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Marilena Chauí “Brasil atual fará 1964 parecer simples

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O Limpinho & Cheiroso é um blog independente e transparente, que tem a pretensão de
replicar as principais notícias publicadas em sítios confiáveis, além de dar seus pitacos.
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SDUHFHU�VLPSOHV�´
(https://novobloglimpinhoecheiroso.files.wordpress.com/2016/02/marilena_chaui05.jpg)
“Você conversa com alguém da direita e vê que ele é capaz de dizer quatro frases
contraditórias e sem perceber as contradições. Você conversa com alguém da extrema esquerda
e vê o totalitarismo que também opera com a ausência do pensamento. Então nós estamos
ensanduichados entre duas maneiras de recusar o pensamento.” Foto de Bob Sousa.
SOCIEDADE BRASILEIRA: VIOLÊNCIA E AUTORITARISMO POR TODOS OS LADOS
A  filósofa  Marilena  Chauí  analisa  a  situação  política  e  econômica  brasileira  e  comenta  a
ocupação das escolas paulistas.
Juvenal  Savian  Filho  e  Laís  Modelli,  via  Revista  Cult
(http://revistacult.uol.com.br/home/2016/02/sociedade‑brasileira‑violencia‑e‑autoritarismo‑
por‑todos‑os‑lados/), edição 209
Desde o  início dos anos 1980, Marilena Chauí  tem proposto  como chave de  leitura de nosso
país  a  ideia  de  que  a  sociedade  brasileira  é  autoritária  e  violenta.  Em  obras  como Cultura  e
democracia:  O  discurso  competente  e  outras  falas,  de  1981  (que  será  reeditado  em  seus Escritos,
publicados  pela  Editora  Autêntica),  a  filósofa  contraria  a  imagem  de  uma  cultura  nacional
pretensamente  formada pelo acolhimento recíproco e pela cordialidade,  revelando estruturas
enraizadas de hierarquização e de sedução pela autoridade.
Não se trata, porém, de considerar os brasileiros como individualmente violentos. Trata‑se de
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Não se trata, porém, de considerar os brasileiros como individualmente violentos. Trata‑se de
esclarecer as estruturas históricas que produzem uma vida social em que o espaço público e
republicano  é  minguado,  transferindo‑se  ao  Estado  o  papel  de  sujeito  da  cidadania  e
reproduzindo‑se, no cotidiano, relações de poder.
Essa  chave  de  leitura  permanece,  aos  olhos  de  Marilena  Chauí,  extremamente  atual  para
analisar o momento vivido pelo Brasil. Apesar dos percalços éticos, políticos e econômicos das
duas últimas décadas, o país tenta entrar na Modernidade, que exige necessariamente inclusão
social.  Essa mesma  inclusão,  no  entanto, desperta  resistência.  Se  os  auxílios  financeiros para
inserção  econômica,  distribuídos  por  países  como  Alemanha  e  França  às  populações  mais
pobres,  são  considerados  por  lá  sinais  de  desenvolvimento,  o  Bolsa  Família,  no  Brasil,  é
chamado  de  assistencialismo  e  de  estratégia  eleitoreira.  Se  a  ação  do  Estado  no  controle  do
mercado é vista como necessária em outras partes do mundo, aqui ela é chamada de “ameaça
comunista” e de inchaço da máquina pública.
O problema é que ainda não sabemos muito bem o que é o espaço público, porque não agimos
como sujeitos, transferindo a responsabilidade pela construção da cidadania aos aparelhos de
governo. Focamo‑nos nas salvações que podem vir do poder e não obrigamos o poder público
a representar de fato todos os setores sociais. O resultado dessa prática (ou ausência de prática)
é o fortalecimento da violência e do autoritarismo, que atualmente se intensificam nas formas
de  controle policial,  por  exemplo,  e  a  falta de pensamento no  jogo político  (não  somente de
direita, mas também de esquerda!).
Chamar  atenção  para  essa  dinâmica  perversa  é  o  que  faz Marilena Chauí  na  entrevista  que
concedeu à CULT.
CULT: Como a senhora vê a situação política vivida pelo Brasil hoje?
Marilena Chauí: É uma situação gravíssima. É gravíssima não por causa daquilo que a mídia
apresenta  como  falência  do  governo,  mas  pelo  movimento  conservador,  reacionário,  de
extrema direita e protofascista que está tomando conta da pauta política. Quando examinamos
os pontos da pauta política discutidos de outubro de 2015 até agora, vemos o poder dos grupos
dos “3B”: o boi, a bala e a Bíblia. É uma regressão sociopolítica fora do comum. É uma pauta
regressiva, antidemocrática, de violação de todos os direitos que foram conquistados ao longo
dos últimos quinze anos. Todo o fundo reacionário protofascista que existe no Brasil e que é
alimentado  pela  classe  média  urbana  brasileira  veio  à  tona  e  pegou  as  esquerdas
completamente  desprevenidas.  As  esquerdas  tinham  pautas  como  o  antineoliberalismo,  os
direitos, a questão da Palestina e do Oriente Médio, do surgimento do Estado Islâmico, enfim,
pautas  voltadas  aos  problemas  da  democracia  e  do  socialismo,  e  foi  pega  completamente
despreparada  por  uma  onda  de  extrema  direita  que  repôs  para  o  Brasil  os  tópicos  que
estiveram  em  vigência  no  início  dos  anos  1960.  É  uma  ameaça  de  golpe  para  reverter  o
processo de consolidação dos direitos sociais obtidos nos últimos anos e sustentada pela pauta
“boi, bala e Bíblia”. Aliás, a atuação de grupos religiosos é muito preocupante e vai além de
uma questão propriamente política, porque, apesar de se manifestar na representação política,
ela  é uma questão  socioeconômica:  é  a maneira  como as  igrejas  evangélicas  interiorizaram e
reformularam a concepção neoliberal.
CULT: Como se dá essa interiorização e reformulação evangélica da concepção neoliberal?
