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1 Universidade Federal do Rio Grande do Sul Responsabilidade Civil – Resumo II Aluno: Rached da Silva Centeno Sumário 1. Responsabilidade pós-contratual (culpa post pactum finitum) ................................................ 2 1.1 Algumas situações de responsabilização pós-contratual: ................................................... 2 2. Responsabilidade pré-contratual (culpa in contrahendo) ........................................................ 5 2.1 Pressupostos da responsabilização pré-contratual............................................................. 7 3. Dano .......................................................................................................................................... 8 3.1 Danos patrimoniais ............................................................................................................. 9 Dano emergente ................................................................................................................. 10 Lucro Cessante .................................................................................................................... 10 Perde de uma Chance ......................................................................................................... 10 3.2 Danos Extrapatrimoniais ................................................................................................... 12 3.2.1 Reparação integral dos danos extrapatrimoniais .......................................................... 12 3.2.2 Tarifamento legal e Método Bifásico ............................................................................. 14 3.3 Indenização por dano-morte ............................................................................................. 16 4. Objetivação da responsabilidade civil ..................................................................................... 17 4.1 Responsabilidade dos profissionais liberais ...................................................................... 18 4.2 Responsabilidade do empregador .................................................................................... 19 4.3 Responsabilidade do Estado ............................................................................................. 20 4.4 Finalidades da objetivação da responsabilidade civil ....................................................... 20 4.5 Hipóteses de exclusão da responsabilidade objetiva........................................................ 21 2 1. Responsabilidade pós-contratual (culpa post pactum finitum) É importante relembrar algumas das ideias trabalhadas na responsabilidade contratual: Fontes das obrigações: negociais, não negociais e os atos ilícitos, Da fonte contratual (negocial) surge o ilícito com vínculo, o ilícito contratual, o qual é fundado no descumprimento de um contrato. Alguns pressupostos devem ser observados para que se extraia também uma tutela indenizatória (imputabilidade, violação de um dever jurídico, nexo causal e dano). Nem todo descumprimento de um contrato irá gerar uma responsabilidade civil. O vínculo é estabelecido através de uma vinculação fixada no tempo, a qual é extinta pelo pagamento (um dos atos pelo quais se extingue a obrigação). Mas se com o adimplemento extingue-se o vínculo contratual, como é possível falarmos em responsabilidade pós-contratual, se o vínculo já foi extinto? Qual a fonte da responsabilidade pós-contratual? Embora muitos autores atribuam à culpa post pactum finitum a natureza contratual, essa definição não pode ser feita sem analisar o caso concreto e, principalmente, o modo como foram construídos os deveres anexos ao contrato entre as partes. É justamente a violação a esses deveres ligados a boa-fé objetiva que justifica a responsabilização mesmo após adimplemento do contrato. 1.1 Algumas situações de responsabilização pós-contratual: Prestação de informações sobre o empregado após o fim do vínculo empregatício: Um emprego é uma vinculação contratual, a qual extingue-se pelo rompimento da relação trabalhista. Quando o indivíduo procura um novo emprego, submetendo-se a um processo seletivo, o provável novo empregador pode, por exemplo, entrar em contato com o antigo empregador solicitando referências. Dependendo da forma como foi a extinção do vínculo, o antigo empregador pode fornecer informações falsas que desqualifiquem seu ex- empregado, agindo de má-fe. Após o fim da relação contratual, permanece, entre ex-empregado e ex- empregador, um vínculo de confiança construído e mantido durante a vigência do vínculo contratual, de onde deriva a exigência de um comportamento baseado na boa-fé mesmo em fase pós-contratual do processo obrigacional. Caso esses deveres anexos relacionados com a boa-fé objetiva 3 sejam violados, o violador poderá ser civilmente responsabilizado. Nesses casos, a fonte da responsabilidade pós-contratual é extracontratual. “(...) Mesmo após o término do contrato de trabalho, o ex- empregador não pode fornecer informações desabonadoras sobre o ex-empregado, que dificultem a continuidade de sua vida profissional. Tal atitude configura conduta ilícita da empresa, que deve ser responsabilizada pelo dano moral causado ao trabalhador, por afronta ao direito ao trabalho, garantido pela Constituição da República como direito fundamental (artigos 5º, XIII, e 6º), mormente porque inviabilizou ou dificultou o exercício deste direito pelo ex-empregado na fase pós-contratual.”1 Cláusula de confidencialidade: Ainda tratando de relações trabalhistas, ao longo do vínculo contratual, conforme visto acima, são construídos deveres anexos para ambas as partes, sendo outro exemplo os segredos industriais ou financeiros de uma empresa, os quais o empregado não pode, em hipótese alguma, revelar para pessoas não autorizadas, sob pena de responder civilmente pelos danos causados, ainda que o vínculo contratual já tenha sido extinto. “A condição imposta através de um pacto de sigilo e não concorrência para não se revelar as informações confidenciais, mesmo após o término da relação empregatícia, deve ser estabelecida dentro dos parâmetros da razoabilidade e proporcionalidade. Isto porque a regulação de tais pactos não pode ser considerada como restritiva, de forma inconstitucional, a ponto de afetar o princípio fundamental do valor social do trabalho.”2 Não é possível, a priori, determinar se a quebra de deveres anexos, após o vínculo contratual, tem natureza contratual ou extracontratual sem analisar o caso concreto. Se, por exemplo, no caso da cláusula de confidencialidade, houvesse uma cláusula no contrato proibindo a revelação de certas informações a natureza da responsabilidade pós-contratual seria contratual, e caso inexistente, sendo considerada tal cláusula implícita, seria extracontratual. 