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Texto 2 - A Mundialização do Capital Cáp 1

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TEXTO Nº 2
A Mundialização do Capital
 
Capitulo 1 – DECIFRAR PALAVRAS CARREGADAS DE IDEOLOGIA
O adjetivo "global" surgiu no começo dos anos 80, nas gran​des escolas americanas de administração de empresas, as célebres "business management schools" de Harvard, Columbia, Stanford etc. Foi popularizado nas obras e artigos dos mais hábeis consultores de es​tratégia e marketing, formados nessas escolas — o japonês K. Ohmae (1985 e 1990), o americano ME. Porter — ou em estreito contato com elas. Fez sua estreia a nível mundial pelo viés da imprensa econômica e financeira de língua inglesa, e em pouquíssimo tempo invadiu o dis​curso político neoliberal. Em matéria de administração de empresas, o termo era utilizado tendo como destinatários os grandes grupos, para passar a seguinte mensagem: em todo lugar onde se possa gerar lucros, os obstáculos à expansão das atividades de vocês foram levantados, graças à liberalização e à desregulamentação; a telemática e os satélites de comunicações colocam em suas mãos formidáveis instrumentos de comunicação e controle; reorganizem-se e reformulem, em conseqüência, suas estratégias internacionais.
Os grandes industriais japoneses, cuja economia continua sendo uma das mais fechadas, mas cujos grupos estão entre os mais internacionalizados do mundo, apoderaram-se dessa expressão para definir sua visão do novo mundo "triádico" que estaria nascendo. Estimular o "globalismo" significa, para eles, fazer o seguinte chamado aos dirigen​tes industriais e políticos americanos e europeus: vamos parar de brigar por questões menores e bobas, como quotas de importação e de que modo nós manejamos a política industrial, vamos tomar consciência de nossos interesses comuns e cooperar! De fato, as publicações que fazem a mais extremada apologia da "globalização" e do "tecno-globalismo" apresentam esse mundo que está nascendo como "sem frontei​ras" (borderless, título do livro de 1990 de Ohmae) e as grandes empresas, como "sem nacionalidade" (stateless, expressão empregada pela influente revista Business Week, 1990).
Termos vagos e ambíguos
Esses termos, portanto, não são neutros. Eles invadiram o discurso político e económico cotidiano, com tanto maior facilidade pelo fato de serem termos cheios de conotações (e por isso utilizados, de forma consciente, para manipular o imaginário social e pesar nos debates políticos) e, ao mesmo tempo, vagos. Como observaram R. Bamet e J. Cavanagh, são termos que teriam agradado à Rainha de Copas de Alice no país das maravilhas, pois cada qual pode empregá-los exatamente no sentido que lhe for conveniente, dar-lhes o conteúdo ideológico que quiser (1994, p. 13).
O termo de origem francesa "mundialização" (mondíatisatiori} en​controu dificuldades para se impor, não apenas em organizações inter​nacionais, mesmo que supostamente bilíngues, como a OCDE, mas também no discurso econômico e político francês. Isso deve-se, claro, ao fato de que o inglês é o veículo linguístico por excelência do capi​talismo e que os altos executivos dos grupos franceses estão entupidos dos conceitos e do vocabulário em voga nas business schools. Mas tam​bém, com certeza, ao fato de que o termo "mundialização" tem o de​feito de diminuir, pelo menos um pouco, a falta de nitidez conceituai dos termos "global" e "globalização".
A palavra "mundial" permite introduzir, com muito mais força do que o termo "global", a idéia de que, se a economia se mundializou, seria importante construir depressa instituições políticas mundiais ca​pazes de dominar o seu movimento. Ora, isso é o que as forcas que atualmente regem os destinos do mundo não querem de jeito nenhum. Entre os países do Grupo dos Sete — EUA, Canadá, Japão, França, Ale​manha, Reino Unido, Itália —, os mais fortes julgam ainda poder caval​gar vantajosamente as forças econômicas e financeiras que a liberalização desencadeou, enquanto os demais estão paralisados ao tomarem consciência, por um lado, de sua perda de importância e, por outro, do caminho que vão ter de percorrer para "adaptar-se". Os gran​des grupos industriais ou operadores financeiros internacionais, que acabam de recuperar uma liberdade de ação que não conheciam desde 1929, ou talvez mesmo desde o século XIX, estão ainda menos dispostos a ouvir falar de políticas mundiais coercitivas. Disso, uns e outros deram provas em inúmeras ocasiões, inclusive em questões como os riscos ecológicos para todo o planeta, em que, no entanto, os fundamentos de ação foram preparados pelo trabalho dos pesquisa​dores e alcançaram um acordo bastante amplo entre os cientistas.