Marilena:  Uma  das  características  do  neoliberalismo  é  a  maneira  como  ele  concebe  o
indivíduo,  que  não  é  entendido  nem  como  parte  de  uma  classe  social,  nem  como  ser  em
formação que vai se relacionar com o restante da sociedade. O indivíduo não é pensado nem
como átomo nem como classe, mas como um investimento. Na medida em que um indivíduo é
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como átomo nem como classe, mas como um investimento. Na medida em que um indivíduo é
um  investimento,  o  salário  não  é  entendido  como  salário, mas  como provento,  como  renda.
Então, o ser humano é programado para ser rendoso e rentável. A família, a escola e o emprego
passam a ter por função a rentabilidade do indivíduo, porque ele é um investimento. As igrejas
evangélicas se apropriam desse ideário e o desenvolvem por meio de uma teologia – a teologia
da  prosperidade,  que  considera  cada  indivíduo  justamente  como  um  investimento  ou  uma
empresa.  Ele  não  é um empresário, mas uma  empresa,  e,  como  tal,  precisa de uma  série de
condições para  funcionar. Então as  igrejas, além de convencerem a pessoa de que ela nasceu
para vencer na vida e ser rentável, levam a ética calvinista ao máximo, explorando a crença de
que ser rentável é um sinal de salvação, porque é isso que Deus espera.
Como  se  sabe,  a  maior  parte  das  igrejas  evangélicas  possui  franquia.  Elas  se  espalham  no
campo  da  produção  e  do  comércio  e  empregam  todas  as  pessoas,  fazendo  com  que  elas
provem que Deus as escolheu e que são um investimento rendoso. Pouco a pouco, as pessoas
se apropriam da franquia; depois abrem outra e assim por diante. Há, portanto, um fenômeno
de fortalecimento da ideologia neoliberal e das concepções conservadoras da classe média por
meio da maneira como as igrejas evangélicas incorporam o neoliberalismo, com uma teologia
para isso. Se você  juntar o conservadorismo com o reacionarismoda classe média urbana e a
presença avassaladora das igrejas evangélicas, além de toda a discussão sobre a vida no campo
(a  reforma  agrária),  vai  entender  por  que  politicamente  se  exprime,  de  modo  efetivo,  nos
grupos do “boi, bala e Bíblia”, a pauta ultraconservadora que está aí.
A  minha  preocupação  é,  evidentemente,  por  um  lado,  denunciar  de  todas  as  maneiras
possíveis  a  tentativa  de  golpe.  Por  outro,  assegurar  que  governos  voltados  para  os  direitos
sociais (e, desse ponto de vista, com uma pauta antineoliberal) sejam garantidos. Ao lado disso,
a minha preocupação é com a sociedade, ou seja, com a ideologia. Depois de muito tempo, lá
retorno eu à questão da ideologia. É preciso refletir sobre como erguer um dique para impedir
a  entrada avassaladora da  ideologia neoliberal na  sua  forma  teológica. Estamos vivendo um
momento que vai fazer 1964 parecer uma coisa muito simples. 1964 estava inserido na Guerra
Fria, no poderio dos Estados Unidos sobre os países da América Latina. Por causa do exemplo
de  Cuba,  acreditava‑se  ser  possível  uma  revolução  socialista.  Os  componentes  eram  muito
óbvios. Havia uma clareza na compreensão do momento vivido. Agora não há clareza. Tudo é
muito difuso, muito opaco, obscuro, porque há fundo teológico.
CULT: A senhora acredita em um golpe militar?
Marilena: Está fora de questão.
CULT: O que pode acontecer?
Marilena: Se as coisas continuarem no ritmo em que estão e se o golpe dos 3B se concretizar,
haverá uma efervescência social enorme, porque todos aqueles cujos direitos foram garantidos
pelo  Estado  depois  da  era  militar  terão  esses  mesmos  direitos  cortados.  E  haverá  ameaças:
ameaça  no  campo,  ameaça  urbana,  uma  situação  de  vigilância  e  intimidação  em  todas  as
instituições.  Isso provocará  reação, uma  resposta  social  enorme. É um risco que o PSDB não
quer  correr  porque  ele  não  tem  condição  de  conter  essas  reações;  e  esse  risco  também  não
interessa  ao PMDB,  porque  o  partido  está  dividido.  Então,  no  fim das  contas,  as  forças  que
poderiam produzir um golpe não têm mais interesse que ele aconteça, porque a convulsão que
ele vai provocar, à direita e à esquerda, não pode ser controlada nem pelo PSDB e nem pelo
PMDB. Eles não têm quadros e condições institucionais para controlar convulsões sociais.
CULT: E o que daria as condições de governabilidade nesse possível contexto?
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CULT: E o que daria as condições de governabilidade nesse possível contexto?
Marilena: Se houver golpe, a prática será a pura intimidação e a violência. Aquilo que a gente
viu com os Atos Institucionais. Um Ato Institucional poderia concretizar, por meio da polícia –
já que o Exército não se misturará –, a intimidação e a violência.
CULT: Pensando na materialização da violência, que espaço resta ao diálogo nesse momento
condicionado à truculência?
Marilena: Nenhum. Vamos  tomar  o  caso de  São Paulo  como  exemplo. Há uma  coisa muito
interessante:  quase  ninguém  se  dá  conta  de  que  o  estado  de  São  Paulo  –  o  único  estado
realmente capitalista no Brasil, já que os outros são semicapitalistas – é governado desde o final
dos  anos  1980  por  um  único  partido  político.  Economicamente,  São  Paulo  é  um  estado
capitalista, mas politicamente é uma capitania hereditária. Parece haver um contrassenso entre
o conservadorismo político e o desenvolvimento econômico. Mas é só na aparência que isso é
contraditório,  porque  o  conservadorismo  político  é  a  base  de  sustentação  desse  tipo  de
desenvolvimento capitalista. Vejam o que acontece com o governador. Há o problema da água,
da luz, das escolas, da saúde – escândalos –, mas nada gruda no Geraldo Alckmin. Escorre. Isso
acontece  porque  ele  representa  o  tipo  de  poder  político  do  estado  de  São  Paulo:  forte  e
autoritário. A juventude sai às ruas e faz uma manifestação? Polícia nos jovens, bate neles! O
pessoal do transporte sai para se manifestar? Polícia neles, bate neles! Isso é referendado pela
sociedade  paulista,  não  só  a  paulistana,  que  está  de  acordo  e  espera  que  isso  seja  feito.
