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CAPÍTULO 3 AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE E INQUÉRITO POLICIAL MILITAR: O DIREITO DE PERMANECER EM SILÊNCIO 3. Introdução 3.1. Auto de prisão em flagrante 3.1.1. Introdução e conceituação 3.1.2. Espécies de prisão em flagrante delito 3.1.2.1. Flagrante impróprio ou quase-flagrante: o que é o “logo após”? 3.1.2.2. Flagrante presumido ou ficto 3.1.3. Flagrante preparado 3.1.4. Apresentação voluntária 3.1.5. Direito de permanecer em silêncio 3.1.6. Formalidades do auto de prisão em flagrante e liberdade provisória 3.2. Inquérito policial militar 3.2.1. Introdução e conceituação 3.2.2. Natureza jurídica e finalidade 3.2.3. Instauração do inquérito policial militar 3.2.4. Inexistência do contraditório e da ampla defesa 3.2.5. Direito de permanecer em silêncio 3.2.6. Art. 16 do CPPM: sigilo do inquérito policial militar 3.2.7. Art. 17 do CPPM: incomunicabilidade do preso 3.2.8. Art. 18 do CPPM: detenção cautelar do militar por decisão do encarregado do inquérito policial militar 3.2.9. Pedido de prisão preventiva e menagem pelo encarregado do inquérito policial militar Esta é uma cortesia do Dr. Diógenes Gomes a todos os militares deste País. O site do autor é: www.diogenesadvogado.com A obra completa pode ser adquirida no seguinte site: www.editoradfjuridica.com 3. INTRODUÇÃO Este capítulo é muito interessante, em virtude de que a quase totalidade do militares desconhecem como são os procedimentos do auto de prisão em flagrante (APF) e do inquérito policial militar (IPM). O CPPM dispõe sobre como estes procedimentos policiais deverão ser realizados, no entanto, há normas internas castrenses específicas sobre o APF e IPM, e neste capítulo, a título de exemplificação, realizarei alguns comentários sobre as normas internas do Comando da Aeronáutica. O APF e o IPM poderão resultar na efetivação de denúncia por parte do Ministério Público Militar (MPM) e se recebida pelo Juiz-Auditor, o militar será processado e julgado perante a Justiça Militar. 3.1. AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE 3.1.1. INTRODUÇÃO E CONCEITUAÇÃO Este capítulo trata da prisão do militar em flagrante delito, ou seja, da prisão realizada nas hipóteses previstas no art. 244 do CPPM. Decidi escrever sobre em tema, em decorrência do acontecido com um cliente militar da Aeronáutica que foi preso em flagrante, embora não estivesse enquadrado em nenhuma das hipóteses do art. 244. Aproveito a transcrevo a seguinte Súmula Vinculante do STF: SÚMULA VINCULANTE nº 11 “Só é lícito o uso de algemas em casos de resistência e de fundado receio de fuga ou de perigo à integridade física própria ou alheia, por parte do preso ou de terceiros, justificada a excepcionalidade por escrito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade e de nulidade da prisão ou do ato processual a que se refere, sem prejuízo da responsabilidade civil do Estado (grifo meu).” O inciso LXI do art. 5º da CF/88 autoriza a prisão da pessoa que estiver em flagrante delito53, então vejamos: “LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito (grifo meu) ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;” Então, devemos conceituar o que seja flagrante delito, para após, adentrarmos no estudo desta exceção à prisão de uma pessoa, e ninguém melhor do que Mirabete54, quando assim ensina: 53 Caso a prisão em flagrante seja ilegal, caberá ao Advogado efetivar pedido de relaxamento de prisão ao Juiz-Auditor competente. Sendo negado, caberá habeas corpus ao STM, e este, também, negando, caberá a interposição de recurso ordinário no habeas corpus para o STF. Em sendo a prisão em flagrante legal, o Advogado poderá requerer liberdade provisória ao Juiz-Auditor, e caso seja indeferida e decretada a prisão preventiva, caberá pedido ao magistrado militar de revogação desta ou impetração direta de habeas corpus perante o STM, e sendo negado, caberá recurso ordinário para o STF. Não me aprofundarei sobre o estudo dos instrumentos jurídicos cabíveis para obter a liberdade do preso por flagrante delito ou em decorrência da decretação da prisão preventiva, pois foge ao objeto de nosso estudo. 54 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de processo penal interpretado. Editora Atlas: São Paulo, 2000. 7ª ed., pág. 636 “Prisão em flagrante é um ato administrativo, como deixa entrever o art. 30155, uma medida cautelar de natureza processual que dispensa ordem escrita e é prevista expressamente pela Constituição Federal (art. 5º, LXI).” “Em sentido jurídico, flagrante é uma qualidade do delito, é o delito que está sendo cometido, praticado, é o ilícito patente, irrecuperável, insofismável, que permite a prisão do seu autor, sem mandado, por ser considerado a “certeza visual do crime”.” A prisão em flagrante delito ilegal será relaxada pelo Juiz-Auditor, caso não enquadrada em qualquer das hipóteses previstas no art. 244 do CPPM. 3.1.2. ESPÉCIES DE PRISÃO EM FLAGRANTE O art. 243 e 244 do CPPM, respectivamente, dispõem sobre quem poderá prender pessoa em estado de flagrância criminal e as modalidades de flagrante delito: “Pessoas que efetuam prisão em flagrante Art. 243. Qualquer pessoa poderá e os militares deverão prender quem for insubmisso ou desertor, ou seja encontrado em flagrante delito.” “Sujeição a flagrante delito Art. 244. Considera-se em flagrante delito aquele que: a) está cometendo56 o crime; b) acaba57 de cometê-lo; c) é perseguido58 logo após o fato delituoso em situação que faça acreditar se ele o seu autor; d) é encontrado59, logo depois, com instrumentos, objetos, material ou papéis que façam presumir a sua participação no fato delituoso. Infração permanente Parágrafo único. Nas infrações permanentes, considera-se o agente em flagrante delito enquanto não cessar a permanência.” Assim, não tendo a prisão sido executada em decorrência de uma das modalidades de flagrante previstas nas letras “a” até “d” ou em virtude de prisão por crime de natureza infracional permanente60, não há que se falar em flagrante delito. Uns exemplos práticos de crimes permanentes na caserna é a posse de entorpecentes para uso próprio e a deserção, conforme já analisado pelo STM, então vejamos: “EMENTA: HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DA AÇÃO PENAL. ART. 290 DO CPM. GUARDA PARA USO PRÓPRIO DE SUBSTÂNCIA ENTORPECENTE. REVISTA NO ARMÁRIO DO PACIENTE CONFORME NORMA DO PLANO BÁSICO DE INSTRUÇÃO MILITAR. CRIME PERMANENTE. FLAGRÂNCIA. 55 Refere-se ao Código de Processo Penal Comum. 56 Conhecido como flagrante próprio. 57 Também chamado de flagrante próprio. 58 Denominado de flagrante impróprio ou quase-flagrante. 59 É o flagrante presumido. 60 Exemplo: extorsão mediante sequestro. ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO DA INTIMIDADE OU DO DOMICÍLIO NÃO CARACTERIZADOS (art. 5º, incisos X e XI da CF/88). I - A guarda de substância entorpecente é crime permanente. Pode o agente em estado de flagrância ser surpreendido pela autoridade policial militar, sem necessidade de mandado judicial. Precedentes do Supremo Tribunal Federal. II - O Plano Básico de Instrução Militar regulamenta os artigos 3º e 4º da Lei nº 6.368/1976, que introduziu o Sistema Nacional de Prevenção, Fiscalização e Repressão ao tráfico e uso de drogas ilícitas, atualmente expresso na Lei nº 10.409/2001. HABEAS CORPUS conhecido para denegação da ordem por falta de amparo legal. Unânime.” (STM – HC nº 2002.01.033766-0/RS – Rel. Min. José Coelho Ferreira, j. 01.10.02, DJ de 24.10.2002) “EMENTA: “HABEAS CORPUS”. BUSCA PREVENTIVA PARA LIVRAR O PACIENTE DE PRISÃO COMO DESERTOR. PETIÇÃO DESCABIDA. ORDEM DENEGADA. Além de ser delito propriamente militar, a deserção se classifica como crime permanente, mantendo-se, então, o trânsfuga em contínuo estado de flagrante delito, situação determinante, “ex vi legis”, que se vejapreso o desertor e mantido em custódia preventiva à disposição da Justiça Militar. Inteligência dos Arts. 243 e 452 do CPPM. Sustentação de tese que, “in concreto”, não oferece quaisquer razões para salvaguardar o Paciente dos efeitos da IPD lavrada contra si. “Writ” conhecido e denegado por falta de amparo legal. Decisão por unanimidade.” (STM – HC nº 2007.01.034308-3/RJ – Rel. Min. Alfredo Lourenço Santos, j. 08.05.07, DJ de 05.01.2007) Em relação às espécies de flagrante, ater-me-ei apenas às letras “c” e “d”, pois entendo que são os mais importantes e necessários de discussão. 3.1.2.1.FLAGRANTE IMPRÓPRIO OU QUASE-FLAGRANTE: O QUE É O “LOGO APÓS”? Nesta espécie de flagrante61, o autor do crime é perseguido “logo após” o cometimento do delito, entretanto, há a seguinte polêmica jurídica em relação a esta letra “c”: qual o limite temporal da expressão “logo após”? Esta expressão é esclarecida da seguinte forma por Mirabete62: “Deve-se entender que o “logo após” do dispositivo é o tempo que ocorre entre a prática do delito e a colheita de informações a respeito da identificação do autor, que passa a ser imediatamente perseguido após essa rápida investigação realizada por policiais ou particulares. Por isso, tem-se entendido que não importa se a perseguição é iniciada por pessoas que se encontravam no local ou pela polícia, 61 Há um “mito urbano” de que uma pessoa poderá “livrar o flagrante” se não for presa após 24 (vinte e quatro) horas depois do cometimento do delito. Isso é completamente incorreto. Assim, por exemplo, caso uma pessoa cometa um delito e fique escondida por mais de 24 (vinte e quatro) horas com o objetivo de “livrar o flagrante”, e a polícia esteja em sua procura (perseguição) e venha a lhe capturar, restará configurado o flagrante delito, nos termos da letra “c” do art. 244. O que importa é que a polícia permaneça em perseguição contínua. No texto legal penal, seja no comum (CP 306) ou militar (CPM 247), o prazo de 24 (vinte e quatro) horas é para a entrega da nota de culpa à pessoa presa em flagrante delito, onde constará o motivo da prisão, o nome do condutor e os nomes das testemunhas. 