1 TRT-4 - RO: 00011386120115040751 RS 0001138-61.2011.5.04.0751, Relator: CLÓVIS FERNANDO SCHUCH SANTOS, Data de Julgamento: 11/10/2012, 1ª Vara do Trabalho de Santa Rosa 2 TRT-3 - RO: 01184201209703000 0001184-65.2012.5.03.0097, Relator: Convocada Maria Cecilia Alves Pinto, Quarta Turma, Data de Publicação: 02/09/2013 30/08/2013. DEJT. Página 147. Boletim: Sim.) 4 Comprometimento por garantia de manutenção de fornecimento/comércio de bens duráveis: O vínculo contratual em uma relação de compra e venda de um veículo à vista, em regra, extingue-se no momento do pagamento e entrega do bem, no entanto, isso não significa que o fornecedor se encontra totalmente desobrigado,pois permanece, por exemplo, o dever de fornecer peças para o veículo durante o estimável tempo de duração do bem. Para facilitar o ônus de prova do consumidor, essa relação é classificada como contratual, usando-se todas as garantias de objetivação da responsabilidade civil por parte do código de defesa do consumidor. “(...) Imputação à ré da responsabilidade pela demora no fornecimento da peça e, consequentemente, pelos danos. Inteligência do artigo 32 do CDC. Cabe à fabricante fornecer peças de reposição enquanto não cessar a fabricação ou importação do veículo. Fornecimento este que, para ser efetivo, deve ser realizado em período de tempo razoável. Atraso no fornecimento da peça. Privação do uso do veículo por 4 meses. Demora excessiva. Ocorrência de danos morais. Transtornos que fogem à normalidade. Substancial abalo à rotina dos proprietários do automóvel. Responsabilidade civil da ré. Culpa por negligência. (...) ”3 Cabe ressaltar, todavia, que, ainda que o bem tenha “vida” de longo prazo, o fornecedor pode estar desonerado de garantir a sua manutenção se o modelo vendido é rapidamente substituído por outro, dada a velocidade do avanço tecnológico. Exemplo dessa situação é a comercialização de celulares, onde um aparelho disponibilizado pelo fabricante em certo momento é totalmente ultrapassado em poucos anos, não fazendo sentido exigir do fabricante a garantia do fornecimento de peças para os aparelhos durante todo o estimável tempo de “vida”. Dever de garantia sobre a segurança. Anticoncepcional microvlar. Houve uma produção de um lote placebo - “pílulas de farinha”, o qual seria utilizado para testar a validade dos medicamentos, mas por um descuido esse lote foi posto no mercado de consumo. Nove meses após o ocorrido nasceram as crianças em decorrência dessas pílulas. E como resultado: Muitas ações das pessoas buscando indenização por conta de gravidez indesejada. A maior dificuldade para o caso era o estabelecimento de provas, já que, dentre outras circunstâncias, as pílulas originais não têm 100% de eficácia. Uma segunda 3 TJ-SP - APL: 00232102620138260196 SP 0023210-26.2013.8.26.0196, Relator: Carlos Alberto de Salles, Data de Julgamento: 24/02/2016, 3ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 24/02/2016 5 problemática do caso foi o arbitramento do dano, o quantum a ser indenizado se comprovado que a causa da gravidez foram as “pílulas de farinha”. “(...) II. Consoante jurisprudência desta Corte Superior "ainda que se trate de relação regida pelo CDC, não se concebe inverter- se o ônus da prova para, retirando tal incumbência de quem poderia fazê-lo mais facilmente, atribuí-la a quem, por impossibilidade lógica e natural, não o conseguiria. Assim, diante da não-comprovação da ingestão dos aludidos placebos pela autora - quando lhe era, em tese, possível provar -, bem como levando em conta a inviabilidade de a ré produzir prova impossível, a celeuma deve se resolver com a improcedência do pedido" (REsp 720930/RS, Rel. Min. LUIS FELIPE SALOMÃO, DJe 09/11/2009). III. Indemonstrado o nexo de causalidade, com a comprovação da utilização de pílulas oriundas dos lotes de placebo indevidamente enviados ao mercado, incabível a indenização. IV. Recurso especial conhecido e provido para se restabelecer o acórdão que julgou improcedente o pedido inicial.”4 2. Responsabilidade pré-contratual (culpa in contrahendo) Surge do rompimento imotivado (ou injustificado) da relação de confiança (preceito de boa-fé) entre dois ou mais sujeitos, sem a existência de um vínculo contratual. A maior dificuldade consiste em demonstrar em que ponto o contato entre as partes gerou a confiança específica capaz de gerar, com o rompimento injustificado, a responsabilidade civil de uma das partes. O ordenamento jurídico não prevê expressamente a hipótese de responsabilidade pré-contratual, o que dificulta a análise da matéria. A responsabilidade pré-contratual é atribuída a um dos sujeitos do contato social quando verificada “a constatação que desse contato preliminar entre os indivíduos interessados na constituição de um contrato possam verificar-se prejuízos significativos a uma das partes contratantes, tendo em vista os esforços empregados 4 STJ - REsp: 844969 MG 2006/0089046-5, Relator: Ministro ALDIR PASSARINHO JUNIOR, Data de Julgamento: 19/10/2010, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 11/11/2010 6 para a concretização do negócio jurídico não efetivado”5, estabelecendo que devem ser reparados o dano emergente e os lucros cessantes decorrentes do ilícito6 Exemplo de responsabilidade pré-contratual: Rompimento de Noivado: Pessoas com vistas à formação de um contrato futuro estabelecem um vínculo de confiança. O rompimento de noivado pode gerar a responsabilização civil dependendo da forma como ocorre. Não basta a mera desistência da construção de um vínculo contratual para que se responsabilize a parte que rompe. No caso do noivado é preciso analisar a forma como houve o rompimento, que deve ser de modo abrupto e causar um prejuízo real a outra parte, para que se estabeleça o nexo de causalidade. (Ex.: abandono no altar). Quando os danos são patrimoniais, como os gastos com a realização do evento, são mais fáceis de serem comprovados. “1. O ônus de prova a intenção de prejudicar ou algum fato que fuja à normalidade quando do rompimento do noivado incumbe à parte autora, nos moldes do art. 333, I, do Código de Processo Civil. Inexistindo proposta séria e de data marcada para o casamento, referida união marital configura mera expectativa decorrente de aproximadamente três anos de relação afetiva, não caracterizando ato ilícito o rompimento do noivado nessas condições. 