Esperaríamos uma reação profunda, mas não é o que acontece. Eu me lembro de ter visto pela
televisão estudantes algemados durante a ocupação das escolas. Eu disse, “Meu Deus, não se
algema estudante!”. Eles não só  foram algemados,  como  isso  foi dado pela mídia  como algo
natural; e pela sociedade, como uma coisa necessária.
Então nós temos a consagração, da maneira menos retórica possível, da violência estrutural da
sociedade brasileira. Não uma violência pontual, de modo que possamos falar em “ondas de
violência”. Não. Há uma violência  estruturante. É  a  estruturação violenta de uma  sociedade
hierárquica,  vertical,  oligárquica,  conservadora,  que  defende  os  privilégios  contra  qualquer
forma de direitos; é a mesma que dá a sustentação ideológica e política para a manifestação da
violência  governamental.  Essa  violência  governamental  é  a  expressão  da  violência  não  só
paulista e paulistana, mas brasileira, e é ela que legitima essas ações. Se consideramos todo o
ideário  da  burguesia  e  da  alta  classe  média  brasileira,  vemos  que  qualquer  contestação,
qualquer revolta é uma “crise”. A noção de crise está identificada por essa classe com a ideia de
desordem  e  perigo. Ora,  diante  da  desordem  e  do  perigo,  o  que  é  que  se  pede?  Repressão.
Cada  vez  que  há  uma  luta  por  direitos  contra  privilégios,  essa  luta  é  vista  como  violenta  e
precisa ser reprimida. Há, portanto, uma inversão ideológica fantástica no Brasil: a violência é
vista como ordem.
CULT: A senhora ainda acredita na desobediência civil?
Marilena: Eu acho necessária! Outro dia um colega me disse: “Marilena, você tem que levar em
conta  que  a  juventude  que  tinha  13,  14  anos  em  2000  só  conhece  o  PT  como  governo,  não
conhece a história do PT como movimento social e sindical, como presença contestadora e de
desobediência  civil  no  interior  da  ordem  brasileira”.  Isso  quer  dizer  que  a  figura  do  PT  se
apagou e sobrou somente esse pedaço, esse triste pedaço que é o PT no aparelho de Estado.
Seria  preciso  lembrar,  por  exemplo,  a  criação  do  Cedec  [Centro  de  Estudos  de  Cultura
Contemporânea]. Existia no Brasil o Cebrap [Centro Brasileiro de Análise e Planejamento], que era
dirigido pelo Fernando Henrique Cardoso. O Francisco Weffort, em 1976, disse que o Cebrap
era muito economicista e que precisávamos de um centro que pensasse as questões políticas e
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era muito economicista e que precisávamos de um centro que pensasse as questões políticas e
sociais.  Reunimo‑nos,  então,  o  Francisco  Weffort,  o  José  Guilhon  de  Albuquerque,  o  José
Álvaro Moisés, o Lúcio Kowarick e eu,  criamos o Cedec. A Sociologia,  a Ciência Política e a
História  explicavam  (e  ainda  explicam)  o  Brasil  sempre  a  partir  do  aparelho  de  Estado.  A
História  do  Brasil  era  contada  como  história  das  mudanças  no  aparelho  de  Estado  e  das
decisões  tomadas  pelo  Estado.  O  Estado  aparecia  como  o  sujeito  histórico,  político  e
econômico,  como  se  não  existisse  uma  sociedade  nem uma  luta  de  classes. O Cedec  propôs
inverter esse processo e lembrar que a sociedade brasileira existe, com os movimentos sociais e
populares. Era o momento em que surgia o Movimento dos Sem Terra, o movimento feminista,
o  movimento  sindical.  Os  movimentos  começavam  a  se  organizar;os  sindicatos  criam  as
comissões de  fábrica no ABC e  fazem as greves. É desse momento histórico que nasce o PT.
Nós surgimos da ideia de que a história do Brasil e a sociedade brasileira não são feitas pelo
aparelho  de  Estado  e  de  que  o  Estado  não  é  o  sujeito  social.  Existe  a  luta  de  classes  e  é  no
interior do conflito que se criam as bases da democracia. O PT se originou, então, de atos de
desobediência  civil. Mas  isso os  jovens não  sabem, porque  eles  só  conhecem o PT  como um
partido institucionalmente posto, envolvido nas questões do Estado e governamentais, como se
isso desse conta de toda a história do PT.
É  isso que permite entender  também por que  jovens de esquerda querem outras opções,  em
vez  de  ligar‑se  ao  PT.  Proliferam  os  pequenos  partidos  de  esquerda  porque  toda  a  história
social e política ficou encolhida nesses últimos 15 anos. Isso também explica o quanto nós do
PT  ficamos  despreparados  na  hora  em  que  surgiu  o  atual  golpe.  Imagine  o  PT  do  qual  eu
venho,  o  PT  dos  anos  1980  e  1990…  Ele  não  teria  aceitado  minimamente  aquilo  que  iria
desencadear  o  golpe.  Ele  nem  permitiria  que  isso  sequer  aflorasse.  Muito  do  que  estamos
vendo  em  termos  de  pauta  conservadora  na  política  está  ligado  ao  encolhimento  de  tudo
aquilo que representa uma pauta de esquerda.
CULT: A esquerda tornou‑se obediente?
Marilena: Sim, claro. O PT ficou desarmado no momento em que teria de tomar uma posição
pública  e  esclarecer  as  coisas.  Agora,  de  um  lado  temos  o  Eduardo  Cunha,  com  as  igrejas
evangélicas,  e, do outro,  o Alckmin,  com a Opus Dei. É demais da  conta! Eu venho de uma
tradição em que a grande aliança era sustentada pela Teologia da Libertação e as Comunidades
Eclesiais  de  Base.  Ver  os  cristãos  perdidos  entre  os  evangélicos  e  a  Opus  Dei  é  demais;  é
insuportável para a minha cabeça porque eu vi a outra experiência que o cristianismo é capaz
de ter e que teve na América Latina inteira.
