações de fraude e manipulação das eleições. 3 Missão Civil Internacional no Haiti, criada em fevereiro de 1993, a pedido do presidente Aristide, para observar a situação dos direitos humanos do Haiti. Foi a primeira ação conjunta entre a ONU e a Organização dos Estados Americanos (OEA). Em 1994, após o retorno da ordem constitucional a missão expande seus 33 Acerca deste vai e vem dos líderes no poder, Grondin diz que “[...] desde as lutas pela trabalhos para então fortalecer a ordem institucional e promover os direitos humanos. (BORBA, 2014, p. 20). 34 independência, sucederam-se no Haiti mais de 30 chefes de Estado, alterando-se, com quase completa regularidade, os representantes de cada setor” (1985, p. 40). A história parece se repetir no Estado do Haiti, e em decorrência de novas repressões e ondas de ataques violentos, uma nova eleição é marcada e com fortes acusações de novas fraudes, Aristide assume o poder em meio a reiterados flagrantes de desrespeito aos direitos humanos e com uma violência cada vez mais crescente. Em 2002, torna-se nítido o fato de que o Estado haitiano não consegue por si só controlar a estabilidade e o caos gerado no país. Porém, é somente em 2004 que Aristide renuncia ao poder, ficando exilado na África do Sul. (BORBA, 2014; apud STOCHERO, 2010). 3.4 UMA FORÇA PACIFICADORA NO HAITI O presidente interino após a renúncia de Aristide, Boniface Alexandre, ciente do caos evidente instaurado no Estado, aceita receber uma nova intervenção internacional, a Força Multinacional Interina (MIF) qual foi capitaneada por norte-americanos e canadenses, recebeu da ONU a difícil tarefa de manter a ordem no país (BORBA, 2014). De acordo com Chaves Jr. (2008, p. 68), com a MIF, o Conselho de Segurança das Nações Unidas aprova uma Resolução 4 para criar uma missão de estabilidade no Haiti, a qual seria denominada MINUSTAH (Missão de Estabilidade das Nações Unidas no Haiti), sendo esta a quinta missão formada desde 1993, com o intuito de estabilizar os ânimos no Estado haitiano. De acordo com Borba (2014, p.22) após o surgimento da MINUSTAH, o Brasil aceita liderar militarmente a operação, comandada pelo General Augusto Heleno Ribeiro Pereira, assumindo em 01 de julho de 2004 (PAULA, 2014, p.16), com o intuito de desempenhar um papel mais atuante na comunidade internacional, por ser membro do Conselho de Segurança. A Minustah foi criada sob os moldes da Carta da ONU 5 , contando com um efetivo de 6.700 4 Resolução 1.542 de 30 de abril de 2004, que afirma o compromisso com a soberania, a independência territorial, integridade e unidade do Haiti, lamentando todas as violações dos direitos humanos, especialmente contra a população civil, adotando as medidas necessárias para findar a impunidade, assegurar os direitos humanos, baseando-se em um Estado de Direito (BORBA, 2014, p. 21). 5 A Carta da ONU traz um capítulo específico com as normas relativas às missões de paz, o capítulo VII denominado “Ação relativa a ameaças à paz, ruptura da paz e atos de agressão”, serviu de base para as diretrizes da Minustah. 35 soldados e 1.622policiais. O batalhão brasileiro na Minustah é composto, conforme Stochero (2010, p. 40), por quatro Companhias de soldados da infantaria e um esquadrão, que é equipado com Urutus blindados. No que tange à manutenção da infantaria brasileira, o efetivo conta também com médicos, engenheiros, cozinheiros e demais profissionais, contando com um total de 225 militares da Marinha e um da Aeronáutica. Borba (2014, p.22) acerca da intervenção da Minustah no Estado haitiano, diz que esta age conforme manda as resoluções do Conselho de Segurança, cujo objetivo principal é, dentre outras coisas, a garantia de um ambiente social estável, a reestruturação da política haitiana, o desarmamento da população em geral e a proteção dos civis, apoiando e colaborando para a reestruturação da democracia existente no plano constitucional do Estado, para que assim, se possam realizar eleições livres, promovendo e protegendo os direitos humanos que ali deveriam existir. De acordo com Stochero (2010, p. 35), em meados de 2007 o Haiti passa por uma situação de “um país que parou no tempo”. O resultado de anos de intervenções, segundo Borba (2014, p. 22 e 23) e Paula (2014, p. 16) é de um Estado que está submetido aos reflexos históricos de pobreza e desigualdade social, que culminam em um Haiti totalmente deficitário, fragilizado, sem infraestrutura básica, ou seja, com muitos problemas socioeconômicos. Para ter-se ideia de quão atrasado o Haiti estava àquela época, quase