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Trabalho de antropologia do Corpo

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Universidade Federal do Espírito Santo
Centro de Ciências Humanas e naturais
Departamento de Ciências Sociais
Antropologia do Corpo
Profa. Dra. Eliana Creado
Estudante Paulo Sergio Brandão
O Congo de Araçatiba e os embalos dos filhos de Mãe Tiotó.
Vitória – ES
2016.
Universidade Federal do Espírito Santo
Centro de Ciências Humanas e naturais
Departamento de Ciências Sociais
Antropologia do Corpo
O Congo de Araçatiba e os embalos dos filhos de Mãe Tiotó.
Profa. Dra. Eliana Creado
Paulo Sergio Brandão
Introdução
Este trabalho de pesquisa de antropologia do corpo tem por objetivo estudar e descrever o processo histórico, cultural e ficcional do Congo em Araçatiba, bem como os papéis desenvolvidos pelos atores sociais, a dança e a música e o poder do feminino e a forma como se dá a aprendizagem entre as gerações. Por meio da história e ficção das origens de Araçatiba, como relata Haraway, no seu manifesto ciborgue, a realidade é um misto de ficção e realidade vivida, mostramos como se deu o mito de origem do nome de Araçatiba, que surge como lugar da música e da dança. E com foucault, no período da escravidão, relatamos a exploração dos padres jesuítas e dos coronéis na coerção e punição aos corpos dóceis, levados ao trabalho forçado e ao mesmo aliviados pelo poder da Santa protetora que Ajuda a todos. Mostramos como se deu a origem dos tambores e do congo entre os escravos. Continuamos, por meio de pesquisa de campo, com observação participante e entrevistas, a relatar o lugar dos corpos e identidades femininas nas narrativas vividas pelos moradores de Araçatiba, bem como sua importância e lugar. Em ingold, encontrei a fundamentação para mostrar que o congo se dá por meio da educação da atenção, levando em conta o tempo de inclusão do membro no grupo, por meio da socialização, nas vivências e práticas cotidianas, vendo, ouvindo, e o desenvolvimento de habilidades de dança e música com o corpo, pois o movimento corporal é essencial. E uma participação sempre efetiva nas atividades e festejos, que geralmente acontecem fora da vila, sentindo e percebendo as manifestações com seus significados e valores. É assim que o grupo vai acontecendo e existe desde o século XIX. 
Araça e Tiba: nasce a vila da dança e da música.
Araçatiba, nome originado, segundo relatos dos mais antigos moradores da Vila, da fruta “Araça”, um tipo de gioaba pequena, nativa, que existia em abundância na região como tinha um sabor apreciado por todos era uma como uma fruta símbolo entre os povos tradicionais do local e “Tiba”, filha do cacique da maior tribo indigena localizada as margens dos Rios Jucu e Jacarandá, reconhecidos por suas danças e rituais longos. O cacique, que amava muito sua única filha e fazia tudo para vê-la sempre alegre e feliz. Um dia a menina amanheceu morta e foi encontrada nas redondezas da aldeia, fato que foi comunicado por um informante que estva caçando as margens do Rio Jacarandá. O cacique ficou muito triste, fez uma cerimônia fúnebre e chorou vários dias. Para eternizar o nome da filha que amava resolveu dá ao lugar onde viviam o nome de Araçatiba. Ele uniu o nome da fruta Araça, que todos gostavam, com o nome de sua filha. Segundo relatos, os índios em seus rituais, dançavam durante horas e as vezes a noite toda e Tiba sempre gostou de dançar e cantar, mas como a dança e a música era reservada aos homens da Tribo, a menina ficava triste, pois não podia fazer o que mais gostava. Quando ela morreu, seu pai que era o cacique da tribo sentiu muito e para satisfazer o seu desejo, anunciou um luto e durante vários dias, todos podiam dançar e cantar em homenagem a menina Tiba. Nesta ocasião a tribo recebeu vários visitantes de outras tribos que celebraram aquele momento importante na vida do Cacique e seu povo. Araçatiba passou a se considerada o local da dança e da música e por qualquer motivo as pessoas passaram a dançar e cantar, seja nos momentos tristes ou alegres. Segundo relatos ainda seu espírito povoa as festas trazendo a todos uma alegria que contagia e anima para dança que em Araçatiba ninguém consegue ficar parado e aniamação faz parte da vida do povo local. 
