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Entrevista: Robert Hughes O guardião da arte O mais famoso especialista no assunto fala por que será sempre essencial voltar os olhos para os mestres do passado Marcelo Marthe australiano Robert Hughes, de 68 anos, é o mais conhecido crítico de arte vivo. Por três décadas, ele foi editor da revista americana Time. Dono de um estilo tão erudito quanto implacável, produziu ensaios brilhantes e também ficou famoso por destruir reputações. Entre o fim dos anos 90 e o início desta década, ele vi- veu um inferno pessoal. Em 1999, quase perdeu a vida numa colisão de carro em seu país. Além de enfrentar mais de vinte cirurgias e ficar três se- manas em coma, Hughes se viu às voltas com um processo sob a acusação de dirigir perigosamente. Foi absolvido, mas voltou à mira da Justiça aus- traliana por desancar os promotores do caso. Em 2001, outro baque: seu único filho, de 34 anos, cometeu suicídio. Recentemente, ele lançou o primeiro volume de suas memórias. E acaba de sair no Brasil, pela editora Companhia das Letras, o estudo que lançou em 2003 sobre o espanhol Francisco Goya (1746-1828). De Nova York, onde vive com a mulher, a pintora Doris Dow- nes, Hughes concedeu urna entrevista em que exalta os mestres do passado, condena o mercado de arte de hoje e fala sobre seu acidente. Veja — O senhor escreveu sobre assuntos tão variados quanto a arquitetura de Barcelona e a história da Austrália, mas o único artista ao qual devotou um livro individualmente foi Goya. Por que ele é tão especial? Hughes — Como todo grande artista, o primeiro dado essencial sobre Goya é que sua obra extrapola seu tempo. Por meio de sua trajetória e de suas ideias, pode-se entender melhor a história da Espanha e da Europa. Mas não só. Mais que qualquer outro pintor, Goya nos permite obter um conhecimento profundo da natureza dos sentimentos e da ideia de justiça, assim como de seus reversos, a injustiça e a crueldade. Nós vivemos num mundo de ironias ex- tremas e de paixões e agressões tão de- satinadas quanto as de que trata Goya. A loucura de que ele nos fala é uni- versal e atemporal. Apesar de repre- sentar tanto para a arte. ainda faltava uni livro que o alçasse à sua devida dimensão. Julguei que era uma tarefa importante fazê-lo. Veja — O senhor concebeu a obra quando se recuperava de um acidente de carro quase fatal que sofreu em seu país, a Austrália. De que forma isso o influenciou ? Hughes — Volta e meia, sou acometido por vívidas recordações daquilo que se passou em minha cabeça naqueles dias difíceis. Tive alucinações e sonhos ab- surdos. Se fosse um pintor, certamente teria vasto material para me inspirar. Eu renasci depois do acidente. Ele me le- vou a conhecer a experiência da dor. E O veja 25 de abril. 2007 11
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