2. "A simples ruptura do noivado não legitima só por isso a pretensão indenizatória, se não vislumbrada a ilicitude no rompimento. Mas também para a configuração dos pressupostos necessários à responsabilidade civil, reclama-se que a promessa não cumprida de casamento tenha se revestido de seriedade, firmeza e certeza de convicção quanto à sua viabilidade (...)"7 “A ruptura de noivado, quando este ocorre após sinais de sua exteriorização, alcançando familiares e amigos, gera a indenização por dano moral, uma vez abalados os sentimentos da pessoa atingida, não só em relação a si própria como também perante os grupos sociais com os quais se relaciona”8 5 CACHAPUZ, Maria Cláudia. Algumas notas sobre a responsabilidade pré-contratual. Revista da AJURIS - n. 76 - Dezembro/1999. Pag. 67 6 CACHAPUZ, Maria Cláudia. Algumas notas sobre a responsabilidade pré-contratual. Revista da AJURIS - n. 76 - Dezembro/1999. Pag. 81 7 TJ-SC - AC: 115390 SC 2003.011539-0, Relator: Denise Volpato, Data de Julgamento: 19/06/2009, Primeira Câmara de Direito Civil, Apelação Cível n. , de Joinville 8 AgIn 036.868-4/3 - 2.a Câm. - j. 25.02.1997 - rel. Des. Osvaldo Caron. 7 2.1 Pressupostos da responsabilização pré-contratual Inexistência de justo motivo: Conforme visto no caso do rompimento de noivado, não é todo rompimento de vínculo de relação pré-contratual que irá ocasionar responsabilização civil. O justo motivo, por exemplo, pode afastar a responsabilidade civil. Na relação de confiança pré-contratual existe apenas mera expectativa de realizaçãode um contrato, onde as partes não têm obrigação de consolidar essa expectativa, em respeito à autonomia privada, mas sim de não causar prejuízos uma a outra pela quebra de expectativas de modo inadequado e sem justo motivo. “A análise da indenizabilidade do dano apresenta-se necessária na matéria da responsabilidade pré-contratual tendo em vista o fato de que, na perspectiva de conclusão de um contrato futuro, a ausência de um motivo justificador à ruptura é fonte geradora de um dano efetivo. A origem de tal dever parte do princípio de que da obrigação pré-contratual de boa fé decorre o dever de não interromper as negociações preliminares sem justa causa. Logo, em se entendendo possível estabelecer a existência de vínculos pré-contratuais, em razão de um posicionamento de confiança estabelecida entre as partes possivelmente contratantes, igualmente viável se faz o reconhecimento do dever de reparação por prejuízo causado pela ruptura sem justa causa.”9 Criação de suficiente confiança ao estabelecimento de contrato futuro com prejuízo em face da interrupção dos contatos estabelecidos. Se ainda não houve a criação de vínculo de confiança capaz de gerar expectativas reais de consolidação do contrato, não há que se falar em responsabilização civil. “Afirma-se, à luz do direito italiano, que a finalidade essencial de quem negocia é a representação preventiva do conteúdo do futuro contrato. Busca-se preparar o contrato futuro. Todavia, em razão da vinculação que passa a existir entre as possíveis partes contratantes no momento de negociação contratual, criam-se deveres independentes na base de uma relação de confiança que, uma vez cindida, pode constituir-se em suporte fático suficiente para a verificação de um dever de 9 CACHAPUZ, Maria Cláudia. Algumas notas sobre a responsabilidade pré-contratual. Revista da AJURIS - n. 76 - Dezembro/1999. Pag. 80 8 reparação. (...) O conteúdo desta verdadeira obrigação entre os sujeitos de direito, ainda que não ocorra vinculação contratual futura, é verificado a partir dos deveres gerados a cada uma das partes conforme o comportamento esperado - de lealdade e de honestidade - na consecução de negócios jurídicos.”10 Prejuízo real pelo rompimento: Prejuízo gerado pela quebra de expectativas, as quais impulsionaram atitudes da parte prejudicada. “O dano pré-contratual, por conseqüência, assume importância essencial, cumprindo que seja identificado, a partir do contato mantido entre as partes e do prejuízo verificado no tráfico jurídico. Por isso, a premissa básica é a de que, verificado o prejuízo, o ressarcimento do dano seja integral, compreendendo não apenas o dano emergente (prejuízo efetivo), como também o que o sujeito lesado deixou de receber em razão da confiança depositada para a execução do negócio futuro.”11 Logo, a responsabilização civil em fase pré-contratual pretende reparar os danos gerados pelo rompimento sem justo motivo do contato social por quem, através de suas atitudes, gerou deveres anexos de confiança, lealdade e honestidade. Uma das partes, tendo expectativas reais de realização de um contrato, é prejudicada pela quebra imotivada e sem justo motivo da outra parte com seus deveres anexos de boa-fé objetiva. 