E entre os moradores mais antigos e os mais jovens, também existem várias relatos de histórias, porém, esta é a que mais aparece nas falas de alguns deles. 
Da dominação e doutrinação jesuíta a escravidão: os corpos dóceis. 
Araçatiba, comunidade que tem a música e a dança como fundamento existencial, passa por transformações do período de dominação européia, principalmente da chegada dos padres jesuítas, que imprimem um ritmo produtivista e comercial a vida dos habitantes, e também, doutrinário e religioso, criando a maior fazenda do Brasil em produção de cana de açucar e gêneros alimentícios para abastecer o Colégio São Tiago, onde fica hoje o Palácio Anchieta e a igreja Nossa Senhora da Ajuda, que representava o ícone religioso da dominação doutrinária da religião católica em terras além mar. 
Depois da expulsão dos jesuítas do Brasil, Araçatiba foi entregue a um dono, conhecido como Coronel, que se apossou da fazenda e trouxe mais de 800 escravos africanos, para ampliar a produçao da fazenda, agora para fins comerciais e para atender a Coroa portuguesa. 
Os mais velhos, como Dona Nini, falam que em Araçatiba, apesar da escravidão, não tinha tronco, e havia uma certa harmonia entre o dono da fazenda e os escravos. A Igreja, conservada da época dos padres jesuítas era local que os descendentes de escravos passaram a se encontrar para celebrar, cantar e dançar hinos e músicas religiosas, principalmente nos festejos de São Benedito e Nossa Senhora da Ajuda. 
Filhos e herdeiros da Santa.
Da morte do último Coronel da linhagem, Sebastião Vieira Machado, contam os mais velhos que seus filhos resolveram doar mais de 300 alqueres de terra para a Santa Nossa Senhora da Ajuda e permitiu que os descendentes de escravos pudessem viver nas terras da Santa. Daí em diante, segundo Dona Nini, contadora de histórias locais, os moradores de Araçatiba passaram a ser considerados como herdeiros da Santa, logo, são como filhos da grande mãe protetora que garantiu a terra para todos os seus filhos, que um dia foram trazidos de terras distantes, desterrados e agora sob a sua proteção divina podem morar e viver felizes nas terras que viviam como escravos. 
Os corpos escravizados: o Congo, as toadas e a dança
O Congo surge, segundo o mestre de Congo de Araçatiba, Sr. Alício, por meio da confecção do Tambor de Congo, feito pelos próprios escravos, por barris de vinhos descartados pelos senhores e era uma forma de encantar as mulheres, por meio da dança e do bater dos tambores. Depois, ao longo do tempo foram utilizados outros instrumentos.
Hoje em Araçatiba são usados outros instrumentos para embalar o Congo, quase todos feitos na comunidade local, como o bumbo, casaca, chocalho, triângulo e apito, que é usado pelo mestre para embalar as toadas, sempre no início e no fim das mesmas. 
O Congo que surge entre os escravos africanos teve que se adequar para ser aceito no período da colonização no Brasil, segundo relatos dos mestres de Araçatiba, assume contornos da religião oficial católica, predominante entre os europeus, que não aceitava as manifestações de matriz africanas, vistas como manifestações demoniácas. 
Da necesidade de cantar e dançar e para serem aceitos, os escravos passaram a cultuar os santos São Benedito e outros, como forma de expressão da diversidade afro. Fazendo dessa forma, os escravos cantavam e dançavam em homenagem ao santo e ao mesmo tempo, reviviam seus ancestrais presentes nas danças, músicas e nos rituais do Congo. 
Em nossa época o Congo passa a ser considerado parte do Folclore do país, por sua forma dançante, alegre, vibrante e pelos trajes e formas de expressão de um determinado povo. O congo também é cantando como música popular, passando a ser udado por bandas musicas e entre nós, temos por exemplo, a banda Casaca e outras, tendocomo referência as letras e as toadas. 
