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1 A CRISE E SUAS EXPANSÕES Expansão e crise Segundo Amin (1977), pode-se dividir a história do modo de produção capitalista por fases de expansão e fases de “crise estrutural”, podendo distinguir-se quatro fases de expansão, ou seja, aquelas ocorrentes entre: 1815-40; 1850- 70; 1890-1914; 1948-67; e quatro fases de crise, ocorrentes nos períodos entre: 1840-50; 1870-90; 1914-48; e o período pós-1967. Cada uma dessas fases de expansão caracteriza-se por um modelo particular de acumulação; um tipo de indústria motriz; um quadro específico que define as modalidades da concorrência e o estatuto da empresa; a uma certa etapa da expansão geográfica do sistema capitalista; a uma organização particular da especialização internacional neste quadro; a uma distribuição das funções de seu centro e de sua periferia; e, finalmente, a um certo equilíbrio (ou desequilíbrio) entre os diferentes estados-nações centrais. Todo esse conjunto define o tipo de aliança de classes que corresponde ao modelo de acumulação e, através disso, o quadro da luta de classes e da vida política, além do modelo de produção da burguesia, complemento necessário ao modelo da reprodução do capital (AMIN, 1977, p. 6). Amin (1977) esclarece que cada fase de crise estrutural corresponde a outra de desajustamentos e reajustamentos, de passagem de um modelo de acumulação a outro. A crise implica diminuição do ritmo de crescimento e acirramento da luta de classes. A crise na segunda expansão capitalista Conforme Amin (1977): […] a crise se instaura através da acentuação da luta de classes, marcada pela Comuna de Paris, e só será vencida através da superação do laissez faire dos anos 50-70 – único período de verdadeiro liberalismo capitalista, da constituição dos monopólios e da expansão do imperialismo [...] A primeira fase de expansão se caracterizara pela concorrência fácil feita pela nova indústria no antigo artesanato e a segunda por um modelo de concorrência atomística entre numerosas empresas de porte modesto, incapazes de modificar, isoladamente, as condições do mercado. A partir daí a concorrência se fará entre monopólios em condições de, pelas suas decisões unilaterais, de moldar o mercado; a individualização dos produtos através das marcas e a publicidade reduzem, além disso, a concorrência pelos preços. A eletricidade abre novas possibilidades à modernização da indústria, e a navegação marítima dá ao mercado uma dimensão mundial (AMIN, 1977, p. 9, grifo do autor). Mais uma vez esta fase de expansão mundial do capitalismo confere à periferia a função essencial de fornecedora de matérias-primas e de produtos agrícolas, absorvendo capital para a instalação das infraestruturas e comprando produtos manufaturados. Isso não poderia ser diferente, vez que seu artesanato fora destruído e sua agricultura submetida ao capital. Porém, surge também o intercâmbio desigual, ou seja, a remuneração desigual da força de trabalho cristalizada nas mercadorias mundiais. E, essa especialização desigual, no plano internacional, viria a propiciar o “desvio” do movimento operário europeu em direção ao revisionismo, a dominação da aristocracia operária, cristalizada na socialdemocracia da II Internacional. Nessa fase, a situação internacional se definiria pelo equilíbrio relativo das quatro grandes potências – Estados Unidos, Alemanha, Inglaterra e França - às quais se juntaram quatro potências retardatárias ou jovens: a Itália, o Japão, a Rússia e a Áustria-Hungria. 2 Porém, segundo Amin (1977), o modo capitalista só assume sua forma definitiva quando seu centro de gravidade se desloca para a nova indústria, submetendo à agricultura a sua dominação. Porém, só após a Primeira Guerra Mundial, a agricultura viria a passar por uma segunda onda de modernização, renovando e aprofundando suas formas de dominação por meio do capital industrial. Entretanto, a periferia do sistema mundial continua limitada à especialização agrícola, seu atraso e sua dependência têm como causa a dominação do modo de produção capitalista sobre formas da vida rural de origem pré-capitalista. A guerra de 1870-1871 entre a França e Alemanha, assim como previa Bismarck, foi fundamental para consolidar a unidade alemã. A “ameaça francesa” era o que poderia fazer com que os Estados do sul da Alemanha entrassem para a Confederação alemã. E assim, antes mesmo da capitulação de Paris, o chanceler prussiano, que já tinha conseguido que os Estados do Sul participassem na guerra franco-alemã, conseguiu fazê-lo aderir ao Império. […] a unidade da Alemanha consuma-se, ao mesmo tempo que se implantava a sua supremacia no continente. De fato, durante aproximadamente meio século. O novo império vai dominar a Europa (MILZA, 1995, p. 11). A dominação alemã, na segunda metade do século XIX, começa pela ordem demográfica, vez que, excetuando-se a Rússia, cuja população além de muito atrasada, era muito dispersa, a Alemanha naquele momento apresentava-se como o Estado mais povoado da Europa, contando com 41 milhões de habitantes em 1871 e próximo a 50 milhões em 1890. Este crescimento demográfico é um poderoso fator de desenvolvimento econômico. A grande indústria moderna, que já desde 1850 estava em pleno desenvolvimento na Prússia, conhece nas vésperas do conflito um avanço notável. A mão-de-obra abundante, a importante entrada de capitais franceses obtidos a título de indenização de guerra, a riqueza do subsolo em carvão, são fatores favoráveis ao desenvolvimento rápido da indústria alemã. Entre 1871 e 1873, no setor da fundição, a produção aumenta mais de 50%, e a partir de 1880 a produção industrial começa a ultrapassar a produção agrícola, em valor global (MILZA, 1995, p. 11-12). A potência alemã assenta-se na força militar. O Império possuía o melhor exército do mundo, o mais dinâmico Estado-Maior, efetivos que, em 1890, atingiam 500.000 homens em tempo de paz, e tendo possibilidade de mobilizar em muito pouco tempo mais de um milhão e meio de homens. Porém, tal força militar era exclusivamente terrestre, embora, no período seguinte, a Alemanha viesse dispor de notável frota, sob a égide de Von Tirita. Para a França, a guerra de 1870-1871 custou-lhe a supremacia que tivera no continente durante o Segundo Império, devido às perdas materiais e humanas, ao custo financeiro das operações militares, à indenização de cinco bilhões exigida pelos alemães e à ocupação de parte do território pelo inimigo. Como se não bastasse, a perda da Alsácia e da Lorena, ricas províncias industriais, afetou não só o potencial econômico francês, como feriu intensamente o orgulho nacional. Porém, rapidamente, a França ergueu-se novamente. Em 1875, a produção de sua indústria têxtil já tinha supera à que apresentara antes da guerra, e sua produção mineira havia aumentado em duas vezes. “Apesar de a economia alemã progredir a um ritmo mais rápido, a distância entre as duas economias não é exagerada. Em 1880, a França controla à volta de 9% da produção industrial mundial, enquanto a Alemanha controla 16%” (MILZA, 1995, p. 13). O poderio financeiro francês teve fundamental importância para o processo de superação da crise pós-guerra, na medida que possibilitou à França efetuar com relativa facilidade os empréstimos tomados para saldar sua dívida de guerra com a Alemanha. 3 Militarmente, também a França se reorganizou sem dificuldades e, graças às leis de 1872 e 1873, conseguiu, em tempo de paz, possuir quantidade de efetivos equivalentes à do exército alemão. Porém, a derrota militar provocou o recrudescimento do sentimento nacional em todas as camadas da população, fazendo com que os republicanos, que no fim do Império tinham manifestado antimilitarismo militante, abandonassem suas posições pacifistas.Quanto ao exército, transforma-se, no início da Terceira República, num verdadeiro objeto de culto. Numa palavra, o país é assolado por uma imensa vaga nacionalista. É ela que explica o sucesso alcançado, no final deste primeiro período, pelo movimento bulangista que tenta unir grupos políticos completamente diferentes em tomo deste entusiasmo militar e desta idéia de vingança. Este sentimento coletivo manifesta-se especialmente por um apego cada vez maior às províncias perdidas e pela não aceitação da sua perca (MILZA, 1995, p. 13). Segundo Wright (1988), com o advento do nacionalismo, da democracia, da industrialização e da mecanização da guerra, em meados do século XIX, foram restabelecidos os princípios da nação em armas e da guerra totalitária. O emprego do vapor nos transportes militares terrestres e marítimos foi incrementado na primeira metade do século XIX e teve a primeira experiência importante na Guerra Civil Americana. [...]