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UNIVERSIDADE DE PERNAMBUCO CAMPUS PETROLINA CURSO DE NUTRIÇÃO DISCIPLINA: BROMATOLOGIA UNIDADE I: GRÃOS DE CEREAIS PÃO E PRODUTOS ALIMENTÍCIOS Monitores responsáveis: EMERSON IAGO GARCIA E SILVA MYLENA DE AMORIM GRANJA UILLA ISLANY SOARES DE MOURA Supervisão: Profa. Dra. Marianne Mendes 1 1. INTRODUÇÃO A definição de grãos na literatura técnica de alimentos e muitas vezes vaga e geralmente confusa. A palavra pode ser usada de modo bem amplo para designar todos os alimentos comercializados como grãos secos, o que inclui tanto cereais, como o arroz, quanto outros produtos, como o café e o cacau, por exemplo; ou pode ser aplicada, de maneira bem restrita, como sinônimo de cereais. Em publicações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), grãos são divididos em cereais, leguminosas e oleaginosas, entretanto a maior parte das oleaginosas consideradas (principalmente soja, mas também amendoim e milho, por exemplo). Estas são também incluída como leguminosa (soja, amendoim) ou cereal (milho). Neste capitulo, serão definidos como grãos os frutos das gramíneas (cariopses de cereais) e as sementes de leguminosas (leguminosas de grão) armazenados secos e utilizados, em diversas formas, nas alimentações humana e animal (KOBLITZ, 2011). Segundo o IBGE (2014), a terceira estimativa da safra nacional de cereais, leguminosas e oleaginosas totalizou 189,4 milhões de toneladas, superior 0,7% à obtida em 2013 (188,2 milhões de toneladas). A estimativa da área a ser colhida em 2014, de 55,6 milhões de hectares, apresentou acréscimo de 5,3% frente à área colhida em 2013 (52,8 milhões de hectares). O arroz, o milho e a soja são os três principais produtos deste grupo , que somados representaram 91,4% da estimativa da produção e responderam por 85,3% da área a ser colhida. Em relação ao ano anterior houve acréscimos na área de 1,8% para o arroz, 7,5% para a soja e decréscimo de 0,9% na área a ser colhida com o milho. No que se refere à produção, os acréscimos foram de 7,7% para o arroz e de 6,2% para a soja. Para o milho houve diminuição de 8,5% quando comparado a 2013. Entre as Grandes Regiões, o volume da produção de cereais, leguminosas e oleaginosas apresentou a seguinte distribuição: Centro-Oeste, 77,4 milhões de toneladas; Região Sul, 72,2 milhões de toneladas; Sudeste, 16,9 milhões de toneladas; Nordeste, 18,0 milhões de toneladas e Norte, 5,0 milhões de toneladas. Comparativamente à safra passada, foi constatado incremento de 50,2% na Região Nordeste. As Regiões Centro-Oeste, Sul, Sudeste e Norte apresentaram, respectivamente, diminuição de 1,3%, 1,1%, 14,7% e 0,0% em relação à produção do ano anterior. Nessa avaliação para 2014, o Mato Grosso liderou como maior produtor nacional de grãos, com uma participação de 23,9%, seguido pelo Paraná (18,6%) e Rio Grande do Sul (16,1%), que somados representaram 58,6% do total nacional previsto. Na Figura 1, pode-se observar a produção dos grãos, conforme a unidade da federação. 2 FIGURA 1 – Produção brasileira de grãos no ano de 2014, conforme a unidade da federação Fonte: IBGE (2014) A seguir será abordado um dos grupos de grande importância na classificação pertencentes aos grãos: Os cereais. Principais cereais e seus usos: Arroz Usos: Grão - Consumo direto, saquê Casca – Isolante, combustível Trigo Usos: Farinha – Pão Farelo - Massas Aveia Usos: Alimentação Animal Farinhas – Alimentos Infantis Milho Usos: Germe - Óleo comestível Fibra – Ração Amido – Maisena, açúcares 3 O fato de os cereais terem sido e manterem tanta primazia na alimentação humana se deve a muitos fatores que os particularizam. Os grãos constituem alimentos concentrados, de fácil conservação, bastando apenas preservá-los da umidade. Por sua variedade podem crescer em terrenos de natureza muito variada, garantem grande quantidade de nutrientes por superfície semeada, proporcionam basicamente hidratos de carbono, proteínas e, em menor grau, vitaminas, minerais, fibra e um pouco de lipídeos, se forem consumidos inteiros. Ainda que as proteínas em geral careçam de lisina e triptofano em quantidades suficientes, esses aminoácidos são facilmente suplementados por pequenas quantidades de carnes, ovo e leite que sejam consumidos juntos. O mesmo ocorre com o cálcio, o ferro e algumas vitaminas em especial. Em geral, são alimentos de baixo preço (SALINAS, 2002). Os cereais são cultivados por seus frutos comestíveis, denominados cariopses. Pertencem à família das gramíneas, Poaceae, que também abrange as gramas, relvas ou capins. São produzidos em todo o mundo em maiores quantidades do que qualquer outro tipo de produto e constituem a principal fonte calórica para o ser humano, correspondendo, em alguns países em desenvolvimento, a maior parte de dieta da população (KOBITZ, 2011). 2. CARACTERÍSTICAS DO GRÃO Segundo Koblitz (2011), o grão dos cereais não é uma semente e sim um fruto seco, característico das gramíneas, chamado cariopse, composto das seguintes partes básicas (Figura 2): embrião; endosperma; hialina e testa (conjunto chamado de tegumento) e pericarpo. Embrião é o nome dado ao conjunto formado pelo eixo embrionário e pelo escutelo. Durante a produção de farinha, denomina-se germe ou gérmen a fração rica nessa parte do grão. O eixo embrionário é também denominado plântula e consiste em plúmula e radícula, que originarão uma nova planta. O escutelo separa o embrião do endosperma amiláceo e funciona como órgão secretor e absorvedor de hormônios, enzimas e nutrientes durante a germinação. Endosperma é o tecido que ocupa a maior parte do grão, e pode ser dividido em duas frações distintas. A porção maior, que ocupa a parte central do grão e também se denomina endosperma amiláceo, é formada por células grandes, de parede celular fina, que armazenam grande quantidade de amido e menores proporções de proteínas em plasmídeos (amiloplastos e proteoplastos). A fração menor é também denominada aleurona e consiste em uma a três camadas de células pequenas, com parede celular espessa e bastante ricas em proteínas e lipídeos. A quantidade de camadas depende da espécie: Trigo, aveia, sorgo e milho têm uma 4 camada, enquanto arroz e cevada têm três camadas de aleurona. Essas células são importantes durante o desenvolvimento do grão, quando se dividem para formar o endosperma amiláceo e, durante a germinação, quando são responsáveis pela síntese de diversas enzimas hidrolíticas, em resposta à secreção de hormônios (sobretudo ácido giberélico) pelo escutelo. Na maturação, embora as células amiláceas morram, as células da camada de aleurona permanecem respirando, em taxa bastante lenta, por um longo período durante o armazenamento. O endosperma pode ser classificado