3. Dano A ideia de prejuízo é muito subjetiva, sendo auferível apenas diante do caso concreto. O mero incomodo ou aborrecimento, por exemplo, uma viagem que não sai da forma esperada, atrapalhando os planos do cliente, é, de forma indevida, motivo para muitas ações judiciais. Isso acontece dada subjetividade da medição do dano. A doutrina mais atual já menciona, em algumas circunstancias excepcionais, a responsabilização civil mesmo quando o prejuízo ainda não foi constituído de forma concreta, como na ocorrência de catástrofes, onde há um prejuízo coletivo genérico, em danos ao meio ambiente, situações coletivas na área de consumo, em suma, 10 CACHAPUZ, Maria Cláudia. Algumas notas sobre a responsabilidade pré-contratual. Revista da AJURIS - n. 76 - Dezembro/1999. Pag. 77 11 CACHAPUZ, Maria Cláudia. Algumas notas sobre a responsabilidade pré-contratual. Revista da AJURIS - n. 76 - Dezembro/1999. Pag. 86 9 situações onde há potencialidade de dano futuro. Um exemplo recente foi o incêndio na Boate kiss, em Santa Maria/RS, no qual centenas de pessoas ficaram feridas e, além dos danos imediatos, ficaram com a potencialidade de maiores danos futuros. Esses danos potenciais, ou seja, que possuem possibilidade de concretização futura, foram causa para responsabilização civil, gerando dever de prestar tratamento psicológico e psiquiátrico (tutela de fazer) a algumas vítimas a fim de evitar, por exemplo, traumas decorrentes do acontecimento (responsabilidade civil sem dano). Embora muitos autores admitam a hipótese da responsabilização por danos em potencial (ou sem danos imediatos), a regra geral continua sendo, sem dúvidas, que só há responsabilidade civil mediante comprovação dos danos imediatos. Quanto à reparação do dano, segue-se o princípio previsto no artigo 944 do código civil, o da reparação integral do dano, isto é, nem mais nem menos do que fora causado, sendo a indenização medida em proporção direta com a extensão do dano. O dano pode ser analisado sob duas perspectivas: A) Dano patrimonial; B) Dano extrapatrimonial (moral e estético). O primeiro, ao contrário do dano extrapatrimonial, é quantificável. Antes da constituição de 1988 a doutrina não reconhecia a existência de duas esferas de dano, não considerando possível a cumulação entre um dano patrimonial e outro extrapatrimonial, pois ambos estariam sob a rubrica “dano”. O STJ pacificou a questão com a edição da súmula 37: “São cumuláveis as indenizações por dano material e dano moral oriundos do mesmo fato” e posteriormente com a súmula 387: “É lícita a cumulação das indenizações de dano estético e dano moral. ” Ainda que se subdivida em duas esferas, o dano é uno. Em um acidente de carro, por exemplo, será gerado um dano, o qual poderá ser subdividido em duas esferas, uma patrimonial e outra extrapatrimonial. 3.1 Danos patrimoniais É sempre um prejuízo quantificável, do qual resulta valor determinado conforme relação entre perda efetivamente ocorrida, ou seja, aquilo que foi retirado indevidamente do patrimônio, e aquilo que a vítima do dano deixou de lucrar. Mesmos esses últimos, os lucros cessantes, podem ser deduzidos e quantificados diante do caso concreto. Por exemplo, um acidente de trânsito envolvendo um taxista, que não tem culpa pelo ocorrido, deixando-o sem seu meio de trabalho. Para quantificar os lucros cessantes, o que deixou de lucrar em decorrência do dano sofrido, o taxista terá que demonstrar de alguma forma o histórico dos seus ganhos (ganhos habituais) para que, através da proporcionalidade e razoabilidade, defina-se um valor médio a ser indenizado. Quanto aos danos emergentes, o taxista teria que demonstrar os prejuízos sofridos através de uma simples perícia, entretanto, a reparação do veículo, de acordo com princípio da reparação integral, vincula-se aos danos sofridos no acidente, não 10 podendo ser calculado outro possível dano que o veículo possua decorrente de causa diversa. Art. 402. “Salvo as exceçõesexpressamente previstas em lei, as perdas e danos devidas ao credor abrangem, além do que ele efetivamente perdeu, o que razoavelmente deixou de lucrar.” Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. Dano emergente Aquilo que uma de forma direta representa uma diferença no patrimônio total existente antes da ocorrência do ilícito e o que dele restou após o ilícito. Lucro Cessante Prejuízo mediato ou futuro que reduza ganhos e/ou impeça lucros. Exemplo dos taxistas. Todavia, não se trata de um ganho hipotético ou imaginário, pois demonstra- se uma média aproximada dos lucros e ganhos obtidos em períodos anteriores a ocorrência do ilícito, através das diversas provas admitidas em direito. Por isso a ideia de razoabilidade, uma aproximação média entre o que efetivamente ocorreu (ganhos habituais) e o que ocorreria na hipótese da não ocorrência do ilícito (lucros cessantes). Perda de uma Chance Não há uma positivação desse instituto no direito brasileiro. É uma construção doutrinária e jurisprudencial (institucional). Conforme a teoria da perda de chance, se, através da análise do caso concreto, verificar-se a probabilidade de que evento danoso não acontecesse caso alguém tivesse agido de modo diverso, esse alguém, ainda que não seja o causador direto do dano, deve ser responsabilizado na medida dessa probabilidade. Por exemplo, um diagnóstico impreciso no primeiro atendimento médico. Posteriormente, o paciente tem a sua perna amputada, corretamente, pois era o único meio possível para salvar a vida da vítima. O que se discute é a chance da vítima não ter sua perna amputada se o diagnóstico no primeiro atendimento tivesse sido correto (é uma probabilidade). É justamente essa probabilidade que vai majorar ou reduzir o valor a ser indenizado. A teoria da perda de chance, nesse caso, cria um nexo entre o atendimento equivocado do paciente e a amputação, estabelecendo, através da probabilidade do evento danoso não acontecer se a causa (atendimento equivocado) não existisse, o valor a ser indenizado. Difere-se do lucro cessante pela não existência de uma razão definitiva, sendo uma mera probabilidade de ocorrência de resultado diverso, ainda que o prejuízo 11 sofrido seja real. No lucro cessante é preciso demonstrar uma regularidade dos ganhos que, por conta do ilícito, não serão auferidos. Já na hipótese de perda de uma chance, é preciso demonstrar a possibilidade da não ocorrência do dano ou que esse não ocorreria no mesmo grau, se situação diversa tivesse ocorrido. Exemplos: A) Perda de chance por conta do banco cadastral de inadimplentes: O autor da ação alega perda de chance ao seu demitido pelo empregador em razão da inscrição indevida de seu