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MA111 - Ca´lculo I Prof. Dr. Ricardo Miranda Martins Integrac¸a˜o 1 Primitivas e antiderivadas Ate´ este ponto, aprendemos a resolver o seguinte problema neste curso: dada f : [a, b] → R, encontre uma func¸a˜o g : [a, b]→ R tal que para todo ponto x0 ∈ [a, b], vale g(x0) = lim x→x0 f(x0 + h)− f(x0) h . (1) Esta func¸a˜o g, denotada por f ′, e´ chamada derivada de f . Agora vamos resolver uma espe´cie de problema inverso: dada uma func¸a˜o g : [a, b] → R, devemos encontrar uma func¸a˜o f : [a, b]→ R tal que para todo x0 ∈ [a, b] vale a equac¸a˜o (1). Definic¸a˜o 1. Uma func¸a˜o F : [a, b] → R e´ chamada antiderivada (ou primitiva) de f : [a, b] → R se para todo x ∈ [a, b] vale F ′(x) = f(x). Outra notac¸a˜o para antiderivada, que fara´ sentido mais tarde, e´ F (x) = ∫ f(x) dx. Exemplo 2. Seja f(x) = 2x. Enta˜o F (x) = ∫ f(x) dx = x2 + c, onde c ∈ R e´ uma constante qualquer. Para ver isto, basta derivar F (x) = x2 + c. A constante que aparece no exemplo anterior acontece em geral. Ocorre que, como constantes se tornam zero quando derivadas, elas sempre aparecera˜o nas antiderivadas. Desta observac¸a˜o decorre o seguinte resultado: Proposic¸a˜o 3. Sejam F,G : [a, b]→ R primitivas de f : [a, b]→ R. Enta˜o F (x)−G(x) e´ constante. Prova. Como F,G sa˜o primitivas de f , segue que F ′ = f e G′ = f . Portanto, F ′(x) − G′(x) = 0, ou seja, a func¸a˜o F (x)−G(x) e´ constante. Na maioria dos casos, dada uma func¸a˜o f(x), sua derivada f ′(x) pode ser encontrada utilizando algoritmos simples (regra do produto, do quociente, da cadeia, etc). Encontrar sua primitiva, no en- tanto, e´ um procedimento mais complicado. Se f(x) e´ dada em termos de func¸o˜es elementares (func¸o˜es polinomiais, poteˆncias - na verdade, alge´bricas, trigonome´tricas, exponenciais, racionais e combinac¸o˜es envolvendo composic¸o˜es destas func¸o˜es), enta˜o f ′(x) tambe´m e´ uma func¸a˜o elementar. Isto na˜o e´ verdade para as primitivas. Em particular, a primitiva de f(x) = e−x 2 existe, mas na˜o pode ser escrita em termos de func¸o˜es elementares (veja [2]). 2 A´reas Seja f : [a, b] → R uma func¸a˜o cont´ınua e positiva. Seja S a regia˜o delimitada pelo gra´fico de f , o eixo x e as retas x = a e x = b. Como a a´rea desta regia˜o se relaciona com a func¸a˜o f? Alia´s, como definir a´rea para uma regia˜o destas? Uma abordagem poss´ıvel para este problema e´ a seguinte: vamos aproximar a regia˜o S por uma regia˜o que seja unia˜o de retaˆngulos. Podemos fazer isto dividindo o intervalo [a, b] em va´rios subintervalos com extremos a = x0 < x1 < . . . < xn = b e considerando retaˆngulos de base xixi+1 e altura f(xi). Exemplo 4. Considere f(x) = x3 no intervalo [0, 1]. Qual sera´ a a´rea “abaixo” deste gra´fico para x ∈ [0, 1]? Vamos dividir o intervalo ao meio. Assim teremos os subintervalos [0, 1/2] e [1/2, 1]. Como f(0) = 0 e f(1/2) = 1/8, segue que (1/2) · 0 + (1/2) · (1/8) = 1/16 = 0, 0625 e´ uma aproximac¸a˜o para esta a´rea. Se dividirmos o intervalo em quatro subintervalos [0, 1/4], [1/4, 1/2], [1/2, 3/4] e [3/4, 1], teremos a aproximac¸a˜o (1/4) · 0 + (1/4) · (1/64) + (1/4) · (1/8) = 9/64 = 0, 140625. Dividindo em dez subintervalos, teremos a aproximac¸a˜o 1046529/4194304 = 0, 2495119572.... Dividindo em 50 subintervalos, teremos a aproximac¸a˜o 0, 24999999999999955.... E´ poss´ıvel obter uma fo´rmula geral para esta aproximac¸a˜o. Note que ao dividirmos [0, 1] em n intervalos de igual comprimento, cada um deles tem comprimento 1/2n. Desta forma, os pontos xi = i/2 n e a altura do retaˆngulo com base xkxk+1 tera´ altura f(xk) = f(k/2 n) = k3/(2n)3. Somando tudo, teremos que a aproximac¸a˜o para a a´rea sera´ n−1∑ k=0 1 2n ( k 2n )3 = 1 4 ( 1− 1 2n )2 . Intuitivamente, se n aumenta indefinidamente, enta˜o esta aproximac¸a˜o resulta em 1/4. Observac¸a˜o 5. Rigorosamente, ainda na˜o sabemos calcular limites quando a varia´vel e´ natural (somente quando a varia´vel e´ real). Sem entrar muito em detalhes, observe que ser n ∈ N, enta˜o n so´ pode tender ao infinito, pois considerando a topologia da reta real, n nunca estara´ arbitrariamente perto de algum outro nu´mero natural que na˜o seja n. Havendo clareza sobre isto, se f : N → R enta˜o limn→∞ f(n) esta´ bem definido e pode ser calculado como no caso real. Observac¸a˜o 6. No intervalo [xi, xi+1], escolhemos a altura do retaˆngulo f(xi). Na˜o precisa´vamos fazer isto. Poder´ıamos ter escolhido f(xi+1) ou ainda escolher um ponto qualquer x ∗ i ∈ (xi, xi+1) para calcular a altura. Definic¸a˜o 7. Seja f : [a, b] → R uma func¸a˜o cont´ınua e positiva. Considere uma divisa˜o do inter- valo [a, b] em n subintervalos de tamanho ∆x = (b − a)/n, obtendo os intervalos [x0, x1], [x1, x2], . . . , [xn−1, xn], onde x0 = a, xn = b e xk = a + k∆x. Seja x∗j+1 ∈ [xj , xj+1] um ponto qualquer. A a´rea da regia˜o S definida acima e´ dada por A = lim n→∞ n−1∑ k=0 f(x∗k)∆x = lim n→∞ ( f(x∗1)∆x+ f(x ∗ 2)∆x+ . . .+ f(x ∗ n)∆x ) (2) Observac¸a˜o 8. Pode-se provar que a soma acima na˜o depende do ponto escolhido dentro do intervalo, nem da escolha particular da divisa˜o do intervalo original. 