A disciplina e a dominação religiosa sobre os corpos dos escravos.
O povo indigena fica perdido após a chegada do homem branco europeu que por meio da religião imprime uma ruptura com seu modo de vida local e suas regras de convivência, extinguindo praticamente as relações de poder existentes na aldeia e obrigando todos os indigenas a viverem sob ma nova ótica de controle e vigilância que segundo Foucault, o sujeito dominado é sempre fabricado, sendo seus corpos preparados, treinados e controlados para atender as exigências do poder dominante em nome do Estado. 
Neste caso, tratava-se dos padres jesuítas que execiam um poder pastoral, advinda do nome “pastor” que cuida das ovelhas e não deixa que nenhuma se perca conforme relato bíblico. Este poder era disciplinador e visava assegurar a salvação individual os indivíduos por meio da disciplina e ordem. A instituição que mantinham era a fazenda, onde logo na sua chegada, foi construída a igreja de Araçatiba, que existe até hoje, local de manutenção do poder religioso pastoril e simbolo do controle divino, em nome do qual o Padres estavam agindo. 
Além disso, o padres tinham o convento São Tiago, onde ministravam a formação cristã e propedeutica aos neofitos e recem chegados a Ordem. No convento, tinham uma vida monastica, disciplinada e controlada, longe dos prazeres da carne, para cada vez mais se aproximarem das promessas do céu. Os corpos eram treinados com rigor no ritmo de oração, trabalho e estudo das coisas da igreja e de Deus. 
O poder pastoral, pensando a partir de Foucault (1979), era o poder dos lideres religiosos e neste caso dos jesuítas, com sua presença, sobre os corpos, com a catequese e doutrinação, tornava o membro da tribo, que antes pensava e agia de forma coletiva, em indivíduo (Mauss, 1974) fabricado pelas disciplinas do poder, que agora, com esta dominação, é levado a trabalhar para garantir sua orientação espiritual e para isso, seu corpo treinado para o trabalho, objeto e alvo deste poder, visa ser obediente e alcançar a salvação individual celeste. 
Estes corpos preparados e domesticados (Foucalt,1979), passa a ser alvo de um segundo poder, o patriarcal, exercido pelo coronel, com seu corpo físico e presente mostra a sua força e controle sobre tudo e todos. Logo após a expulsão dos jesuítas do Brasil, assume a Fazenda e aproveita esta massa de indivíduos mansos e controlados. O coronel, Sebastião Vieira machado, conforme nos conta Angélica, uma guia turistico de Araçatiba, traz muitos escravos africanos para aumentar o potencial produtivo da fazenda. Este corpo escravo, junto com os nativos, exige do senhor de terras um poder coercitivo maior em relação ao que é produzido e ao processo de produção, o que certamente o fazia usando instrumentos de punição e controle como o tronco. Contudo, a hipótese não é confirmada pelos moradores antigos de Araçatiba, como Dona Nini, que diz com ar de satisfeita, que não havia tronco em Araçatiba e que o senhor de terras era bom para com todos. 
Uma vez escravos e dominados por um poder opressor, que passa a imagem de salvador e benemerito, os escravos, seja indio ou negro, vê na imagem da Santa, Nossa Senhora da Ajuda, segundo relato do Sr. Alicio, uma forma de alívio para as dores de seus corpos cansados do trabalho forçado. 
Com o drama de não poder viver sua própria cultura e ter que se reconhecer em outra dimensão cultural, longe do lugar de pertencimento, do país de origem e de suas tradições locais, onde nasceram. Esta distância opressora leva a fragmentação da vida coletiva e a uma sensação de perda de referencias e de identidade. Encontram na Santa o reconhecimento e o sentido de pertecimento, um lugar, apesar do fato de se afastarem de suas raízes ancestrais, se sentirem deslocados e frustados, veem na Santa a única fonte de respostas as suas angustias e dores, como se reportassem há uma grande mãe protetora que irá libertá-los da vida triste que levam. 