nome em banco cadastral de inadimplentes. “No caso, a própria contratação da demandante (fl. 12) ocorreu quando já existentes as inscrições indevidas, não havendo, portanto, como se inferir que a dispensa teria ocorrido justamente em razão de tal fato. Afinal, se o empregador confere tamanha importância a tal espécie de informação negativa, nem teria efetuado a contratação específica da demandante para o cargo. Segundo, porque não restou demonstrada, de forma específica, uma perda de vantagem ou de oportunidade de obtenção de vantagem futura justamente em razão da inscrição existente em banco cadastral. Ônus, no caso, que compete à parte demandante, não se tratando, pela alegação específica promovida, de um dano, para esta finalidade, in re ipsa.”12 B) Programa show do milhão. Autor entra com ação alegando que não havia resposta correta para a pergunta de “um milhão de reais”. Como a pergunta foi mal formulada, induzindo a participante a erro, ocasionou a perda da chance de ganhar o prêmio. A participante já havia ganhado 500 mil até o momento. O STJ entendeu que ela não teria direito a ganhar mais 500 mil reais, pois, ainda que a pergunta tivesse sido corretamente formulada, a chance de acerto não seria 100%, mas sim de 25%, já que eram quatro alternativas. Logo 500 mil divididos por 4 = 125 mil reais. “O questionamento, em programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que 12 TJ-RS - AC: 70059421974 RS Relator: Maria Claudia Cachapuz, Data de Julgamento: 28/05/2014, Quinta Câmara Cível 12 razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade.”13 o No direito Brasileiro, a teoria da perda de chance tem sido aplicada em dois sentidos: A) Como elemento do dano A perda de chance como situação que majora o cálculo do lucro cessante, sendo usada no momento do arbitramento do dano. B) Como Nexo Causal Não usada como quantificação, mas como caracterização do nexo causal. Para juntar a conduta ilícita ao dano. Utilizada nos caos em que se aproxima ilícito e dano causado por profissionais liberais para estabelecer a existência de um nexo causal. Quando se quer responsabilizar um médico liberal por erro que tenha causado consequências mais graves. Outro exemplo erro da advocacia, perda de prazo por exemplo. 3.2 Danos Extrapatrimoniais São prejuízos não quantificáveis que, em um primeiro momento, não possuem um conteúdo econômico, mas que violam a esfera da existência humana. Há uma tendência de associá-los, equivocadamente, a um sofrimento, à dor, à tristeza, a sentimentos de carga negativa. No entanto, não há necessidade de demonstrar tais sentimentos para comprovação do dano extrapatrimonial, o qual é considerado “em ré ipsa”, inerentes ao próprio fato. O dano extrapatrimonial não está relacionado com a sensação individual decorrente do ilícito, mas sim com o quanto esse ilícito atingiu a personalidade da vítima, diante da análise das circunstâncias da situação fática. Em um acidente de carro, por exemplo, a vítima não precisa comprovar os sentimentos de carga negativa decorrentes do ilícito, apenas as situações fáticas que contenham um dano “em ré ipsa”, em si mesmas, como exemplo, o fato de o acidente ter impedido de assistir a formatura do filho, evento aguardado e planejado pela família por muito tempo. 3.2.1 Reparação integral dos danos extrapatrimoniais De acordo com artigo 944 do código civil, a reparação não pode ser mais nem menos do que o dano causado. Diante dessa ideia, surge a problemática da indenização representando, além do retorno ao estado anterior ao ilícito, uma função 13 STJ - REsp 788459 BA 2005/0172410-9 RS Relator: Min. Fernando Gonçalves, Data de Julgamento: 08/11/2005, T4 Quarta turma 13 punitiva-pedagógica para o agente imputável pelo dano, com interesse de educá-lo e que o ilícito não seja cometido novamente. Sendo assim, a função punitiva- pedagógica da indenização, que não tem previsão legal, está em contradição com artigo 944 do código civil. Não há unanimidade na doutrina em relação às funções do princípio da reparação integral do dano, mas, dentre as funções ordinariamente citadas, destacam-se: A) Reparatória; B) Indenitária; C) Concretizadora; D) Compensatória. O Ministro Paulo Sanseverino expõe, em seu livro “princípio da reparação integral”, expõe três funções ao princípio da reparação integral (Art. 944), a função compensatória, a função indenizatória, a função concretizadora. No entanto, háautores que distinguem a função compensatória da função reparadora, sedo esta para os danos patrimoniais e aquela restrita aos danos extrapatrimoniais. Como Sanseverino trabalha apenas com a função compensatória, segundo a qual a reparação deve corresponder à totalidade do dano, ele a afasta da incidência na restituição dos danos extrapatrimoniais por impossibilidade. A) Classificação de Paulo Sanseverino: Função compensatória Essa função, de reparar o todo o dano, certamente não é aplicável quando se trata de danos extrapatrimoniais, pois não é possível restituir em sua totalidade com bens materiais o prejuízo causado à esfera extrapatrimonial de alguém. No entanto, quando a situação é de prejuízo causado a esfera patrimonial, esse princípio determina a reparação completa do dano. É a função que melhor caracteriza o princípio da reparação integral. Função indenitária: A indenização não deve ultrapassar os limites do dano. Significa que a extensão do dano é o alcance máximo da indenização.14 Enquanto a função compensatória determina a restituição da totalidade do dano, a função indenitária estabelece a extensão do dano como limite à indenização. A função punitiva e sua incompatibilidade com o princípio da reparação integral do dano: Antes do artigo 944 do código de 2002, havia parte da doutrina que dividia a indenização em dois aspectos, o caráter punitivo e outro satisfativo. Ainda hoje há um estímulo à denominada “função punitiva” ou “função punitiva-pedagógica” (punitive damages), embora essa ideia contrarie o artigo 944, pois, ao estabelecer um valor além do dano para punir o causador, ultrapassa a integralidade do prejuízo. A função punitiva é de caráter exemplar, com a reparação além do dano busca-se evitar a repetição do ilícito. A “punição” do imputável não é, necessariamente, em razão de suas reiteradas 14 LAGO, Alexandra Magro. Exceção ao princípio da reparação integral do dano na responsabilidade civil objetiva. Porto Alegre. 