como farináceo ou vítreo (córneo), de acordo com sua aparência e dureza (avaliada como característica de moagem para extração de farinha): Endosperma Farináceo é geralmente mais mole, opaco e contém menores teores de proteínas. Já o endosperma córneo é mais duro, translúcido (vítreo) e contém maiores teores de proteínas. Independente do tipo de endosperma, a concentração de proteínas em geral é menor no centro e aumenta em direção às camadas externas do endosperma. A Hialina e testa são tecidos que envolvem o embrião e o endosperma e aderem estreitamente a eles. A hialina é remanescente do desenvolvimento do saco embrionário e é recoberta por uma camada de cutina (ou cutícula)em muitos cereais. A testa, também derivada do óvulo, envolve a hialina e pode apresentar-se em uma ou duas camadas de células, que muitas vezes produzem pigmentos e ceras capazes de interferir na permeabilidade do grão à umidade e a gases. O conjunto formado por esses tecidos geralmente denomina-se tegumento, e, juntamente com a camada de aleurona e o embrião, é removido na extração da farinha ou no polimento dos grãos. O pericarpo consiste em uma estrutura multicamadas que, no processamento das farinhas, corresponde ao farelo. Ao longo do desenvolvimento do grão, o pericarpo, pode conter cloroplastos e armazenar amido, mas no grão maduro, consiste basicamente em camadas de células ocas. Este pode ser dividido em endocarpo, mesocarpo e epicarpo. Nessa camada mais externa, podem ser encontradas tricomas (escova) no trigo, no centeio, na cevada, no triticale e na aveia. Os tricomas são ricos em silício e têm uma estrutura tridimensional característica para cada cereal (KOBLITZ, 2011). 5 FIGURA 2- Desenho esquemático de uma cariopse. Fonte: Koblitz (2011). 3. COMPOSIÇÃO QUÍMICA De modo geral, os cereias comportam-se com relação a sua composição centesimal, como exposto na Tabela 1 abaixo. TABELA 1 – Composição centesimal de cereais Fonte: Koblitz (2011) 6 3.1.Carboidratos Em cereais, os principais carboidratos são o amido, armazenado na forma de grânulos nas células do endosperma amiláceo, e os carboidratos que compõem as paredes celulares, basicamente fibra (solúvel e insolúvel). Amido é o carboidrato mais abundante em cereais, correspondendo a cerca de 60 a 70% da massa seca do grão. O formato dos grânulos e suas principais propriedades são determinadas por diversos fatores: composição do amido, características físico-químicas ao longo da formação dos grânulos e o modo como o amido sintetizado vai sendo adicionado aos grânulos existentes. A composição do amido pode variar com relação às proporções dos dois polissacarídeos que o compõem: amilose e amilopectina. Amilose é um polímero linear, formado por 1.000 a 4.500 unidades de glicose ligadas entre si por ligações glicosídicas do tipo α-1,4. Em suspensão aquosa, as moléculas de amido assumem uma forma helicoidal, que pode associar-se a (englobar) diversos componentes do meio: ácidos orgânicos, minerais, álcoois e lipídeos (ácidos graxos saturados podem ficar protegido no meio da hélice). Amilopectina é um polímero um polímero ramificado formado por cadeias de glicose (ligadas entre si por ligações do tipo α-1,4) que se ligam entre si por ligações do tipo α-1,6, com massa molecular cerca de dez vezes maior que a da amilose, Na amilopectina, são encontrados três diferentes tipos de cadeias: Cadeia C (que contém o grupo redutor livre do polímero); cadeia B (que se liga a cadeia C); e a cadeia A (que se liga à cadeia B). Na Figura 3, pode-se observar um desenho esquemático de uma molécula de amido. Em geral, a amilose corresponde a 20 a 35% do amido, enquanto a amilopectina varia de 65 a 80%. A forma do grânulo, assim como sua temperatura de gelatinização, é característica de cada espécie e pode possibilitar a identificação da matéria-prima de uma dada farinha ou produto por microscopia óptica. Os grânulos apresentam ainda componentes diferentes do amido, especialmente proteínas (0,35% em milho e 40% em trigo) e lipídeos além do fósforo. As proteínas presentes são principalmente enzimas associadas à síntese e à degradação da amilose e amilopectina. Outros componentes são principalmente derivados de fosfolipídeos (grupos fosfatos e ácidos graxos livres) (KOBLITZ, 2011). Gelatinização e retrogradação do amido: Os amidos formam dispersões coloidais e não soluções verdadeiras. Se uma suspensão de amido em água fria for acrescentada à água fervente e mexida, os grânulos opacos se dilatarão e finalmente se romperão, produzindo-se uma mistura translúcida. Se essa dispersão coloidal for razoavelmente concentrada, formará 7 uma geleia dura quando esfriar. O amido tem muitos empregos comerciais, servindo de goma na fabricação de papéis e tecidos e em lavanderia. Serve de matéria-prima para a fabricação de xaropes, dextrose, dextrinas e adoçantes com alto teor de frutose. A temperatura de gelati- nização do amido de trigo é de 52 a 63 °C, apresentando 24% de amilose em sua composição, em média (GUTKOSKI, 2009). FIGURA 3- Desenho esquemático de uma molécula de amido. Fonte: Gutkoski (2009) Para propósitos nutricionais, o amido pode ser classificado como glicêmico ou resistente. O amido glicêmico é degradado à glicose por enzimas no trato digestivo, podendo ser classificado como amido rapidamente digerível (ARD) ou amido lentamente digerível (ALD) no intestino delgado. Em testes in vitro, ARD é hidrolisado a glicose em até 20 min, enquanto o ALD é convertido em glicose em 20 a 110 min. Denomina-se amido resistente aquele que resiste à digestão no intestino delgado, resiste à dispersão em água fervente e à hidrólise pela ação da amilase pancreática e da pululanase (in vitro), mas é fermentado no intestino grosso pela microbiota local, produzindo sobretudo gases e ácidos graxos de cadeia curta, sendo portanto considerado parte da fibra alimentar. São conhecidas três classes de amido resistente (AR): AR1 (chamado de fisicamente inacessível), AR2 (definido pelo tipo de estrutura cristalina que o amido apresenta nos grânulos) e AR3 (amilose retrogradada). A forma física do alimento pode impedir o acesso da amilase pancreática e diminuir a digestão do amido, fato que o caracteriza como resistente do tipo AR1. Isso pode ocorrer se o amido estiver contido em uma estrutura inteira ou parcialmente rompida da planta, como nos cereais, ou por sua estrutura densamente empacotada, como nas leguminosas e em massas 8 como o macarrão. A forma cristalina do amido no grânulo influência a digestão do amido, caracterizando o amido resistente do tipo AR2. Embora o grau de resistência dependa da fonte geralmente grânulos dos tipos A e C tendem a ser menos resistentes à digestão enzimática. A maior parte do amido