. A era da mecanização militar e das armas de fogo de longo alcance e precisão avançou rapidamente aumentando muito dos orçamentos militares e navais, evidenciando a importância da economia nacional e da indústria, durante a guerra. Os novos métodos foram testados novamente nas Guerras Hispano-Americana, dos Bôeres e Russo-Japonesa (WRIGHT, 1988, p. 57). Durante o século XIX, as grandes invenções navais, entre elas: o navio a vapor, à hélice, os navios com couraça, o material bélico pesado, favoreceram, inicialmente, o domínio marítimo britânico. “O primeiro barco a vapor foi lançado à água, em 1807, no Hudson, na América do Norte; no Império Britânico, em 1811, no Clyde. Desde essa data, foram construídos mais de 600, e, em 1873, mais de 500 estavam em atividade nos portos britânicos” (ENGELS, 1989, p. 32). O desenvolvimento das grandes invenções foi favorecido pelo fato dos ingleses contarem com excelentes reservas de minério de ferro e de carvão, além de uma indústria pesada bem desenvolvida. “A construção dos caminhos- de-ferro é de data recente. A primeira via importante foi a que ligou Liverpool a Manchester em 1890. Desde então, todas as grandes cidades foram ligadas por caminho-de-ferro” (ENGELS, 1989, p. 32). O desenvolvimento industrial da Inglaterra fez-se em ritmo alucinante a partir da segunda metade do século XVIII, a ponto de ENGELS (1989) escrever em 1845, que: Tal é, muito resumida, a história da indústria inglesa nos últimos 60 anos, uma história sem paralelo nos anais da humanidade. Há sessenta, talvez há oitenta anos, a Inglaterra era um país como os outros, com pequenas cidades, uma indústria pouco importante e rudimentar, uma população rural dispersa, mas relativamente numerosa. Agora, é um país sem igual, com uma capital onde habitam dois milhões e meio de seres humanos, com enormes cidades industriais, uma indústria que abastece todo o mundo e que fabrica, com o auxílio dos mais complexos maquinismos quase tudo; com uma população densa, laboriosa e inteligente, da qual dois terços se emprega no comércio e que se compõe de classes bem diferentes das de outrora, constituindo uma outra nação, com costumes e necessidades que divergem dos de tempos passados (ENGELS, 1989, p. 32-33). Tal desenvolvimento teve, em relação à população, uma consequência direta: o processo de constituição dos grandes batalhões de trabalhadores fabris assalariados. O abismo existente entre a Inglaterra de 1760 e de 1844 era pelo menos tão grande quanto aquele que separava a França do Ancien Régime da Revolução de Julho. No entanto, o mais importante fruto dessa revolução industrial foi o proletariado inglês. 4 Vimos atrás que o proletariado nasceu da introdução da máquina. A rápida expansão da indústria exigia braços, os salários subiam e multidões compactas de trabalhadores vindos das regiões agrícolas, emigraram para as cidades. A população aumentou extraordinariamente, sobretudo, na classe operária (ENGELS, 1989, p.33). A Grã-Bretanha, à época, primeira potência econômica do mundo, além de possuir vasto império colonial, possuía a maior frota naval de guerra. Assim, todos seus esforços concentravam-se na sua busca de manutenção de suas posições no mar e em ultramar. Desde o início do século XIX, a Inglaterra especializou-se de fato na função de fábrica e de armazém do mundo. A sua potência industrial, assente no carvão, ainda não tem rivais em 1871: com 80 milhões de toneladas, fornece 2/3 do carvão mundial. Os produtos da indústria têxtil e da metalurgia britânica são os melhores e os mais baratos do mundo, e em relação a eventuais concorrentes, a Grã-Bretanha tem como trunfos a experiência e um grande avanço técnico (MILZA, 1995, p. 16). A supremacia industrial britânica fez com que, em meados do século XIX, a Grã-Bretanha adotasse a política de livre comércio. Assim, os produtos agrícolas e as matérias-primas passaram a entrar na Grã-Bretanha sem pagar direitos alfandegários, o que permitiu à indústria inglesa baixar ainda mais seus preços de custo. Com a entrada do trigo americano isento de taxa alfandegária, acabou por abaixar o preço do pão, fazendo também baixar o valor dos salários. Essa situação ocasionou o colapso dos produtores de cereais britânicos, levando também ao sensível recuo da agricultura. Contudo, o que levou o governo britânico a aceitar as “amarguras” do livre comércio foi a convicção de que elas abreviariam a especialização da Grã-Bretanha nos planos comercial e industrial. Esta orientação econômica implica que os britânicos se abasteçam de produtos agrícolas e de matérias-primas no estrangeiro e também que encontrem saídas para os produtos das suas indústrias. A potência econômica do Reino Unido assenta nesta dupla corrente de trocas. Implica uma política mundial e o domínio dos mares. Manter na Europa continental o equilíbrio das potências, assegurar grandes mercados exteriores, não permitir nenhuma ameaça à sua hegemonia naval, eis os principais objetivos da diplomacia inglesa. O cumprimento destes objetivos poderá implicar, ocasionalmente, alguns desvios ao princípio do isolamento (MILZA, 1995, p. 18). Segundo Milza (1995), do ponto de vista das relações internacionais em 1871, existiram dois fatos que dominaram o cenário internacional. Por um lado, a supremacia alemã no continente europeu, na qual a política “bismarckiana” iria imperar durante vinte anos, e a supremacia britânica no mundo. Até o ano de 1890 não existiu entre as duas hegemonias, que perseguiam objetivos distintos, uma verdadeira rivalidade. Mas, com a chegada de Guilherme II ao trono imperial da Alemanha e com a adoção por parte do Reich da Weltpolitik tudo viria a se alterar. No ano de 1871, os Estados Unidos da América tinham acabado de sair da maior crise de sua história. A Guerra de Secessão finda em 1865, havia debilitado material e moralmente o país; assim, durante quase trinta anos, os Estados Unidos iriam se concentrar na valorização de seu território, nas estradas de ferro e em seu povoamento. Para suprir a falta de mão-de-obra, os Estados Unidos lançaram-se numa política agressiva de imigração, abrindo suas portas aos europeus. Destarte, sua população passou de 39 milhões em 1871 para 62 milhões de habitantes em 1983. A combinação de ferrovias e o aumento da população iria começar a povoar o conjunto do território norte- americano. Da mesma forma: Os imensos espaços da pradaria, rasgados pelas vias férreas e povoados por colonos, transformam-se, no espaço de alguns anos num celeiro de trigo e na primeira região de pastagens do mundo. O Sul fornece 2/3 do algodão mundial e reconquista seu lugar na nação americana. Mas é na indústria que se verifica o progresso mais rápido e mais espetacular. […] 5 Em 1890, a produção industrial ultrapassa em valor a agricultura e, a partirde 1894, atinge o primeiro lugar, à escala mundial (MILZA, 1995, p. 54, grifo do autor). Com a industrialização de outras potências e o desenvolvimento de sua força naval, a Inglaterra foi encontrando, progressivamente, mais dificuldade em manter superioridade. A partir de 1870, o intenso crescimento industrial, o efervescente processo de competição por mercados, bem como a passagem do capitalismo à fase do capitalismo monopolista, aliados à grave crise econômica de superprodução levaram os governos da Inglaterra, da Alemanha, da França, dos Estados Unidos e, mais tarde do Japão a adotarem política expansionista em busca de novos mercados e áreas de investimentos, o que deu origem ao imperialismo. O IMPERIALISMO E A GUERRA O denominado imperialismo aparece quando as possibilidades do desenvolvimento capitalista chegam ao esgotamento, fruto do fim da primeira revolução industrial na Europa e na América do Norte, quando a crise impõe nova extensão geográfica para o domínio do capitalismo. A época imperialista pode ser subdividida em dois períodos: de 1880 a 1945, e pós-1945. O último quartel do século XIX apresentou uma característica das mais importantes para o estudo das relações internacionais, que foi o imperialismo e o colonialismo. As suas causas foram múltiplas: colocação de capitais, fatores demográficos, motivos estratégicos, saturação do consumo europeu e na Alemanha se falava mesmo da vitalidade do Estado. Era também o desejo de abandonar o status de grande potência européia para se transformar em grande potência mundial [...] porque só os impérios se importariam no futuro. Assim a dominação é consagrada pelo ato Geral de Berlim (1885) ao estabelecer a aquisição do território pela ocupação efetiva. O colonialismo é consagrado além da ocupação pelo sistema de protetorado, mandatos e tratados desiguais (ALBUQUERQUE MELLO, 2001, p. 153, grifo do autor). O verdadeiro começo dos monopólios contemporâneos encontramo-lo quando muito, na década de 1860. O primeiro grande período de desenvolvimento dos monopólios começa com a depressão internacional da indústria na década de 1870 e prolonga-se até princípios da última década do século. Se examinarmos a questão no que se refere à Europa, a livre concorrência alcança o ponto culminante de desenvolvimento nos anos de 1860 a 1870. Por essa altura, a Inglaterra acaba de erguer a sua organização capitalista de velho estilo. Na. Alemanha, a referida organização iniciava uma luta decidida contra a indústria artesanal e doméstica e começava a criar as suas próprias formas de existência. DOBB destaca o início de transformação a partir do craque de 1873, ou, mais exatamente, com a depressão que se lhe seguiu. O que se tornou conhecido como Grande Depressão, iniciada em 1873, interrompida por surtos de recuperação em 1880 e 1888, e continuada em meados da década de 1890, passou a ser encarado como um divisor de águas entre dois estágios do capitalismo: aquele inicial e vigoroso, próspero e cheio de otimismo aventureiro, e o posterior, mais embaraçado, hesitante e diriam alguns, mostrando já as marcas da senilidade e decadência (DOBB, 1987, p. 300). O fato de o movimento dos cartéis terem entrado em sua segunda época. Ao invés de constituírem fenômeno passageiro, os cartéis tornaram-se umas das bases de toda a vida econômica, conquistando, uma após outra, as esferas industriais e, em primeiro lugar, a da transformação de matérias-primas. O grande auge em fins do século XIX e a crise de 1900 a 1903 decorreram já inteiramente pela primeira vez – pelo menos no que se refere às indústrias mineira e 6 siderúrgica - sob o signo dos cartéis; a partir de então, os grandes setores da vida econômica foram, em regra geral, subtraídos à livre concorrência. Os