2011. P. 16 14 condutas, mas sim do mesmo ilícito causado diversas vezes, ainda que por autores distintos. Na prática, a função punitiva-pedagógica é utilizada não raras vezes e sem a devida fundamentação, mesmo com entendimento do STJ no sentido da excepcionalidade do instituto. Função concretizadora: Determina que a restituição deve respeitar os prejuízos verificados diante do caso concreto e comprovados pela vítima. “A terceira função é a denominada concretizadora, em que a indenização deverá corresponder, na medida do possível, aos prejuízos efetivamente sofridos e, por consequência, devidamente comprovados pela vítima.”15 Conforme Ministro Sanseverino16, “a plena reparação do dano deve corresponder à totalidade dos prejuízos efetivamente sofridos pela vítima do evento danoso (função compensatória), não podendo, entretanto, ultrapassá-los para evitar que a responsabilidade civil seja causa para o enriquecimento injustificado do prejudicado (função indenitária), devendo-se estabelecer uma relação de efetiva equivalência entre a indenização e os prejuízos efetivos derivados dos danos com avaliação em concreto pelo juiz (função concretizadora)” B) Classificação que distingue função compensatória da função reparadora: Enquanto a função reparadora determina reparação de todo o dano, restaurando a situação a um estado anterior ao acontecimento da causa, a função compensatória, restrita aos danos extrapatrimoniais, busca compensar o prejuízo à esfera da personalidade da vítima o quanto possível, considerando impossível a restituição integral. Nesse sentido, distinguindo o “compensar” do “reparar”. 3.2.2 Tarifamento legal e Método Bifásico O quantum indenizatório pode ser definido por tarifamento legal, predeterminação do legislador de um mínimo e de um máximo para um determinado ilícito, ou por arbitramento, o qual é realizado por um árbitro mediante análise das circunstâncias fáticas. Conforme artigo 953, a definição do dano deve seguir os métodos de arbitramento e não de tarifamento legal, o qual encontra rejeição da jurisprudência: “A indenização por dano moral não está sujeita à tarifação prevista na Lei de Imprensa” (Súmula 281 STJ). Dentre os métodos de arbitramento utilizados para definição do quantum indenizatório decorrente de danos extrapatrimoniais, o bifásico é o que demonstra- ser mais apto a garantir equidade e segurança jurídica. Como próprio nome 15 LAGO, Alexandra Magro. Exceção ao princípio da reparação integral do dano na responsabilidade civil objetiva. Porto Alegre. 2011. P. 17 16 SANSEVERINO, P. T. V, Princípio da Reparação Integral, Ed. Saraiva, 2011, p.58 15 pressupõe, o método é divido em duas fases, na primeira “arbitra-se o valor básico ou inicial da indenização, considerando-se o interesse jurídico lesado, em conformidade com os precedentes jurisprudenciais acerca da matéria (grupo de casos). Assegura-se, com isso, uma exigência da justiça comutativa que é uma razoável igualdade de tratamento para casos semelhantes, assim como que situações distintas sejam tratadas desigualmente na medida em que se diferenciam”17. É importante salientar que na primeira fase o julgador deve valorizar a jurisprudência regional primeiramente, tendo em vista as diferenças sociais entre os Estados da Federação, a exemplo da expectativa de vida média. Já na segunda da fase “procede-se à fixação definitiva da indenização, ajustando-se o seu montante às peculiaridades do caso com base nas suas circunstâncias. Partindo-se, assim, da indenização básica, eleva-se ou reduz-se esse valor de acordo com as circunstâncias particulares do caso (gravidade do fato em si, culpabilidade do agente, culpa concorrente da vítima, condição econômica das partes) até se alcançar o montante definitivo. Procede-se, assim, a um arbitramento efetivamente eqüitativo, que respeita as peculiaridades do caso”18. Sendo assim, na primeira fase, mais ampla que a segunda, busca-se a observância do princípio da igualdade diante de casos assemelhados, gerando segurança jurídica, e na segunda a realização da função concretizadora, majorando ou reduzindo o montante fixado na primeira fase de acordo com as circunstâncias peculiares ao caso. Parte-se de uma situação geral (primeira fase) para uma situação específica (segunda fase). Não há determinação legal acerca de quais peculiaridades do caso concreto devem ser relevantes para definição do quantum indenizatório, sendo a construção de tais critérios fruto de um trabalho doutrinário e jurisprudencial. São os principais critérios utilizados: A) Dimensão do dano; B) Culpabilidade do agente; C) Culpa concorrente; D) Condições econômicas do ofensor; E) Condições especiais da vítima; F) Interesse jurídico lesado (direito de personalidade atingido); Dimensão do dano A gravidade do fato em si e as consequências para a vítima. Culpabilidade do agente Para o reconhecimento da existência de um ilícito, não é relevante se o agente incorreu em dolo ou culpa, no entanto, o grau de culpa é uma circunstância importante na definição do quantum indenizatório. Culpa concorrente da vítima e do autor É a circunstância que a vítima também possui culpa ou pelo acontecimento do fato ou pelas consequências do ocorrido. É uma atenuante ou minorante, interferindo na composição do 17 STJ - REsp: 959780 ES 2007/0055491-9, Relator: Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Data de Julgamento: 26/04/2011, T3 - TERCEIRA TURMA, Data dePublicação: DJe 06/05/2011. Pag. 17 18 Ibidem 16 dano. Por exemplo, em acidente de trânsito, uma moto com duas pessoas, o motorista distrai-se causando um acidente, o carona cai bate a cabeça. É deveras relevante se estava usando ou não capacete, levando ao reconhecimento ou não de uma culpa concorrente. Condição econômica do ofensor: É um critério um tanto duvidoso e controvertido. A exemplo de um ilícito causado por uma grande empresa, esse critério poderia ser utilizado para majorar a indenização. Dois aspectos dentro desse critério são importantes: A) Se o agente, em decorrência de sua situação econômica, poderia ter evitado o dano. B) Se praticou o ilícito porque economicamente era atraente do que uma possível responsabilização civil. Entretanto, a mera justificação de que o agente causador do dano possui alta condição econômica não se mostra razoável para majoração da indenização. Condições especiais da vítima: Um dano estético, por exemplo, não pode ser tratado de forma igual em relação a um cidadão que não depende de sua estética como meio de trabalho e um ator ou uma modelo, nos quais, certamente, o prejuízo decorrente do dano estético causa maiores prejuízos. Interesse jurídico do lesado: De acordo com aquilo que efetivamente é atingido na personalidade da vítima. 