ingerido pelo homem é submetida a tratamentos com calor e umidade, resultando no rompimento e na gelatinização da estrutura do grânulo nativo, o que o torna digerível. Quando o gel esfria e envelhece, o amido gelatinizado forma novamente uma estrutura parcialmente cristalina, insolúvel e resistente à digestão enzimática, porém, diferente da conformação inicial. Esse processo é conhecido como retrogradação, e caracteriza o amido resistente do tipo AR3. A retogradação da amilose em temperatura ambiente é um processo rápido (dura poucas horas), que dá origem a uma forma de amido altamente resistente à redispersão em água e à hidrólise pela amilase pancreática. A retrogradação da amilopectina é um processo mais lento (leva dias a semanas) e depende da concentração da amostra, uma vez que, em excesso de água ela pode ser revertida por aquecimento a 70º C. A digestibilidade do amido também pode ser afetada por fatores intrínsecos, como a presença de complexos amido-lipídio e amido-proteína, de inibidores da α-amilase e de polissacarídeos não amiláceos; e por fatores extrínsecos, como tempo de mastigação, tempo de trânsito do alimento no trato intestinal, concentração de amilase no intestino, quantidade de amido presente no alimento e presença de outros componentes que podem retardar a hidrólise enzimática. Os demais carboidratos que compõem os cereais podem ser divididos em três categorias: Fibra solúvel – Que corresponde às substâncias pécticas, β-glicanas (β-1,3 e β- 1,4) arabinoxilanas(também denominadas pentosanas); Fibra insolúvel – Celulose, galactomananas e glicomananas (além de lignina, um composto fenólico não carboidrato), açúcares livres (mono e oligossacarídeos encontrados principalmente no embrião) (KOBLITZ, 2011). 3.2. Proteínas A quantidade e a qualidade das proteínas dos grãos de cereais são determinadas por fatores ambientais e genéticos. As gliadinas e gluteninas são as responsáveis pelas características funcionais da massa, formam o glúten, responsável pelos benefícios no fabrico de pães, massas e biscoitos (GUTKOSKI, 2009). Segundo Kobitz (2011), as proteínas presentes em cereais foram divididas de acordo com a sua solubilidade por Osbourne (1907) em: 9 ⇒ Albuminas – Solúveis em água; ⇒ Globulinas – Solúveis em soluções salinas; ⇒ Prolaminas – Solúveis em soluções alcoólicas; ⇒ Glutelinas – Insolúveis em água e nas soluções mencionadas anteriormente, solúveis em soluções ácidas ou alcalinas; Ainda segundo o mesmo autor, é possível apontar importantes diferenças entre as proteínas solúveis (albuminas e globulinas) e as proteínas insolúveis (prolaminas e glutelinas) de cereais. Essas diferenças são bastante evidentes na composição, uma vez que a fração insolúvel é particularmente rica em prolina e glutamina (como indicam seus nomes – prolaminas e glutelinas) e apresenta ainda teor de lisina e triptofano caracteristicamente baixo. Os cereais e seus produtos podem ser diferenciados entre si pela análise das quatro frações proteicas presentes, e espécies ou variedades do mesmo cereal podem ser separadas de acordo com o perfil eletroforético de suas proteínas de reserva. As proteínas de cereais podem ainda ser divididas em proteínas com atividade biológica (enzimas, inibidores enzimáticos e hemaglutininas), que são solúveis e representam até 20 % do total, e proteínas de reserva. Nesse último grupo encontram-se principalmente proteínas insolúveis, embora no arroz e no centeio uma fração de globulinas (solúveis) seja mantida como reserva. As proteínas de reserva encontram-se em geral, armazenadas em organelas aproximadamente esféricas, protegidas por membrana simples e chamadas corpos ou corpúsculos de proteína. As proteínas solúveis estão presentes principalmente no embrião e no endosperma (amiláceo e na camada de aleurona), distribuídas entre enzimas de metabolismo, enzimas hidrolíticas, inibidores enzimáticos e lectinas. Dessas, as mais importantes para conservação e posterior utilização dos cereais como matérias-primas são as enzimas hidrolíticas. Ao longo da formação e maturação do grão são encontradas, sobretudo enzimas responsáveis pela síntese dos materiais de reserva do grão, além de enzimas de mobilização do amido e proteínas encontradas nas células do pericarpo. No grão maduro a atividade enzimática é consideravelmente baixa, em virtude da reduzida atividade de água, mas, ao longo do armazenamento ou do processamento (especialmente na obtenção de farinhas), algumas enzimas, como lipases e lipo-oxigenases, podem apresentar atividade. Durante a germinação, com a absorção de umidade característica, há grande síntese de enzimas, especialmente hidrolíticas, acompanhada de hidrólise e solubilização das paredes celulares, o que aumenta o acesso das enzimas aos substratos armazenados. 10 3.2.1. Principais enzimas presentes nos cereais As principais enzimas encontradas em cereais são as enzimas hidrolíticas e oxidativas, segundo Koblitz (2011): • Enzimas hidrolíticas o Amilases Todos os cereais produzem α e β-amilases, que permanecem no amido, mesmo quando este é lavado, aderidas à superfície do grânulo. As α-amilases são endocarboidratases capazes de hidrolisar a ligação α-1,4, entre unidades de glicoses, característica da amilose e também amilopectina. Sendo endoenzimas, agem de modo aleatório na porção central da molécula gerando uma mistura de oligossacarídeos de massa molecular variada (dextrinas e maltodextrinas). Sua ação reduz rapidamente a massa molecular dos polímeros do amido, diminuindo sua capacidade de formar compostos coloridos com o iodo e também a viscosidade das suspensões de amido. As β-amilases são exocarboidrases, também capazes de hidrolisar a ligação α-1,4 entre unidades de glicose. No entanto, são exoenzimas, que atacam os polímeros de amilose e amilopectina a partir de sua extremidade não redutora, removendo unidades de maltose. Sua ação leva ao rápido aumento da capacidade redutora da solução, mas inicialmente pouco interfere na capacidade de formar complexos com iodo ou na viscosidade da solução, pois demora a reduzir a massa molecular de seus substratos. A ação de α-amilases sobre o amido favorece a atividade de β-amilases sobre o produto formado. Nenhuma dessas amilases é capaz de hidrolisar as ligações α-1,6 presentes na amilopectina, de modo que a hidrólise deste polímero é incompleta, gerando oligossacarídeos que contêm as ligações α-1,6, conhecidos como dextrinas-limite. As amilases de cereais são sintetizadas basicamente ao longo da germinação. No trigo, no centeio e na cevada a síntese ocorre tanto no escutelo quanto na camada de aleurona, enquanto no milho apenas o escutelo sintetiza amilases. São produzidas diversas isoenzimas, que podem ser divididas em dois