A mãe Santa cobre a ausência da mãe Terra, da ideia de povo, de lugar. A ligação com a memória dos antepassados é separada e resignificada. E neste caso foi ofertada pelos padres e depois pelo coronel, duas figura masculinas: os padres que escravizavam e disciplinavam e ao mesmo tempo ofereciam a religião para a conversão dos pecados e salvação da alma; o dono das terras, que oprimia, escravizava, mas também “aliviava” a dor, oferecendo a mãe protetora e garantidora da salvação da alma, apesar da dor ser principalmente nos corpos. 
Nos dois modelos de opressão dos corpos, há uma forma de controle e disciplina, conforme Foucault (, e uma garantia de salvação para quem for obediente e dócil. 
Araçatiba: poder, realidade e ficção.
Parafraseando Haraway (2009), Araçatiba é um misto de ficção e de experiência vivida, onde a realidade social parece ser uma ilusão de ótica. Segundo relatos de moradores, que trabalham fora a semana toda, e só se encontram nos fins de semana, quando estão em casa, procuram cantar se reunir com amigos, ir para rua, para o bar, igreja, dançar, rezar, beber e jogar. Está presente, nos leva a sentir o drama e a profundidade de experiências narradas, ao mesmo tempo, existem histórias, diversas, que nos remetem a contos de ficção, frutos do imaginário coletivo local. 
As personagens da vida real como o Sr. Alicio, o mestre congueiro, A Dona Nini, anciã, a jovem Angélica, a moça Eliete, o comerciante marcelo e sua esposa Suely, como tantos outros, vivem o presente enredados com os fatos do passado, como se algo de importante e sagrado estivessem escapando pelas mãos, como se a vida deles e a realidade socio-econômica difícil dos moradores da comunidade, escondesse e ao mesmo tempo revelasse, uma riqueza histórico cultural, acumulada ao longo do tempo. 
As amarras desse passado, de tensões, escravidão, mortes; mas também, de vitórias, de alegrias, de encontros, da dança e da musicalidade que se encontram num só lugar, conforme diz Dawsey (2008, p. 545), como se fosse um “campo energizado, que guarda aspectos não resolvidos da vida social”, incompletos, ainda por fazer. Esta é a história que se encontra nos corpos, na paisagem sonora, que compõem a vida individual e coletiva que permite aos moradores locais tecerem sua própria narrativa cotidiana. É isso que faz de Araçatiba um local diferente. 
Muitos vivem o drama social e cultural de se reconhecerem como herdeiros da Santa, mas também de Tiba, do Sebastião Vieira Machado e dos padres Jesuitas, outros, preferem romper as amarras do passado, pois vivem uma aminésia coletiva, sentindo-se perdidos, as vezes, como relatam muitos jovens, conforme nos disse, a jovem Angélica: “os jovens não querem ser conhecidos como descendentes de escravos, por que isso não os ajuda em nada. Os outros, zombam deles só pelo fato de morarem em Araçatiba”. E Continua, “os adultos, que já sofreram na pele a discriminação e não conseguiram nada na vida, estes não querem nem falar muito sobre este assunto.” Todos vão levando a vida assim como se não tivesse muito sentido tudo que aconteceu naquele lugar. 
Antes, com os indios, os individuos se referenciavam pelo grupo, aldeia. Existia uma trajetória histórico social a partir de uma tradição, de uma idéia coletiva de grupo. Conforme nos relata Mauss (1974) a noção de pessoa entre os indios Pueblos de Zuni, os povos do Noroeste Americano e Australiano, era ligada ao grupo, portanto, não individualizada de “eu”, como entidade única. Entre os indigenas de Araçatiba, não era diferente, a identidade de grupo era coletiva, tribal. Mas tudo mudou depois da chegada dos padres. 