3.3 Indenização por dano-morte É uma das situações mais complicadas de serem analisadas diante do caso concreto. Por morte entende-se a perda da vida alguém em razão de um ilícito. Por exemplo: Em um acidente de trânsito a vítima falece. Os legitimados para requererem a indenização são os familiares. O dano ou prejuízo a ser indenizado, que pode versar sobre direitos de personalidade ou sobre perda econômica, é para os familiares e não, logicamente, para quem morre, tendo dois aspectos: A) Extrapatrimonial (ex.: A dor de não conviver mais com a pessoa que morreu); B) Patrimonial (Ex.: O quanto a vítima contribuía para manutenção econômica dos dependentes). Ambos os aspectos do dano são cumuláveis. Quanto à definição de familiares para fins de legitimidade processual, ordinariamente, são considerados legitimados as pessoas mais próximas da vítima, prescindindo de vínculo sanguíneo, sendo mais relevante a comprovação de afinidade, em relação aos danos extrapatrimoniais, e de dependência econômica quando os danos forem patrimoniais. 17 Outra problemática acerca da questão é se o simples fato de uma pessoa ser testemunha de uma morte a legitima a requerer dano decorrente do acontecimento, pelo desenvolvimento de um possível trauma. Em uma espaço público, a questão tem uma dimensão menor, com pouca probabilidade de ser considerada causa para indenização civil. No entanto, quando se trata de uma instituição bancária, por exemplo, ainda que ninguém tenha apontado a arma ou roubado dinheiro do sujeito, se for considerada a responsabilidade do banco pela segurança das pessoas que nele estão presentes, pode ser considerado caso de responsabilização civil, ainda que a pessoa tenha sido apenas testemunha. Sobre os danos patrimoniais em decorrência da morte de pessoa que possui dependentes, diversas circunstâncias do caso concreto são relevantes como a idade da vítima, sua expectativa de vida, local onde morava, medida das contribuições tributárias etc.. O princípio da integralidade (Art. 944) não faz proporcionalidade com o que efetivamente a vítima auferia economicamente, já que raramente alguém contribui com 100% de seus ganhos para seus dependentes. Desse modo, a jurisprudência dominante entende que se deve excluir, em média, 1/3 do valor total, valor esse compreendido como gastos pessoais da vítima. 4. Objetivação da responsabilidade civil A principal finalidade de tornar a responsabilidade objetiva, independente da prova de culpa, é facilitar a atribuição de responsabilidade ao causador do dano, objetivando a prova. Corriqueiramente, a objetivação ocorre nas relações de consumo, dada proteção aos consumidores estabelecida pelo CDC, a exemplo da equiparação das vítimas do evento a consumidores (Art 17). Nas relações de consumo, atribui-se ao fornecedor a responsabilidade objetiva pela segurança do produto ou serviço fornecido, atribuindo-lhe o ônus de provar que buscou evitar o dano. “Art. 12. O fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador respondem, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes de projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas, manipulação, apresentação ou acondicionamento de seus produtos, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua utilização e riscos.” “§ 3° O fabricante, o construtor, o produtor ou importador só não será responsabilizado quando provar: I - que não colocou o produto no mercado; 18 II - que, embora haja colocado o produto no mercado, o defeito inexiste; III - a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro.” 4.1 Responsabilidade dos profissionais liberais O artigo 14, §4 do código de defesa do consumidor trata da hipótese dos profissionais liberais (médicos, advogados, nutricionistas, dentistas etc...). Nesse caso, a responsabilidade foi definida como subjetiva - “Art 14. § 4° A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa.” – quando esse artigo menciona que deve ser verificada a culpa do profissional liberal está estabelecendo a regra de que a responsabilidade desses profissionais é subjetiva. Quando a obrigação assumida pelo profissional liberal é de meio, a doutrina é unânime em apontar que a responsabilização pelos danos causados depende de prova de culpa – responsabilidade subjetiva. No entanto a obrigação se assumida for de resultado, há divergência nos entendimentos. Parcela da doutrina simplesmente considera responsabilidade objetiva sempre que a obrigação assumida for de resultado, e outra, em uma interpretação alternativa, considera que a responsabilidade continua sendo subjetiva, mas com culpa presumida. “A responsabilidade do profissional liberal é sempre subjetiva, sendo necessária a verificação dos elementos caracterizadores da culpa (negligência, imprudência ou imperícia), nos termos da exceção prevista no art. 14, § 4º do CDC. - O dentista, em regra, não tem obrigação de meio, mas de resultado, considerando-se as técnicas inovadoras disponíveis na atualidade que proporcionam o resultado pretendido pelo paciente. - A responsabilidade continua sendo subjetiva, porém com culpa presumida, já que o réu assume obrigação de resultado. - No caso, o autor alega que não obteve sucesso no tratamento odontológico que contratou com o réu. (...) Há nexo de causalidade entre os fatos narrados e os danos causados, o que impõe o dever de indenizar, ante