grupos distintos de acordo com seu ponto isoelétrico. Os cereais da tribo Triticeae apresentam os dois grupos, enquanto os demais cereais apresentam apenas um. o β-glicanases 11 São enzimas particularmente importantes na cevada, cuja parede celular é formada em grande parte por β-glicanas. No malte de cevada, são encontradas duas isoformas de β- glicanases, produzidas durante a germinação, tanto no escutelo quanto na camada de aleurona. Essas enzimas hidrolisam as ligações β-1,4 adjacentes a ligações β-1,3 nas glicanas, formando pequenos oligossacarídeos. A ação das β-glicanases depende da solubilização prévia de seu substrato, possivelmente por outras enzimas do malte. o Proteases Foi detectada nos cereais atividade de endoproteases e de carboxipeptidases. Sua ação facilita o acesso de amilases ao amido dos grânulos e fornece aminoácidos para o desenvolvimento do embrião na germinação e para o crescimento de culturas de leveduras durante a produção de cervejas e outras bebidas à base de cereais. Em panificação, a presença de proteases auxilia na hidrólise do glúten, reduzindo a necessidade de trabalho mecânico da massa. o Lipases Lipases e outras esterases são produzidas sobretudo nos primeiros estádios da germinação, porém sua atividade pode ser detectada mesmo em grãos armazenados. A atividade lipolítica é particularmente problemática na aveia e no milho, cereais mais ricos em lipídios. Essas enzimas hidrolisam as ligações éster dos triacilgliceróis presentes, liberando ácidos graxos e aumentando, assim, a acidez da fração lipídica dos grãos, o que reduz a qualidade de seus óleos. Além disso, os produtos da atividade lipolítica (ácidos graxos livres e mono-acilgliceróis) são importantes substratos para lipo-oxigenases, levando à rancificação oxidativa. A rancidez hidrolítica e oxidativa é mais importante em farinhas e farelos do que no grão íntegro. Nesses produtos é necessário tomar certas precauções para evitar a atividade enzimática. Na aveia, é comum o tratamento térmica do grão (com vapor) para inativar enzimas, antes da extração da farinha. o Fitases Fitases são enzimas capazes de hidrolisar o ácido fítico (fitatos e fitina), gerando mioinositol e ortofosfato livre. O ácido fítico é o ácido inositol-hexafosfórico. Raramente é encontrado em sua forma livre, que é instável, sendomais comum na forma de fitato (sal de 12 diversos metais, especialmente Ca, Mg e K), também conhecido como fitina (Figura 3.6), que se acumula no embrião (em milho) e na camada de aleurona (arroz e trigo). Fitatos são considerados fatores antinutricionais em cereais, para animais monogástricos e humanos, pois são capazes de complexar os minerais (sobretudo P, Zi, Cu, que formam sais mais estáveis, mas também Ca, Mg, Ni, Co e Fe) presentes no grão, impedindo sua absorção no intestino. Além disso, em pH ácido, fitatos podem complexar proteínas reduzindo sua digestibilidade, e funcionam como inibidores de proteases gástricas (pepsina) e pancreáticas (tripsina e quimotripsina) e de amilases. Fitatos são compostos altamente termoestáveis, que dependem de autoclavagem a 115°C por 4 h para destruição efetiva. A ação de fitases sobre os fitatos pode reduzir seus efeitos deletérios e aumentar o valor nutricional dos cereais. Em alguns casos, a aplicação de fitases exógenas (de fungos filamentosos como Rhizopus oligosporus e Aspergillus ficcum) pode proporcionar grande melhora na biodisponibilidade, especialmente de fósforo, em cereais e também em leguminosas. • Enzimas oxidativas o Lipo-oxigenases Catalisam a oxidação de ácidos graxos insaturados (na sua forma livre ou em monoacilgliceróis) que contenham um grupo metileno no carbono ω8 – como os ácidos linoleico e linolênico, abundantes em cereais. O produto dessa reação são hidroperóxidos, que, sendo instáveis, se decompõem formando radicais livres e levando à oxidação em cadeia dos demais lipídios presentes. Uma consequência comum da ação de lipo-oxigenases em farinhas é a destruição de carotenoides presentes, produzindo farinhas mais brancas, desejáveis em produtos destinados ao consumidor final e como matéria-prima para produtos de panificação. No entanto, a destruição de pigmento é considerada bastante indesejável na produção de macarrão, que deve ser sempre bem amarelado. Nesses casos, as lipo-oxigenases presentes devem ser inativadas por branqueamento com vapor. A oxidação dos lipídios leva ainda à geração de aroma de ranço, bastante desagradável e que determina o fim da vida de prateleira dos produtos, não apenas pelo aroma característico, mas também porque a ingestão de produtos oxidados está associada ao desenvolvimento de diversas doenças degenerativas, como o câncer, e deve, portanto, ser evitada. 13 o Polifenol oxidase (PFO), peroxidase (PER) e catalase São enzimas oxidativas presentes tanto no endosperma quanto no pericarpo e cuja atividade é bastante aumentada durante a germinação. As PFO são encontradas em diversas isoformas, especialmente no pericarpo (farelo), e as PER são mais abundantes no trigo do que nos demais cereais. As proteínas insolúveis, prolaminas e glutelinas, são denominadas em conjunto e de acordo com sua origem: zeí nas do milho, hordeínas da cevada, secalinas do centeio e avelinas da aveia, por exemplo. A exceção é o trigo, que tem nomenclatura diferenciada, em virtude da importância dessas proteínas na formação (KOBLITZ, 2011). 3.3.Lipídeos Os lipídios de cereais consistem de glicerídios de ácidos graxos, principalmente o ácido palmítico (C 16:0), oléico (C 18:1) e linoléico (C 18:). Contém ainda fosfolipídios, como a lecitina, e também glicolipídios. Nos cereais, os ácidos graxos saturados constituem de 11 a 26% do total e os insaturados, 72 a 85%. O conteúdo de lipídios no trigo varia de 2 a 3%, distribuindo-se pelas diversas partes do grão. O germe contém 6 a 11% de lipídios, o farelo de 3 a 5% e o endosperma de 0,8 a 1,5%. Aos contrários dos lipídios do farelo e do germe, constituídos basicamente de triglicerídios, os lipídios do endosperma são cerca de 30% de triglicerídios e o restante de fosfo e glicolipídios. Esses lipídios polares encontram-se ligados principalmente ao amido e ao glúten. No grão inteiro, as enzimas e os lipídios não entram em contato e por isso, quando ocorre alguma degradação enzimática, ela é atribuída à ação de microrganismos. A partir do momento em que o trigo é moído, esse contato acontece e a farinha pode apresentar problemas de deterioração. A farinha contém os lipídios do endosperma e, em quantidades variáveis segundo o grau de extração, também os lipídios do germe e da camada de aleurona. Quanto maior a quantidade de lipídios na farinha, mais rápida a sua deterioração, daí a perecibilidade da farinha integral. A deterioração pode ocorre pela rancidez hidrolítica, causada pela enzima lipase que produz glicerol e ácidos graxos e aumenta a acidez graxa da farinha; também pela rancidez oxidativa, onde a enzima lipoxigenase (lipoxidase) catalisa a peroxidação de ácidos graxos polinsaturados pelo oxigênio. A velocidade da rancidez oxidativa é diminuída pela ação dos antioxidantes naturais como os tocoferóis, presentes na farinha de trigo (GUTKOSKI, 2009). 