62 MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de processo penal interpretado. Editora Atlas: São Paulo, 2000. 7ª ed., pág. 640. diante de comunicação telefônica ou radiofônica. Deve-se ter em conta, porém, que tal situação não se confunde com uma demorada investigação a respeito dos fatos. Iniciada a perseguição logo após o crime, sendo ela incessante nos termos legais (art. 290, § 1º), não importa o tempo decorrido entre o momento do crime e a prisão do seu autor. Tem-se admitido pacificamente que esse tempo poder ser de várias horas, ou mesmo de dias” Em não havendo perseguição prévia, a prisão em flagrante será nula, cabendo o relaxamento da mesma pelo Juiz-Auditor e anulação do APF, conforme já analisado pelo STM: “EMENTA: Prisão em Flagrante. Perseguição. Justa causa. Prazo para formalização do APF. Comunicação à autoridade Judiciária. Inexistência de definição legal quanto ao prazo para a lavratura do APF. A orientação doutrinária é no sentido de que, em face da lacuna, para este ato adota-se o prazo de 24 horas o qual é previsto para a entrega da nota de culpa ao preso. A comunicação da prisão à autoridade judiciária no prazo de 24 horas não justifica a anulação do APF. Prisão ilegal, no caso, por ausência de perseguição e de justa causa. De acordo com a nova sistemática legal, para a decretação da prisão em flagrante não basta que o auto de prisão esteja revestido de todas as formalidades legais, é necessário que satisfaça os requisitos objetivos e subjetivos autorizadores da decretação da prisão preventiva. Ordem concedida para anular o Auto de Prisão em Flagrante lavrado contra o Paciente (grifos meus). Decisão unânime.” (STM – HC nº 2003.01.033815-2/RS – Rel. Min. Marcos Augusto Leal de Azevedo, j. 24.06.03, DJ de 07.08.2003) Não haverá flagrante delito quando a ocorrência do delito chegar ao conhecimento da autoridade policial após vasto lapso temporal, conforme entendimento do STF: “EMENTA: “Habeas corpus”. Alegação de inépcia da denuncia e de nulidade de auto de prisão em flagrante. Improcedência da alegação de inépcia da denuncia, que encerra todos os elementos que lhe são indispensáveis. Não-ocorrência, porem, de flagrância ou quase-flagrância, uma vez que o crime só chegou ao conhecimento da policia dois dias depois de cometido o crime, sendo que a prisão se verificou dez dias mais tarde. Recurso ordinário a que se dá provimento, em parte.” (STF - HC nº 58773, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, julgado em 15/05/1981) Desta forma, sem a prévia perseguição do suposto autor do delito, não é legal a prisão em flagrante com base na letra “c” do art. 244 do CPPM. 3.1.2.2.FLAGRANTE PRESUMIDO OU FICTO Nesta espécie de flagrante, não há perseguição prévia, sendo que o criminoso é encontrado, logo depois da prática delituosa com alguma “coisa” (instrumento, objeto, material, papéis, e outros) que possa induzir na presunção63 de que tenha cometido um crime. 63 Em exemplo: acontece um roubo em determinado local, sem que se saiba quem seja o autor do delito, entretanto, ocorre de o assaltante ser surpreendido numa blitz com o material do crime. Neste caso, poderá ser considerado suspeito, e caso no decorrer dos procedimentos preliminares da polícia, for constatado que foi o autor do delito, será preso em flagrante presumido. A polêmica neste flagrante está em se saber o que seja “logo depois”, sendo que, na prática, dependerá das circunstâncias concretas do fato e do entendimento do magistrado. Em relação à expressão “logo depois”, o STF tem a seguinte orientação: “EMENTA: HABEAS CORPUS – ROUBO CIRCUNSTANCIADO. FLAGRANTE PRESUMIDO. LIBERDADE PROVISÓRIA INDEFERIDA. FUNDAMENTO APENAS NA GRAVIDADE DO CRIME. EXCESSO DE PRAZO PREJUDICADO PELO DEFERIMENTO DA LIBERDADE PROVISÓRIA. ORDEM CONCEDIDA. 1- É válido o flagrante presumido quando o agente é encontrado, algum tempo após, portando objetos da vítima e o tacógrafo do veículo subtraído. 2- A expressão “logo após” não indica prazo certo, devendo ser compreendida com alguma elasticidade, examinado o requisito temporal caso a caso (grifo meu). 3- O indeferimento da liberdade provisória deve ser fundamentado em fatos concretos e não simplesmente na gravidade do crime, pois esta já está subsumida no próprio tipo legal. 4- Fica prejudicado o exame do excesso de prazo para formação da culpa, se reconhecida a ausência de fundamentação do despacho e do acórdão denegatório da liberdade provisória, com conseqüente alvará de soltura. 5- Ordem concedida, com expedição de alvará de soltura.” (STJ - HC nº 75.114/ MT, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), QUINTA TURMA, julgado em 29/08/2007, DJ 01/10/2007 pág. 317) Vejamos outro exemplo de flagrante presumido analisado pelo STJ: “EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS – FURTO QUALIFICADO – FORMAÇÃO DE QUADRILHA – INÉPCIA DA DENÚNCIA – AUSÊNCIA DE PREJUÍZO – BUSCA E APREENSÃO SEM MANDADO – OCORRÊNCIA DE FLAGRANTE PRESUMIDO – POSSIBILIDADE – NEGADO PROVIMENTO 1 - Não gera a inépcia da denúncia a ausência de indicação exata do tempo de ocorrência do crime, sobretudo quando é determinado o intervalo de tempo e não se evidencia qualquer prejuízo à defesa. 2 - A inviolabilidade do domicílio é excepcionada pela ocorrência de flagrante delito, conforme artigo 5º, XI, da Constituição Federal. 3 - É válido o flagrante presumido quando o objeto furtado é encontrado, após a prática do crime, na residência do acusado. 4 - Negado provimento ao recurso.” (STJ - RHC nº 21.326/PR, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), QUINTA TURMA, julgado em 25/10/2007, DJ 19/11/2007 pág. 247) Assim, não há um prazo fixo para que o autor de um delito seja preso em flagrante presumido. 3.1.3. FLAGRANTE PREPARADO Flagrante preparado64 éaquele que ocorre, quando alguém, de forma ardilosa, enganosa ou traiçoeiramente, instiga o agente a praticar um crime, sendo que, ao mesmo tempo, utiliza todos os meios possíveis para impedir a consumação do delito. Eis um caso prático, e altamente didático, discutido no STM: 64 Diferente é o flagrante esperado, onde não há qualquer preparação do local do crime e nem mesmo o induzimento à prática delituosa, ocorrendo, apenas, que o autor do delito é “aguardado” pelas autoridades policiais. “EMENTA: FURTO - FLAGRANTE PREPARADO (DELITO DE ENSAIO) - OCORRÊNCIA. Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a consumação – Súmula 145 do STF. A mudança do cenário do crime, adredemente montado, colocando-se carteira no interior da pasta da pseudo vítima, deixada semi-aberta, com dinheiro que não lhe pertencia, constituiu-se em forma indireta de instigação . Cenário diverso do dia anterior. Criou-se, pois, uma farsa, distinta da realidade. Repugna, sob o aspecto moral, não aceitar o óbvio, o que os olhos vêem nas filmagens e a prova aponta como certo. Entretanto, não pode o agente estatal, como também a pseudo vítima, no afã de surpreender o “larápio” contumaz, criar cenário ou estimular a ação do mesmo para que possa ser surpreendido. Nesses casos o elemento subjetivo do delito existe em todas as suas circunstâncias, porém, sob o aspecto objetivo não há violação da lei (grifo meu). Embargos providos - absolvição do embargante. Decisão majoritária.” (STM – Embargos nº 1998.01.048087-4/DF – Rel. Min. Carlos Alberto Marques Soares, j. 29.10.98, DJ de 20.01.1999) O STF editou a seguinte Súmula: SÚMULA nº 145 “Não há crime quando a preparação do flagrante pela polícia torna impossível a sua consumação.” O flagrante preparado será imediatamente relaxado pelo Juiz-Auditor, em decorrência da ilegalidade da prisão. 3.1.4. APRESENTAÇÃO VOLUNTÁRIA Cometido o delito e estando o autor em flagrância delituosa, a apresentação voluntária65 do mesmo à autoridade policial não impedirá sua prisão cautelar. Pelo menos, desde 1980, o STF tem entendimento pacificado sobre este tema, conforme se depreende da leitura da seguinte decisão: “EMENTA: “Habeas corpus”. Não descaracteriza a quase-flagrância prevista no inciso IV do artigo 302 do Código de Processo Penal a circunstancia de o agente se entregar à polícia, com a arma do crime, e logo após a sua prática (grifo meu). Estando encerrado o sumário, não mais se pode alegar excesso de prazo. Recurso ordinário a que se nega provimento.” (STF - HC nº 58241, Relator(a): Min. MOREIRA ALVES, julgado em 24/10/1980) Entretanto, caso o autor do delito se entregue à polícia, sem que tenha havia perseguição “logo após” a prática delituosa, não será legal a prisão em flagrante, conforme decisão do STJ, citando precedente do STF: 65 De acordo com o STF e STF, a apresentação voluntária não impede a prisão preventiva, quando presentes os requisitos legais. (STJ – HC nº 75.438/SP – 5ª Turma – Rel. Min. Napoleão Nunes Maia, j. 26.06.07, DJ de 06.08.2007, pág. 578) “EMENTA: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. ART. 121, § 2º, I E IV E ART. 121 C/C O ART. 14, II E ART. 18, I, 2 ª PARTE, NA FORMA DO ART. 70, AMBOS DO CÓDIGO PENAL C/C O ART. 1º DA LEI N.º 8072/90. PRISÃO EM FLAGRANTE. APRESENTAÇÃO ESPONTÂNEA DO PACIENTE. RELAXAMENTO. “Prisão em flagrante. Não tem cabimento prender em flagrante o agente que, horas depois do delito, entrega-se à polícia, que o não perseguia, e confessa o crime. Ressalvada a hipótese de decretação da custódia preventiva, se presentes os seus pressupostos, concede-se a ordem de habeas corpus, para invalidar o flagrante (grifo meu). Unânime.” (STF - RHC n.