a manifesta responsabilidade subjetiva pela culpa na modalidade de imperícia. - Danos materiais devidamente provados.”19 19 TJ-RJ - APL: 00322057320118190202 RJ 0032205-73.2011.8.19.0202, Relator: DES. PETERSON BARROSO SIMÃO, Data de Julgamento: 19/11/2014, VIGÉSIMA QUARTA CAMARA CIVEL/ CONSUMIDOR, Data de Publicação: 26/11/2014 19 Responsabilidade subjetiva com culpa presumida: i) inversão do ônus da prova. ii) imprescindível verificação da culpa para responsabilização. Responsabilidade objetiva: Não exige culpa para responsabilização. Para o acusado eximir-se da responsabilidade deve provar inexistência de nexo causal. (Facultado ação regressiva contra terceiro responsávelpelo dano, se for o caso) “A cirurgia estética gera obrigação de resultado para o médico, cuja responsabilidade é subjetiva e para a clínica de estética com responsabilidade objetiva. Para que se conclua pela responsabilidade, no entanto, é necessário que estejam presentes os requisitos da responsabilidade civil, quais sejam: dano, conduta culposa e nexo de causalidade. Concluindo a perícia médica pela ausência de erro médico e de falha na prestação do serviço do hospital, têm-se como elidido o nexo de causalidade entre o dano e a conduta, apto a afastar tanto a responsabilidade subjetiva como a objetiva. Recurso conhecido e improvido.”20 (nesse caso o médico não é profissional liberal. A Clínica empregadora tem responsabilidade objetiva – com direito de regresso – e o médio empregado responsabilidade subjetiva. Como considerou-se a responsabilidade objetiva da clínica, o único meio para eximir-se reponsabilidade é a comprovação de inexistência de nexo causal, como aconteceu no caso em questão) Portanto, no caso do erro médico, quando há relação trabalhista entre clínica e empregado, há unanimidade tanto na doutrina quanto na jurisprudência no sentido de que a clínica responde objetivamente o médico subjetivamente. Já no caso do profissional liberal, incluindo os médicos liberais, há dois entendimentos quando obrigação assumida for de resultado, um no sentido de que a responsabilidade é subjetiva com culpa presumida, isto é, invertendo-se o ônus da prova e exigindo-se a culpa para responsabilização, e outro de que a responsabilidade é objetiva, prescindindo de culpa, sendo única hipótese de afastamento da responsabilidade a comprovação de inexistência de nexo causal. 4.2 Responsabilidade do empregador A responsabilidade objetiva do empregador justifica-se pela teoria do risco criado, segundo a qual quem põe em funcionamento determinada atividade responde pelos eventos danosos que essa atividade gera para os indivíduos, independentemente 20 TJ-DF - APC: 20130110284800, Relator: HECTOR VALVERDE SANTANNA, Data de Julgamento: 13/05/2015, 6ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado no DJE : 19/05/2015 . Pág.: 365) 20 de culpa. Sendo a responsabilidade do empregador, para eximir-se da responsabilização, ele deve provar a inexistência de nexo causal, isto é, mostrar a ausência de relação entre a atividade desempenhada pelo empregado e as atividades da empresa. 4.3 Responsabilidade do Estado Conforme artigo 37, §6º da Constituição Federal: “As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.” Sendo assim, a responsabilidade civil do Estado é objetiva (teoria do risco administrativo), com direito de regresso, e a dos agentes públicos é subjetiva, devendo ser comprovado o dolo ou a culpa. Exemplo: Acidente envolvendo uma viatura da Polícia Federal e um particular. A responsabilidade da União é objetiva e dos policiais subjetiva. Quando a responsabilidade do Estado for de guarda, a responsabilização por omissão precisa da comprovação da omissão (responsabilidade subjetiva). São exemplos: A responsabilidade pelo suicídio de um preso; A responsabilidade pelo acidente de uma criança em escola pública. 4.4 Finalidades da objetivação da responsabilidade civil São três as principais finalidades da objetivação da responsabilidade civil: Facilitação à atribuição de responsabilidade ao causador do dano: Exemplos: objetivação nas relações de consumo, onde os vulneráveis – os consumidores – não precisam demonstrar a culpa dos fornecedores. Facilitação da comprovação pelos empregados (mais vulneráveis da relação contratual) em caso de acidentes de trabalho, cabendo ao empregador demonstrar a inexistência de nexo causal. Relevância ao pressuposto do risco inerente à atividade: Utilizada como fundamento para objetivação da responsabilidade daquele que se propõe a exercer determinada atividade empresarial. Justifica a responsabilidade objetiva da clínica empregadora do médico. Imposição ao responsável de afastamento da culpa do agente ou da relação de vigilância pressuposta: Por exemplo, se um empregado, por ausência de uso dos meios de segurança adequados, os quais não foram fornecidos, deixa cair objeto sobre pessoa que passa na rua, a responsabilidade do empregador, 21 quem é responsável por afastar a culpa e possui o dever de vigilância sobre o empregado, é objetiva. 4.5 Hipóteses de exclusão da responsabilidade objetiva São excludentes do nexo de causalidade, afastando a responsabilidade objetiva: A) Culpa exclusiva ou fato exclusivo da vítima B) Culpa exclusiva ou fato exclusivo de terceiro C) Caso fortuito: Totalmente imprevisível decorrente de ato humano ou evento natural D) Força maior: Evento previsível, mas inevitável ou irresistível A responsabilidade civil objetiva pode ter fundamento nas teorias: A) Do risco criado; (Agente cria o risco voluntariamente) B) Do risco administrativo; (Responsabilidade do Estado) C) Do risco-proveito; (agente retira do risco um proveito lucrativo) D) Do risco integral. Nessa última categoria citada, a do risco integral, nem mesmo as excludentes do nexo causal afastam a responsabilização civil, a qual é caracterizada mediante a simples comprovação do dano. É exemplo de atividade que assume o risco integral a exploração do meio ambiente, onde os responsáveis pela atividade devem responder por quaisquer danos causados, tratando-se de direito humano fundamental e de interesse público.
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