14 3.4.Vitaminas e Minerais Todos os cereais contêm vitaminas do complexo B, mas são completamente desprovidos de vitamina C (a menos que o grão seja germinado) e vitamina D. O milho amarelo difere do milho branco e de outros grãos cereais em conteúdo de pigmentos carotenóides, que no corpo humano são convertidos em vitamina A. O trigo também contém pigmentos amarelos, porém estes não são precursores de vitamina A. O óleo do germe de cereais é rico em vitamina E. Com relação aos minerais, os cereais são nutricionalmente pobres em cálcio e a concentração deste elemento como dos demais minerais é grandemente reduzida durante a moagem. No processamento, pericarpo, aleurona e germe, estruturas que são ricas em minerais e vitaminas, são parcial ou totalmente eliminadas. Na farinha, os teores de vitaminas e minerais são menores, variando conforme o grau de extração. Algumas vitaminas são mais sensíveis e seu conteúdo diminui também sob condições inadequadas de estocagem ou no cozimento do pão. O valor nutricional da farinha é afetado por um grande número de variáveis. Sua melhoria pode ser buscada por vários caminhos como seleção ou modificação de cultivares de trigo, alteração de práticas agronômicas, alteração da taxa de extração de farinha, fortificação (GUTKOSKI, 2009). 3.5. Alcaloides Ergotismo é o nome dado à enfermidade causada pela ingestão regular e prolongada de “ergot”, conjunto de alcaloides (ergotoxina e ergotamina – ácido lisérgico) produzido pelo fungo Claviseps purpúrea (e algumas outras espécies do gênero) que infecta principalmente o centeio, mas também o trigo, a cevada e, mais raramente, a aveia. O fungo infecta a flor e invade a cariopse formando uma massa de micélio que preenche todo o grão. Os sintomas do envenenamento variam de alucinações e convulsões a vasoconstricção, que pode levar a grangrena e pode causar morte (KOBLITZ, 2011). 4. CONTROLE DE QUALIDADE O Padrão oficial de classificação dos grãos é definido pelo Regulamento Técnico de cada produto mediante instruções normativas do MAPA. A Fiscalização dos produtos de cereais é realizada pela ANVISA , vinculada ao MS – RDC 263 (DOU 22/9/2005). A Qualidade microbiológica obtida na RDC 12 (DOU 2/1/2001). Grãos são classificados em grupos e 15 classes (conforme as características de comercialização) e em tipos (presença de defeitos, impurezas, matérias estranhas. O Trigo não é classificado em grupos e sua separação em classe depende da avaliação de suas características de força de gluten e atividade enzimática (amilases – opcional e custeada pelo interessado). A umidade acima do normal normalmente não leva à perda do lote, mas deve ser informado (KOBLITZ, 2011). Abaixo seguem asdefinições dos grãos por tipo para melhor entendimento: � Grãos avariados: são os grãos que se apresentam danificados pelo calor, danificados por insetos, ardidos, mofados, germinados, esverdeados, chochos, bem como os quebrados (fragmentados) e o triguilho. � Grãos danificados pelo calor (queimados): são os grãos inteiros ou quebrados que apresen-tam a coloração do endosperma diferente da original, no todo ou em parte, devido à ação de elevada temperatura na secagem. � Grãos ardidos: são os grãos inteiros ou quebrados que apresentam a coloração do endosperma diferente da original, no todo ou em parte, pela ação de processos fermentativos. � Grãos mofados: são os grãos inteiros ou quebrados que apresentam fungos (mofo ou bolor) visíveis a olho nu. � Grãos chochos: são os grãos que se apresentam desprovidos parcial ou totalmente do endosperma, devido ao incompleto desenvolvimento fisiológico e que vazam através da peneira de crivo oblongo de 1,75 mm x 20,00 mm (espessura da chapa: 0,72 mm). � Triguilho: são os grãos que vazam através da peneira de crivo oblongo de 1,75 mm x 20,00 mm (espessura da chapa: 0,72 mm). � Grãos quebrados (fragmentados): são fragmentos de grãos que vazam através da peneira de crivo oblongo de 1,75 mm x 20,00 mm (espessura da chapa: 0,72 mm). � Grãos danificados por insetos: são os grãos ou pedaços de grãos que apresentam danos resultantes da ação de insetos e/ou outras pragas. � Grãos germinados: são os grãos que apresentam germinação visível. O percentual de grãos germinados será de declaração obrigatória no laudo e no Certificado de Classificação do produto, não sendo, contudo, considerado para efeito de determinação do tipo do trigo. � Grãos esverdeados: são os grãos que não atingiram a maturação completa e apresentam coloração esverdeada. � Matérias estranhas: são todas as partículas não oriundas da planta de trigo, tais como fragmentos vegetais, sementes de outras espécies, pedra, terra, entre outras. � Impurezas: são todas as partículas oriundas da planta de trigo, tais como: cascas, fragmentos do colmo, folhas, entre outras. 16 5. PRODUTOS ALIMENTÍCIOS ELABORADOS A PARTIR DE CEREAIS Tendo em vista a composição percentual dos cereais: Podem-se obter alguns produtos alimentícios oriundos de alguma parte dos grãos ou este de forma integral, sendo exemplos: Farinhas, pães, biscoitos, massas alimentícias, Aveia laminada ou em flocos (produto obtido dos grãos da aveia previamente desprovidos de tegumentos pela passagem em rolos quentes), amido (arroz, milho, trigo - produto obtido da substância amilácea extraída dos cereais) e entre outros. 