º 61.442/MT, 2ª Turma, Rel. Min. Francisco Rezek, DJU de 10.02.84). Writ concedido, a fim de que seja relaxada a prisão em flagrante a que se submete o paciente, com a conseqüente expedição do alvará de soltura, se por outro motivo não estiver preso, sem prejuízo de eventual decretação de prisão preventiva devidamente fundamentada.” (HC nº 30.527/RJ, Rel. Ministro FELIX FISCHER, QUINTA TURMA, julgado em 19/02/2004, DJ 22/03/2004 pág. 335) Logo, a apresentação voluntária do autor de um delito, por si só, não impedirá sua prisão em flagrante delito ou mesmo a prisão preventiva, o que dependerá de cada caso concreto. 3.1.5. DIREITO DE PERMANECER EM SILÊNCIO O preso em flagrante delito detém o direito constitucional de não responder qualquer pergunta66 formulada pelas autoridades militares ou civis. Ver tópico 3.2.5. 3.1.6. FORMALIDADES DO AUTO DE PRISÃO EM FLAGRANTE E LIBERDADE PROVISÓRIA Ocorrendo a prisão em flagrante do militar ou civil pelo cometimento de crime militar, lavrar- se-á o APF67, previsto no art. 245 do CPPM. Antes, porém, devem-se cumprir as seguintes formalidades constitucionais previstas nos incisos LXII, LXIII e LXIV do art. 5º da CF/88: “LXII - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada; LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado; LXIV - o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial;” Importante transcrever os seguintes dispositivos processuais penais: 66 Excetuando-se, todavia, seus dados pessoais: nome, endereço, filiação, etc.. 67 Para melhor compreensão deste tópico, interessante ler a ICA 111-3 do Comando da Aeronáutica, que trata do APF no âmbito do Aeronáutica. (Portaria nº 887/GC3, de 02 de agosto de 2005). Íntegra da ICA no site www.diogenesadvogado.com (link “Manual Prático do Militar”). “Lavratura do auto Art. 245. Apresentado o preso ao comandante ou ao oficial de dia, de serviço ou de quarto, ou autoridade correspondente, ou à autoridade judiciária, será, por qualquer deles, ouvido o condutor e as testemunhas que o acompanharem, bem como inquirido o indiciado sobre a imputação que lhe é feita, e especialmente sobre o lugar e hora em que o fato aconteceu, lavrando-se de tudo auto, que será por todos assinado. 1º Em se tratando de menor inimputável, será apresentado, imediatamente, ao juiz de menores. Ausência de testemunhas 2º A falta de testemunhas não impedirá o auto de prisão em flagrante, que será assinado por duas pessoas, pelo menos, que hajam testemunhado a apresentação do preso. Recusa ou impossibilidade de assinatura do auto 3º Quando a pessoa conduzida se recusar a assinar, não souber ou não puder fazê-lo, o auto será assinado por duas testemunhas, que lhe tenham ouvido a leitura na presença do indiciado, do condutor e das testemunhas do fato delituoso. Designação de escrivão 4º Sendo o auto presidido por autoridade militar, designará esta, para exercer as funções de escrivão, um capitão, capitão-tenente, primeiro ou segundo-tenente, se o indiciado for oficial. Nos demais casos, poderá designar um subtenente, suboficial ou sargento. Falta ou impedimento de escrivão 5º Na falta ou impedimento de escrivão ou das pessoas referidas no parágrafo anterior, a autoridade designará, para lavrar o auto, qualquer pessoa idônea, que, para esse fim, prestará o compromisso legal.” “Recolhimento à prisão. Diligências Art. 246. Se das respostas resultarem fundadas suspeitas contra a pessoa conduzida, a autoridade mandará recolhê-la à prisão, procedendo-se, imediatamente, se for o caso, a exame de corpo de delito, à busca e apreensão dos instrumentos do crime e a qualquer outra diligência necessária ao seu esclarecimento.” “Nota de culpa Art. 247. Dentro em vinte e quatro horas após a prisão, será dada ao preso nota de culpa assinada pela autoridade, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os das testemunhas. Recibo da nota de culpa 1º Da nota de culpa o preso passará recibo que seráassinado por duas testemunhas, quando ele não souber, não puder ou não quiser assinar. Relaxamento da prisão 2º Se, ao contrário da hipótese prevista no art. 246, a autoridade militar ou judiciária verificar a manifesta inexistência de infração penal militar ou a não participação da pessoa conduzida, relaxará a prisão. Em se tratando de infração penal comum, remeterá o preso à autoridade civil competente.” O APF será remetido ao Juiz-Auditor, conforme previsão contida no art. 251 do CPPM: “Remessa do auto de flagrante ao juiz Art. 251. O auto de prisão em flagrante deve ser remetido imediatamente ao juiz competente, se não tiver sido lavrado por autoridade judiciária; e, no máximo, dentro em cinco dias, se depender de diligência (grifos meus) prevista no art. 246. Passagem do preso à disposição do juiz Parágrafo único. Lavrado o auto de flagrante delito, o preso passará imediatamente à disposição da autoridade judiciária competente para conhecer do processo.” Em relação ao art. 251, tem-se por cabível tecer comentários sobre o prazo para a remessa do APF, isto porque, não raras vezes, a autoridade policia militar não cumpre o prazo fixado neste dispositivo, o que, sem dúvidas, irá contribuir significativamente para a demora na soltura do preso mediante o pedido de liberdade provisória68. A Procuradoria da Justiça Militar de Pernambuco fez a seguinte recomendação69 às autoridades policiais militares (LC nº 75/93, inciso XX, art. 6º): “Recomendo, nos termos do artigo 6º, inciso XX da Lei Complementar n.75 que, tão logo lavrado, o APF deverá ser remetido à justiça militar, sendo enviada cópia dos documentos comprobatórios da legalidade da prisão (o que inclui o próprio APF, evidentemente) ao Ministério Público Militar, o que poderá ser feito, até mesmo, por FAX. As comunicações previstas no artigo 10 da Lei Complementar n.75 e Artigo 5º, inciso LXII da Constituição devem ser feitas imediata e diretamente ao Ministério Público Militar e à Justiça Militar – isto é, a ambos – independentemente de quaisquer comunicações a outros órgãos, militares ou não. O prazo de cinco dias mencionado no artigo 251 do CPM é relativo, apenas, aos casos em que há necessidade de diligências – incluídos exames, perícias e outros – e sem prejuízo da remessa imediata de cópia do APF e outros documentos, mencionada acima.” Caso a autoridade policial descumpra o disposto no art. 251 poderá, em tese, ser responsabilizada administrativamente, criminalmente e civilmente. Em sendo ilegal a prisão, o Juiz-Auditor deverá relaxá-la, entretanto, sendo legal a custódia, estando presentes os requisitos autorizadores da concessão de liberdade provisória será seu dever conceder a liberdade, nos termos dos seguintes incisos do art. 5º da CF/88: “LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária; LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança;” O art. 253 do CPPM prevê casos específicos em que o flagranteado livrar-se-á solto, por iniciativa70 judicial, em decorrência da concessão de liberdade provisória71, então vejamos: 68 Isso porque o Juiz-Auditor somente poderá analisar o pedido de liberdade provisória, caso esteja na posse do APF. E ainda, tem-se, em regra, que o Juiz-Auditor, antes de decidir sobre a liberdade provisória, envia o APF ao MPM, a fim de que este ofereça parecer sobre o pedido de liberdade provisória. Ressalte-se, todavia, que o Juiz-Auditor está autorizado a decretar a liberdade provisória do flagranteado sem prévia ouvida do MPM, assim como relaxar a prisão, caso seja ilegal. 69 Ofício nº __ /2003 – PJM/Recife/PE (Circular) de 10 de outubro de 2003. 70 O Juiz-Auditor poderá conceder de officio a liberdade provisória, caso não estejam presentes os pressupostos para a decretação da prisão preventiva. 71 No processo penal militar não existe a espécie de liberdade provisória mediante fiança, ou seja, sempre será sem fiança. “Concessão de liberdade provisória Art. 253. Quando o juiz verificar pelo auto de prisão em flagrante que o agente praticou o fato nas condições dos arts. 35, 38, observado o disposto no art. 40, e dos arts. 39 e 42, do Código Penal Militar, poderá conceder ao indiciado liberdade provisória, mediante termo de comparecimento a todos os atos do processo, sob pena de revogar a concessão.” Os artigos citados no art. 253 referem-se às seguintes excludentes discriminadas no Código Penal Militar (CPM): a) art. 35: erro de direito (o autor supõe lícito o fato, por ignorância ou erro de interpretação da lei, se escusáveis); b) art. 38: coação irresistível (violação do dever militar: somente física ou material) ou obediência hierárquica; c) art. 39: estado de necessidade exculpante (o autor protege direito próprio ou de pessoa “íntima” contra perigo certo e atual que não provocou e nem podia evitar, sacrifica direito alheio) e d) art. 42: causas excludentes de ilicitude (estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular de direito). A regra, em sede de liberdade provisória, é de que, em não estando presentes os pressupostos72 autorizadores da decretação da prisão preventiva, cabível a concessão de liberdade. 