cartéis estabelecem, entre si, acordo sobre condições de venda, prazos de pagamento, partilham os mercados de venda, fixam a quantidade de produtos a serem fabricados, estabelecem os preços e distribuem os lucros entre as diferentes empresas. A concorrência transforma-se em monopólio, resultando daí um gigantesco progresso na socialização da produção. Socializa-se também, em particular, o processo dos inventos dos e aperfeiçoamentos técnicos. Isso já não mais guarda relação com a antiga livre concorrência entre empresários dispersos, que não se conheciam e que produziam para mercados ignorados. A concentração chega a tal ponto que pode-se fazer um inventário aproximado de todas as fontes de matérias-primas de um país, e até mesmo, de vários países, ou de todo o mundo. Não só se realiza tal inventário, mas também os grupos monopolistas gigantes apoderam-se das referidas fontes. Efetua-se o cálculo aproximado da capacidade de mercado que tais grupos partilham entre si por contrato; monopoliza-se a mão-de-obra habilitada; contratam-se os melhores engenheiros; as vias e meios de comunicação, tais como as linhas férreas na América e as companhias de navegação na Europa e na América, vão para as mãos dos monopólios. O modo de produção capitalista, na sua fase imperialista, conduz à socialização integral da produção nos seus mais variados aspectos; arrasta, por assim dizer, os capitalistas, contra sua vontade e sem que disso tenham consciência para um certo novo regime social, de transição entre a absoluta liberdade de concorrência e a socialização completa. Importante, nesse processo, é o fato da produção passar a ser social, mantendo-se a apropriação em caráter privado. Os meios sociais de produção continuam a ser propriedade privada de reduzido número de indivíduos. Mantém-se o quadro geral da livre concorrência formalmente reconhecida e o jugo de alguns monopolistas sobre o resto da população torna-se cem vezes mais sensível, e mais insuportável. Na segunda metade do século XIX, mais precisamente a partir de 1870, inicia-se o grande salto da expansão colonialista europeia. Em menos de 30 anos, a febre colonial chegou aos confins do globo. A Grã-Bretanha e a França alargaram e consolidaram seus domínios na Ásia ao mesmo tempo em que se lançaram na grande aventura africana. A Alemanha de Otto Von Bismarck (1815/1898), estimulada por um desenvolvimento econômico sem precedentes, provocou a divisão da África. Os holandeses aperfeiçoaram seus métodos de exploração na Insulíndia (hoje Indonésia), e o rei Leopoldo II (1835/1909), da Bélgica, instalou no Congo (hoje Zaire) um ‘Estado independente’. A partir de 1898, após apoderar-se de Porto Rico, Cuba e Filipinas, o governo dos Estados Unidos desencadeou um verdadeiro furacão imperialista. […] Alguns dados darão a ideia desta extraordinária expansão. Em 1875, os países europeus dominavam apenas 11% do território africano; em 1902, seu domínio estendia se a 90%. No norte da África, até 1880, se excetuarmos a Argélia, unicamente no Egito e Tunísia existiam indícios de controle europeu. Três decênios mais tarde, os governos europeus tinham a soberania de quarenta unidades políticas em que haviam repartido o continente africano (MADRIDELOS, 1979, p. 23-25). A efervescência do processo de disputa entre as potências européias pelo controle das colônias vai se dar em um momento de “equilíbrio” de forças entre as grandes nações da Europa. A Grã-Bretanha aparecia como o maior império colonial do planeta, mas assustava-se com a presença de uma Alemanha unificada, em 1871, sob a liderança de Bismarck, na esteira de uma grande vitória na guerra franco-prussiana. A Europa vivia uma situação de equilíbrio 7 entre as potências, dando, assim, continuidade ao chamado concerto europeu, que havia começado a se formar após a derrota de Napoleão I, quando foram constituídas a Aliança Quádrupla e a Santa Aliança. Cinco potencias estabeleciam certa situação de equilíbrio de modoa que nenhuma possuísse força suficiente para se fazer prevalecer demasiadamente (Áustria-Hungria, Prússia, Rússia, Grã-Bretanha e França) (SILVA, 1998, p. 34). A partir de 1880, a competição entre os Estados europeus pelo controle dos territórios africanos torna-se brutal, influenciando as relações internacionais. Segundo Mandel (1989): Capitalismo implica competição. Com o surgimento de grandes empresas e cartéis — isto é, com o advento do capitalismo monopolista — essa competição assumiu nova dimensão. Tornou-se qualitativamente mais político-econômica e, por isso, militar-econômica. O que estava em jogo já não era mais o destino de negócios representando alguns milhares de libras, ou centenas de milhares de dólares. Tratava-se, agora, de gigantes industriais e financeiros cujos ativos chegavam a dezenas e centenas de milhões. Em conseqüência disso, os Estados e suas forças armadas envolviam-se cada vez mais diretamente nessa competição — que se tornou uma rivalidade imperialista na disputa de caminhos para investimentos em novos mercados e de acesso a matérias-primas baratas ou raras. A natureza destrutiva desse tipo de competição tornou-se cada vez mais pronunciada, em meio a uma tendência crescente na direção da militarização e de seu reflexo ideológico: a justificação e a glorificação da guerra (MANDEL, 1989, p. 9). Assim, o período compreendido entre 1880 e 1883 se caracterizaria por verdadeiro desmembramento do território africano. O modo capitalista é forçado a uma revolucionarização incessante da produção, sendo, pois, também forçado a revolucionar de igual modo as relações de produção para adaptá-las às exigências do desenvolvimento contínuo das forças produtivas. A história do capitalismo corresponde à história deste processo de ajustamento das relações de produção às exigências do progresso das forças produtivas35. O modo de produção capitalista caracteriza-se por uma contradição imanente, ou seja, a que opõe o caráter crescente das forças produtivas ao caráter estreito das relações de produção. Esta contradição surge desde a origem e não indica, portanto, a iminência de um desmoronamento final. Durante pelo menos um século, ela foi superada ao mesmo tempo pela expansão do sistema e pela renovação de seu modelo de acumulação (AMIN, 1977, p. 5, grifo do autor). O capital financeiro Uma das características do modo de produção capitalista é justamente a de separar a propriedade do capital de sua aplicação à produção. Por isso ocorre a separação do capital monetário do capital produtivo, e assim separa-se o capital financeiro, que vive apenas dos rendimentos do capital monetário, do empresário e de todos que participam de maneira direta da gestão do capital. A exportação de capitais repercute-se no desenvolvimento do capitalismo nos países em que são investidos, acelerando-o extraordinariamente. Se, em consequência disso, a referida exportação poderia, até certo ponto, ocasionar a paralisação do desenvolvimento nos países exportadores, isso só poderia ter lugar em troca da extensão e do aprofundamento maior do desenvolvimento do capitalismo em todo o mundo36. 35 Cf. Marx ([s.d], 24). 36 O número de transnacionais em 1870 situava-se em torno de 7.000; já em 1892, estimava-se em 37.000. 8 O capital financeiro e os monopólios Ressalta-se o fato de o capitalismo financeiro ter criado a época dos monopólios, que trazem sempre consigo o princípio monopolista: a utilização das relações para as transações proveitosas substituindo a concorrência no mercado aberto. Trata-se de uma época peculiar da política colonial mundial que se encontra intimamente relacionada à fase moderna de desenvolvimento do capitalismo – a do capital financeiro. Por isso, faz-se necessária uma mais detida abordagem dos dados concretos, de modo a proporcionar um delineamento mais preciso, não apenas relativo à diferença existente entre esta época e as anteriores, como também relativo à situação atual37. Em primeiro lugar, surgem duas questões concretas: verifica-se a acentuação da política colonial, a exacerbação da luta pelas colônias, de maneira precisa, da época do capital financeiro? Como se encontra repartido o mundo, na atualidade, sob este ponto de vista? Segundo Lênin (1975), o capitalismo monopolista era estágio novo, para além do capitalismo competitivo, no qual o capital financeiro, passou a ser o capital constituído pela aliança entre as grandes empresas e o capital bancário, que dominava a economia e o Estado. Quanto mais desenvolvido está o capitalismo, quanto mais sensível se torna a insuficiência de matérias-primas, quanto mais dura é a concorrência e a procura de fontes de matérias-primas em todo o mundo, tanto mais encarniçada apresenta-se a luta pela aquisição de colônias. [...] o desenvolvimento da indústria, o aumento da capacidade produtiva das companhias tecnicamente mais adiantadas, o produto total das principais potências industriais e, especialmente, a expansão do capital financeiro e do potencial de investimento cada vez mais se estendiam por sobre as fronteiras dos Estados-nação, até mesmo dos maiores deles. Essa disseminação externa do capital nacional levou inevitavelmente a uma vertiginosa competição por recursos, mercados e rotas de comércio no exterior, dentro da Europa, mas também — e mais espetacularmente — fora do continente: entre 1876 e 1914, as potências européias lograram anexar por volta de vinte e oito milhões de quilômetros quadrados de território, principalmente na Ásia e na África (MANDEL, 1989, p. 9-10). Os interesses da exportação de capitais levam do mesmo modo à conquista de colônias, pois no mercado colonial é mais fácil (e por vezes só nele é possível), com a utilização de meios monopolistas, suprimir-se o competidor, garantir-se encomendas, e consolidarem-se as relações necessárias. O que há de característico na época de transição do capitalismo para a estrutura econômica e social mais elevada, o que há de fundamental neste processo, sob o ponto de vista econômico, é a substituição da livre concorrência capitalista pelos monopólios capitalistas. A desproporção no desenvolvimento trouxe consigo tremendos lucros para os países avançados que, embora em graus diversos, continuaram se desenvolvendo às custas dos atrasados, explorando-os, transformando-os em colônias ou, pelo menos, tornando impossível que figurassem entre a aristocracia capitalista. As fortunas da Espanha, da Holanda, da Inglaterra e da França foram obtidas, não somente com o trabalho excedente de seus proletariados, não somente destroçando a pequena burguesia, mas também com a pilhagem sistemática de suas possessões de ultramar. A exploração de classes foi complementada e sua potencialidade aumentada com a exploração das nações. A livre concorrência é a característica fundamental do capitalismo e da produção mercantil em geral; o monopólio é precisamente o contrário da livre concorrência, mas esta vai se transformando em monopólio, criando a grande produção, afastando a pequena, substituindo a grande produção por outra ainda maior, e concentrando a 37 Cf. Lênin (1975, p. 95). 