5.1. Farinhas Produto obtido pela moagem de grãos, sementes ou pela moagem dos rizomas, frutos ou tubérculos. Classificam-se, segundo Moretto et al. (2008) em: • Farinha de glúten: Produto obtido da farinha de trigo isenta de quase todo amido. • Farinha de trigo sêmola ou semolina: Produto obtido pela trituração do grão de trigo duro, limpo e desgerminado, sendo a sêmola correspondente a partículas que passam pela peneira de nº 40 e é retirada na de nº 60; • Farinha de milho ou fubá de milho: Produto resultante da moagem do grão integral de milho; • Farinha de malte: Produto obtido pela moagem de cevada malteada seca; • Aveia laminada ou em flocos: produto obtido dos grãos de aveia previamente desprovidos de tegumentos pela passagem em rolos quentes; • Amido (arroz, milho, trigo, etc): produto obtido da substância amilácea extraída dos cereais; • Massas alimentícias: produtos não fermentados obtidos pelo amassamento mecânico da farinha ou sêmola de trigo mais água. São consideradas mistas quando forem preparadas com mais de um tipo de farinha. Endosperma * Alto conteúdo de amido; * Baixo conteúdo de proteínas e sais minerais; Gérmem * Alto conteúdo de lipídeos, proteínas, açúcares, sais minerais; * Baixo teor de vitaminas; Pericarpo * Alto conteúdo de celulose, pentosanas e sais minerais 17 o Farinha de Trigo: De acordo com Gutkoski (2009), o processo de moagem do trigo compreende uma diminuição gradual no tamanho das partículas, primeiro entre os rolos de quebra, corrugados e por último entre os rolos de redução, lisos. Esta separação é possível devido as diferentes propriedades físicas do farelo, do germe e do endosperma. O farelo é resistente devido o seu alto conteúdo de fibra enquanto o endosperma é quebra-se com facilidade. O germe, em função de seu alto conteúdo de óleo, forma flocos ao passar entre os rolos de redução. Além destas diferenças físicas, as partículas das várias partes do grão de trigo diferem em densidade. Isto torna possível sua separação pelo emprego de correntes de ar. As diferenças da “quebra” do farelo e do endosperma são acentuadas pelo condicionamento do trigo, que envolve adição de água até um nível ótimo de umidade, realizado antes da moagem. A adição de água endurece o farelo e amacia o endosperma, facilitando ainda mais a separação das frações. A moagem do grão de trigo é realizada de dentro para fora do grão. Ocorrendo a partir da quebra do grão que, com sua porção interna exposta, tem o endosperma “raspado” sucessivamente. Os equipamentos utilizados para esse fim são denominados bancos de cilindros, constituídos por grandes cilindros metálicos, emparelhados horizontalmente e que giram no sentido do fluxo do trigo, porém com velocidades de rotação diferentes. As sequentes quebras do grão e pulverização do endosperma amiláceo são realizadas por moinhos de rolos que podem ser lisos ou raiados (com reentrâncias diagonais, paralelas entre si). FIGURA 4 – Fluxograma de moagem da farinha Fonte: Gutkoski (2009) 18 A farinha de trigo é classificada de acordo com a Instrução Normativa número 8 de 2 de junho de 2005, conforme Moretto et al. (2008), em: a) Farinha Integral – Obtida a partir do cereal limpo e com o teor máximo de cinzas 2%. b) Farinha Tipo 1 ou especial ou de primeira. - Obtida a partir do cereal limpo, desgerminado com o teor máximo de cinzas de 0,65% na base seca. Deverá passar 98% do produto através de peneira, com abertura de malha de 250mm. c) Farinha Tipo 2 (comum). – Obtida a partir do cereal limpo, desgerminado com teor de cinzas entre 0,56% e 1,35% na base seca, 98% do produto deverá passar através de peneira com abertura de malha de 250mm o Pão É o produto obtido pela cocção, em condições tecnologicamente adequadas, de uma massa fermentada ou não, preparada com farinha de trigo e água, podendo ser elaborado com outras farinhas que contenham proteínas formadoras de glúten, podendo conter outros ingredientes. As cadeias de proteína estão ligadas transversalmente no glúten através de ligações de dissulfeto e desta forma proporcionam notável elasticidade, a qual capacita o glúten a reter o dióxido de carbono à medida que este é produzido pela fermentação (MORETTO et al., 2008). Este alimento é um dos expoentes da mais antiga manufatura em alimentos, sendo mencionado na Bíblia. Como prova disto, foram encontrados achados arqueológicos de pães nas tumbas dos reis do Antigo Egito e pedaços de cerais moídos fermentados foram encontrados em vasilhas de cavernas que abrigaram o homem antigo. É amplamente distribuído por todo mundo, nas diversas culturas alimentares, podendo haver variações deste alimento conforme o tipo de cereal e a forma de produzi-lo. Caracteriza-se por ter uma tecnologia simples de fabricação, embora a mecanização do mundo moderno aos poucos tenha mudado as coisas, complicando-as um pouco seu processo produtivo. Anteriormentehavia a figura do mestre de forno, responsável pela sua produção e hoje há o técnico que calcula matematicamente os tempos, as misturas, os cozimentos, etc e elabora milhares de pães todos os dias. Os cereais de modo geral servem como matéria-prima para os pães, com destaque para a farinha de trigo e o centeio (SALINAS, 2002). Durante o processo de panificação ocorre uma série de interações complexas entre os componentes da massa, com influência sobre o resultado final. Normalmente é mais 19 enfatizada a função do glúten, levando a pensar que o amido é apenas um coadjuvante inerte dentro da estrutura proteica. No entanto, ele tem funções importantes em cada etapa do processo. No preparo da massa, o amido tem influência sobre a absorção de água pela farinha. A capacidade e a velocidade de absorção de água pelo amido dependem do seu teor de grânulos danificados e também do tamanho dos grânulos. À medida que prossegue a mistura, os grânulos de amido vão ficando incrustados na matriz proteica do glúten que se desenvolve. Na fermentação, têm relevância os grânulos danificados, que são susceptíveis à ação enzimática. Durante este período, as enzimas amilolíticas (alfa e beta-amilases) agem sobre os polímeros de amilose e amilopectina, produzindo açúcares que são necessários para garantir a continuidade do processo de fermentação; nessa etapa prossegue o desenvolvimento do glúten, formando um filme contínuo e elástico, capaz de reter o gás produzido. No cozimento, todo amido participa e não apenas os grânulos danificados. A temperatura de gelatinização do amido é mais alta que a temperatura de coagulação do glúten, esta ocorre primeiro, liberando a água que será absorvida pelo amido na gelatinização. Como o conteúdo de água no sistema é limitado, a gelatinização é parcial. Os grânulos de amido gelatinizados ficam susceptíveis ao ataque enzimático, que ocorre até o momento em que se atinge a temperatura de inativação da alfa-amilase. Nesta etapa o amido é muito importante, pois os açúcares produzidos na fermentação já foram praticamente esgotados e sua reposição se faz pela ação enzimática sobre o amido, o que permitirá que o produto apresente cor e aroma depois de cozido. Os grânulos inchados de amido protegem a matriz protéica e sustentam a estrutura do glúten, impedindo que ela colapse, mantendo o volume do pão. No resfriamento do pão, ocorre o fenômeno da retrogradação do amido, que contribui para a estabilidade da estrutura final do pão. No pão recém cozido e resfriado, as moléculas de amilose estão associadas e imobilizadas num firme gel retrogradado, não podendo participar das reações subsequentes. É a vez então das moléculas de amilopectina começarem a se associar, pelo entrelaçamento de suas ramificações. Isto diminui a flexibilidade do gel e parece ser a causa do endurecimento do