Com a dominação dos padres jesuítas e a escravidão dos donos de terras, a referência coletiva passou a ser a Santa, a igreja, como local da comunhão. Com a reforma da Igreja, feita pelo Coronel Sebastião Vieira Machado, o dono de Araçatiba, inscreveu na frente, parte alta, as siglas do seu nome SVM (Sebastião Vieira Machado) num circulo e no entorno foram inscritas folhas de louro, simbolizando o poder romano dosimperadores. Agora, além de dominar as terras, as vidas das pessoas, se trasnfigurou em icone de poder religioso. Pois todos passam a venerar o nome do Coronel ao adentrar as portas da igreja. Depois de sua morte, o seu corpo foi enterrado dentro da igreja, no altar, onde tem sua lápide, representando um poder faraônico que no antigo Egito tinham os seus corpos guardados nas perâmides, simbolizando um controle total sobre o poder terreno e divino, e a demonstração de que foi acolhido definitivamente pelo sagrado. Lembrando que este tipo de homenagem só era feito pelos primeiros padres, que ao morrer, seus corpos eram sepultados dentros das igrejas que fundavam. 
Corpos femininos: Tiba, a Santa e a Mãe Petronilha. 
Quando da visita do então governador Paulo Hartung, em maio deste ano, a Vila de Araçatiba, foi pedido para a banda de Congo recepcionar e tocar para a comitiva do governador que iria dá ordem de serviço para início das obras da quadra da escola municipal. Sr. Alicio, mestre congueiro, já idoso, com mais de 68 anos, me disse das dificuldades que estava encontrando para manter o Congo, mostrou um cd com as toadas e colocou no aparelho de som, a meu pedido, para que ouvisse as músicas, que segundo ele, falam da vida do povo e narra a história de veneração pela Santa Nossa Senhora da Ajuda e por São Benedito. Peço e ele entoa parte de uma musica: 
“Eu passei na ponte 
A ponte estremeceu
Essa água tem veneno
Quem bebeu dela morreu”
“Nossa Senhora da Ajuda é a Padroeira do Lugar
Vou louvar São Benedito
Eu Louvei, Vou louvar.”
Me oferece um café e a gente conversa enquanto chega a sua irmã e uma vizinha que partilha um pouco da nossa conversa. Sr. Alicio disse que o seu sonho era montar uma casa do Congo em Araçatiba para poder ensinar as crianças a arte do Congo de forma que o mesmo não acabe, “do jeito que está vai acabar mesmo, precisamos passar o ensinamento para os mais novos”. Um senhor sereno, magro, baixo, com um sentimento de que pode ser feito muito mais para o Congo e para a vida de Araçatiba. 
Ele me fala da origem do congo, do período da escravidão e que foi mãe Tiotó, que era sua avó, que manteve a tradição do Congo, como guardiã dos instrumentos e tambores. “Ela era a rainha do Congo” de Araçatiba. Disse para ele falar um pouco mais sobre quem era a mãe Tiotó. “Era a nossa parteira, Petronilha era a parteira de Araçatiba. As crianças a chamavam de Mãe Tiotó. Ela fez o parto de muitas crianças, inclusive dos congueiros”. Ela também era a guardadora dos instrumentos e também uma incentivadora e continuadora do congo para que não viesse a acabar.” Disse Sr. Alicio. 
Mãe Petronilha, parteira e guardiã dos instrumentos era a rainha do Congo. Ela era a pessoa mais animada nos festejos. Segundo Sr. Alício, os meninos congueiros todos foram trazidos por mãe Tiotó, como era chamada por eles. A mãe de todos. 
A irmã de Sr. Alicio, disse que com as orações dela a Nossa Senhora todos os meninos se salvavam, mesmo sentados ou em qualquer posição, todos saiam. E eles chamaram ela de mãe. Ela era muito fiel a tradição e até hoje temos o congo. Os tambores ainda são os mesmos daquela época. 
Sr. Alício disse que hoje a banda não tem uma rainha. Os congueiros estão procurando na comunidade alguém que goste de dançar e deseje ter responsabilidade.
Segundo depoimento da irmã do Sr. Alício, Dona Conceição, a banda de Congo traz paz, o ritmo, a música. “Eu tenho paz para mim que traz paz. Eu penso assim. Eu ouço a música assim e já não fico parada. É o momento que a comunidade se reune também”. 
Mãe Petronilha, a mãe Tiotó, a mãe de todos os congueiros, representa o feminino, junto com Tiba, a menina índia, a Santa e a igreja. Enquanto Tiba, de sua morte, nasceu Araça-tiba, foi a partir de um lamento, de um luto, que nasceu o lugar da alegria, da festa, da música. 