3.2. INQUÉRITO POLICIAL MILITAR 3.2.1. INTRODUÇÃO E CONCEITUAÇÃO A intenção deste capítulo é esclarecer aos militares sobre as peculiaridades do procedimento inquisitório conhecido como IPM. O IPM está disciplinado nos arts. 9º a 28 do CPPM, estando conceituado no seu art. 9º: “Art. 9º O inquérito policial militar é a apuração sumária de fato, que, nos termos legais, configure crime militar, e de sua autoria. Tem o caráter de instrução provisória, cuja finalidade precípua é a de ministrar elementos necessários à propositura da ação penal. Parágrafo único. São, porém, efetivamente instrutórios73 da ação penal os exames, perícias e avaliações realizados regularmente no curso do inquérito, por peritos idôneos e com obediência às formalidades previstas neste Código.” Tecerei comentários sobre este procedimento, dando dicas de como o militar poderá “encarar” um IPM, porém, desde logo, afirmo, ou melhor, aconselho: nunca, jamais, seja interrogado na condição de investigado em um IPM sem a presença de um Advogado! Durante minha carreira militar, fui submetido, ilegalmente, a 2 (dois) IPMs, sendo ambos arquivados a pedido do MPM, assim, conheço na “própria pele” as “irregularidades” cometidas numa audiência inquisitória. Já acompanhei clientes militares investigados em IPMs e em sindicâncias, e tive, em todas as vezes que intervir para proteger os direitos constitucionais dos mesmos, até mesmo, para preservar o direito ao silêncio. As Forças Armadas e Auxiliares possuem normas internas sobre como conduzir um IPM, todavia, todas, sem exceções, estão subordinadas hierarquicamente ao CPPM. 72 Ver arts. 254 e 255 no tópico 3.2.9. 73 Significa que, caso sejam seguidas as formalidades da lei, os exames, perícias e avaliações realizadas no IPM não serão renovadas (não serão realizados novamente) em juízo, assim, tais atos terão as mesmas validades das provas produzidas em 3.2.2. NATUREZA JURÍDICA E FINALIDADE O primeiro ponto a ser discutido é sobre a natureza jurídica do IPM74, sendo este um procedimento inquisitorial, ou seja, que objetiva a apuração sumária de fato que constitua, em tese, crime militar e de sua autoria. Não é da essência do IPM o contraditório e à ampla defesa, por isso, todo o cuidado é pouco, quando o militar, na condição de investigado, responder às perguntas dos superiores hierárquicos. Para se ter uma idéia do que estou falando, citarei um caso prático: um cliente era testemunha no IPM (foi sem Advogado) e, acabou, inocentemente, sendo denunciado por crime militar. Ora, se uma testemunha, ao final do IPM, pode vir a ser indiciada, embora inocente, imaginem o que poderá acontecero próprio investigado. Em caso de prisão em flagrante, os próprios autos poderão, em determinados casos, constituir o IPM, conforme disposição contida no art. 27 do CPPM: “Art. 27. Se, por si só, for suficiente para a elucidação do fato e sua autoria, o auto de flagrante delito constituirá o inquérito, dispensando outras diligências, salvo o exame de corpo de delito no crime que deixe vestígios, a identificação da coisa e a sua avaliação, quando o seu valor influir na aplicação da pena. A remessa dos autos, com breve relatório da autoridade policial militar, far-se-á sem demora ao juiz competente, nos termos do art. 20.” O IPM poderá ser dispensado nos seguintes casos: “Art. 28. O inquérito poderá ser dispensado, sem prejuízo de diligência requisitada pelo Ministério Público: a) quando o fato e sua autoria já estiverem esclarecidos por documentos ou outras provas materiais; b) nos crimes contra a honra, quando decorrerem de escrito ou publicação, cujo autor esteja identificado; c) nos crimes previstos nos arts. 341 e 349 do Código Penal Militar.” Em síntese, o IPM75 “procura” 2 (dois) coisas: a materialidade e a autoria do crime militar. E para se chegar a estes objetivos, são efetivadas algumas diligências relativas ao fato, como por exemplos: investigação do local do crime, declarações do suspeito, do ofendido, das testemunhas, realização de exames periciais, avaliações, juntada de documentos, acareações, reconhecimento de pessoas, dentre outros. E para que tudo isso serve? A resposta está no art. 9º: para dar elementos necessários à propositura de denúncia por parte do MPM. Pois, somente será possível denunciar alguém por crime militar se houver, pelo menos, a prova da materialidade delituosa e indícios76 de autoria, conforme disposto no art. 30 do CPPM: 74 O inquérito será iniciado mediante a instauração de portaria pela autoridade policial militar, podendo, inclusive, ser iniciado a requerimento da parte ofendida, nos termos do art. 10 do CPPM. Ou seja, um militar, por exemplo, sentindo-se vitimado por um crime militar cometido por outro militar, poderá requerer, via cadeia de comando, que a autoridade policial militar, em regra, o Comandante da OM, instaure IPM. 75 Porém, ressalte-se, não é obrigatória a instauração de IPM para o oferecimento da denúncia, nos termos do art. 28 do CPPM. 76 Para denunciar bastam indícios (in dubio pro societate), porém para condenar não bastam indícios, mas sim provas irrefutáveis da materialidade e da autoria. Pois, no processo penal militar ou comum vige a regra de que só se condena com prova suficiente da materialidade e da autoria. Na dúvida, restará a absolvição (in dubio pro reo) por falta de provas suficientes para uma condenação. “Art. 30. A denúncia deve ser apresentada sempre que houver: a) prova de fato que, em tese, constitua crime; b) indícios de autoria.” O art. 382 do CPPM informa o que é indício: “Art. 382. Indício é a circunstância ou fato conhecido e provado, de que se induz a existência de outra circunstância ou fato, de que não se tem prova.” Os arts. 77 e 78 prevêem, respectivamente, os requisitos necessários da denúncia e os casos em que será rejeitada, então vejamos: “Requisitos da denúncia Art. 77. A denúncia conterá: a) a designação do juiz a que se dirigir; b) o nome, idade, profissão e residência do acusado, ou esclarecimentos pelos quais possa ser qualificado; c) o tempo e o lugar do crime; d) a qualificação do ofendido e a designação da pessoa jurídica ou instituição prejudicada ou atingida, sempre que possível; e) a exposição do fato criminoso, com todas as suas circunstâncias; f) as razões de convicção ou presunção da delinqüência; g) a classificação do crime; h) o rol das testemunhas, em número não superior a seis, com a indicação da sua profissão e residência; e o das informantes com a mesma indicação. Dispensa de testemunhas Parágrafo único. O rol de testemunhas poderá ser dispensado, se o Ministério Público dispuser de prova documental suficiente para oferecer a denúncia.” “Rejeição de denúncia Art. 78. A denúncia não será recebida pelo juiz: a) se não contiver os requisitos expressos no artigo anterior; b) se o fato narrado não constituir evidentemente crime da competência da Justiça Militar; c) se já estiver extinta a punibilidade; d) se for manifesta a incompetência do juiz ou a ilegitimidade do acusador. Preenchimento de requisitos 1º No caso da alínea a , o juiz antes de rejeitar a denúncia, mandará, em despacho fundamentado, remeter o processo ao órgão do Ministério Público para que, dentro do prazo de três dias, contados da data do recebimento dos autos, sejam preenchidos os requisitos que não o tenham sido. Ilegitimidade do acusador 2º No caso de ilegitimidade do acusador, a rejeição da denúncia não obstará o exercício da ação penal, desde que promovida depois por acusador legítimo, a quem o juiz determinará a apresentação dos autos. Incompetência do juiz. Declaração 3º No caso de incompetência do juiz, este a declarará em despacho fundamentado, determinando a remessa do processo ao juiz competente.” Se denúncia estiver em desacordo com o art. 77 ou não existir prova da materialidade delituosa ou indícios suficientes de autoria, será ilegal o recebimento da mesma pelo Juiz-Auditor, podendo ser remediada mediante a impetração de habeas corpus ao STM. Vejamos uma decisão do STM que considerou ilegal o recebimento da denúncia: “EMENTA: Denúncia - Furto - Materialidade indiscutivelmente provada - Ausência de indícios suficientes de autoria idôneos a impulsionar a ação através da exordial acusatória. A acusação deve fundamentar-se num suporte probatório mínimo, sem o qual não há justa causa para a deflagração da atividade persecutória. Não deve prosperar exordial calcada somente em suposições, quando ausente nos autos de indícios que apontem a autoria certa (grifo meu). Negado provimento ao recurso do Ministério Público Militar. Mantida a decisão que rejeitou a denúncia. Decisão majoritária.” (STM – Recurso Criminal nº 2000.01.006675-1/RJ – Rel. Min. Germano Arnoldi Pedrozo, j. 14.03.00, DJ de 26.04.2000) Como dito, caberá habeas corpus contra o recebimento de denúncia “ilegal”, conforme já pronunciado pelo próprio STM na seguinte decisão: “EMENTA: HABEAS CORPUS. TRANCAMENTO DE AÇÃO PENAL. ART. 251, § 3º DO CPM. O habeas corpus é instrumento hábil para trancar a ação penal em casos de inépcia da denúncia, ausência de indícios de autoria ou de prova de materialidade do delito, atipicidade da conduta ou existência de causa extintiva da punibilidade (grifo meu). Tais hipóteses não se configuram no presente caso. Demais, é curial que em sede de habeas corpus não cabe discutir fatos e provas paralelamente ao processo penal, pois o remédio heróico tem rito célere e não comporta dilação probatória. Ordem denegada. Unânime.” (STM – HC nº 2000.01.033557-9/RS – Rel. Min. José Júlio Pedrosa, j. 08.08.00, DJ de 04.09.2000) Do exposto, tem-se que o IPM é um procedimento inquisitório e com finalidade de obter informações sobre a prática da infração, a fim de fornecer elementos para o MPM oferecer a denúncia77. 