"Adaptar-se", mas ao quê?
Tanto mais que, no tocante ao "progresso técnico", a globalização é quase invariavelmente apresentada como um processo benéfico e necessário. Os relatórios oficiais admitem que a globalização decerto tem alguns inconvenientes, acompanhados de vantagens que têm di​ficuldade em definir. Mesmo assim, é preciso que a sociedade se adapte (esta é a palavra-chave, que hoje vale como palavra-de-ordem) às novas exigências e obrigações, e, sobretudo que descarte qualquer idéia de procurar orientar, dominar, controlar, canalizar esse novo pro​cesso. Com efeito, a globalização é a expressão das "forças de mer​cado", por fim liberadas (pelo menos parcialmente, pois a grande tarefa da liberalização está longe de concluída) dos entraves nefastos erguidos durante meio século. De resto, para os turiferários da globalização, a necessária adaptação pressupõe que a liberalização e a desregulamentação sejam levadas a cabo, que as empresas tenham absoluta liber​dade de movimentos e que todos os campos da vida social, sem exceção, sejam submetidos à valorização do capital privado. Este é o tema central do recente estudo da OCDE sobre a questão do emprego: "Num mundo caracterizado pela multiplicação de novas tecnologias, a globalização e a intensa concorrência que se exerce em nível nacional e internacional", quando "os efeitos benéficos potenciais são talvez até maiores do que os que resultaram da abertura das economias depois da Segunda Guerra Mundial", "é essencial a adaptação aos modos de produção e intercâmbio que estão surgindo" (OCDE, 1994c, p. 7).
Adaptar-se às estratégias privadas das multinacionais?
Se o começo do estudo da OCDE dá poucas indicações sobre as características dessa globalização à qual seria preciso adaptar-se, certas passagens seguintes, bem como outros trabalhos dessa organização internacional, têm o mérito de serem absolutamente claros, pelo menos sobre parte dos traços característicos da mundialização. Esses textos permitem dizer em favor de quais forças do mundo industrial a adap​tação deve se dar. O ponto fraco desses trabalhos é silenciar sobre a globalização financeira e, quase sem exceção, não estabelecer a ligação entre esta e as outras dimensões que são mais claramente identificadas e mais bem estudadas. O que têm de interessante é precisar, com um grau de clareza ausente na maioria dos estudos publicados por outras organizações, que os traços característicos da mundialização estão, não tanto ao nível do comércio internacional, quanto ao nível das empresas, portanto do capital.
Ocorreu uma liberalização muito ampla do comércio exterior. Mas seu efeito foi sobretudo facilitar as operações dos grupos industriais mul-ünacionalizados. É o que se manifesta na importância do intercâmbio in-tracorporatívo (40% do comércio dos EUA e do Japão), e sobretudo do nível dos suprimentos internacionais em produtos semi-elaborados e pro​dutos acabados, organizados com base em terceirizaçáo internacional, aos quais os "pesquisadores de base" da OCDE conferiram especial atenção.1 Assim, um desses estudos precisa que "a globalização mudou a importân​cia relativa dos fatores causadores de interdependência. A internacionali​zação é dominada mais pelo investimento internacional do que pelo comércio exterior, e portanto molda as estruturas que predominam na pro​dução e no intercâmbio de bens e serviços. Os fluxos de intercâmbio in-tracorporativo adquiriram importância cadavez maior. O investimento internacional é evidentemente acomodado pela globalização das insti​tuições bancárias e financeiras, que têm o efeito de facilitar as fusões e aquisições transnacionais" (OCDE, 1992, p. 21). Essa definição é precedida pela observação de que os dois fatores principais que, na década de 80, aceleraram as mudanças nas formas de internacionalização que pre​valeciam anteriormente, e que levaram à globalização, seriam, em primeiro lugar, "a desregulamentação financeira e o desenvolvimento, cada vez mais acentuado, da globalização financeira" e, em segundo lugar, "o papel das novas tecnologias que funcionam, ao mesmo tempo, como condição permissiva e como fator de intensificação dessa globalização".