Mãe Tiotó, descendente de escravos, traz a vida, se doa a cada instante em nome da Santa, “tira todos para a vida” e se mantém guardiã da dança e da música, como parteira, garante o nascimento dos congueiros e como rainha, que guarda os instrumentos, zela por eles e anima os festejos do Congo, mantendo a tradição. A Santa, continua abencoando os seus filhos e herdeiros. Garante a terra a seus filhos escravos, e faz mais do que isso, quando vê que a tradição está se perdendo traz uma rainha, a Mãe Tiotó, uma enviada para fazer nascer os seus filhos e garantir a animação, a dança e a música em Araçatiba. 
O feminino de Tiba, a Santa e a mãe Tiotó traz a vida, a beleza, o encanto, a magia. Este mundo em que a natureza e cultura não estão claros, a natureza funde-se com a cultura, o sagrado com o humano, por meio da natureza, Araça, a cultura se revela na musicalidade indigena e africana, numa fusão do sagrado e do profano. 
Por parte do coronel Sebastião Vieira Machado houve uma tentativa de domínio da Vila, com seu nome inscrito no alto da igreja. Era preciso está acima, no alto, para superar a Santa e ser referência para o povo, por meio da igreja, local de encontro. A tentativa de domínio do senhor de terras sobre a vida de todos. O totem que une a comunidade, o local de veneração da Santa, passa a ser também de veneração ao nome do senhor das terras. 
Mãe Tiotó estava embaixo, nas ruas, nas casas e nas festas e em nome da Santa, representa o feminino no Congo, traz a Ajuda aos filhos da Santa, que faz nascer a comunidade embalada pela musica e a dança. Assim o congo carrega a Santa, o Santo, São Benedito, a mãe guardiã e hoje a banda tem seu nome. É o feminino que conduz e dá a direção a vida do povo de Araçatiba pelo embalo do Congo. 
Aprender o Congo envolve habilidades e presença corporal.
Fui a casa do Sr. Alício, mestre e presidente da banda de Congo Mãe Petronilha de Araçatiba, era cedo, por volta das 9horas. Quando cheguei ele estava do lado de fora da casa. Chovia uma chuvinha fina e fria. Ele estava se despedindo de uma visita, um parente, que parece, tinha pernoitado em sua casa. Estava ele e sua esposa. Após cumprimentar e se identificar. Perguntamos se ele poderia contribuir com uma pesquisa que estva realizando sobre Araçatiba e ele disse que sim. Me chamou para entrar em sua casa. A maquina de lavar roupa estava ligada com um barulhinho constante, baixo, um passáro cantava o tempo todo, parece que estava numa gaiola, um canto de um passáro assustado. Sr. Alício ficou em pé e me pediu para sentar no sofá da casa. Depois de sentar, vi que ele ficou em pé e não sentou. Fiquei incomodado com ele e pedi que se sentasse, e ele falou que preferia ficar em pé mesmo. Com um sorriso sereno e um semblante firme e alegre, Sr. Alício, disse que poderia perguntar o que quisesse. 
Fiz a pergunta: 
Qual a importância do Congo para ele e o que significava? 
- O congo faz parte da vida do povo antigo, os negros “carambola”, “colombola”...quilombola. A importância era tanto que o pessoal gostava muito, cantava nas festas de folia de reis que hoje não existem mais. Só existiam no tempo da minha vó, que o Congo tinha mais força e parecia melhor. 
Qual o nome de sua Vó? E por que era melhor na época dela?
- No tempo da minha vó Mãe Petronilha era mais animado, pois ela animava, fazia as festas. Ela e o esposo dela, o Sr. Emilio Moreira. Que morreu bem depois dela. E ela era a rainha. 
Qual o papel da rainha? 
- Carregar a bandeira, se vestir com roupas diferentes e animar a festa. 
Hoje o Sr é o mestre e presidente? 
- Sim, quem puxa o congo é o mestre e como fiquei sem dente fica ruím de apitar e por isso convidei o Ademir para fazer um teste, ele fica como um segundo mestre. Mas quando é para saír para fora eu vou como mestre. 
E o apito como é usado? 