9 produção e o capital a tal ponto que do seu seio surgiu e surge o monopólio: os cartéis, os sindicatos, os trustes, e, fundindo-se com eles, o capital de uma escassa dezena de bancos que manipulam milhares de milhões. O que fica claro é que o monopólio é a base econômica mais profunda do imperialismo. E, como todo monopólio, o capitalismo engendra, inevitavelmente, uma tendência à estagnação e à decomposição. Na medida em que se fixam preços monopolistas, ainda que temporariamente, desaparecem até certo ponto as causasestimulantes do progresso técnico e, por conseguinte, de todo o progresso, surgindo assim, a possibilidade econômica de conter artificialmente o progresso técnico. Outra característica marcante do imperialismo é o fato de a exportação de capitais, uma das bases econômicas mais essenciais do imperialismo, acentuar ainda mais o divórcio completo entre o setor dos indivíduos que vivem de rendimentos e a produção, o que vai imprimir marca de parasitismo a todo o país, que vive da exploração do trabalho de vários países e colônias. Fruto desse desmembramento do território africano, a Grã-Bretanha, em 1900, havia incorporado ao seu império quatro milhões e meia milhas quadradas; a França 3.500.000; a Alemanha 1.000.000; a Bélgica 900.000; a Rússia 500.000; a Itália 185.000; e os Estados Unidos 125.000 milhas quadradas. Na Europa, a burguesia, em razão da busca crescente de lucros, passou a financiar a exploração de minas, as monoculturas, a eletrificação de cidades e a construção de portos, pontes, canais e ferrovias, com o objetivo de favorecer o setor exportador de cada região sob sua influência. Ao desenvolvimento das relações de dominação econômica com característica mais geral trazida pelo imperialismo, acrescentou-se a dominação política, na maioria dos casos constituída por meio da conquista militar, o que veio caracterizar o novo formato do colonialismo. No desenvolvimento dessa política, a burguesia defendia que o Estado tinha o dever de apoiar a política imperialista, garantindo, assim, o capital investido fora da Europa. O fato de um país possuir colônias significava ter o status de potência e não as ter era reconhecer condição de inferioridade em relação aos demais países industrializados. Não é por outro motivo que o imperialismo esteve também ligado ao incremento do nacionalismo e transformou-se em política nacional abraçada pelos Estados europeus, financiados por fundos públicos e amparada pela criação de instituições administrativas nas regiões ocupadas. O processo de implementação dessa política teve como resultado a repartição quase por completo do continente africano, a ocupação de extensos territórios na longínqua Ásia ou na subordinação da Ásia à influência dos países imperialistas europeus. As grandes potências europeias empenhavam-se em ocupar o mais rapidamente possível as regiões litorâneas para seguir com a colonização para o interior. Durante o período em que existiram territórios disponíveis para a colonização, as rivalidades existentes não se apresentavam muito ameaçadoras. Mas à medida que se avançava no continente e que as zonas de influência se tornavam maiores, os riscos de conflito entre as potências coloniais aumentavam. Era inevitável que os imperialismos se confrontassem no centro da África, especialmente na vasta bacia do Congo, onde se exercia a ação pessoal do rei dos belgas (MILZA, 1995, p. 67). No continente asiático, prevaleceram os interesses de expansão da Rússia, assim como em Constantinopla, os interesses da Inglaterra. Assim, a Rússia avançou em direção às fronteiras da Índia e do Turquestão, ao que tudo indica com o propósito de pressionar os ingleses, para que não fossem intransigentes em relação à política do czar em relação 10 aos Bálcãs. A Inglaterra, temendo que os russos se estabelecessem no Afeganistão, interveio na região e, após três campanhas complicadas, assim constituiu, no final desse processo, um quase-protetorado sobre o Afeganistão. A Rússia iniciou ações para inquietar os ingleses para que fizessem concessões na “questão do Oriente”. Assim, em setembro de 1885, Inglaterra e Rússia: “Chegam a um acordo provisório que deixa aos Russos o oásis de Penjaba e dá ao emir do Afeganistão a passagem de Zulficar. A questão não está definitivamente resolvida, mas a guerra foi evitada” (MILZA, 1995, p. 68). Depois de dez anos de indecisão, a França decide, em 1885, ocupar o Tonquim, impondo assim o seu protetorado sobre o Aname. Em junho de 1885, põe fim à guerra entre a França e a China. O tratado celebrado entre ambas as nações (Tratado de Tien-Tsin) estabelece para o governo da China o fim de qualquer pretensão sobre o Tonquim e o Aname, além de ficar a Rússia obrigada a abrir ao comércio francês sua fronteira meridional. Por esse tratado as mercadorias francesas poderiam entrar por terra no território chinês, pagando menos tarifas alfandegárias, que por via marítima. Preocupada em criar um escudo protetor em frente às fronteiras orientais da Índia e em conter a expansão da influência francesa em direção ao Golfo de Bengala, a Inglaterra lança-se, em 1885, à conquista da Birmânia, ao mesmo tempo em que se apodera dos pontos-chave das rotas que conduzem ao sul da China. Os dois imperialismos estariam de novo face a face, apenas separados pelo Sião (Tailândia) que, em 1885, ocuparia parcialmente o território do Laos cobiçado pela França. Segundo Milza (1995), a intervenção francesa no Laos, em 1893, viria provocar nova tensão franco-inglesa. Mas a febre não demora a passar, quando o governo de Sião aceita deixar o Laos para a França, que se compromete a não pôr em causa a integridade do Sião38. Em 1890, apesar de o mundo já se encontrar em grau avançado de partilha, e as grandes potências europeias já terem ampliado a concorrência para todo o mundo, a Europa seguiu na condição de centro do mundo, hegemonia que se deu a partir da supremacia europeia no desenvolvimento técnico e de sua potência militar. Porém, devido à sua forte indústria, seu crescimento demográfico e sua superioridade militar, a Alemanha de Bismarck é a potência que detém a supremacia. O período compreendido entre os anos de 1873 e 1895 foi, principalmente para a Europa, um período de profunda estagnação econômica, fruto, em parte, da escassez de metais, à qual se seguiu o declínio, mais ou menos constante, dos preços, com quebras na produção e trocas. Porém, a partir de 1895, até às vésperas da Primeira Guerra Mundial, a Europa passaria por desenvolvimento e “euforia” econômica. Tal realidade pode ser creditada entre outros fatores à relativa alta dos preços, à exploração do ouro sul-africano e à descoberta do ouro canadense no rio Klondyke, que fez aumentar as reservas de ouro na Europa. A Inglaterra renunciou ao domínio do Caribe depois da controvérsia da Venezuela com os Estados Unidos em 1896, aquiesceu com a tomada pelos americanos das ilhas espanholas e concordou com a fortificação do Canal do Panamá pelos Estados Unidos. Ela concordou também com a aquisição americana das Filipinas em 1902 e fez uma aliança com o Japão, revelando sua incapacidade de manter sua posição no Extremo Oriente, apenas com suas 38 Cf. Milza (1995, p. 69). 