3.2.3. INSTAURAÇÃO DO INQUÉRITO POLICIAL MILITAR Dispõe o art. 10, em seu caput e respectivas letras, que o IPM poderá ser iniciado, mediante portaria, nas seguintes hipóteses: “Art. 10. O inquérito é iniciado mediante portaria: a) de ofício, pela autoridade militar em cujo âmbito de jurisdição ou comando haja ocorrido a infração penal, atendida a hierarquia do infrator; b) por determinação ou delegação da autoridade militar superior, que, em caso de urgência, poderá ser feita por via telegráfica ou radiotelefônica e confirmada, posteriormente, por ofício; 77 Não me aprofundarei sobre a denúncia do MPM e seu recebimento, e nem sobre a instrução processual criminal militar, pois fogem do objetivo deste livro, entretanto, certamente, será objeto deum próximo livro. c) em virtude de requisição do Ministério Público; d) por decisão do Superior Tribunal Militar, nos termos do art. 25; e) a requerimento da parte ofendida ou de quem legalmente a represente, ou em virtude de representação devidamente autorizada de quem tenha conhecimento de infração penal, cuja repressão caiba à Justiça Militar (grifo meu); f) quando, de sindicância feita em âmbito de jurisdição militar, resulte indício da existência de infração penal militar.” De todas acima transcritas, dissertarei apenas sobre a letra “e”, pois de interesse para nosso estudo, em virtude de que, não raro, as autoridades policiais militares se negam a instaurar IPM em desfavor de Oficiais. Não raro, também, a autoridade policial militar ao invés de instaurar IPM para investigar indícios de crimes militares, resolve, ilegalmente, instaurar sindicância militar. O problema é que esta poderá ser arquivada sem o consentimento, ou mesmo conhecimento, do MPM e da Justiça Militar. Ou seja, na sindicância, caso a autoridade policial entenda que não há qualquer delito, seja disciplinar ou militar, poderá, simplesmente, arquivar os autos. E, assim, não há como o MPM verificar se havia ou não indícios de crime militar. Já no IPM não é possível que a autoridade policial militar arquive os autos, caso conclua pela inexistência de crimes militares ou de inimputabilidade do indiciado, conforme disposto no art. 24 do CPPM, assim descrito: “Art. 24. A autoridade militar não poderá mandar arquivar autos de inquérito, embora conclusivo da inexistência de crime ou de inimputabilidade do indiciado.” Será, então, obrigatória (art. 23 do CPPM) a remessa dos autos à Auditoria78 Militar da respectiva Circunscrição Judiciária que após o recebimento os enviará ao MPM. A fim de que este ofereça a denúncia (art. 396 do CPPM), ou caso entenda pela inexistência de crime militar, solicite o arquivamento dos autos ao Juiz-Auditor. Caso o Juiz-Auditor concorde com o pedido de arquivamento do IPM, os autos serão arquivados; entretanto, caso o Auditor entenda pelo indeferimento do pedido do MPM, remeterá os autos à Procuradoria Geral da Justiça Militar, conforme disposto no art. 397 do CPPM: “Falta de elementos para a denúncia Art. 397. Se o procurador, sem prejuízo da diligência a que se refere o art. 26, n° I, entender que os autos do inquérito ou as peças de informação não ministram os elementos indispensáveis ao oferecimento da denúncia, requererá ao auditor que os mande arquivar. Se este concordar com o pedido, determinará o arquivamento; se dele discordar, remeterá os autos ao procurador-geral. Designação de outro procurador 1º Se o procurador-geral entender que há elementos para a ação penal, designará outro procurador, a fim de promovê-la; em caso contrário, mandará arquivar o processo. Avocamento do processo 2º A mesma designação poderá fazer, avocando o processo, sempre que tiver conhecimento de que, existindo em determinado caso elementos para a ação penal, esta não foi promovida.” 78 Se o indiciado for Oficial-General, os autos seguirão para o STM, em virtude do art. 6º, inciso I, letra “a”, da Lei nº 8.457/92. A autoridade policial militar deverá, obrigatoriamente, instaurar IPM em caso de haver indícios de crime militar, não podendo, simplesmente, instaurar sindicância militar sob o argumento de melhor analisar os fatos. A Procuradoria da Justiça Militar de Pernambuco fez a seguinte recomendação79: “O Ministério Público Militar recomenda, na forma do artigo 6º, inciso XX da Lei Complementar n. 75 que, para o fiel cumprimento da Lei, deve ser instaurado IPM sempre que, em um certo fato houver indícios de crime militar. Havendo situação de flagrante delito, é obrigatória a prisão e lavratura do respectivo auto. Recomenda, ainda, que, nos casos em que uma conduta esteja prevista como crime e como transgressão, deve prevalecer a possibilidade de ser crime, sendo, da mesma forma, obrigatória a instauração de IPM ou prisão e lavratura de APF, se for o caso. Na hipótese de a autoridade policial militar identificar a necessidade de elucidar dúvidas sobre a natureza de uma conduta, a fim de evitar a instauração supostamente desnecessária de um IPM, mas, ao mesmo tempo, se precaver contra a violação das normas legais, o Ministério Público Militar, como Fiscal da Lei, responsável pelo controle externo da atividade policial e destinatário do Inquérito e do Auto de Prisão em Flagrante, é o Órgão apto a responder a eventuais consultas. Vale ressaltar, no entanto, que qualquer consulta deverá ser efetuada sem prejuízo do disposto no artigo 12 do CPPM, cuja inobservância pode gerar prejuízos irrecuperáveis.” Caso a autoridade policial militar, de má-fé, instaure sindicância ao invés de IPM, e posteriormente, seja constatado que existiam indícios de crime militar na sindicância arquivada, àquele poderá ser processado criminalmente. Vejamos os dizeres de Cláudio80 Amin Miguel e Nelson Coldibelli81: “É que, até por desconhecimento, acabam por arquivar sindicâncias quando há indícios de crime militar, ou seja, subtrai das autoridades competentes a apreciação do fato, o que pode gerar responsabilidade para o próprio comandante, respondendo pelo delito de inobservância de lei, regulamento ou instrução, tipificado no artigo 324 ou, até mesmo, de prevaricação, descrito no artigo 319, ambos do CPM.” Poderá ocorrer, todavia, que a autoridade policial militar não se “interesse82” pela instauração de IPM a pedido da vítima, sendo possível, todavia, que seja feito um requerimento83 diretamente ao MPM. Caso o MPM entenda cabível a investigação do fato, ordenará que a autoridade militar instaure IPM, conforme se depreende das leituras, respectivamente, do art. 129, inciso VII, da CF/88 e do art. 117 da Lei Complementar nº 75/93, assim dispondo: 79 Ofício nº 324/2006 – Circular/DocJur/PJM/Recife/PE de 09 de outubro de 2006. 80 É Juiz-Auditor da 6ª Auditoria do Rio de Janeiro. Seus livros são excelentes. 81 MIGUEL, Cláudio Amin e COLDIBELLI, Nelson. Elementos de Direito Processual Penal Militar. Editora Lúmen Júris: Rio de Janeiro, 2008. 3ª ed., pág. 31 82 No mês de maio de 2009, recebi um telefonema de um militar, que foi vítima de crime militar (contra a honra), informando que o Comandante da OM não queria abrir IPM, então lhe orientei a fazer tal pedido diretamente ao MPM. “Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público: VIII - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial (grifo meu), indicados os fundamentos jurídicos de suas manifestações processuais; ..” “Art. 117. Incumbe ao Ministério Público Militar: I - requisitar diligências investigatórias e a instauração de inquérito policial- militar (grifo meu), podendo acompanhá-los e apresentar provas; II - exercer o controle externo da atividade da polícia judiciária militar.” Abaixo segue transcrição de trecho de uma ordem84 do MPM dirigida ao Comandante do Comando Militar do Nordeste para instaurar IPM, em virtude de denúncias contra um Coronel do Exército: “Senhor Comandante, Cumprimentando-o cordialmente, encaminho a Vossa Excelência o anexo Procedimento Investigatório Criminal (PIC) n.º 03/2008, instaurado pelo signatário nesta Procuradoria de Justiça Militar em Recife/PE, do qual constam veementes indícios da prática de falsum ideológico (art. 312 do CPM), supressão de documento (fl. 316) e prevaricação (art. 319 do CPM) cometidos em concurso material (art. 79 do CPM) por Coronel do Exército, atualmente servindo no Hospital Geral do Recife (HGeR), onde exerce as funções de Diretor. No PIC em anexo há entre as cópias do Documento de Alta de fl. 15 e da Ata de Inspeção de Saúde de fl. 17 insuperável contradição quanto ao tempo de afastamento de militar Capitão do Exército. Ademais disso, existe prova testemunhal de que o Coronel costumava determinar à Junta Médica de Guarniçãoque a conclusão de algumas de suas inspeções fossem aquelas que satisfizessem o Diretor por alguma razão (o que provavelmente pode ter ocorrido em razão de “ordem superior” de algum Oficial-General, o que é sugerido em alguns depoimentos), e, às vezes, que certas conclusões já tomadas pela mesma Junta Médica fossem simplesmente alteradas, como ocorreu com o período de afastamento de um Capitão, que passou de 60 (sessenta) dias (conforme conclusão originária da Junta Médica de Guarnição, cuja Ata, sobre a qual se respaldou o Documento de Alta de fl. 15, simplesmente desapareceu) para 30 (trinta) dias (consoante a fl. 17, muito provavelmente a Ata assim determinada pelo Diretor do HGeR, em lugar da que foi suprimida por sua ordem). Por ora há, no mínimo, crimes de falsidade ideológica (art. 312 do CPM) supressão de documento público (art. 316 do CPM), em concurso material (art. 79 do CPM), imputáveis em tese ao Coronel. Infelizmente, todavia, não é só, Vossa Excelência. Há nos autos do PIC em anexo inegáveis indícios de que o citado Coronel costumava determinar que Capitães tirassem plantão no HGeR, e certos Tenentes Temporários, por incrível que pareça, não tinham o mesmo ônus. É o que restou comprovado, por exemplo, nos depoimentos de fls. 29/41, 93/99, 117/121, 124/129, e 131/135, em que claramente o Coronel se empenha em diminuir consideravelmente a carga de dias de plantão que deveriam ser tirados por Tenentes Temporários, em detrimento de Capitães, que tiram plantão com extrema habitualidade. Isso tudo porque, conforme alegam os depoentes, a redução de dias de plantão foi a condição imposta por certos Tenentes Temporários para continuarem servindo no HGeR! O próprio Tenente Temporário, em seu depoimento de fls. 131/135, deixa isso explícito isso, mais exatamente à fl. 135, quando discorreu: “QUE o depoente, que é Tenente Temporário, tirou 10 (dez) a 12 (doze) plantões no HGeR desde o ano de 2003, isto é, uma média de 2 (duas) vezes por ano, pois foi a condição que o depoente impôs à Diretoria para trabalhar no HGeR. QUE uma Capitão tira uma média de pouco mais de 40 (quarenta) plantões por ano. QUE é realmente incoerente que uma Capitão tire pouco mais de 40 (quarenta) plantões por ano e um Tenente Temporário tire 12 (doze) plantões por ano.” O delito de prevaricação (art. 319 do CPM), assim, impõe-se em tese ao Coronel. Com arrimo no Código de Processo Penal Militar (arts. 7º, 8º e 10, c), na Lei Complementar n.