CULT: A senhora interpreta a frase “Meu partido é meu país”, comum nas manifestações de
2013, como a manifestação de um desejo de algo novo ou como uma frase conservadora?
Marilena:  “Meu partido é meu país” é uma  frase nazista. Ela nasceu na  luta contra a  social‑
democracia, sobretudo quando o nazismo se opõe à República de Weimar e leva a pensar que
os partidos políticos roubam ou tomam para si as ações políticas que caberiam exclusivamente
ao  governante.  O  governante  aparece,  então,  como  o  chefe.  É  dele  que  deve  emanar,
transcendentemente,  toda  a  decisão  política.  Desse  ponto  de  vista,  se  os  partidos  políticos
usurpam uma função que não é deles, é preciso eliminá‑los. Daí a ideia de que “meu partido é
meu país”.
CULT: Falando de encolhimento da pauta de esquerda, como a senhora interpreta a ação de
setores  do  movimento  estudantil  que  consideram  os  docentes  como  inimigos  ou
representantes do capital? É delicado tocar nesse ponto, porque não se trata de ser contra o
movimento  estudantil.  Mas  entender  a  universidade  como  espaço  de  tensão  entre
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movimento  estudantil.  Mas  entender  a  universidade  como  espaço  de  tensão  entre
estudantes,  servidores  (técnicos)  e  docentes  não  é  também uma  forma  de  violência  ou  de
exclusão de diferenças?
Marilena: Há algo que marca com força a história da política de esquerda no Brasil: é o fato de
que,  periodicamente,  vindos  da  baixa  classe  média  ou  da  classe  média,  há  grupos  que  se
apropriam do marxismo e do leninismo e se apresentam como revolucionários. Na verdade, o
encolhimento  do  espaço  público  e  de  tudo  o  que  ele  representa  alimenta  pequenas  formas
privatizadas do pensamento de esquerda, dando origem a pequenos movimentos e pequenos
partidos. Não vou nomear nenhum deles, mas estou apontando para a origem deles, a maneira
pela  qual  eles  privatizam  um  ideário.  Isso  significa,  em  primeiro  lugar,  fazer  com  que  esse
ideário não apareça como um ideário em expansão, mas como um ideário de exclusão. Esses
partidos e movimentos se fecham sobre si mesmos, porque a condição de sobrevivência deles
está  na  recusa  de  qualquer  inclusão  e  de  qualquer  ampliação.  Eles  se  mantêm  pela  sua
pequeneza e pelo  fato de que eles excluem  tudo o que não  se  restrinja a uma pauta mínima
produzida  por  eles  mesmos.  É  uma  mescla  da  vulgata  marxista,  da  vulgata  leninista  e  do
stalinismo puro, simples e cru. É mais do que uma coisa reacionária, é uma vertente totalitária.
E  é  por  essa maneira  totalitária,  privatizada  e  excludente  de  se  organizar  que  esses  grupos
encaram todo o  restante como  inimigo que precisa  ser destruído. O outro não é  inimigo por
causa disso ou daquilo. Ele é inimigo porque simplesmente é outro. É a mesma lógica de Carl
Schmitt, incorporada por grupos pretensamente de esquerda.
CULT: A senhora sabe que um curso seu, de leitura rigorosa da Ética de Espinosa, seria hoje
considerado, em alguns contextos, como um trabalho burguês, não sabe?
Marilena: Eu sei!
CULT: Então, por que a cultura erudita ou o pensamento é associada por alguns movimentos
a uma prática burguesa?
Marilena:  O  pensamento  é  associado  à  prática  burguesa  porque  esses movimentos  operam
pela  ausência de pensamento. Estamos  em uma  situação  aterradora:  do  lado da direita  e da
esquerda  há  ausência  de  pensamento.  Você  conversa  com  alguém  da  direita  e  vê  que  ele  é
capaz de dizer quatro frases contraditórias e sem perceber as contradições. Você conversa com
alguém  da  extrema  esquerda  e  vê  o  totalitarismo  que  também  opera  com  a  ausência  do
pensamento.  Então  nós  estamos  ensanduichados  entre  duas  maneiras  de  recusar  o
pensamento. Lá onde o pensamento estiver se exercendo, ele receberá mil e um nomes, e como
para esse pessoal de esquerda xingar é chamar de burguês, eles tratam a cultura erudita como
coisa de burguês. Mas se você perguntar o que é a burguesia e o que é o capital, se pedir uma
explicação, verá que eles não sabem muita coisa; apenas repetem um chavão. Nesses grupos há
uma  coisa muito  parecida  com  o  que  acontece  nas  igrejas  evangélicas:  uma  teologia  e  uma
lavagem cerebral. É um esvaziamento de qualquer capacidade de pensamento. Não é por acaso
que dos dois lados o exercício da violência é igual, e vai da violência verbal à física, à exigência
de sangue. Quando o João Grandino Rodas foi reitor da USP e houve a segunda ocupação da
reitoria, nós, professores,  fomos negociar com os alunos e com a própria reitoria, e os alunos
finalmente  aceitaram  desocupar.  Veio  então  um  membro  desses  pequenos  partidos  de
esquerda  e disse:  “Ninguém  sai;  nós  queremos ver  sangue”.  Por  que  ele  queria  ver  sangue?
Porque ele achava que ganharia poder pela destruição física do outro – uma destruição que não
é nem política, nem social.
CULT: Há um encolhimento da capacidade humana de refletir e fazer escolhas ponderadas?
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CULT: Há um encolhimento da capacidade humana de refletir e fazer escolhas ponderadas?
Tanto do lado da polícia como do de certos grupos de esquerda…
Marilena: Eu entendo isso com Espinosa. O que há nos seres humanos? Há paixões. A maneira
como entendemos o mundo, a nós mesmos e aos outros é dada pela maneira como o mundo e
os  outros  nos  afetam.  Eles  causam  em  nós  a  sensação  de  perigo  ou  de  aumento  da  nossa
capacidade de viver. Se tudo o que se passa emmim é produzido pela maneira como o que está
fora age sobre mim, eu sou passiva e todos os meus sentimentos são apenas paixões: o amor, a
esperança, o ciúme, a misericórdia, a honra, a glória etc. O que eu sinto é pura e simplesmente
uma reação passiva ao que vem de fora.