11 forças. Seus acordos com a França deixaram claro que os interesses britânicos no Mediterrâneo já não podiam ser defendidos de forma isolada (WRIGHT, 1988, p. 57-58). A Inglaterra, por fim, reconheceu que o desenvolvimento de navegação havia ocasionado regionalização do poder, fazendo que a Coroa reduzisse seu compromisso de controle marítimo unilateral dos sete mares. A Inglaterra passou a controlar apenas as bases em ilhas britânicas e portuguesas, a partir de Gibraltar, Suez e Cingapura. O vasto Império Britânico e as rotas do Mediterrâneo, do Caribe, do Mar da China e do Pacífico já não podiam ser defendidos apenas pela Marinha britânica. Eles precisavam ser defendidos pelos próprios domínios britânicos e por alianças e tratados de amizade, especialmente com os Estados Unidos, a França e talvez o Japão. Estava claro que a capacidade inglesa de manter uma ordem razoável, o respeito pela lei e as obrigações comerciais, e de localizar as guerras pela manutençãodo equilíbrio de poder na Europa tinham sido grandemente reduzidos. As invenções navais e a difusão da industrialização tinham dado fim à Pax Britânica (WRIGHT, 1988, p. 58). Assim, segundo Wright (1988), as potências continentais passaram a desenvolver seus exércitos e marinhas progressivamente após a Guerra Russo-japonesa e após o fracasso da Conferência de Haia em alcançar o desarmamento39. “A 2ª Conferência de Paz de Haia reuniu-se, em 1907, por iniciativa do Presidente dos EUA e da Rainha da Holanda. Compareceram 44 países, inclusive da América do Sul, que estivera ausente na 1ª” (ALBUQUERQUE MELLO, 2001, p. 154). Entre as várias inovações, iriam se destacar o aperfeiçoamento do fuzil, da metralhadora e da artilharia, assim como, a França em especial, desenvolveria as possibilidades das minas, dos torpedos e dos submarinos e, particularmente, junto à Alemanha iniciaria a adaptação do avião e do dirigível para fins militares. A guerra desembocou em impasses nas trincheiras guarnecidas de metralhadoras e nos mares infestados de submarinos, durante o primeiro conflito mundial. O impasse não foi rompido até que o atrito desgastasse todos os beligerantes iniciais e que novos recrutas e recursos para os aliados provindos dos Estados Unidos tornassem irremediável a situação das potências centrais. Em pouco tempo o aumento dos preços estimularia a produção industrial. A produção global do carvão, que ainda continuava a ser a base da indústria, passaria de 500 milhões de toneladas em 1890 para mais de 1300 milhões de toneladas em 1913, e como se não bastasse surgiram ainda novas fontes energéticas importantes, principalmente o petróleo e a eletricidade que tiveram seu uso intensificado a partir de 1900. Com o desenvolvimento das fontes energéticas, ocorreu aumento das grandes indústrias, com destaque para a metalurgia, muito embora também surgissem novos ramos industriais tais como as indústrias químicas e elétricas. Esse rápido desenvolvimento afetaria inicialmente os países industrializados, sobretudo o norte da Europa e os Estados Unidos. Por volta de 1890, os Estados Unidos e a Inglaterra controlam cada um 27 ou 28% da produção mundial. Em 1913, a parte dos Estados Unidos ultrapassa os 35% e a Inglaterra cai para 14%, sendo mesmo ultrapassada pela Alemanha (15% aproximadamente). Assiste-se, portanto a uma profunda alteração na repartição do poder material. Esta alteração vai ter importantes consequências ao nível da política internacional. Por outro lado, países até então 39 Wright (1988) aqui fala da Segunda Conferência de Haia, vez que a 1ª Conferência de Paz de Haia, se reunira em 1899, por proposta do Czar Nicolau da Rússia. Segundo Albuquerque Mello (2001, p.154): “[...] esta conferência criou a Corte Permanente de Arbitragem de Haia, na convenção para a solução pacífica dos litígios internacionais. Foram concluídas ainda: convenção sobre leis e os costumes da guerra terrestre; convenção para a adaptação à guerra marítima dos princípios da convenção de Genebra, de 2 de agosto de 1864”. 12 exclusivamente rurais começam a desenvolver por vezes com dificuldade, as suas atividades industriais. É o caso da Itália, da Rússia e do Japão. Em vinte anos, o mapa industrial do mundo fica substancialmente alterado (MILZA, 1995, p. 74). Além disso, a produção agrícola apresentava lucros altíssimos nos países economicamente evoluídos, ajudada pelo processo de desenvolvimento das indústrias químicas e a partir da mecanização. A malha ferroviária viria permitir o aumento das trocas e o escoamento rápido de produção sempre crescente. Com isso ocorre o agravamento do problema dos mercados. A produção cresce muito mais depressa que as possibilidades de absorção dos mercados internos e todas as potências dirigem-se então aos mercados externos para escoar os excedentes industriais e agrícolas. Um outro aspecto da competição econômica entre as potências é a vontade de controlar no mundo importantes fontes de matérias-primas. Só os Estados Unidos é que podem prover a quase totalidade das suas necessidades em energia e em matérias-primas. Cada vez mais, as potências europeias, pelo contrário, são obriga a procurar fora do velho continente matérias- primas: algodão, lã e seda, necessários para a indústria têxtil; minério de ferro de forte teor e metais raros para as ligas; petróleo e borracha, cada vez mais necessários devido ao avanço da indústria do automóvel. A quota-parte de produtos em bruto de origem extra europeia tende, portanto, a aumentar, o que leva as grandes potências a exercer um controle direto ou indireto sobre as zonas produtoras (MILZA, 1995, p. 75). O processo de conquista dos mercados externos e a busca por matérias-primas indispensáveis às novas indústrias fazem com que as principais potências europeias e posteriormente os Estados Unidos e Japão, estabeleçam influência em número cada vez maior de territórios, levando uns a entrarem em concorrência com outros. Em 1890, a Grã-Bretanha segue com seu poderio incólume: possui a principal indústria mundial, suas minas continuam aumentando insistentemente a produção, fornecendo matéria-prima para as indústrias metalúrgicas do Reino Unido que dominam o mercado internacional. Em relação ao comércio, a situação não é diferente, vez que suas fábricas seguem fornecendo produtos de melhor qualidade a preços mais atrativos. Não existe no mundo nação que poça rivalizar com a economia, a frota comercial e o sistema bancário da Grã-Bretanha, e o problema do déficit da balança comercial é solucionado pela entrada no país dos lucros dos capitais aplicados no estrangeiro e dos lucros obtidos por sua frota de navios mercantes. Segundo Milza (1995), a situação favorável faz eclodir um crescente dinamismo dos empreendimentos coloniais, bem como um profundo sentimento de segurança. Isso faz com que a ideia imperial incorpore quase toda a opinião pública suplantando divergências em relação à política interna. Os políticos, os homens de negócio, os mais abastados e os governantes europeus entendiam o imperialismo como fator necessário à prosperidade econômica, à bonança e como forma de abrandar os graves problemas sociais de seus países. O discurso de Cécil Rhodes, imperialista inglês, milionário e ministro da Colônia do Cabo na África do Sul, proferido em 1895, mostra claramente as raízes socioeconômicas do imperialismo: Ontem estive no East-End (bairro operário de Londres) e assisti a uma assembleia de desempregados. Ao ouvir ali discursos exaltados, cuja nota dominante era: pão! pão! e ao refletir, de regresso a casa, sobre o que tinha ouvido, convenci-me, mais do que nunca, da importância do imperialismo […] A ideia que acalento representa a solução do problema social: para salvar os 40 milhões de habitantes do Reino Unido de uma mortífera guerra civil, nós, os políticos coloniais, devemos apoderar-nos de novos territórios; para eles enviaremos o excedente de população e neles encontraremos novos mercados para os produtos das nossas fábricas e das nossas minas. O império, sempre o tenho dito, é uma questão de 13 estômago. Se quereis evitar a guerra civil, deveis tornar-vos imperialistas (CATANI, 1982, p. 36). Em que pese todo o poderio britânico, a situação favorável começa a se modificar durante o período compreendido entre 1890 e 1900. Apesar de a indústria continuar progredindo, este progresso dá-se em ritmo mais lento, surgindo os primeiros sinais de fraqueza: A produção de carvão, que em 1900 é de 225 milhões de toneladas e que, em 1913, atingirá cerca de 270 milhões de toneladas, é ultrapassada em 1898 pelos Estados Unidos; a Alemanha também não está muito longe. O minério de ferro torna-se cada vezmais raro e tem que ser importado em quantidades cada vez maiores. 4.700.000 toneladas em 1890, mais de 7 milhões em 1910. A indústria metalúrgica tem cada vez mais concorrência estrangeira; em 1890 os Estados Unidos estão à frente na produção de ferro fundido e, em 1896, é a Alemanha que, pela primeira vez, ultrapassa a produção metalúrgica global da Grã- Bretanha. Em alguns setores, a inferioridade britânica torna-se manifesta; é o caso da indústria química, onde a Alemanha consegue um grande avanço das indústrias elétricas (MILZA, 1995, p. 111). Como se não bastasse, o Reino Unido encontrava-se em nítida desvantagem em relação às novas fontes de energia: petróleo e hidroeletricidade, que começavam a concorrer com o carvão. Fazendo balanço, embora a Inglaterra continue a ser, no fim do século XIX, uma grande potência industrial, perdeu já a primazia que tinha uns quinze anos antes. A adoção generalizada de tarifas aduaneiras, protetoras da importação é mais uma ameaça à prosperidade Britânica. De fato, a maior parte das grandes potências de barreiras alfandegárias que lhes permite proteger as suas jovens indústrias da concorrência das mercadorias inglesas (MILZA, 1995, p. 75). No final do século XX, a Grã-Bretanha segue sendo a única grande potência industrial a praticar o comércio livre e, apesar de todos os esforços feitos pelos industriais britânicos para baixar os custos de produção, não conseguem ficar em igualdade de condições com os Estados Unidos e a Alemanha, onde as indústrias em expansão frenética são protegidas por elevadas tarifas. O resultado desse processo é o aumento ininterrupto da concorrência para as exportações britânicas. Mercados que vinte anos atrás eram verdadeiros monopólios ingleses, começam a ser inundados com os produtos industriais dos Estados Unidos, do Japão e da Alemanha. Esta parece ser a concorrente mais perigosa. Em todo o continente europeu, o progresso das exportações alemãs põe em causa a supremacia comercial da Grã-Bretanha. Em França há ainda algum equilíbrio entre os dois comércios, mas na Bélgica, na Europa central, em Itália e, sobretudo na Rússia, o Reich ganha terreno. Além disso, o desenvolvimento da frota comercial alemã, o dinamismo dos homens de negócio, sobretudo dos caixeiros-viajantes alemãs, a utilização de métodos comerciais audaciosos […]. É assim que as mercadorias britânicas se vêm confrontadas com a concorrência cada vez mais forte dos produtos alemães, no Extremo-Oriente e na América Latina (MILZA, 1995, p. 112-113). O final do século XIX e os primeiros anos do século XX são marcados pelo aumento das ambições japonesas e norte-americanas, as duas jovens potências que, devido a seus sucessos econômicos e militares, começam a aparecer como sérios rivais para os países do velho continente. Os Estados Unidos em 1898 e o Japão em 1905 obtém vitórias sobre a Espanha e a Rússia, respectivamente, cuja amplitude e rapidez deixam a Europa estupefata. Assim, antes mesmo da guerra de 1914-1918 que irá precipitar o movimento, já a hegemonia plurissecular da Europa parece condenada a acabar (MILZA, 1995, p. 129). A competição entre as nações europeias pela posse de novas colônias teve como resultado lógico a emergência da ideologia imperial nos Estados Unidos. A partir de então, a política imperialista passou a caracterizar os anos que antecederam a Primeira Grande Guerra Mundial. 