º 75/93 (arts. 7º, II, 8º, II e V, e § 5º, e 117, I) e na Constituição Federal (art. 128, VIII), requisito de Vossa Excelência que, no prazo de 5 (cinco) dias úteis, instaure Inquérito Policial-Militar (IPM) a fim de apurar a materialidade delitiva e a respectiva autoria de crimes militares perpetrados pelo Coronel do Exército, Diretor do HGeR, cuja manutenção do mesmo à frente desta OM, convenhamos, tornou-se insustentável aos olhos do Ministério Público Militar.” A 2ª Câmara de Coordenação e Revisão do Ministério Público Federal (MPF) editou o seguinte enunciado sobre o recebimento de denúncia anônima: Enunciado nº 24 “A notitia criminis anônima é apta a desencadear investigação penal sempre que contiver elementos concretos que apontem para a ocorrência de crime.” (Sessão 464ª, de 15.04.2009) Desta forma, caso não seja instaurado IPM a pedido da vítima de um delito penal militar, será possível requerer diretamente ao MPM. Tal atitude não é considerada transgressão disciplinar, em virtude do direito constitucional de peticionar para a defesa de direitos ou contra ilegalidade ou abuso de poder, nos termos do inciso XXXIV do art. 5º da CF/88. 3.2.4. INEXISTÊNCIA DO CONTRADITÓRIO E DA AMPLA DEFESA Como dito anteriormente, o IPM é um procedimento inquisitorial administrativo, onde não existe, em regra, a possibilidade de defesa do investigado, mas sim a investigação para obtenção de informações sobre a materialidade e a autoria do delito penal militar. Não é cabível o contraditório, ou seja, não se permite a contraprova dos fatos apurados no IPM; assim como não é possível elaborar defesa contra estes fatos, ou seja, impossível, em regra, utilizar todos os meios de prova admitidos em direito para provar sua inocência. O IPM não se presta a possibilitar condições ao exercício do contraditório e da ampla defesa, mas sim para obter informações (peça meramente informativa destinada ao titular da ação penal), elementos, para que o MPM denuncie o indiciado pela prática de um crime militar. Vejamos as seguintes decisões do STF e do STM sobre a inaplicabilidade do contraditório e da ampla defesa em sede de IPM: “EMENTA: Prazo: embargos de declaração a acórdão do STF denegatório de HC contra decisão do STM: verificação da tempestividade na data do protocolo da petição no STF, sendo inaplicável o art. 543 CPPM; exame, não obstante, dos fundamentos dos embargos intempestivos para verificar se e de conceder HC de oficio. II. Inquérito policial militar: arquivamento: aplicação da Súm. 524, que pressupõe prévia adequação dos seus termos ao C. Pr. Pen. Militar. O arquivamento do inquérito, na lei processual militar, só se aperfeiçoa depois de exaurido o prazo para a representação do Corregedor (CPPM, art. 498, par-1.) ou, oferecida essa, com a decisão do STM que a indeferir ou com o novo despacho do Juiz que, insistindo o Procurador-Geral, determinar o arquivamento: só a partir dai caberá cogitar, segundo a orientação da Súmula 524, da exigência de novas provas para autorizar a ação penal. III. Inquérito policial: correição parcial contra o seu arquivamento na Justiça Militar: inaplicabilidade da garantia do contraditório e da ampla defesa (grifo meu). No incidente pré-processual do arquivamento de IPM, os órgãos judiciais envolvidos exercem “atividade anômala de caráter não jurisdicional”, que tem o sentido único de fiscalizar a aplicação do princípio da obrigatoriedade da ação penal, função que, entretanto, não lhes outorga nem o poder de substituir-se ao Ministério Público na iniciativa do processo penal, nem o de ordenar-lhe que proponha a ação: por isso, a decisão do STM, que defere a correição, simplesmente devolve o caso ao Procurador-Geral, com o que o problema de propor ou não a ação penal remanesce na esfera do Ministério Público, que e parte, e em cujas decisões, por conseguinte, não há princípio que imponha a audiência necessária do terceiro interessado.” (STF - HC nº 68739 ED, Relator(a): Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/11/1991, DJ 07-02-1992 PP-00737 EMENT VOL-01648-01 PP-00086 RTJ VOL- 00138-02 PP-00528) “EMENTA: HABEAS CORPUS. IPM. IMPEDIMENTO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA MILITAR. DEVIDO PROCESSO LEGAL. Não há falar em impedimento ou suspeição da Autoridade policial. Precedentes do STF. Inconfundíveis o processo administrativo ou o processo administrativo disciplinar com o Inquérito Policial Militar. O processo administrativo é um conjunto de atos coordenados que se destina à solução de controvérsias no âmbito administrativo; e o processo administrativo disciplinar é o meio de apuração e punição de faltas graves dos servidores públicos. Já o Inquérito Policial Militar é procedimento policial - instrução provisória, preparatória, informativa - destinada à coleta de elementos que permitam ao MPM formar a opinio delicti para a propositura da ação penal. Os princípios constitucionais do contraditório e da ampla defesa que informam os processos judicial e administrativos não incidem sobre o IPM (doutrina e jurisprudência). Ordem denegada por falta de amparo legal (grifo meu). Unânime. (STM – HC nº 2003.01.033828-4/DF – Rel. Min. José Júlio Pedrosa, j. 26.08.03, DJ de 17.09.2003) Logo, o investigado, sem direito ao contraditório e à ampla defesa no IPM, quando for interrogado neste procedimento sumário, terá, na prática, 4 (quatro) opções: a) confessar a autoria do delito; b) negar a autoria do delito; c) delatar o verdadeiro autor do delitoou d) permanecer em silêncio, não respondendo qualquer pergunta sobre o fato investigado. Destas opções, discorrei apenas sobre a última, posto ser a mais interessante para nosso estudo, e principalmente, em virtude de que ainda há autoridades militares que não conhecem esse direito constitucional de todo cidadão. 3.2.5.DIREITO DE PERMANECER EM SILÊNCIO Como dissertado no tópico anterior, não há que se falar em contraditório e na ampla defesa no procedimento sumário denominado IPM, entretanto, entendo que o direito de permanecer em silêncio, dependendo do caso concreto, é uma técnica importantíssima de defesa. Mas, antes de adentrar neste ponto, importante transcrever as seguintes normas constitucionais: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: ... II - ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei; ... LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado; ...” Não há nenhuma norma legal que obrigue um investigado a responder a um interrogatório, seja em âmbito administrativo, inquisitorial ou judicial, ademais, este direito tem sede constitucional, nos termos do inciso II acima transcrito. Ressalte-se que se até o preso em flagrante delito detém o direito de permanecer em silêncio, obviamente que qualquer pessoa que esteja sob investigação policial ou judicial terá o mesmo direito constitucional. Quem não poderá manter-se em silêncio é a testemunha85 no IPM, sob pena de cometimento do crime de falso testemunho, previsto no seguinte dispositivo do CPM: “Falso testemunho ou falsa perícia Art. 346. Fazer afirmação falsa, ou negar ou calar a verdade, como testemunha, perito, tradutor ou intérprete, em inquérito policial, processo administrativo ou judicial, militar (grifo meu): Pena - reclusão, de dois a seis anos. Aumento de pena 1º A pena aumenta-se de um terço, se o crime é praticado mediante suborno. Retratação 2º O fato deixa de ser punível, se, antes da sentença o agente se retrata ou declara a verdade.” 85 Excetuando-se qualquer fato que lhe possa incriminar. Eis uma decisão sobre esta exceção na seguinte ementa do STM: “EMENTA: Recurso em Sentido Estrito. Falso testemunho. Auto-incriminação. Não responde pelo crime previsto no artigo 346 do CPM quem, na condição de testemunha, presta depoimento inverídico sobre fato que poderia acarretar-lhe responsabilidade penal. Aplica-se, “in casu”, o princípio da inexigibilidade de conduta diversa. Recurso ministerial improvido. Decisão unânime.” (STM – Recurso Criminal nº 2002.01.007020-1/RJ – Rel. Min. Valdésio Guilherme de Figueiredo, j. 29.10.02, DJ de 27.11.02) Entretanto, o art. 305 do CPPM prevê o seguinte em relação ao silêncio do acusado em juízo: “Art. 305. Antes de iniciar o interrogatório, o juiz observará ao acusado que, embora não esteja obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas, o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa (grifo meu). Perguntas não respondidas Parágrafo único. Consignar-se-ão as perguntas que o acusado deixar de responder e as razões que invocar para não fazê-lo.” Esta última parte do caput, destacado em negrito, não foi recepcionada pela CF/88, pois contraria os princípios básicos constitucionais, assim como também, o inciso LXIII. O STF assim discorreu sobre o direito constitucional ao silêncio em sede de inquérito policial ou processo judicial: “EMENTA: “HABEAS CORPUS” - INTERROGATÓRIO JUDICIAL - AUSÊNCIA DE ADVOGADO - VALIDADE - PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO - INAPLICABILIDADE - PERSECUÇÃO PENAL E LIBERDADES PUBLICAS - DIREITOS PÚBLICOS SUBJETIVOS