não havia telefonia fixa, recolhimento de lixo, energia elétrica e água encanada, ou seja, não havia nem mesmo o mínimo para que se pudesse garantir a dignidade da pessoa humana, expondo os cidadãos a viver à mercê dos perigos de quem não se pode ter nem mesmo o básico para a sua sobrevivência de forma digna e saudável. Além disto, conforme Stochero (2010, p. 35) apenas 20% dos haitianos tinham acesso, àquela época, ao saneamento básico, serviço este considerado o mínimo para uma sobrevivência digna e saudável, vez que é sabido dos prejuízos à saúde que podem ocorrer convivendo junto a dejetos humanos, e etc. O retrocesso não para por ai, “[...] cerca de 80% dos haitianos dentre os 8,9 milhões de habitantes não tem emprego formal. A média etária é de 18 anos e a expectativa de vida, de apenas 57 anos, uma 36 das mais baixas do mundo” (STOCHERO, 2010, p. 35), sendo que pelo menos merade da população vive com cerca de menos de US$ 2 (dois dólares) por dia, e tem o nível de analfabetismo beirando a casa dos 53%. A atuação da Minustah durou 10 anos, até outubro de 2014, tendo papel significativo na diminuição dos índices de violência no Estado haitiano, devolvendo aos cidadãos tranquilidade, possibilitando de fato a reconstrução de uma vida com a garantia do mínimo de dignidade (BORBA, 2014, apud. STOCHERO, 2010), desenvolvendo um trabalho árduo e constante no combate à criminalidade generalizada, dissolvendo organizações criminosas e possibilitando que o povo haitiano pudesse voltar a andar livremente pelas ruas de seu país, as quais antes eram tomadas por gangues. Conforme Stochero “segundo os militares do Destacamento de Operações de Paz (DOPaz) a melhor recompensa, foi visível nos olhos do povo haitiano, que mostrou reconhecimento, respeito e gratidão aos militares, por devolverem aos Estado condições de vida digna” (STOCHERO, 2010). 3.5 DEPOIS DA CRISE, O TERREMOTO O ano de 2010 começou com a promessa de ser um ano decisivo no âmbito político para o Estado do Haiti, pois as eleições legislativas prometiam renovar um terço do Senado e da Câmara dos Deputados, marcadas para fevereiro e em novembro aconteceria a escolha do sucessor a presidência (BORBA, 2014). O que não se esperava é que em 12 de janeiro de 2010, por volta das 16h53m horário local (aproximadamente 18h53min no horário de Brasília), o Haiti seria atingido por um devastador terremoto que atingiu a magnitude de 7,0 graus na escala Richter (BORBA, 2014 apud. STOCHERO, 2010), e que, conforme dados da revista Veja, fora considerado o mais forte dos últimos 200 anos, causando extensos danos na economia e na infraestrutura do país, além de deixar um grande número de feridos, desabrigados e mortos. Dentre os vários edifícios que desabaram, está o palácio presidencial da capital Porto Príncipe (Paula, 2014, p. 17). Com este desastre natural assolando o país, o Haiti se via mais uma vez em uma situação de recomeço, numa época em que após a pacificação, começava a se reerguer, almejando o futuro promissor que sua história sempre buscou (BORBA, 2014). De acordo com o governo haitiano, o terremoto que assolou o país deixou cerca de 220 37 mil mortos (Borba, 2014, p. 24), dentre eles, além dos civis, 96 soldados das Nações Unidas, além de 20 militares brasileiros, “sendo que 18 militares atuavam na missão de paz, Luiz Carlos da Costa, a segunda maior autoridade civil da ONU no Haiti, e a fundadora da Pastoral da Criança, Zilda Arns” (PAULA, 2014, p. 17). Conforme Stochero (2010), o terremoto deixou ainda cerca de um milhão de desabrigados, além da preocupação com as gangues que haviam sido tiradas das ruas em 2008. A missão de paz em consequência do terremoto precisou recomeçar do zero (BORBA, 2014). A Minustah teria um longo e árduo trabalho pela frente, além de perder vários funcionários vítimas do terremoto, precisa refazer seu trabalho e prender os 4.300 criminosos que estavam de volta às ruas, depois de saquear as delegacias os criminosos estão armados e municiados 70% das habitações do Haiti e mais de quarenta delegacias foram destruídas. (BORBA, 2014, p. 24). De acordo com Paula (2014, p. 17), cerca de 70% dos prédios de Porto Príncipe foram destruídos, afetando a infraestrutura que já era precária, ficando ainda mais comprometida e dificultando nos serviços de ajuda humanitária e socorro aos feridos. Em 19 de janeiro de 2010, a resolução 1908 autorizou o aumento do componente militar da MINUSTAH para 8.940, apoiando o trabalho imediato de recuperação, reconstrução e estabilidade no Haiti (BORBA, 2014, p. 24). Sontag (2012) aponta que cerca de 7,5 bilhões tenham sido doados ao Haiti desde o ano de 2010. Mais da metade deste montante, havia sido aplicado em medidas emergenciais que tem alto custo, mas que não tem resultados a longo prazo, como compra de água, alimentos ou barracas de acampamento, por exemplo. A lenta reconstrução do país tem sido o mais recente capítulo de sua história, que ainda está sendo escrito. A população após o desastre natural, passou a migrar de seu país de origem com o objetivo de fugir desta realidade de sofrimento e pobreza, tentando reconstruir suas vidas em outras nações, e principalmente, tentando ajudar os familiares que tiveram que, por motivos diversos, ficar no Haiti, para que estes, aos poucos consigam se reconstruir, para quem sabe, em um futuro, se reencontrarem em seu país de origem (PAULA, 2014), sendo o principal destino da migração, o Brasil. Pouco mais de um ano depois da catástrofe, o Haiti, segundo Borba (2014, p. 26), ainda encontrava-se em situações bastante precárias. Nos anos seguintes, outros desastres naturais assolaram o Haiti, como a tempestade Isaac, o ciclone Sandy, longos períodos de seca, além de uma epidemia de cólera, a qual, segundo dados da ONU, até 2013 vitimou 38 quase 8 mil pessoas. As notícias da ONU dão conta que, mesmo um ano e meio após o desastre ambiental, o país ainda sofria com muitos desalojados, falta de saneamento básico e infraestrutura, o número de abusos contra mulheres aumentava, sem falar na instabilidade política que novamente assolava e preocupava o país, contribuindo no aumento dos níveis decriminalidade e insegurança (BORBA, 2014). As situações em que se encontravam as penitenciárias eram degradantes, os presos vivam total desrespeito com os direitos humanos (BORBA, 2014), conforme o Secretário- Geral Assistente da ONU para os Direitos Humanos, Ivan Somonovic, alertou que a reforma da polícia e do sistema de justiça estava muito atrasada, sendo que a Penitenciária Nacional estava em condições desumanas e degradantes. No ano de 2012, o Haiti é castigado pela seca e tempestades tropicais, sofrendo com a falta de alimentos, segundo informações do Escritório das Nações Unidas de Coordenação de Assuntos Humanitários, que mostrava os índices de desnutrição em alguns pontos do Haiti aumentando desde outubro de 2011, tendo a escassez de alimentos afetado sete das dez províncias do país, sendo que cerca de 82 mil crianças menores de cinco anos de idade estavam em estado de desnutrição. Apesar de todo o esforço na reconstrução do país, não há meios viáveis que possam garantir a proteção e cuidados especiais do povo, especialmente dos grupos vulneráveis, razão pela qual, muitos dos que sofrem com esta situação, buscam refúgio em outros países, na tentativa de melhorar suas condições de vida, e garantir o mínimo necessário para sua sobrevivência. As tropas da MINUSTAH permanecem desde 2004 em território haitiano, exercendo seu trabalho de manter e promover a paz e a segurança do país. O governo brasileiro previa a volta dos seus, hoje, 850 militares que estão na missão, porém ainda não havia data definida oficialmente. Porém, no dia 14 de outubro de 2015, o Conselho de Segurança das Nações Unidas decidiu prorrogar a atuação da missão por mais um ano no país, com data certa para sua partida: 15 de outubro de 2016, ocasião esta em que a ONU espera já haver novo presidente governando no país. A intenção da ONU com esta manobra é, durante este período de um ano, avaliar se, após o processo eleitoral e posse do novo presidente, haverá efetiva estabilidade em todo o território nacional haitiano, bem como avaliar a capacidade da polícia 39 nacional em assumir a segurança da nação, se fazendo assim, desnecessária a presença das tropas da MINUSTAH no Haiti. 6 3.6 CONSIDERAÇÕES PARCIAIS DO CAPÍTULO O Haiti é um Estado que começou escrevendo sua história em cima de um futuro promissor, quando conquistou sua independência. Porém, percebe-se que, após a conquista de sua independência, acaba caindo em ditaduras e opressões, que fazem mudar bruscamente os rumos de seu futuro, até então, promissor. Durante um longo período caracterizado pelos seus governos fracassados, o Haiti precisou conviver com seus direitos e dignidades devastados, antes mesmo do terremoto que assolou o país em 2010. Percebe-se no povo haitiano, a humildade e hombridade de quem, apesar de sofrer continuamente com as condições de vida precárias e a escassez de direitos humanos e fundamentais que o governo de seu país lhes impunha durante toda a sua história, não deixa de lutar por um país melhor, almejando dias melhores, em que, terão a devida proteção garantida por seu país. 6 Disponível em http://nacoesunidas.org/conselho-de-seguranca-da-onu-avalia-possivel-retirada-de-missao-de- paz-do-haiti/ - Acesso em 30/10/2015. 