miolo à medida que o pão envelhece (GUTKOSKI, 2009). De acordo com Salinas (2002), a elaboração do pão tradicional transcorre conforme as seguintes fases: 1. Misturar componentes: farinhas, água, sal e massa azeda; � Misturador é um cubo com eixos excêntricos que os dispersam, dando lugar ao contato íntimo entre si, originando o início do processo fermentativo; 20 � Uma variedade de Sacharomyces cereviciae transformará a maltose formada pelas diástases (enzimas ɑ e β-amilases da farinha) em glicose, através de uma maltase; � Essa glicose, por meio de um conglomerado enzimático, chamado “zimase”, a transformará em álcool etílico e CO2; � A massa azeda leva em seu interior bactérias como Streptococos lactis, Lactobacilos, Aerobacter, B. butiricus → todos produtores de ácidos (sabor do pão); � Em duas horas, procede-se a amassadura, adicionando mais farinha; � Ajuda a dispersar as partículas minúsculas de gás; � Auxilia a unir as gliadinas às glutelinas, formando o glúten; � Elasticidade do glúten – permite que se estenda em colunas acolhendo entre si o amido gelatinizado, gás e álcool; � Deixa-se descansar por mais 1h; � Total desta etapa – 3h 2. Corte: massa é cortada em pedaços, dando-lhes forma variada. � Descansa novamente (completar o processo fermentativo) 3. Assar: em forno, com temperatura entre 230 e 250oC, no qual vai se injetando vapor d’água; � Temperatura interior – 100oC; � Casca – dada pela dextrinização e reação de Maillar; � Lisina se une a glicídeos; � Brilho – dado pela gelatinização superficial do amido; � Malhas do glúten são distendidas pelo CO2 que se dilata a altas temperaturas e coagula a 70oC (fica nas alturas alcançadas sem perder a elasticidade); O produto pode ser definido e classificado de acordo com os ingredientes e ou processo de fabricação e/ou formato, conforme Resolução - RDC nº 90, de 18 de outubro de 2000 da ANVISA, cujo texto segue a seguir. � Definições Pão: é o produto obtido pela cocção, em condições tecnologicamente adequadas, de uma massa fermentada ou não, preparada com farinha de trigo e ou outras farinhas que contenham naturalmente proteínas formadoras de glúten ou adicionadas das mesmas e água, podendo conter outros ingredientes. 21 Fermentação biológica: é a fermentação resultante do uso de fermento biológico natural e ou fermento biológico industrial. Fermento biológico natural: é aquele obtido a partir de uma auto seleção natural de cepas de leveduras e lactobacilos presentes na farinha de trigo. Fermento biológico industrial: é uma seleção de leveduras Saccharomyces cerevisiae obtida através de processo industrial. � Classificação : O produto é classificado de acordo com os ingredientes e ou processo de fabricação e ou formato. a) Pão ázimo: produto não fermentado, preparado, obrigatoriamente, com farinha de trigo e água, apresentando-se sob a forma de lâminas finas. b) Pão francês: produto fermentado, preparado, obrigatoriamente, com farinha de trigo, sal (cloreto de sódio) e água, que se caracteriza por apresentar casca crocante de cor uniforme castanho-dourada e miolo de cor branco-creme de textura e granulação fina não uniforme. c) Pão de forma: produto obtido pela cocção da massa em formas, apresentando miolo elástico e homogêneo, com poros finos e casca fina e macia. d) Pão integral: produto preparado, obrigatoriamente, com farinha de trigo e farinha de trigo integral e ou fibra de trigo e ou farelo de trigo. e) Panetone: é o produto fermentado, preparado, obrigatoriamente, com farinha de trigo, açúcar, gordura(s), ovos, leite e sal (cloreto de sódio). f) "Grissini": produto caracterizado pelo formato cilíndrico delgado e textura crocante. g) Torrada: produto obtido a partir do Pão, obrigatoriamente, torrado e com formatos característicos. h) Farinha de Pão ou de Rosca: produto obtido, pela moagem do Pão, obrigatoriamente, torrado. � COMPOSIÇÃO E REQUISITOS Composição: Ingredientes obrigatórios: farinha de trigo e ou outras farinhas que contenham naturalmente proteínas formadoras de glúten ou adicionadas das mesmas, água, e demais ingredientes específicos para cada produto de acordo com sua classificação acima e ou designação. 22 Ingredientes opcionais: fibras, sal (cloreto de sódio), açúcar, mel e outros carboidratos que confiram sabor doce, leite e derivados, óleos e gorduras, sementes e farinhas de cereais, leguminosas, raízes e tubérculos, ovos, proteínas, frutas secas ou cristalizadas, produtos cárneos, recheio, chocolates, coberturas, condimentos e outros ingredientes que não descaracterizem o produto. Requisitos Características Sensoriais Aspecto: característico do produto. Cor: característica do produto. Odor:característico do produto. Sabor: característico do produto. Características Químicas, Físicas e Físico-Químicas: O Pão apresenta características químicas de acordo com a sua composição e processo de fabricação. Os ensaios devem ser realizados na massa livre de recheio e cobertura TABELA 2 - Características Físico-Químicas do Pão Produto Umidade (1), em g/100g Máximo Acidez (1), em solução normal, mL/100g Máximo Lipídios (1), em g/100g Mínimo Pães preparados, exclusivamente, com farinha de trigo comum e ou farinha de trigo especial (sêmola/semolina de trigo) 38,0 - - "Grissini", Torrada e Farinha de pão ou de rosca 10,0 - - Panetone 30,0 6,0 11,0 Fonte: ANVISA (2000) (1) da massa livre de recheio e cobertura � ACONDICIONAMENTO O Pão pode ser comercializado inteiro, fatiado, à granel e ou pré-embalado. O Pão pode ser comercializado semi-pronto, resfriado, congelado, semi-assado ou de outras formas, desde que, após cocção, atenda aos requisitos deste Regulamento. 23 Quando o produto for pré-embalado, as embalagens devem ser adequadas às condições previstas de transporte e armazenamento e conferir ao produto a proteção necessária. � ADITIVOS ALIMENTARES E COADJUVANTES DE TECNOLOGIA DE FABRICAÇÃO Devem obedecer à legislação específica. � CONTAMINANTES Devem estar em consonância com os níveis toleráveis nas matérias-primas empregadas, estabelecidos em legislação específica. � HIGIENE Considerações Gerais: os produtos devem ser processados, manipulados, acondicionados, armazenados, conservados e transportados conforme as Boas Práticas de Fabricação, atendendo à legislação específica. Características macroscópicas: devem obedecer à legislação específica. Características microbiológicas: devem obedecer à legislação específica. Características microscópicas: devem obedecer à legislação específica. � PESOS E MEDIDAS Devem obedecer à legislação específica. � ROTULAGEM Deve obedecer ao Regulamento Técnico sobre Rotulagem de Alimentos Embalados. Quando qualquer Informação Nutricional Complementar for utilizada, deve atender ao Regulamento Técnico