DO INDICIADO E DO RÉU - PRIVILÉGIO CONTRA A AUTO- INCRIMINAÇÃO - CONSTRANGIMENTO ILEGAL NÃO CARACTERIZADO - PEDIDO INDEFERIDO. A superveniência da nova ordem constitucional não desqualificou o interrogatório como ato pessoal do magistrado processante e nem impôs ao estado o dever de assegurar, quando da efetivação desse ato processual, a presença de defensor técnico. A ausência do advogado no interrogatório judicial do acusado não infirma a validade jurídica desse ato processual. A legislação processual penal, ao disciplinar a realização do interrogatório judicial, não torna obrigatória, em consequência, a presença do defensor do acusado.O interrogatório judicial não esta sujeito ao princípio do contraditório. Subsiste, em consequência, a vedação legal - igualmente extensível ao órgão da acusação-, que impede o defensor do acusado de intervir ou de influir na formulação das perguntas e na enunciação das respostas. A norma inscrita no art. 187 do código de processo penal foi integralmente recebida pela nova ordem constitucional. - Qualquer indivíduo que figure como objeto de procedimentos investigatórios policiais ou que ostente, em juízo penal, a condição jurídica de imputado, tem, dentre as várias prerrogativas que lhe são constitucionalmente asseguradas, o direito de permanecer calado. “Nemo tenetur se detegere”. Ninguém pode ser constrangido a confessar a prática de um ilícito penal. O direito de permanecer em silêncio insere- se no alcance concreto da cláusula constitucional do devido processo legal. E nesse direito ao silêncio inclui-se até mesmo por implicitude, a prerrogativa processual de o acusado negar, ainda que falsamente, perante a autoridade policial ou judiciária, a pratica da infração penal (grifo meu).” (STF - HC nº 68929, Relator(a): Min. CELSO DE MELLO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 22/10/1991, DJ 28-08-1992 PP-13453 EMENT VOL-01672-02 PP- 00270 RTJ VOL-00141-02 PP-00512) Em 2003, o art. 187 do Código de Processo Penal Comum (CPP) foi reformado, retirando-se a orientação de que o silêncio poderia trazer prejuízos à defesa do acusado, então vejamos, respectivamente, o antigo e o atual dispositivo: “Art. 186. Antes de iniciar o interrogatório, o juiz observará ao réu que, embora não esteja obrigado a responder às perguntas que lhe forem formuladas, o seu silêncio poderá ser interpretado em prejuízo da própria defesa (grifo meu).” “Art. 186. Depois de devidamente qualificado e cientificado do inteiro teor da acusação, o acusado será informado pelo juiz, antes de iniciar o interrogatório, do seu direito de permanecer calado e de não responder perguntas que lhe forem formuladas. (Redação dada pela Lei nº 10.792, de 1º.12.2003) Parágrafo único. O silêncio, que não importará em confissão, não poderá ser interpretado em prejuízo da defesa (grifo meu).” Talvez alguns leitores, principalmente Advogados, estejam pensando que, talvez, fosse desnecessário maior aprofundamento no tema, haja vista que o direito ao silêncio é fato indiscutível. Porém, há um fato importante: lembre-se que estou discorrendo sobre o IPM, realizado dentro de um quartel, sendo que, em regra, o responsável (encarregado86) não é Bacharel em Direito, diferentemente dos Delegados da Polícia Civil e Federal. Darei um exemplo do que estou falando: no ano de 2007, fui contratado para acompanhar um cliente (1º Sargento da Aeronáutica) que estava sendo investigado numa sindicância na Base Aérea de Natal. Na verdade, ele caiu numa “armadilha”, e fui contratado para resolver o problema. Após ouvir de meu cliente o relato dos fatos, percebi que o mesmo não havia cometido nenhuma transgressão disciplinar e muito menos crime militar. Então, disse-lhe o seguinte: “você não vai responder nenhuma pergunta, com exceção dos seus dados pessoais. Quando lhe perguntarem sobre os fatos investigados, diga o seguinte: Por orientação de meu Advogado, com base na Constituição Federal e no entendimento do STF, reservo-me no direito de permanecer calado!”. Leitores, aconteceuo seguinte: a autoridade militar – Tenente - levantou da cadeira atônita, parecia desesperada, feição de raiva, algo impressionante, e disse em tom alto o seguinte em nossa direção: “o que é isso!?” Então, como Advogado tive que intervir87 e lhe informei que meu cliente tinha o direito de permanecer em silêncio. Foi algo muito, digamos, hilário! Resultado da sindicância: meu cliente não respondeu nenhuma pergunta e, ao final, não encontraram nada contra ele e os autos foram arquivados. Em regra, não permito que meus clientes-militares submetidos à sindicância e IPM maliciosos, respondam às perguntas dos Oficiais responsáveis. Dependendo do caso concreto, o direito ao silêncio é uma técnica de defesa importantíssima, seja para obter um pedido88 de arquivamento por parte do MPM ou para a preparação da defesa judicial do militar. Pois, ressalte-se, o IPM serve para dar subsídios ao MPM para denunciar o indiciado, e por isso, entendo que dependendo do caso concreto o ideal é o militar manter-se em silêncio. Assim, caso o militar seja denunciado e 86 Para um militar ser encarregado de um IPM bastará que seja Oficial, não precisa ser Bacharel em Direito, nem ter nível superior e sequer é necessário possuir o antigo 2º grau. 87 No IPM, a função do Advogado é impedir ilegalidades, não podendo interferir nos depoimentos, seja do investigado ou das testemunhas. Posto que, como já dito, é um procedimento sumário, não há contraditório e nem ampla defesa. 88 Como disse antes, fui submetido, quando militar, a 2 (dois) IPMs e em ambos exerci o direito de permanecer calado, tendo o MPM requerido o pedido de arquivamento de ambos, sendo tais pedidos deferidos pela Justiça Militar. em seguida a denúncia seja recebida pelo Juiz-Auditor, o Advogado poderá efetuar uma melhor defesa, haja vista que ainda não haverá o depoimento do acusado. Por vezes, acontece de o Juiz-Auditor perguntar ao acusado no interrogatório judicial o motivo89 porque este não quis responder às perguntas do encarregado do IPM. Todavia, é importante ratificar, mais uma vez, que o silêncio é um direito constitucional e não poderá ser utilizado em desfavor do acusado na Justiça Militar. 3.2.6. ART. 16 DO CPPM: SIGILO DO INQUÉRITO POLICIAL MILITAR O art. 16 do CPPM prevê o seguinte: “Sigilo do inquérito Art. 16. O inquérito é sigiloso, mas seu encarregado pode permitir que dele tome conhecimento o advogado do indiciado.” O IPM é sigiloso, todavia, não o é para o Advogado do acusado, logo o encarregado do mesmo tem o dever90 e não a discricionariedade de permitir o acesso dos autos ao defensor do militar ou civil, conforme entendimento do STF: “EMENTA: PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. SÚMULA 691 DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. SUPERAÇÃO. POSSIBILIDADE. FLAGRANTE ILEGALIDADE. CARACTERIZAÇÃO. ACESSO DOS ACUSADOS A PROCEDIMENTO INVESTIGATIVO SIGILOSO. POSSIBILIDADE SOB PENA DE OFENSA AOS PRINCÍPIOS DO CONTRADITÓRIO, DA AMPLA DEFESA. PRERROGATIVA PROFISSIONAL DOS ADVOGADOS. ART. 7, XIV, DA LEI 8.906/94. ORDEM CONCEDIDA. I - O acesso aos autos de ações penais ou inquéritos policiais, ainda que classificados como sigilosos, por meio de seus defensores, configura direito dos investigados. II - A oponibilidade do sigilo ao defensor constituído tornaria sem efeito a garantia do indiciado, abrigada no art. 5º, LXIII, da Constituição Federal, que lhe assegura a assistência técnica do advogado. III - Ademais, o art. 7º, XIV, do Estatuto da OAB estabelece que o advogado tem, dentre outros, o direito de “examinar em qualquer repartição policial, mesmo sem procuração, autos de flagrante e de inquérito, findos ou em andamento, ainda que conclusos à autoridade, podendo copiar peças e tomar apontamentos” (grifos meus). IV - Caracterizada, no caso, a flagrante ilegalidade, que autoriza a superação da Súmula 691 do Supremo Tribunal Federal. V - Ordem concedida.” (STF - HC nº 94387, Relator(a): Min. RICARDO LEWANDOWSKI, Primeira Turma, julgado em 18/ 89 Aos meus clientes, antes do início do interrogatório, oriento-lhes, caso seja feita esta pergunta pelo Juiz-Auditor, que respondam que foi orientação do Advogado. Obviamente, dirão isto se, realmente, foram orientados pelo Advogado a se calarem no interrogatório policial militar. A boa-fé e a verdade são obrigações do Advogado. 90 Ou seja, o Advogado somente terá acesso às investigações já documentadas nos autos do IPM. Contudo, tal prerrogativa não se estende aos atos que por sua própria natureza não dispensam a mitigação da publicidade, como por exemplos, futuras interceptações telefônicas, dados relativos a outros indiciados, investigações em andamento, etc. 11/2008, DJe-025 DIVULG 05-02-2009 PUBLIC 06-02-2009 EMENT VOL-02347- 04 PP-00637) O STF editou a seguinte Súmula Vinculante sobre o assunto: SÚMULA VINCULANTE nº 14 “É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados91 em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.” Desta forma, tem-se que o art. 16 em questão não foi totalmente recepcionado pela CF/88, não havendo que se falar em sigilo e discricionariedade do encarregado do IPM. 3.2.7. ART. 17 DO CPPM: INCOMUNICABILIDADE DO PRESO Assim dispõe o art. 17 do CPPM: “Incomunicabilidade do indiciado. Prazo. Art. 17. O encarregado do inquérito poderá manter incomunicável o indiciado, que estiver legalmente preso, por três dias no máximo.” Ocorre, entretanto, que tal incomunicabilidade é proibida ao Advogado do preso, nos termos do art. 7º da Lei nº 8.906/94 (Estatuto da Advocacia): “Art. 7º São direitos do advogado: ... III - comunicar-se com seus clientes, pessoal e reservadamente, mesmo sem procuração, quando estes se acharem presos, detidos ou recolhidos em estabelecimentos civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis (grifo meu); ...” Vejamos a seguinte decisão do STJ sobre a restrição do Advogado em comunicar-se com seu cliente: “EMENTA: ADMINISTRATIVO - DIREITO DO PRESO - ENTREVISTA COM ADVOGADO - ESTATUTO DA OAB - LEI DE EXECUÇÕES PENAIS - RESTRIÇÃO DE DIREITOS POR ATO ADMINISTRATIVO - IMPOSSIBILIDADE. 