3 Integrais Quando a func¸a˜o f na˜o e´ positiva, a equac¸a˜o (2) na˜o tem um significado geome´trico preciso. Ainda assim, ela existe e e´ chamada integral de f no intervalo [a, b]. Definic¸a˜o 9. Se f : [a, b] → R e´ uma func¸a˜o cont´ınua, a = x0 < x1 < . . . < xn = b e´ uma divisa˜o do intervalo [a, b] em subintervalos de mesmo comprimento ∆x e x∗i ∈ [xi−1, xi] pontos quaisquer. A integral definida de f com x indo de a ate´ b e´∫ b a f(x) dx = lim n→∞ n∑ i=1 f(x∗i )∆x. Caso o limite anterior exista (e seja independente da escolha de x∗i e dos subintervalos), diremos que a func¸a˜o f e´ integra´vel no intervalo [a, b]. Uma condic¸a˜o suficiente para integrabilidade e´ dada pelo pro´ximo teorema. Teorema 10. Seja f : [a, b] → R uma func¸a˜o que e´ cont´ınua ou tem no ma´ximo um nu´mero finito de descontinuidades remov´ıveis, ou seja, existem x1, . . . , xn ∈ [a, b] tais que f e´ descont´ınua em xj mas os limites laterais lim x→x±j f(x) existem para todo j = 1, . . . , n. Enta˜o f e´ integra´vel em [a, b]. O s´ımbolo ∫ e´ um s estilizado, para lembrar que a integral definida e´ uma soma. Esta soma e´ chamada soma de Riemann. No caso de f ser positiva, a integral definida e´ a a´rea S que ja´ calculamos. Observe ainda que ∫ b a f(x) dx e´ um nu´mero, e na˜o uma func¸a˜o. Proposic¸a˜o 11. Se a < b, enta˜o ∫ b a f(x) dx = − ∫ a b f(x) dx. Prova. Ao escrever a integral de b ate´ a, a expressa˜o de ∆x ficara´ (a−b)/n, que e´ exatamente o negativo de (b− a)/n, que aparece na integral de a ate´ b. Vamos calcular nossa primeira integral: Exemplo 12. Seja f(x) = c uma func¸a˜o constante definida em [a, b]. Enta˜o, para todo x ∈ [a, b], temos f(x) = c. Considerando uma divisa˜o de [a, b] em n retaˆngulos de tamanho ∆x = (b − a)/n, teremos sempre ∫ b a f(x) dx = ∫ b a c dx = lim n→∞ n∑ i=1 f(x∗i )∆x = lim n→∞ n∑ i=1 c(b− a)/n = c(b− a), pois o somato´rio e´ em i e a func¸a˜o que esta´ sendo somada na˜o depende de i. A integrac¸a˜o satisfaz algumas propriedades importantes, que listaremos a seguir. Proposic¸a˜o 13. Sejam f, g func¸o˜es integra´veis. Enta˜o: (a) ∫ b a (f(x) + g(x)) dx = ∫ b a f(x) dx+ ∫ b a g(x) dx (b) ∫ b a cf(x) dx = c ∫ b a f(x) dx, onde c ∈ R. Prova. Esta prova vai ficar como exerc´ıcio. A ideia e´ escrever a definic¸a˜o (utilizando o limite, etc) e mostrar que e´ poss´ıvel “quebrar” o limite (ja´ que ambas as func¸o˜es sa˜o integra´veis). Exemplo 14. Utilizando a proposic¸a˜o anterior, ja´ podemos calcular integrais “mais complicadas”, como por exemplo ∫ 1 0 (1 + x+ x3) dx. Se f : [a, b]→ R e´ uma func¸a˜o cont´ınua, exceto no ponto c ∈(a, b) onde ela tem uma descontinuidade remov´ıvel, vimos que f e´ integra´vel. O pro´ximo resultado nos diz como calcular a integral de f em [a, b]. Lema 15. Seja f : [a, b]→ R e suponha que exista c ∈ (a, b) tal que f e´ cont´ınua nos intervalos [a, c) e (c, b]. Suponha ainda que os limites laterais limx→c± f(x) existam. Enta˜o∫ b a f(x) dx = ∫ c a f(x) dx+ ∫ b c f(x) dx. Prova. Basta considerar subdiviso˜es do intervalo [a, b] que contenham o ponto c como ponto extremo de subintervalos e utilizar a definic¸a˜o de integral. A