Ao  contrário,  se  eu  tenho  força  interior  para  saber  que  eu  posso  ser  a  causa  dos  meus
sentimentos e, que se sinto raiva de você, não é por sua causa, mas por aquilo que eu sinto com
relação ao que eu penso a seu respeito, então me vejo como a causa da raiva que sinto por você,
em função do modo como eu penso em você ou percebo você. A partir do momento em que eu
sou capaz de me reconhecer como causa dos meus sentimentos, eu sou ativa e descubro que
não  tenho  de  responsabilizar  os  outros  por  aquilo  que  se  passa  em mim.  Se  eu  for  passiva,
nunca serei livre; tudo o que eu fizer será determinado pelo que os outros exigem de mim; e,
mesmo que eles não façam nenhuma exigência, eu sinto como uma exigência. Então só obedeço
ao que eu imagino que seja o desejo do outro. Ao contrário, se é o meu desejo que determina o
que eu vou fazer e como vou fazer, eu sou livre.
Dessa  perspectiva,  o  que  é  a  violência?  É  aquilo  que  se  passa  inteiramente  no  campo  das
paixões, porque é lá que os desejos entram em conflito. Se eu me entregar a elas, faço o meu
desejo  valer  destruindo  o  desejo  do  outro;  e  o  outro  faz  a mesma  coisa:  ele  acha  que,  para
existir,  deve  dobrar  o  meu  desejo,  deve  se  apropriar  de  mim  e  me  dominar  física  e
psicologicamente, pela manipulação dos desejos e sentimentos, pela  ideologia, por uma série
de manipulações sociais, amorosas etc. Pense no caso da violência policial: é a força física pura
e simples. Um policial não é capaz de tomar uma decisão em que ele enfrentaria uma ordem
recebida,  dizendo,  por  exemplo:  “Puxa  vida,  um  filho  meu  poderia  estar  entre  os
manifestantes…”. Mas  isso  não  acontece  só  porque  ele  recebeu  uma  ordem.  É  porque  essa
ordem constitui o modo como ele é, pensa e opera. Ele encarna essa ordem, é o portador dela e
opera  em um contexto de pura paixão. Essa  é uma análise puramente psicológica. É preciso
pensar  também  em  termos  sociais:  o  policial  encarna  a  repressão;  ele  a  realiza  em nome da
ordem,  da  paz  e  da  segurança.  Psicologicamente,  ele  não  é  capaz  de  deliberar  sobre  como
poderia agir diante de manifestantes que gritam por direitos e denunciam privilégios, porque
ele  é,  naquele  instante,  pura  paixão.  Social  e  institucionalmente,  ele  só  existe  como  policial
porque  recebe,  cumpre  ou  dá  uma  ordem.  A  polícia  existe,  então,  como  instituição  social
garantidora  de  determinados  privilégios  de  classe.  Trata‑se  do  embate  entre  o  direito  e  o
privilégio. Esse embate se realiza, na sociedade brasileira, por meio da violência.
CULT: A senhora diria que o movimento de ocupação das escolas foi um bom uso político
das paixões?
Marilena: Um excelente uso…
CULT: E que diferença a senhora vê entre esse movimento e o das ruas de 2013?
Marilena:  Em  2013,  o  movimento  foi  algo  inesperado.  Pouco  antes  das  manifestações,  eu
estava dando um seminário na faculdade e ouvi um tambor pelos corredores. Me falaram: “É o
movimento  do  Passe  Livre,  que  está  convocando  uma  reunião”.  Havia  só  uns  30,  40  gatos
pingados. Até que eles puseram nas redes sociais e aconteceu aquela movimentação toda. Mas
na primeira manifestação tinha de tudo. Era um evento com a motivação mais diversa possível.
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na primeira manifestação tinha de tudo. Era um evento com a motivação mais diversa possível.
Não  estou  dizendo  que  era  um  movimento  totalmente  despolitizado,  mas  que  tinha  um
pequeno conteúdo determinado pelo grupo do Passe Livre, ao qual se juntaram outras formas
de descontentamento. Foi estarrecedor ver que, na segunda manifestação, quando a juventude
começou a comemorar, levando bandeiras do PT, do PSTU, do PSOL, do movimento dos sem
teto,  apareceram  jovens  embrulhados  na  bandeira  do  Brasil,  atacando,  espancando  e
ensanguentando  os  manifestantes  de  esquerda.  Assim,  em  lugar  do  conflito  democrático,
passou‑se  ao  combate  violento  e  à  agressão  ao  adversário.  Mas  algo  curioso  aconteceu:
construiu‑se um sentido político para toda aquela movimentação. A própria mídia, que falava
dos “vândalos” das primeiras manifestações, depois passou a falar de “manifestantes”. Houve
uma  construção política de uma manifestação que não  existiu  realmente  como  algo político.
Ninguém prestou  atenção  nisso!  Eu  procurei  falar  do  assunto  e  fui  violentamente  agredida,
mesmo pela esquerda. Disseram que eu não tinha entendido o momento histórico. Mas fizeram
mais:  pegaram  a  afirmação  que  eu  fiz  sobre  o  caráter  fascista  dos  jovens  vestidos  com  a
bandeira e disseram que eu havia considerado todas as manifestações como fascistas. Na época
das eleições, o Fernando Gabeira chegou a escrever um artigo de uma página inteira no jornal
O  Globo  contra  mim,  afirmando  que,  na  minha  opinião,  a  presença  do  povo  na  rua  era
fascismo. O que eu tinha dito era: houve um momento fascista nessas manifestações e ninguém
está prestando atenção nisso. Aí,  quando  começaram os panelaços de  2015,  ficou  evidente o
que eu queria dizer. O que veio a seguir? Veio a demanda de retorno da ditadura, a presença
da TFP [Grupo de extrema direita intitulado Tradição, Família e Propriedade] e a afirmação da
pauta conservadora dos 3Bs.
CULT: Na verdade, em 2013, a  senhora previu, em entrevista à CULT, que no Brasil  iriam
acontecer panelaços parecidos com os da Argentina.