40 4 O INSTITUTO DO REFÚGIO E OS MECANISMOS PARA ASSEGURAR OS DIREITOS HUMANOS E FUNDAMENTAIS AOS HAITIANOS NO BRASIL Neste capítulo, tem-se por objetivo conceituar e analisar o instituto do refúgio, através de sua evolução histórica e as legislações que o garantem, confrontando com a legislação brasileira, para que assim, se possa verificar se o direito brasileiro está efetivamente assegurando os direitos humanos e fundamentais dos haitianos refugiados em nosso país, analisando ainda os institutos responsáveis por desenvolver trabalhos de proteção de tais garantias. Para tanto, faz-se necessário analisar os princípios do instituto do refúgio, bem como fazer um confronto entre este e o instituto do asilo, para que assim tenhamos mais clara a sua diferenciação, como o direito internacional e os direitos humanos se relacionam com o refúgio. Deste modo, será analisada a legislação brasileira e internacional, para que se possa entender de que modo os migrantes haitianos se encaixam no instituto do refúgio. Após esta analise sobre o que é o instituto do refúgio, faz-se uma analise na legislação brasileira para entender de que forma esta está efetivamente garantindo juridicamente os direitos dos refugiados haitianos em nosso país. Além da análise legislativa, faz-se necessária uma análise “operacional”, ou seja, além de leis, quais são os mecanismos adotados pelo Brasil para que se possa assegurar que os refugiados haitianos não sofrerão com a carência de direitos humanos e fundamentais, bem como que estes não sofrerão abuso dos seus direitos. 4.1 O INSTITUTO DO REFÚGIO E A SUA ANÁLISE HISTÓRICA O instituto do refúgio surgiu da necessidade de proteção às pessoas que foram forçadas, por motivos diversos, a fugir de seus países, sejam elas por serem vítimas de perseguições, terem privação de sua liberdade ou ainda por encontrar-se em perigo iminente de vida (BORBA, 2014), sendo necessário destacar também que segundo Jubilut (2012, p. 45) os elementos essenciais para a definição do refúgio são a perseguição, o bem fundado temor ou justo temor e a extraterritorialidade. 41 O refúgio surgiu ainda na Grécia Antiga, onde suas razões eram marcadas principalmente por caráter religioso, normalmente concedido em templos e seu principal motivo era a perseguição religiosa, comum àquela época (BARRETO, 2010). Na antiguidade, segundo Borba (2014, p. 33), o instituto do refúgio beneficiava mais o criminoso político, vez que a renúncia política poderia ser a causa de um caos generalizado, provocando as tão temidas e infindáveis guerras. Com o passar do tempo, de acordo com Barreto (2010), o instituto do refúgio perde a associação religiosa que até então havia, dando aos Estados a autonomia necessária acerca do assunto, passando a este o dever de garantir ao indivíduo a proteção dentro dos seus limites territoriais, sendo baseado na teoria da extraterritorialidade. A diferenciação entre a concessão de refúgio a criminosos deu-se após os ideais surgidos ainda na Revolução Francesa, sendo que, de acordo com Borba (2014, p. 33), enquanto aos criminosos políticos passou-se a aplicar o refúgio, aos criminosos comuns aplicava-se a extradição. Antes da Primeira Guerra Mundial, devido à crescente demanda de mão de obra, a questão dos refugiados não detinha atenção e importância internacional, uma vez que o espaço territorial de determinada nação era suficiente para recepcionar e dar conta da acolhida destas pessoas (SOARES, 2012). Ocorre que, com o passar do tempo, devido à crescente criminalidade e o avanço nos problemas populacionais, evidenciou-se no sistema de cooperação dos Estados soberanos, que estes não mais davam conta de receber criminosos comuns extraditados e garantir sua proteção, sendo necessário então, utilizar-se do refúgio, um instrumento internacional, para que se pudesse garantir a proteção do perseguido (BARRETO, 2010). Em razão da Primeira Guerra Mundial, os Estados que acolhiam a população de refugiados e deslocados, sentiram a necessidade de um sistema de identificação destes em relação aos demais cidadãos, pois nesta época já havia movimentação de aproximadamente 1,5 milhões de pessoas nesta situação de refúgio, sendo que a segurança interna dos países era posta em risco por conta do seu alto número de migrantes refugiados
Compartilhar