- O apito é usado pelo mestre para iniciar e finalizar o canto no congo. Oberva nas músicas e você vai perceber. 
Como o Congo é passado para as crianças? 
- As crianças aprendem junto com o pessoal. Geralmente as crianças vão junto quando a gente faz as apresentações, pegam o tambor e batem. Eles aprendem vendo e batendo, descobrem como bate tamborbatendo. Eles botam sentido naquilo que estão fazendo e aí aprendem. Mas hoje não temos como ensinar as crianças por que a gente não temos nem lugar pra gente ensaiar. Aí elas demoram a aprender. 
No meio da conversa Sr. Alício pega um banquinho de madeira para sentar e continua a falar.. 
Em relação a mâe Petronilha, metade de Araçatiba nasceu pelas mãos dela, disse sua esposa, Sra. Conceição, que estava só observando nossa conversa em silêncio. 
Enquanto isso, Sr. Alício, ligou o aparelho de som e colocou a música para tocar. Ele me falava sobre as histórias das viagens dos integrantes da banda enquanto a musica ia passando. 
Disse que a dona dessa música é daqui de Araçatiba, ela era minha tia, já faleceu. E Ecolocou o cd para passar: 
Iáiá você vai a Penha 
Me leva ô, me leva. (bis).
Depois falou que estava no aterro do Flamengo, no Rio, onde foi fazer uma apresentação e que na areia da praia fez esta música: “agora quem vai cantar uma so eu” e começou:
É ceú é sereno é a luz divina (bis)
Mas queria eu me apanhar
É no bailão das meninas 
queria eu me apanhar (bis)
Dei um tombo na areia
É no balanço do mar. 
De acordo com os relatos do Sr. Alício e as obervações que pude fazer em algumas apresentações da banda de Congo com todos os membros ou só com alguns integrantes que algo mais acontece e que o Congo não é somente uma manifestação cultural, como é vista pelos turistas e pelo poder público, mas é uma forma de iniciação nos rituais ancestrais da comunidade que canta, dança e celebra sua história por meio de um engajamento corporal de todos os participantes. Claro que existem papéis demarcados nos rituais do grupo. 
O mestre tem um papel de realizar a abertura da roda de congo, por meio da oração e do convite a ingressarem no espírito religioso. Ele lembra os presentes, sauda a todos, e recebe os visitantes pelo nome. Convida a todos para ficaram em pé e realizarem uma oração considerada universal e aceita por todos, em reverência a Jesus Cristo, conforme nos relata o mestre Ademir, na apresentação do Congo em Araçatiba, em janeiro deste de ano, quando se deu os festejos dos Santos Reis e a retirada do mastro de São Benedito. 
Depois, o mestre dá início as atividades da banda de congo, com um apito que carrega pendurado no pescoço. Ele faz gestos com as mãos e o corpo, para conduzir o ritmo, do início ao fim das músicas. 
Apitando e gesticulando o mestre como que convida todos a entrarem no ritmo da dança e do canto, puxando melodias junto aos demais membros do grupo que com os batedores de tambores, sentados, usam as mãos para bater e embalar ao som dos batuques o ritmo da dança. 
A rainha tem a função de animar o grupo. Ela porta a bandeira estandarte do Congo, dança e canta o tempo todo, girando de um lado para o outro. Ela usa um vestido especial cumprido e bonito, e em alguns casos, um chapeu na cabeça e desfila na roda de congo com alegria e animação. A bandeira que a Rainha de Araçatiba carregava este ano de 2016 era São Benedito. Ela é o corpo feminino, da mulher que anima e conduz os embalos de mãe Petronilha. 
Crianças, ora sentadas no colos de seus pais, que tocam tambor ou dançando na roda de congo, junto a membros da familia, vão ouvindo e aprendendo a guardar e passar adiante os ritmos e a dança do seu lugar. 
A iniciação do ritual do Congo exige uma definição clara de papéis, o mestre, a rainha, os tocares de tambor, do chocalho. Uns em pé, outros sentados, um usando um apito e soprando, outro, carregando uma bandeira e girando o corpo pra lá e pra cá e balançando os braços. 