Marilena: Fui a única. Eu não sei por que as pessoas – algumas delas inclusive feridas por 1964
e  1968 muito mais  do  que  eu,  como o próprio Gabeira  –  não  se deram  conta do  que  estava
vindo. Não sei se eu conseguia ver porque presto muita atenção no Brasil como uma sociedade
violenta  e  autoritária… Não  sei  se  é por  isso, mas  eu  fiquei muito  surpresa ao perceber que
muita gente de esquerda não percebia o que estava se montando e que junho de 2013 não era
maio de 1968. Maio de 1968 foi a ocupação das escolas agora. Isso foi maio de 68.
CULT: Por quê?
Marilena: Porque, no caso da ocupação das escolas, há, em primeiro lugar, um movimento de
inclusão e ampliação. A marca dos movimentos realmente libertadores é sempre a inclusão e a
ampliação.  Em  segundo  lugar,  pelo  fato de  que  ele  foi  se  dando  à maneira do  que,  no meu
tempo,  se  conhecia  como  “greve  pipoca”.  Em  uma  fábrica,  por  exemplo,  às  seis  horas  da
manhã,  um  setor  para  por  40 minutos.  Durante  o  tempo  em  que  ele  parou,  outros  três  ou
quatro setores não conseguiram funcionar. Então, aquele primeiro setor volta a funcionar, mas,
daí, em outra ponta, outro setor para por 40 minutos. Tudo o que está em volta não funciona.
Assim,  sobretudo  quando  a  greve  era  proibida,  ia  pipocando  paralisação,  de  modo  que  as
instituições (uma fábrica, uma escola etc.), mesmo sem parar, ficavam inteirinhas paralisadas.
Nos lugares estratégicos pipocava a paralisação. Foi assim que a ocupação das escolas seguiu o
princípio da greve pipoca. Quando os administradores da educação achavam que iam resolver
a ocupação de uma escola, começava na outra; quando eles iam resolver nessa outra, começava
em outra. Ou seja, ela foi pipocando até o instante em que parou tudo.
Além disso,  a maior diferença  entre  a ocupação das  escolas  e  o movimento de  2013  é que  a
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Além disso,  a maior diferença  entre  a ocupação das  escolas  e  o movimento de  2013  é que  a
paralisação aconteceu no interior de uma instituição pública e social para a garantia do caráter
público dessa instituição. Não foi um evento em favor disso ou daquilo; foi uma ação coletiva
de  afirmação de princípios políticos  e  sociais. Os dois  grandes princípios  foram, primeiro,  o
princípio republicano da educação – a educação é pública; segundo, o princípio democrático da
educação – a educação é um direito. A ação dos estudantes e professores foi  tão significativa
porque eles disseram: “O espaço da escola é nosso. Somos nós, alunos e professores, que somos
a  escola”.  Então,  foi  a  “integração  de  posse”  das  escolas  pelos  alunos  e  professores.  É
gigantesco  o  fato  de  alguém  no  Brasil  pensar  que  algo  público  é  nosso!  É  diferente  das
ocupações de reitorias, em que os estudantes dizem: “Nós somos contra isso que o reitor fez…”
Agora, os estudantes disseram: “Esse lugar, essa instituição é pública; ela é nossa e não vamos
sair daqui”. Eles se posicionaram contra algo típico do neoliberalismo – posto em prática, sob
certos  aspectos,  no  decorrer  da  Ditadura  e,  depois,  explicitamente  nos  governos  Fernando
Henrique  Cardoso:  a  ideia  de  que  um  direito  social  e  político  é  aquilo  que  pode  ser
transformado em serviço e comprado no mercado. As pessoas falam das privatizações como se
elas  fossem  apenas  a  da  Vale  e  das  grandes  empresas…  É  isso  também,  mas  o  núcleo  da
privatização está em outro lugar, está na transformação de um direito social em serviço que se
compra e vende no mercado. Isso foi feito com a educação, com a saúde, com o transporte, com
todos os direitos sociais. E, em São Paulo, com grandes baterias,  isso  foi  feito. Os estudantes
mostraram que a escola pública não é mercadoria; fizeram uma ação republicana e democrática
de um alcance incrível. Eu só vi algo parecido, em termos de configuração social no Brasil, nas
greves  de  1978  e  1979  no  ABC.  Por  quê?  Não  pela  repercussão,  mas  pelo  sentido  que  elas
tiveram.
Pensem  no  fato  de  que,  durante  as  ocupações,  só  foram  chamados  para  dar  entrevistas
cientistas políticos, sociólogos, historiadores, mas nenhum professor ou estudante das escolas
ocupadas! Nenhum professor ou estudante foi considerado capaz de explicar o que se passava.
Só  se ouviu gente que estava  fora das  salas de aula e que vinha explicar  falando disparates.
Quando  a  mídia  entrevistava  algum  estudante,  só  perguntava  coisas  do  tipo:  “O  que  você
sente?  Do  que  você  gosta  e  não  gosta?  O  que  você  quer?”.  Ou  seja,  ficava  no  nível  puro  e
simples do sentimento, não do pensamento. Apesar disso, a palavra deles chegou à sociedade
por  outras  vias;  e  isso  mostra  o  tamanho  da  ação  que  eles  realizaram.  Houve  uma
solidariedade que há muitos e muitos anos não se via no estado de São Paulo inteiro. Por fim,
as ocupações deixaram claro o motivo de fechar as escolas. Em um país como o nosso, não se
fecha escola; se abre. Mas o governador de São Paulo queria os terrenos para uma exploração
imobiliária gigantesca. E para fazer o quê? Para fazer fundo de campanha. É claro que agora o
Geraldo Alckmin vai tentar fragmentar tudo e implantar devagarzinho o seu projeto. Hoje essa
escola,  amanhã  aquela.  Não  sei  se  ele  vai  conseguir,  mas  vai  tentar.  Como  o  Ensino
Fundamental é praticamente todo municipal, o Ensino Médio é estadual e, de um modo geral,
o  Ensino  Universitário  é  responsabilidade  federal,  essas  instâncias  operam  de  modo
fragmentado; e isso permite tentativas de reestruturação como as de São Paulo e de Goiás. De
todo modo, os estudantes  revelaram que a  ideia de  fechar uma escola não significava  fechar
uma escola, significava vender um terreno. Portanto, eles denunciaram o caráter corrupto da
suposta política de reestruturação escolar.