14 A América Central e sua importância estratégica para a expansão dos Estados Unidos A anexação da Califórnia no ano de 1848 e a descoberta de ouro naquela região transformaram a América Central, com destaque para a Nicarágua e para a província colombiana do Panamá, em rota para a passagem de garimpeiros que tinham como destino as áreas de mineração. Aqueles que desejassem chegar até as regiões auríferas eram obrigados a fazer longa viagem desde Nova York, na costa atlântica ao Leste, até São Francisco, na Califórnia no extremo Oeste. Não por outras razões, pouco a pouco a América Central passou a constituir-se em grandioso complexo de interesses norte-americanos em inalterável expansão. No ano de 1855, um fato mudaria definitivamente o ritmo dessa relação expansionista americana, a inauguração da estrada de ferro da Panamá Railroad, através do Istmo, depois de ter obtido a concessão da Nova Granada em 1848 (posteriormente denominada Colômbia, em 1863). A estrada de ferro abriria passagem para a futura aquisição da Zona do Canal em 1903. Entre os anos de 1838 e 1939 dá-se o desmantelamento das Províncias Unidas de Centro América. Como resultado desse processo, surgem então cinco pequenas repúblicas: Nicarágua, Guatemala, El Salvador, Honduras e Costa Rica. O esfacelamento político daquela região e o vazio de poder que dali se manifestam passam a chamar a atenção de interesses externos pela obtenção de concessões comerciais, viárias e de mineração. Como se não bastasse, a guerra entre as oligarquias, que resultava em batalhas constantes entre liberais e conservadores, iria estimular ainda mais os EUA a se fazerem presentes na vida política das pequenas repúblicas centro-americanas, o que teve como um de seus resultados a ditadura de William Walker, flibusteiro que, contratado para lutar por um dos rivais da ininterrupta guerra civil, apropriou-se da Nicarágua no período compreendido entre os anos 1856 e 1857. O processo de expansão dos Estados Unidos dar-se-ia de maneira impressionante, sobretudo depois da superação dos efeitos dilacerantes da Guerra da Secessão (1861-1865). Os norte-americanos estiveram por muito tempo absorvidos pela conquista do Oeste e por problemas de povoamento e de equipamentos, que os mantiveram afastados das questões internacionais. Na verdade, foi só com a doutrina de Monroe que os EUA começaram sistematicamente a romper com o afastamento e a se lançarem completamente na expansão. Assim, em 1885 a ideia de expansão pelo mundo começa a ganhar força nos Estados Unidos. Homens políticos, especialmente republicanos, como Teodore Roosevelt, defendem no congresso ideias semelhantes, mas até 1890 os meios de negócios e a massa de opinião pública não são muito sensíveis a esta corrente de pensamento imperialista. É acima de tudo os homens de negócios que começam a se preocupar com o problema dos mercados externos para os seus produtos, agora o equipamento do país está praticamente concluído. Embora o mercado americano absorva ainda a quase totalidade da produção, é toda conveniência reservar para o futuro zonas de influência fora do alcance dos concorrentes europeus e japoneses. Mais do que uma anexação de territórios à maneira europeia, estamos perante a diplomacia do dólar que quer assegurar zonas reservadas (MILZA, 1995, p. 129, grifo do autor). Os EUA foram paulatinamente apurando a doutrina do “Destino Manifesto” com o objetivo de conseguir justificar a expansão de seus interesses para além dos perímetros continentais do país. Tal ideologia imperialista mereceu doutrinário no ano de 1890, a partir da divulgação dos trabalhos do Almirante Alfred T. Mahan, sobretudo, de sua obra intitulada “The influence of Sea Power upon History”. Mahan, admirado com o poderio que a Grã-Bretanha praticava no mundo, alertava governantes e políticos norte- americanos para o valor do controle dos oceanos; para isso o almirante fazia uso de uma lógica de estratégia imperial. Mahan defendia a necessidade de os Estados Unidos se prepararem para um futuro de grandiosas tarefas e, por isso, 15 deveriam construir poderosa esquadra, reservando atenção especial ao absoluto controle do Golfo do México e do Mar das Caraíbas. Mahan começou a ser ouvido por importantes políticos norte-americanos, que acabaram por impressionar profundamente o secretário-assistente da Marinha do governodo presidente McKinley Theodore Roosevelt – entre 1896/98, o qual utilizou as teses do almirante como argumento para a intervenção norte-americana na guerra de independência cubana, dando bases efetivas para o domínio dos EUA sobre o Caribe. A intervenção humanitária Na divisão de tarefas, enquanto Mahan forneceu o suporte teórico-estratégico, ficou para Herbert Croly a tarefa de traçar as justificativas intervencionistas dando-lhes roupagem humanitária. Assim, em 1909, surge o livro de Croly, “The Promise of American Life”, influenciando outro presidente norte- americano e principal fator da intervenção, Woodrow Wilson. Em 1895, quando do conflito anglo-venezuelano sobre os limites da Guiana Britânica, o presidente Cleveland enuncia o que seria a sua fórmula do monroismo reforçado: nenhuma questão que fosse de interesse do continente americano poderia ser decidida na ausência dos Estados Unidos. Porém a manifestação mais categórica do imperialismo norte-americano no final do século XIX foi a guerra contra a Espanha. A partir de um conflito entre a Espanha e a população da Ilha de Cuba, uma de suas últimas possessões comerciais, os Estados Unidos acabaram por entrar em guerra com a Espanha. Em dois meses, os americanos destruíram as duas frotas espanholas, uma nas Filipinas, outra nas Antilhas, e obrigaram a Espanha a pedir o armistício. Pelo tratado de Paris, assinado a 12 de agosto de 1898, a Espanha entregou aos Estados Unidos as Filipinas e Porto Rico e reconheceu a independência de Cuba, que na realidade se tornou um protetorado americano. Pouco depois, os Estados Unidos anexavam as ilhas do Havaí e o arquipélago de Samoa, deixando bem clara a sua vontade de expansão no Pacífico. Com esta vitória sobre uma nação do velho continente, os Estados Unidos fizeram uma espetacular entrada na cena internacional (MILZA, 1995, p. 131)40. Segundo Urlanis (s.d.): Na guerra Hispano-americana de 1898, primeiro conflito bélico daquele período, as perdas de ambas as partes foram de uns 5.000 homens entre mortos em combate e falecidos em razão das feridas. Ademais, caíram vítimas das enfermidades 5.500 americanos (URLANIS, [s.d.], p. 212, tradução nossa)41. O presidente norte-americano Mckinley é assassinado em 1901. Seu sucessor, Theodore Roosevelt, vai afirmar ainda mais claramente o imperialismo norte-americano, transformando o Mar das Antilhas em verdadeiro mar americano, além do que, com Roosevelt os Estados Unidos ganham terreno na América Central e intensificam seus esforços para atrair para sua órbita de influência as jovens repúblicas da América Latina. Ao mesmo tempo em que os Estados Unidos intensificam seu movimento de expansão, surgem doutrinas de ideólogos “orgânicos” do Estado norte-americano, com o propósito de dar forma ideológica e teórica a esse movimento. O importante mentor do imperialismo seria justamente H. Croly (1869-1930). 40 Também Cf. Hofstader (1967, p. 145-146). 41 “En la guerra hispano-americana de 1989, primer conflicto bélico de aquel período, lãs perdidas por ambas partes fueron de unos 5.000 hombres entre muertos en combate y fallecidos a causa de lãs heridas. Además, cayeron víctimas de lãs enfermedades 5.500 americanos”. 