1. É ilegal o teor do art. 5º da Portaria 15/2003/GAB/SEJUSP, do Estado de Mato Grosso, que estabelece que a entrevista entre o detento e o advogado deve ser feita com prévio agendamento, mediante requerimento fundamentado dirigido à direção do presídio, podendo ser atendido no prazo de até 10 (dez) dias, observando-se a 91 Ou seja, o Advogado somente terá acesso às investigações já documentadas nos autos do IPM. Contudo, tal prerrogativa não se estende aos atos que por sua própria natureza não dispensam a mitigação da publicidade, como por exemplos, futuras interceptações telefônicas, dados relativos a outros indiciados, investigações em andamento, etc. conveniência da direção. 2. A lei assegura o direito do preso a entrevista pessoal e reservada com o seu advogado (art. 41, IX, da Lei 7.210/84), bem como o direito do advogado de comunicar-se com os seus clientes presos, detidos ou recolhidos em estabelecimento civis ou militares, ainda que considerados incomunicáveis (grifo meu) (art. 7º, III, da Lei 8.906/94). 3. Qualquer tipo de restrição a esses direitos somente pode ser estabelecida por lei. 4. Recurso especial improvido.” (STJ - Resp nº 73.851/MT, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 08/11/2005, DJ 21/11/2005, pág. 187) A Procuradoria da Justiça Militar de São Paulo fez a seguinte recomendação92 ao Diretor do Parque de Material Aeronáutico de São Paulo: “2. Considerando que o artigo 5º, LXIII, da CF, confere ao preso direito à assistência da família e de advogado, não mais se aplica incomunicabilidade prevista no artigo 17 do Código de Processo Penal Militar.” Há doutrinadores renomados, como o Dr. Jorge César de Assis93 – Promotorda Justiça Militar da União - , que consideram o art. 17 revogado pelo art. 136, § 3º, inciso IV, da CF/88, sob o seguinte fundamento: “Destarte, os dois dispositivos estão revogados pelo art. 136, § 3º, inc. IV, da Constituição Federal, que, ao tratar do estado de defesa e do estado de sítio, dispõe: “é vedada a incomunicabilidade do preso”. Como diz Júlio Fabbrini Mirabete, lembrando Tourinho Filho, “sendo proibida a incomunicabilidade nas situações excepcionais, em que o Governo deve tomar medidas enérgicas para preservar a ordem pública e a paz social, podendo por isso restringir direitos, com maior razão não se pode permiti-la em situação de normalidade” (1997:63). Esta também é a posição de Célio Lobão Ferreira (2000:28).” Desta forma, independentemente do art. 17 estar ou não revogado tacitamente, ilegal será proibir o Advogado de se comunicar com seu cliente, caso esteja incomunicável. 3.2.8. ART. 18 DO CPPM: DETENÇÃO CAUTELAR DO MILITAR POR DECISÃO DO ENCARREGADO DO INQUÉRITO POLICIAL MILITAR O caput do art. 18 do CPPM prevê o seguinte: “Detenção de indiciado Art. 18. Independentemente de flagrante delito, o indiciado poderá ficar detido, durante as investigações policiais, até trinta dias, comunicando-se a detenção à autoridade judiciária competente. Esse prazo poderá ser prorrogado, por mais vinte dias, pelo comandante da Região, Distrito Naval ou Zona Aérea, mediante solicitação fundamentada do encarregado do inquérito e por via hierárquica. 92 Ofício nº 16/09 – Dil/LAG, de 07.05.2009. 93 ASSIS, Jorge Cesar de. Direito Militar. Aspectos penais, processuais penais e administrativos. Juruá Editora: Curitiba, 2008. pág. 65/66. Prisão preventiva e menagem. Solicitação Parágrafo único. Se entender necessário, o encarregado do inquérito solicitará, dentro do mesmo prazo ou sua prorrogação, justificando-a, a decretação da prisão preventiva ou de menagem, do indiciado.” O caput do art. 18 não foi recepcionado totalmente pela CF/88, pois a prisão de qualquer pessoa se restringirá às hipóteses previstas no LXI do art. 5º: “LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei (grifo meu);” Mas o que é “crime propriamente militar”? É àquele crime que somente poderá ser praticado por militar. Eis alguns exemplos: insubordinação (CPM 163), abandono de posto (CPM 195), motim (CPM 149), violência contra superior (CPM 157), desrespeito a superior (CPM 160), dentre outros. Célio Lobão94 assim conceitua o crime propriamente militar: “Como crime propriamente militar entende-se a infração penal, prevista no Código Penal Militar, específica e funcional do ocupante do cargo militar, que lesiona bens ou interesses das instituições militares, no aspecto particular da disciplina, da hierarquia, do serviço e do dever militar.” Assim, a detenção cautelar do militar prevista no art. 18 somente será constitucional em relação ao crime propriamente95 militar definido em lei, sendo que no meio castrense, estes crimes estão dispostos no CPM. As Forças Armadas possuem normas internas para procedimentos do IPM, como a ICA 111-196 do Comando da Aeronáutica que em seus itens 13.8 e 13.8.1 prevêem o seguinte: “Detenção de indiciado 13.8 - Independentemente de flagrante delito, o indiciado poderá ficar detido, durante as investigações, até trinta dias, comunicando-se a detenção à autoridade judiciária competente, com a declaração do local onde a mesma se acha sob custódia e se está, ou não, incomunicável. No caso de infração contra a Segurança Nacional, a comunicação será reservada. Prorrogação da detenção 13.8.1 - Esse prazo poderá ser prorrogado por mais vinte dias pelo Comandante do Cornando97 Aéreo Regional, mediante solicitação fundamentada do encarregado do inquérito e por via hierárquica.” 94 LOBÃO, Célio. Direito Penal Militar. Brasília: Brasília Jurídica, 2006. 3ª edição. pág. 84. 95 Não sendo crimes propriamente militares e entendendo o encarregado pela necessidade da custódia cautelar, deverá requerer ao Juiz-Auditor a decretação da prisão preventiva do investigado (indiciado). 96 Aprovado pela Portaria nº 183/COJAER, de 12 de fevereiro de 1980. Íntegra da ICA 111-1 no site www.diogenesadvogado.com (link “Manual Prático do Militar”). A Procuradoria da Justiça Militar em Bagé/RS fez a seguinte recomendação98 ao Comandante do 25º Grupo de Artilharia de Campanha: “4) A aplicação do disposto no Art. 18 do CPPM só é possível no caso de crime propriamente militar, conforme parte final do inciso LXI ao Art. 5º da Constituição da República, o que não afasta a necessidade de comunicação imediata do cerceamento ao Juízo competente e Ministério Público Militar, remetendo-se também a documentação comprobatória da legalidade da prisão (grifo meu);” O que poderá, então, ser feito caso um militar seja detido por decreto (mandado de prisão) do encarregado do IPM, nos termos do art. 18 do CPPM? Para responder esta pergunta, necessário, primeiro, a transcrição dos incisos LXV e LXVI do art. 5º da CF/88: “LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária; LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança;” Se a detenção99 for ilegal, caberá peticionar ao Juiz-Auditor requerendo o relaxamento da prisão, e caso este a mantenha, caberá a impetração de habeas corpus para o STM. O caput do art. 18, a princípio, induz-nos a entender que a função da autoridade judicial nesta detenção é apenas formal, mas, certamente, não o é, pois o inciso LXV do art. 5º da CF prevê que a prisão ilegal será imediatamente relaxada. Ademais, a detenção por ordem do encarregado do IPM deverá ser fundamentada, a fim de dar subsídios ao magistrado para verificar a legalidade da detenção. Cláudio Amin Miguel e Nelson Coldibelli100 assim comentam sobre o prazo fixado no art. 18 do CPPM: “No que tange ao prazo de detenção, embora alguns entendam que seria de trinta dias, sem prorrogação, entendemos que não pode ultrapassar vinte dias, prazo fixado para o término do IPM, quando o indiciado estiver preso. No entanto, a apreciação quanto à necessidade da detenção não será exclusiva da autoridade militar, pois ao comunicá-la imediatamente ao Juiz-Auditor, este deverá apreciá- la sob os aspectos da legalidade, bem como da necessidade de sua manutenção.” Agora, um detalhe interessante: se a detenção for legal, caberá pedido de liberdade provisória ao Juiz-Auditor? Ou os crimes propriamente militares estão imunes à previsão contida no LXVI do art. 5º da CF? A regra no processo penal é de que: em não estando presentes os requisitos autorizadores da prisão preventiva, a liberdade provisória101 é um direito. 98 Recomendação nº 16/2004/PJM/Bagé/RS. Ressalte-se que o MPM é o órgão fiscalizador das atividades policiais nas Forças Armadas e Auxiliares. O art. 117, inciso II, da Lei nº 75/93 prevê que caberá ao MPM o controle externo da atividade da Polícia Judiciária Militar. 99 No meu ponto de vista, é muito “perigoso” ao encarregado do IPM decretar a detenção do investigado ou indiciado com base no art. 18, pois em sendo a prisão considerada ilegal pelo Poder Judiciário, terá, em tese, cometido o delito de abuso de autoridade. Por isso, talvez, este art. 18 esteja praticamente em desuso no âmbito castrense. 100 MIGUEL, Cláudio Amin e COLDIBELLI, Nelson. Elementos de Direito Processual Penal Militar. Editora Lúmen Júris: Rio de Janeiro, 2008. 3ª ed., pág. 36. 101 Não mais persiste a proibição de concessão de liberdade provisória aos crimes apenados com reclusão, que está prevista no art. 270 do CPPM, pois tal restrição não foi recepcionada pela CF/88. O inciso LXI fez uma ressalva sobre a prisão referente aos crimes propriamente
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