pro´xima proposic¸a˜o lista mais propriedades importantes das func¸o˜es integra´veis. Proposic¸a˜o 16. Sejam f, g : [a, b]→ R func¸o˜es integra´veis. (a) Se f(x) ≥ 0 para todo x ∈ [a, b] enta˜o ∫ b a f(x) dx ≥ 0. (b) Se f(x) ≤ g(x) para todo x ∈ [a, b] enta˜o ∫ b a f(x) dx ≤ ∫ b a g(x) dx. (c) Se existem m,M ∈ R tais que m ≤ g(x) ≤M , para todo x ∈ [a, b] enta˜o m(b− a) ≤ ∫ b a f(x) dx ≤M(b− a). Exemplo 17. Ainda na˜o temos boas ferramentas para calcular integrais, mas a proposic¸a˜o anterior pode ser utilizada para dar algumas estimativas. Por exemplo, sabemos que −1 ≤ cos(x) ≤ 1, para todo x ∈ [0, 2pi], logo −2pi ≤ ∫ 2pi 0 cos(x) dx ≤ 2pi. Um caso mais emblema´tico e´ o de func¸o˜es que na˜o saberemos calcular as integrais exatamente, como o caso de f(x) = e−x 2 . Observe que esta func¸a˜o e´ decrescente em [0, 1], pois sua derivada e´ f ′(x) = −2xe−x2 . Como f(0) = 1 e f(1) = 1/e, segue que 1/e ≤ f(x) ≤ 1, para todo x ∈ [0, 1]. Logo, 1 e ≤ ∫ 1 0 e−x 2 dx ≤ 1. 4 Teorema Fundamental do Ca´lculo Seja f : [a, b] → R uma func¸a˜o cont´ınua e considere uma nova func¸a˜o, tambe´m definida no intervalo [a, b], dada por g(x) = ∫ x a f(s) ds. Observe que no caso de f ser uma func¸a˜o positiva, g(x) e´ a a´rea debaixo do gra´fico de f , entre os pontos a e x. Exemplo 18. Seja f : [0, 3]→ R dada por f(x) = x, x ∈ [0, 1],1, x ∈ [1, 2], 3− x, x ∈ [2, 3]. Quem e´ g(x)? Se x ∈ [0, 1], calcule g′(x). O pro´ximo teorema nos diz como derivar func¸o˜es definidas por integrais. Teorema 19 (Teorema Fundamental do Ca´lculo I). Seja f : [a, b]→ R uma func¸a˜o cont´ınua e g(x) = ∫ x a f(x) dx, para x ∈ [a, b]. Enta˜o g e´ cont´ınua e diferencia´vel em [a, b], com g′(x) = f(x). Exemplo 20. Calcule a derivada de g(x) = ∫ x 0 arctan(x) dx Exemplo 21. Calcule a derivada de g(x) = ∫ x2 0 ex dx O pro´ximo resultado e´ a segunda versa˜o do TFC: Teorema 22 (Teorema Fundamental do Ca´lculo II). Seja f : [a, b]→ R uma func¸a˜o cont´ınua. Enta˜o∫ b a f(x) dx = F (b)− F (a), onde F e´ uma primitiva de f , ou seja, F ′ = f . Exemplo 23. Calcule ∫ 2 0 x3 dx. Exemplo 24. Calcule ∫ 2pi 0 cos(x) dx. Exemplo 25. Calcule a a´rea entre os gra´ficos de f(x) = x e g(x) = x2, para x ∈ [0, 2]. As duas verso˜es do TFC nos permitem enunciar o seguinte teorema, que de certa forma mostra que derivac¸a˜o e integrac¸a˜o sa˜o processos inversos. Teorema 26. Seja f : [a, b]→ R cont´ınua. (a) Se g(x) = ∫ x a f(t) dt enta˜o g′(x) = f(x). (b) Se F ′ = f enta˜o ∫ b a f(x) dx = F (b)− F (a). References [1] J. Stewart, Ca´lculo, vol. 1, Cengage Learning. [2] D. C. M. Filho, “Professor, qual e´ a primitiva de ex x ?!” (O problema de integrac¸a˜o em termos finitos), Matema´tica Universita´ria 31 (2001) 143–161.
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