É preciso se inserir, mobilizar o corpo por meio do canto. É preciso se colocar na cena, ser capaz de atender aos apelos e tornar-se parte. Por meio do congo o individuo se coloca e passa a ser visto como um ser engajado e também que evoca uma experiência histórica da escravidão, da onde nasceu o congo. 
O ritmo exige dos adeptos um conjunto de posturas, gestos e rotinas que ao ingressar na roda vai assumindo e pouco a pouco passa a ser incorporado como uma segunda pele, algo que depende da habilidade de cada um, mas que é dado pelo grupo ao recem chegado.
A aprendizagem, segundo Sr. Alício se dá desde a confecção dos tambores, quando isso é possível, mas também pela participação efetiva nas festividades de São Benedito e de Nossa Senhora da Ajuda. “Mas acabamos recebendo os aprendizes que surgem naturalmente e vão pegando como funciona as coisas. Em pouco tempo estes meninos pegam o ritmo dos tambores”, finalizou o mestre.
Segundo Ingold (2010), esta educação da atenção que se dá por meio de um processo de aprendizado ao descobrir as coisas, por meio de conjunto de habilidades se dá basicamente ao mostrar alguma coisa para o outro, como os pais fazem no congo ao levar as crianças junto com eles enquanto tocam tambor ou participando da roda, por exemplo. É ouvindo, participando, sentindo e olhando que o iniciado vai aprendendo. Este aprender é o aprender da atenção. E é assim mesmo que acontece na transmissão do congo para as outras gerações em Araçatiba. 
Conclusão.
Partindo da idéia de Corpo e refencial feminino de libertação, embalado pela dança e música, inserido num contexto existencial indigena ou afro, na condição de escravos ou libertos, este trabalho pesquisou o congo, a forma de aprendizagem, enquanto fenômeno que agrega e incorpora os membros da comunidade de Araçatiba em Viana – ES, conduzidos sempre por um ícone feminino. A análise retomou, por meio de observação participante e entrevistas, o mito indigena de nascimento de Araça-Tiba e chegou-se a conclusão de se tratar de um mito do nascimento do lugar Araçatiba, enquanto locus da música e dança, deixando claro a importância e o lugar do feminino. Depois, com os escravos, resgatamos a história do nascimento do Congo e de como ele chegou até hoje, tendo a Santa como a grande mãe que guarda a terra e garante a posse da mesma para os escravos, mantendo o que hoje é Araçatiba. Com mãe Tiotó, o Congo se insere de vez na vida da comunidade, por meio da sua atividade como parteira, a mãe de todos, ela faz nascer os filhos do Congo, agindo em nome da Santa, garante a vida e a continuidade do Congo. É guardiã, mantém a tradição, guarda os instrumentos, proteje, anima e embala seus filhos no ritmo da dança e da música. Ela incorpora o sagrado, a tradição e o novo. Depois de sua morte a banda recebeu seu nome: Banda de Congo Mãe Petronilha.
Referências bibliograficas
MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia. São Paulo, Cosac Naif, 2003. (Caps.: Uma categoria do espírito humano: a noção de pessoa, a de “eu”, p. 369-398; As técnicas do corpo, 401-424).
FOUCAULT, Michel. Microfísica do Poder. RJ: Edições Graal, 1979 [2001]. (Cap. IX. Poder- corpo, p. 145-152)
HARAWAY, Donna. Manifesto ciborgue: ciência, tecnologia e feminismo-socialista no final do século XX. In: SILVA, Tomaz Tadeu de. Antropologia do ciborgue – as vertigens do pós-humano. BH: Autêntica, 2000, pp. 37-129.
INGOLD, Timothy. Da transmissão de representações à educação da atenção. Educação, Porto Alegre, v. 33, n. 1, p. 6-25, jan./abr. 2010.
DAWSEY, John C.. Sismologia da performance: ritual, drama e play na teoria antropológica . Revista de Antropologia, São Paulo, v. 50, n. 2, p. 527-570 , dec. 2007. ISSN 1678-9857. Disponível em: <http://www.revistas.usp.br/ra/article/view/27271>. Acesso em: 15 mar. 2016.

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