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(https://novobloglimpinhoecheiroso.files.wordpress.com/2016/02/marilena_chaui04.jpg)
“A ação dos estudantes e professores foi tão significativa porque eles disseram: ‘O espaço da
escola é nosso. Somos nós, alunos e professores, que somos a escola’. ” Foto de Bob Sousa.
CULT: Como a senhora vê o atual momento da economia brasileira?
Marilena: No primeiro ministério montado pela presidente Dilma, enfatizou‑se, por um lado, a
crise  internacional em que o elemento financeiro é decisivo, e, por outro, o  fato de haver, no
Brasil, uma disputa entre a indústria, o comércio e o setor agrário. A Dilma pôs representantes
desses setores no governo e deu a eles a responsabilidade de resolver o conflito. Um banqueiro
junto com o agronegócio. Eles não resolveram. Não sei se a presidente foi maquiaveliana, mas
ela parecia prever que eles fracassariam e que o fracasso mostraria para onde o barco deve ir.
Então, o que ela está  fazendo agora? Ao chamar o principal assessor do Guido Mantega, ela
sinaliza claramente que vai retomar a política de desenvolvimento e crescimento econômico, a
começar pelo aumento do salário mínimo.
É  claro  que  há  uma  crise  internacional  gigantesca  e  que  vai  pegar  os membros  do  BRIC.  Já
pegou a China,  está pegando a  Índia;  a  situação vai  complicar. Mas, de  todo modo, a opção
agora é a do desenvolvimento. Sem desenvolvimento e crescimento não se faz, efetivamente, a
política dos programas sociais. Se não há mudança no mercado de trabalho com aumento do
emprego e da escolaridade, a manutenção dos programas sociais vira assistência.
CULT: Como a senhora entende a crítica da classe média alta e de alguns economistas que
afirmam ser o Brasil um país protecionista e que faz pouco investimento?
Marilena: O grito contra o protecionismo é o grito da direita. São os republicanos nos EUA, o
Le Pen na França, o pessoal da Alemanha. O que eles entendem pôr fim do protecionismo? Um
“liberou  geral”,  um  capitalismo  “adulto”.  A  ideia  de  que  o  Estado  intervenha  é  o  que  eles
chamam de protecionismo. Mas se o Estado não  limitar a ação do capital,  cai‑se na barbárie.
Com  relação  ao  investimento,  a  gente  sabe  que  o  Estado  brasileiro  investe.  Há  dados
inacreditáveis. Na verdade, não são inacreditáveis se conhecermos bem a burguesia brasileira.
Vejam: o BNDES liberou todos os recursos possíveis para os empresários brasileiros, mas eles
não investiram; eles puseram tudo nos bancos, nas ilhas Cayman, em Miami, onde quiseram.
Em vez de investir no país, o dinheiro do BNDES foi parar no setor financeiro fora do Brasil. E
daí  se diz que o país não  investe! Eu adoro  a burguesia brasileira. Quando ela disse  “quero
café”, foi ótimo. No mundo inteiro, quem vai plantar café constrói estrada de ferro para levar o
café  até  os  pontos  de  distribuição.  Aqui  no  Brasil,  porém,  é  o  Estado  que  tem  de  construir
estradas de ferro. A burguesia só plantava o café. Se ela precisa de porto, no mundo inteiro ela
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estradas de ferro. A burguesia só plantava o café. Se ela precisa de porto, no mundo inteiro ela
constrói portos. Aqui não. É o Estado que tem de construir o porto para a burguesia mandar o
café.  A  burguesia  quer  industrializar,  mas  é  o  Estado  que  tem  de  fornecer  eletricidade.  A
burguesia brasileira mama nas  tetas do Estado desde que  ela nasceu. E  tem a ousadia de  se
colocar contra os programas sociais, quando ela depena o Estado sistematicamente.
CULT: Recentemente, a senhora afirmou que o Bolsa Família fez pelas mulheres o que seisdécadas de feminismo no mundo não conseguiu…
Marilena: Esses dados estão consagrados em um livro feito pela Walquíria Leão Rego sobre o
Bolsa  Família  [Bolsa  Família:  autonomia,  dinheiro  e  cidadania,  em  coautoria  com  Alessandro
Pinzani, Editora da Unesp]. O que ela mostrou? Primeira  coisa:  como o dinheiro vai para as
mulheres,  elas  foram  transformadas  em  chefes  de  família. Na  tradição  brasileira,  o  dinheiro
costuma ir para o homem, e só uma parte vai para a família; a outra parte vai para os gastos
pessoais dele. Com o Bolsa Família, quebra‑se o monopólio masculino sobre a administração
da  casa.  Em  segundo  lugar,  as mulheres  passaram  a  cuidar mais  de  si mesmas.  Juntando  o
dinheiro  do  Bolsa  Família  com  os  serviços  do  SUS,  por  exemplo,  elas  fizeram  diminuir  o
número de doenças  femininas. Finalmente, elas  têm participado mais de atividades públicas,
filiaram‑se  a  movimentos  sociais  e  criaram  cooperativas.  Há  uma  quantidade  enorme  de
cooperativas criadas pelas mulheres com o que sobra do uso do dinheiro do Bolsa Família.
CULT: Qual seria o papel do Estado na promoção da igualdade e dos direitos das mulheres?
Marilena: A  função  do  Estado  não  é  a  de  promover.  Ele  tem  de  reconhecer  os  direitos  das
mulheres  e  decretá‑los.  Sua  função  é  consignar  na  lei,  institucionalmente,  aquilo  que  os
movimentos das mulheres exigem e produzem, mas essa ação é social. A política se  faz pela
sociedade. O Estado brasileiro precisa parar de agir como se não houvesse uma sociedade. A
ele  cabe  salvaguardar  tudo  o  que  há  de  republicano  e  democrático  nas  ações  políticas  da
própria sociedade. Mais do que promover, o Estado tem de garantir.