específico. Deve obedecer à legislação específica de rotulagem para alimentos industrializados que contêm glúten. Quando o produto apresentar em sua composição farinha de trigo integral, fibra de trigo, farelo de trigo e ou farinha de cereais (exceto trigo), leguminosas, raízes e tubérculos, deve ser declarado, no rótulo,o percentual destes ingredientes. � AMOSTRAGEM E MÉTODOS DE ANÁLISE A avaliação da identidade e qualidade deverá ser realizada de acordo com os planos de amostragem e métodos de análise adotados e ou recomendados pela Association of Analytical Chemists International (AOAC), pela Organização Internacional de Normalização (ISO), pelo 24 Instituto Adolfo Lutz, pelo Food Chemicals Codex, pela American Public Health Association (APHA), pelo Bacteriological Analytical Manual (BAM), pela Association Internacionale de Chimie Céréaliére (ICC), pela American Association of Cereal Chemists (AACC) e ou pela comissão do Codex Alimentarius e seus comitês específicos, até que venham a ser aprovados planos de amostragem e métodos de análises pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária o Biscoitos São produtos obtidos pelo amassamento e cozimento de massa preparada com farinhas, amidos, fermentados ou não e outras substâncias alimentícias. Geralmente são designados biscoitos ou bolachas seguidos de substância que os caracterizam ou por nomes consagrados pelo uso, como por exemplo: Biscoito povilho, biscoito de milho, bolacha de coco, grissini (MORETTO et al., 2008). O padrão de identidade e qualidade é dado pela Resolução - CNNPA nº 12, de 1978. Os biscoitos ou bolachas são classificados de acordo com o ingrediente que o caracteriza ou forma de apresentação: a) biscoitos ou bolachas salgadas - produtos que contêm cloreto de sódio em quantidade que acentue o sabor salgado, além das substâncias normais desses produtos; b) biscoitos ou bolachas doces - produtos que contêm açúcar, além das substâncias normais nesse tipo de produtos; c) Recheados - quando possuírem um recheio apropriado; d) Revestidos - quando possuírem um revestimento apropriado; e) "grissini" - produto preparado com farinha de trigo, manteiga ou gordura, água e sal e apresentados sob a forma de cilindros finos e curtos. f) biscoitos ou bolachas para aperitivos e petiscos ou salgadinhos - produtos que contêm condimentos, substâncias alimentícias normais desses tipos de produtos; apresentam- se geralmente sob formas variadas e tamanhos bem pequenos. Ex.: "Petisco de queijo", "Bolacha de cebola para aperitivo". g) palitos para aperitivos ou "pretsel" - produto preparado com farinha, água, sal, manteiga ou gordura e fermento-biológico; a massa é moldada em forma de varetas, que podem ser dobradas em forma de oito, e são submetidas a prévio cozimento rápido em banho alcalino, antes de assadas. h) "waffle" - produto preparado à base de farinha de trigo, amido, fermento químico, manteiga ou gordura, leite e ovos e apresentado sob a forma de folha prensadas; 25 i) "waffle" recheado - produto preparado à base de farinhas, amidos ou féculas, doce ou salgado, podendo conter leite, ovos, manteiga, gorduras e outras substancias alimentícias que o caracteriza, como coco, frutas oleaginosas. geleias de frutas e queijo. Tais produtos podem ser decorados com doces, glacês, geleias, frutas secas ou cristalizadas, queijo, anchova, etc. j) Petit-four – preparados a base de farinha, amido ou fécula, doce ou salgado, podendo conter leite, ovos, manteiga, gorduras e outras substâncias alimentícias que o caracterizam como coco, frutas oleaginosas, geleias de frutas e queijo. Tais produtos podem ser decorados com doces, glacês, geleias, frutas secas ou cristalizadas, queijo, anchovas. Os biscoitos ou bolachas deverão ser fabricados a partir de matérias primas sãs e limpas, isentas de matéria terrosa, parasitos, devendo estar em perfeito estado de conservação. São rejeitados os biscoitos ou bolachas mal cozidos, queimados, de caracteres organoléticos anormais. Não é tolerado o emprego de substâncias corantes na confecção dos biscoitos ou bolachas, excetuando-as tão somente nos revestimentos e recheios açucarados (glacês). Os corantes amarelos não são tolerados mesmo nos recheios e revestimentos açucarados. Com relação às suas características organolépticas devem ter: Aspecto: massa torrada, com ou sem recheio ou revestimento. Cor: própria. Cheiro: próprio. Sabor: próprio. Com relação às suas características às características físicas e químicas: Acidez em solução normal, máximo, 2,0 ml/100g. Umidade, máximo, 14,0% p/p Resíduo mineral fixo: máximo 3,0% p/p (deduzido e sal). Características microbiológicas a) Os biscoitos e bolachas devem obedecer ao seguinte padrão: � Bactérias do grupo coliforme: máximo, 5x10/g. � Bactérias do grupo coliforme de origem fecal: ausência em 1g. � Clostrídios sulfito redutores (a 44ºC): máximo, 2x10/g. � Staphylocoocus aureus: máximo 2 x102/g. � Salmonelas: ausência em 25 g. � Bolores e leveduras: máximo 103/g 26 � Deverão ser efetuadas determinações de outros microrganismos e/ou de substâncias tóxicas de origem microbiana, sempre que se tornar necessária a obtenção de dados adicionais sobre o estado higiênico-sanitário dessa classe de alimento, ou quando ocorrerem tóxi-infecções alimentares. Características microscópicas Ausência de sujidade, parasitos e larvas.Rotulagem O rótulo deve constar a denominação "biscoito" ou "bolacha" seguido de sua classificação ou simplesmente a denominação consagrada. (RESOLUÇÃO CNNPA nº 12, 1978). 27 6. REFERÊNCIAS BRASIL. Resolução - CNNPA nº 12, de 1978. <http://www.anvisa.gov.br/anvisalegis/resol/12_78_biscoitos.htm> Acesso em 02/maio de 2014. BRASIL. Resolução - RDC nº 90, de 18 de outubro de 2000 da ANVISA. < http://www.anvisa.gov.br/anvisalegis/resol/2000/90_00rdc.htm> Acesso em 29/03/2015. GUTKOSKI, Luiz Carlos. Controle de qualidade de Grãos e farinhas de Cereais. 2009. IBGE. Produção Brasileira de grãos no ano de 2014. < ftp://ftp.ibge.gov.br/Producao_Agricola/Levantamento_Sistematico_da_Producao_Agricola_ %5Bmensal%5D/Comentarios/lspa_201403comentarios.pdf> Acesso em 10/03/2015. Instrução normativa sarc nº 7 , DE 15 DE AGOSTO DE 2001. IN SARC/MA nº 7, de 15/08/2001 - Publicada no DOU do dia 21/08/2001 - Seção I - Páginas 33 a 35. KOBLITZ, Maria Gabriela Bello, 197, Matérias-primas alimentícias: composição e controle de qualidade / Maria Gabriela Bello Koblitz.- Rio de Janeiro : Guanabara Koogan, 2011. MORETTO, Eliane [et. al]. Introdução à Ciência dos Alimentos. 2º ed. Ampliada e revisada – Florianópolis: Ed. Da UFSC, 2008. SALINAS, Rolando D. Alimentos e nutrição: Introdução à bromatologia. 3º ed. Porto Alegre: Artmed, 2002.
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