16 A doutrina de Croly tem como essência a combinação do conceito de Destino Manifesto com a ideia do Hemisfério Ocidental. O propósito de Croly era o de explicar que os EUA tinham como escopo uma “missão civilizatória” ante os povos da América Latina. Sua doutrina trazia para a cena de discussão o dever de a América “pacificar e democratizar” os países latinos, continuamente envolvidos por guerras intestinas. Assim, Croly tinha como referencial lógico as visões constituídas pelo ideário norte-americano, e o ofício de restabelecer a justificativa moral para a intervenção norte- americana, de modo que fosse ininterrupta e permanente. Contudo, encobertas pelos grandes princípios liberais e humanitários permaneceram camufladas todas as formas possíveis de domínio norte-americano na América Latina. O poderio econômico A situação de inferioridade na qual os Estados Unidos se encontravam em relação às economias europeias desde o término da guerra civil, compreendida entre os anos de 1861 e 1865, se alteraria extraordinariamente. Entre os anos de 1870 e 1900, a população norte-americana aumentara quase em 100%. A produção mineral apresenta incremento extraordinário e os produtos agrícolas haviam duplicado suas safras; da mesma maneira, eram impressionantes os novos poços de petróleo descobertos em Oklahoma e na Pensilvânia. Assim, os Estados Unidos tornaram-se um país detentor de riquezas superiores às de qualquer outro em separado, e capacitado para sua exploração. Em 1998, noventa por cento da produção nacional eram consumidas internamente e os valores das exportações chegavam ao exagero de um bilhão de dólares em 1898. Por outro lado, os investimentos no exterior aumentavam vertiginosamente, tendo como local privilegiado de concentração as repúblicas da América Latina, que entre 1897 e 1914, absorveram entre 43 e 47% das inversões totais norte-americanas. Assim, os EUA ao longo de cerca de meio século, haviam se tornado a maior potência econômica do mundo: o crescimento da riqueza norte-americana passou de 7 bilhões de dólares em 1850 para 30 bilhões de dólares em 1870, para 83 bilhões de dólares em 1900, e atingiu em 1912 a cifra espetacular para a época de 186,3 bilhões de dólares. No mesmo período, a riqueza do Reino Unido era de U$79,3 bilhões, da Alemanha de U$77,8 bilhões e da França de U$57,1 bilhões. A expansão japonesa Em 17 de abril de 1895, terminou a guerra entre Japão e China; o armistício tem como resultado a assinatura do Tratado de Shimonoseki, no qual a China reconheceu a “independência” da Coréia, que na realidade significava a condição suserana do Japão. Além do mais, a China fica obrigada a entregar Formosa ao Japão, bem como as ilhas Pescadores, a península de Liao-Tung e Port-Arthur. Como parte do Tratado, a China foi ainda obrigada a pagar, num prazo de sete anos, indenização de guerra no valor de 200 milhões de “taétis” ao Japão, período no qual o Japão ficaria de posse da base de Wei-hai-wei, como garantia de cumprimento da indenização. Por fim, a China foi também obrigada a conceder vantagens comerciais ao Estado japonês. Entretanto, em 25 de abril de 1895, as potências da Alemanha, Rússia e França, receosos que o tratado entre Japão e China pudesse contribuir para o fortalecimento do imperialismo japonês no continente Asiático, e como isso pudesse influenciar seus interesses no continente, fizeram diligência comum junto ao governo do Japão, para que o mesmo renunciasse às suas conquistas na Ásia. Pressionado pelas três potências, na Convenção de Pequim em 8 de novembro de 1895, o Japão restituiu os territórios conquistados, ficando apenas com a península de Lia-tung como 17 indenização de guerra. No final desse processo restaria profundo ressentimento do Japão em relação às potências europeias, em particular em relação à Rússia. Depois de 1895, não desistindo de fazer valer seus direitos sobre os territórios que as potências europeias o haviam obrigado a “restituir” à China, o Japão inicia aceleração do ritmo do seu desenvolvimento econômico e militar. Em 1895, o Japão já era potência industrial. Apesar de ser pobre em recursos minerais e energéticos, principalmente em se tratando de minério de ferro, os japoneses constituíram indústrias modernas, dominadas por trustes, conduzidas, boa parte delas, por algumas grandes famílias – Mitsui, Mitsubishi – cujos chefes tinham enriquecido no período da guerra com a China, a partir do fornecimento de equipamentosde guerra ao governo japonês. Na linha de frente da indústria japonesa encontrava-se o setor têxtil que, embora oferecesse algodão de pouca qualidade, tinha grande saída nos mercados do continente asiático, devido a seu reduzido preço. Mais lento, no entanto, era o desenvolvimento da indústria metalúrgica, dada a escassez de matéria-prima e a falta de capital, fazendo que o país tenha que recorrer à importação. A indústria siderúrgica não conseguia ter lucro suficiente para fazer grandes investimentos, vez que importava, a preço alto, o minério e o carvão. Mas não é por isso que o Japão deixa de fazer figura de potência industrial. Enquanto em 1890 só exportava matéria prima: seda bruta e couro – dez anos mais tarde está transformado no exportador de produtos fabricados e num importador de matéria-prima (MILZA, 1995, p. 133). Vez que a indústria japonesa não pode escoar sua produção no mercado europeu ou no mercado americano, devido à má qualidade de seus produtos, fruto da falta de operários e de técnicos qualificados, os industriais japoneses foram obrigados a conquistar os mercados asiáticos, sobretudo, o mercado chinês, porém, com a condição prévia de afastar os concorrentes europeus e americanos que tinham suas redes de venda densamente inseridas na Ásia Oriental. A conquista de mercados industriais A conquista de mercados para seus produtos industriais e de reserva de matérias-primas passou a ser questão capital para o jovem império japonês. Para as pretensões japonesas a Coréia e a Manchúria eram perfeitas, vez que se encaixavam exatamente nas necessidades nipônicas, só que para tanto o império japonês teria que desalojar os russos, que têm aumentado sua influência na região desde 1895. É com esse objetivo que, em 1894, o Japão se lança num enorme esforço militar que lhe vai permitir passar o seu exército de seis para treze divisões e aumentar sua frota de guerra com unidades compradas à Grã-Bretanha e à Itália. O império nipônico consegue romper o isolamento diplomático em que os europeus o tinham mantido, assinando com a Inglaterra a aliança defensiva de 1902. Oferecendo ao Japão a sua aliança, rompendo deliberadamente com uma longa tradição de isolamento, a Inglaterra pensava exercer sobre os russos uma pressão suficientemente forte para os levar à retirar as tropas da Manchúria (MILZA, 1995, p. 134). Em 13 de janeiro de 1904, fazendo uso de sua superioridade militar, o Japão exige que a Rússia reconhecesse definitivamente a integridade da Manchúria, e em cinco de fevereiro, devido ao silêncio russo, o governo do Japão decidiu romper relações diplomáticas com a Rússia. No dia oito de fevereiro de 1904, sem declarar previamente a guerra contra os russos, a frota japonesa investiu contra a esquadra de Port-Arthur, afundando três encouraçados russos. Assim, em fevereiro de 1904, iniciava-se a guerra entre o Japão e a Rússia. Assim se inicia a guerra entre Japão e Rússia As causas da guerra eram múltiplas: o antigo 18 regime, prosseguindo em sua política de expansão territorial, tinha os olhos voltados para a Manchúria, excelente zona de colonização: a domínio de Port Arthur deveria abrir a China ao comércio russo: os capitais franceses interessados na conclusão da Transiberiana cobiçavam o extremo-oriente: o tzar, chefe de uma família imperial cada vez mais numerosa e difícil de dotar, sonhava em aumentar a fortuna dos Romanov, na Coréia; finalmente, o desejo de consolidar a aristocracia por meio de uma vitória militar não era, com certeza, estranha aos homens de estado russo. Por outro lado, o Japão, espoliado pela Rússia dos frutos de sua vitória de 1894 sobre a China, decidido a conquistar a Coréia e, ao fazê-lo, resolver pelas armas seu litígio com a Rússia, era encorajado a isso pelo imperialismo inglês desejosa de reduzir a influência russa na Ásia (SERGE, 1993, p. 42). Depois de várias batalhas, os japoneses triunfaram. Apesar de não existirem mais empecilhos ao triunfo dos japoneses, o governo do Japão não desejava prosseguir com as hostilidades na Manchúria. Ao final da guerra, o esforço tinha afetado as finanças japonesas. A paz foi assinada em Portsmouth, nos Estados Unidos, a 05 de setembro de 1905. Como parte do acordo de paz, a Rússia entregaria ao Japão a parte meridional da ilha de Sacalina, o Liau-tung com Port-Arthur, que passaria a ser a partir de então base japonesa bem como o Japão passaria a gozar dos direitos sobre os caminhos de ferro do sul da Manchúria; a Rússia concederia a Tóquio toda liberdade de ação na Coréia, até a efetivação da anexação, o que aconteceu em 1910. A vitória na guerra com a Rússia significou para o Japão o início de um processo expansionista extraordinário. Além das vantagens conseguidas com o tratado de Portsmouth, ratificadas alguns meses mais tarde pelo governo chinês, o Japão consegue entre 1907 e 1913 novas concessões que lhe permitem alargar a sua ação a novas ondas situadas fora do território arrendado fora da via férrea. Em 10 anos, os japoneses transformam a Manchúria meridional num país de 25 milhões de habitantes, aos quais se juntam 50 mil colonos nipônicos, uma coutada de que afastam aos poucos os concorrentes europeus e americanos e que vão ligar, através do caminho de ferro, à Coréia, que entretanto se tornou território japonês. Mesmo na China, os capitais e os homens de negócio japoneses começam a ter um papel relevante na vida econômica do país (MILZA, 1995, p. 137, grifo do autor). As vitórias conseguidas pelo imperialismo japonês incomodariam os competidores do ocidente, principalmente os Estados Unidos, vez que os interesses norte-americanos encontravam-se ameaçados pela concorrência nipônica, no Extremo Oriente e no Pacífico. Depois da guerra russo-japonesa, as relações entre as duas potências do Pacífico, até então amigáveis, começam a azedar. Os Estados Unidos temem a concorrência econômica, que a longo prazo pode ameaçar os seus interesses, mas temem sobretudo as ambições territoriais do jovem imperialismo nipônico, pois desconfiam que ele cobiça as recentes aquisições insulares dos Estados Unidos – o Havaí e as Filipinas (MILZA, 1995, p. 138). No período que antecedeu à Primeira Guerra Mundial de 1914, o poderio militar japonês não pararia de crescer e de se qualificar cada vez mais. Como se não bastasse, o Japão conseguira ampliar sua influência, em parte, aos mercados do Extremo Oriente. Os seus produtos industriais – de fraca qualidade – mas cujos preços eliminavam qualquer concorrência, sendo por isso adequados aos mercados famélicos da Ásia – começam a rivalizar com o Ocidente e o mesmo acontece com seus capitais e com seus homens de negócios. Estamos longe, embora só tenha passado meio século depois da revolução de 1868, do Japão dos samurais. O império nipônico tornou-se uma grande potência mundial (MILZA, 1995, p. 139). 