Juvenal Savian Filho é professor de História da Filosofia da Unifesp; e Laís Modelli é repórter
da revista CULT.
Leia também:
● Coletânea de textos: FHC, o vendilhão da Pátria (http://wp.me/p2vU7H‑69j)
● Coletânea de textos: Lula, o melhor presidente da história do Brasil
(http://limpinhoecheiroso.com/2015/10/23/coletanea‑de‑textos‑lula‑o‑melhor‑presidente‑da‑
historia‑do‑brasil/)
● Coletânea de textos: Dilma, a guerreira do povo brasileiro
(http://limpinhoecheiroso.com/2015/10/23/coletanea‑de‑textos‑dilma‑a‑guerreira‑do‑povo‑
brasileiro/)
● Coletânea de textos: Zelotes, Mais Médicos, Bolsa Família, SUS, BNDES, ONU
(http://limpinhoecheiroso.com/2016/01/02/coletanea‑de‑textos‑mais‑medicos‑bolsa‑familia‑
sus‑bndes‑onu‑e‑o‑brasil‑real/)
● Coletânea de textos: Lista de Furnas, Mariana, Aécio Neves e o brilho de sua carreira
(http://wp.me/p2vU7H‑69f)
● Coletânea de textos: Alckmin e sua mediocridade (http://wp.me/p2vU7H‑69n)
● Coletânea de textos: Trensalão tucano e a grande quadrilha (http://wp.me/p2vU7H‑69z)
● Coletânea de textos: José Serra, o Zezinho entreguista
(http://limpinhoecheiroso.com/2015/10/15/coletanea‑de‑textos‑jose‑serra‑o‑zezinho‑
entreguista/)
● Coletânea de textos: O início do fim da era plim‑plim (http://wp.me/p2vU7H‑69Q)
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● Coletânea de textos: O início do fim da era plim‑plim (http://wp.me/p2vU7H‑69Q)
● Coletânea de textos: A mídia como ela é… golpista e manipuladora
(http://limpinhoecheiroso.com/2016/01/02/coletanea‑de‑textos‑a‑midia‑como‑ela‑e‑golpista‑e‑
manipuladora/)
● Coletânea de textos: Por que a justiça não rela no Perrella? (http://wp.me/p2vU7H‑69V)
● Coletânea de textos: Prefeito Fernando Haddad enfrenta a máfia demotucana
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● Coletânea de textos: O que você precisa saber para não ter saudade da ditadura civil‑
militar (http://limpinhoecheiroso.com/2014/04/16/coletanea‑de‑textos‑o‑que‑voce‑precisa‑
saber‑para‑nao‑ter‑saudade‑da‑ditadura‑civil‑militar/)
● Coletânea de textos: Joaquim Barbosa, o ex‑menino pobre que mudou (pra pior) o Brasil
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República do Paraná (http://wp.me/p2vU7H‑69a)
● Coletânea de textos: Sonegação é crime, estúpido!
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geral‑do‑retrocesso/)
● Coletânea de textos: O nome é Petrobras e não Petrobrax, estúpido! (http://wp.me/p2vU7H‑
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● Coletânea de textos: Quem tem Cunha, tem medo
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(http://limpinhoecheiroso.com/2014/04/15/coletanea‑de‑textos‑brasil‑cuba‑e‑america‑latina/)
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(http://limpinhoecheiroso.com/2014/10/23/coletanea‑470‑textos‑que‑farao‑voce‑pensar‑13‑
vezes‑antes‑de‑votar‑em‑qualquer‑tucano/)
● Coletânea de textos: Os coxinhas marchadores, o fascismo e o impítiman
(http://limpinhoecheiroso.com/2016/01/02/coletanea‑de‑textos‑os‑coxinhas‑marchadores‑o‑
fascismo‑e‑o‑impitiman/)
● Coletânea de textos: Doutor Sérgio Moro e sua Operação Lava‑Jato
(http://limpinhoecheiroso.com/2016/01/02/coletanea‑de‑textos‑doutor‑sergio‑moro‑e‑sua‑
operacao‑lava‑jato/)
● Coletânea de textos: Temas internacionais e EUA são a verdadeira ameaça à paz mundial
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a‑paz‑mundial/)
● Coletânea de textos: O Judiciário brasileiro, que serve só à elite, é caro e ineficiente
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serve‑so‑a‑elite‑e‑caro‑e‑ineficiente/)
● Coletânea de textos: Eduardo Campos, o socialista de araque (http://wp.me/p2vU7H‑69t)
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John Jahnes Says: 
23 de fevereiro de 2016 às 9:30
E o doutor MORO continua sendo a salvação da lavoura tucana. Foi só aparecer e alastrar
na midia as verdades sobre seu político favorito, o Fernando Henrique Dutyfree Cardoso,
que  ele  lançou  a  bóia  de  salvação  do  afogado,  a  OPERAÇÃO  ACARAJÉ,  que  tirou  o
corrupto tucano das manchetes e colocou novamente Lula rumo à cadeia do MORO. (Será
que o Moro tem alguma doença mental que o faz perseguir o LULA?)
O FHDUTYFREE saiu das mídia e MORO colocou o LULA novamente em destaque.
A Fazenda de 20 dólares do FHC em MG, nunca incomodou o Moro?
O maior  escândalo de  lavagem de dinheiro do Brasil,  o BANESTADO, não  incomodou o
MORO, mesmo ele tendo participado das investigações?
Os dois apartamentos que FHDUTYFREE “comprou” em Higidnópolis, um dele e um da
namorada, não incomoda o MORO e nem causa desconfiança?
O apartamento em Paris numa das ruas mais caras do mundo, não incomoda o MORO?
A a empresa agropecuária de Fernando DUTYFREE, na cidade de OSASCO, que não tem
área rural, não incomoda o MORO?
A delação de que deram 100 mil dolares para FHC, não preocupou o Dr. MORO?
A DUTYFREE e sua relação espúria com o FHC não incomoda o MORO?
TEM, Ô SE TEM, TEM COISA AÍ.
Eliane Barroso Says: 
23 de fevereiro de 2016 às 9:02
Perfeito!
O tema Kubrick. Blog no WordPress.com. 
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