19 A Rússia, a guerra com o Japão e a Revolução de 1905 Segundo Serge (1993), em obra já citada42, às vésperas de 1905, a concentração de terras na Rússia era absurda; enquanto dez milhões de famílias camponesas possuíam 73 milhões de déciatines43, 27.000 proprietários fundiários, dos quais 18.000 nobres, dispunham de 62 milhões de déciatínes, e um terço aproximadamente desse incomensurável domínio pertencia a não mais que 699 riquíssimos senhores, os quais se constituíam no mais seguro sustentáculo da autocracia, que detinha em seu poder as melhores terras. Desde 1861, a porção dos camponeses tinha sido dividida com o objetivo de tornar o antigo servo o mais dependente possível do senhor. Com a chegada do ano de 1900, os preços dos cereais subiram no mercado mundial. Desejosos por lucros, os proprietários rurais elevaram o preço das terras e dos arrendamentos em até duas vezes. Aopasso que a população rural havia aumentado, a porção de terras dos camponeses que em 1861 tinha em média pouco mais de cinco hectares de terra per capita masculina, caíra em média para menos de 2,5 em 1900. Esta situação fez crescer em muito o número (cerca de uma dezena de milhões) de desocupados na zona rural. Assim, os anos 1895-1898, 1901 representaram anos de fome para os camponeses, e de exportação de cereais para a aristocracia. Esta miséria do camponês e do proletariado é para as classes ricas uma fonte de riqueza. No período de 1893 a 1996 as exportações russas atingem em média, par ano, o valor de 661 milhões de rublos. [...] A acumulação (anual) de riquezas passa, nesse mesmo lapso de tempo, de 104 milhões para 339 milhões. O capital estrangeiro aflui a este país onde a mão-de-obra é paga a vil preço e onde se faz fortuna rapidamente. De 1894 a 1900, perto de 500 milhões de rublos-ouro (o rublo vale nessa época 2.66 francos) de capitais franceses são investidos na indústria russa (SERGE, 1993, p. 39-40). Por outro lado, a indústria russa, apesar de ter sido criada tardiamente, iria desenvolver-se de maneira pujante em condições muito peculiares. Apesar das fontes de mão-de-obra serem ilimitadas, a mão-de-obra qualificada era muito rara nos primeiros anos do século XX. Em compensação, o nível de concentração da indústria russa atingia, sob a influência do capital estrangeiro, um grau ainda mais elevado que o da indústria alemã. Este capitalismo, de estrutura moderna, encontrava-se obstruído por instituições retardatárias que estavam ali há mais de um século antes do capitalismo chegar em solo russo. Nenhuma legislação trabalhista, nenhum sindicato: nenhum direito de associação, de reunião, de greve ou de palavra. Os operários, em suma, não têm direito algum. A jornada de trabalho varia entre 10 a 14 horas. Nas usinas metalúrgicas de Briansk, no sul, o salário é (em 1898) de 70 kopeks para uma jornada de 12 horas. Os operários têxteis ganham de 14 a 18 rublos por mês e são sobrecarregados por descontos. A jornada de trabalho é mais longa do que em qualquer lugar da Europa e o salário, o mais baixo. Ora, este proletariado de oficinas e de fábricas, concentrado em alguns grandes centros, forma uma massa de 1.691.000 de homens (1904) (SERGE, 1993, p. 39-40). Toda essa situação fez crescer, em muito, o descontentamento da pequena burguesia. Os agricultores abastados viam os proprietários fundiários como obstáculo a seus projetos. Os comerciantes, os artífices, e, sobretudo, os intelectuais, eram intensamente prejudicados em seus interesses, ultrajados em sua dignidade, pelo regime de castas e pelas arbitrariedades burocráticas. Entre todas as classes sociais da Rússia, apenas uma escassa minoria composta pelos grandes proprietários de terras, pela nobreza rica, da corte, e por parte da alta burguesia, não sentiam necessidade de grandes mudanças, no início do século XX. 42 Cf. Serge (1993). 43 A déciatine equivale a pouco mais de um hectare (1,092 ha.). 20 Tornou-se claro então que o regime inepto do czar, baseado na alienação e na insensibili- dade, arrastava o país para uma catástrofe, Grassavam a incompetência e a corrupção e o autocratismo paternalista reprimia qualquer oposição. O camponês no meio rural e o trabalhador na fábrica viviam sob um sistema de absoluta opressão. A legislação social burguesa que chegara à Alemanha de Bismarck e estava entrando a duras penas na Europa Ocidental, destinada a desmobilizar ímpetos revolucionários mediante concessões, achava-se virtualmente ausente na Rússia A única legislação que lá regia o trabalho era a da lei das selvas do capitalismo liberal (LOPEZ, 1987, p. 32). Em 1902, se multiplicaram-se agitações no campo russo, com fuzilamento de populações de aldeias inteiras. A grandiosa greve de amplos setores de massas de Rostov, à margem do Don, mostrou a força do operariado russo. Em 1903, uma greve de grande magnitude atingiu e abarcou o sul do país. Os programas anti-semitas de Kichinev, organizados pela polícia de Von Plevhe, foram uma resposta a esses movimentos populares: centenas de judeus foram decapitados. Na mesma época, os policiais do tzar tiveram a idéia de enquadrar e organizar, eles próprios, o movimento operário. O policial Zubatov fomentou, em Moscou e depois em Petersburgo. a fundação de associações operárias, colocadas sob a tríplice égide da policia, do patronato e do clero. Mas a força dos acontecimentos obrigou esse socialismo policial a apoiar greves (SERGE, 1993, p. 41, grifo nosso). Foi em meio a toda uma situação de crise interna que a guerra com o Japão iniciou-se em 1904. Assim, como já dito anteriormente, a guerra significava para a Rússia a concretização da política de expansão territorial do Tzar, que voltava seus olhos para a Manchúria, além do domínio de Port-Arthur, que deveria abrir a China ao comércio russo, o desejo de Nicolau II de aumentar a fortuna dos Romanov, na Coréia e, por fim, o desejo do Tzar de consolidar a aristocracia por meio de uma vitória militar. Em janeiro de 1905, depois de já transcorrido um ano inteiro de reveres russos no conflito com o Japão (a guerra se iniciara em fevereiro de 1904), a situação explodiu de vez, internamente. Em janeiro de 1905, ocorre um conflito nas usinas Putilov entre os operários e a direção. Esta havia acabado de demitir quatro membros da associação operária patrocinada pelas autoridades e dirigida pelo Pope Gapone. Este sindicato negro se vê, de repente, no co- mando de todo um proletariado na iminência de perder a paciência (SERGE, 1993, p. 41, grifo nosso). Foi o próprio Pope Gapone, um homem das autoridades do Estado Russo infiltrado no movimento operário russo, que organizou e redigiu a petição dos operários de Petersburgo que fora aprovada por dezenas de milhares de proletários, destinada ao Tzar Nicolau II. No documento pedia-se: jornada de 8 horas; reconhecimento, por parte das autoridades e do Estado, dos direitos dos operários e; uma constituição (responsabilidade dos ministros perante a nação, separação entre a Igreja e o Estado, liberdades democráticas). Porém, o que ocorreu foi um verdadeiro massacre, que deixou às claras quais eram as reais margens de concessão do regime. De todos os pontos da capital, os peticionários, carregando ícones e cantando hinos religiosos, puseram-se em marcha sobre a neve, numa manhã de janeiro, para ir até o paizinho tzar. Em todas as esquinas havia emboscadas, A tropa os metralhou, os cossacos descarregaram as armas. Tratem-nos como insurretos, havia dito o imperador. A fuzilaria foi particularmente intensa sob as janelas do palácio de Inverno. Centenas de mortos, centenas de feridos, este foi o balaço da jornada. Esta repressão, absurda e criminosa, dá inicio, à primeira revolução russa, Este foi também - com 12 anos de antecedência - o suicídio da autocracia (SERGE, 1993, p. 41, grifo do autor). O fato de ter sido o Padre Gaspone, que tinha sido membro e dirigente da associação zubatovista, aquele que organizou o movimento grevista para ir de encontro às tropas do Tzar, levantou suspeitas sobre sua participação na tragédia: 21 Os jornais estrangeiros assinalam, do mesmo modo que nossos correspondentes, que a polícia deixou intencionalmente que o movimento grevista adquirisse um desenvolvimento amplo e sem entraves, porque o governo em geral (e o duque Vladimir, em particular) desejava provocar uma represália sangrenta nas condições mais favoráveis para ele. Os correspondentes estrangeiros assinalam inclusive que, considerada esta circunstancia, necessariamente teria que beneficiar ao governo de modo especial a enérgica participação que tiveram no movimento os partidários de Zubatov.
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