Um trabalho mais recente da OCDE (1994) adota um enfoque histórico a fim de caracterizar a nova fase da mundialização: "Histori​camente, a expansão internacional deu-se sobretudo através do comér​cio exterior e sucessivamente, nos anos 80, por um desenvolvimento considerável do investimento direto internacional e da colaboração interempresas. O que há de novo é que as empresas recorreram a novas combinações entre os investimentos internacionais, o comércio e a co​operação internacional interempresas coligadas, para assegurar sua ex​pansão internacional e racionalizar suas operações. As estratégias internacionais do passado, baseadas nas exportações, ou as estratégias multidomésticas, assentadas na produção e venda no exterior, dão lugar a novas estratégias, que combinam uma série de atividades trans-fronteiras: exportações e suprimentos externos, investimentos estrangei​ros e alianças internacionais. As empresas que adotam essas estratégias podem tirar proveito de um alto grau de coordenação, da diversificação de operações e de sua implantação local."
C. Oman (1994) começa com uma refutação prudente, mas firme, da "assimilação da globalização ao multilateralismo", isto é, o enfoque projetado pelo discurso oficial do GATT e do FMI, onde se continua a tratar a globalização e o comércio exterior como sinónimos. Segundo Oman, a globalização deve ser entendida como "um processo cen​trífugo e um fenômeno microeconômico" (Oman, 1994). Ele acrescenta que "embora os progressos tecnológicos e certas políticas, especial​mente a desregulamentação de mercados, tenham impulsionado a glo​balização desde o fim da década de 1970, conferindo-lhe, ao mesmo tempo, uma forma particular, hoje o determinante essencial é a trans​formação em profundidade do modo predominante de organização do trabalho". O que leva Oman a ser muito pessimista quanto à capaci​dade da maioria dos países em desenvolvimento, tanto de atrair inves​timentos como de vender em condições competitivas.
No plano industrial, é então aos novos modos de organização da produção, adotados pelas empresas multinacionais, que deveria se fazer a inevitável adaptação. O problema, já a esse nível, é que a libe ralização e a desregulamentação, combinadas com as possibilidades proporcionadas pelas novas tecnologias de comunicação (ver quadro 1) decuplicaram a capacidade intrínseca do capital produtivo de se comprometer e descomprometer, de investir e desinvestir; numa palavra, sua propensão à mobilidade. Agora o capital está à vontade para pôr em concorrência as diferenças no preço da força de trabalho entre um país — e, se for o caso, uma parte do mundo — e outro. Para isso, o capital concentrado pode atuar, seja pela via do investimento, seja pela da terceirização.3
Vantagens da teleinformática para os grupos
A teleinformática (às vezes chamada "telemática") surgiu da convergência entre os novos sistemas de telecomunicações por satélite e a cabo, as tecnolo​gias de informatização e a microeletrônica. Ela abriu, às grandes empresas e aos bancos, maiores possibilidades de controlar a expansão de seus ativos em escala internacional e de reforçar o âmbito mundial de suas operações.
As grandes empresas e instituições financeiras e bancárias dispõem atualmente de redes mundiais privadas de telecomunicações. Estas são ex​ternas aos grupos, mas também podem interconectá-los à escala mundial (é o caso dos mercados financeiros mundializados que se constituíram, em parte, graças à interconexão, em tempo real, dos principais centros fi​nanceiros nacionais).
A teleinformática permite a extensão das relações de terceirização, particularmente entre empresas situadas a centenas de milhares de quilómetros umas das outras, bem como a deslocalização de tarefas roti​neiras nas indústrias que se valem grandemente da informática. Ela abre caminho para a fragmentação de processos de trabalho e para novas formas de "trabalho a domicílio".
Os efeitos da teleinformática dizem respeito à economia de mão-de-obra, bem como de capital. Tais efeitos incluem:
maior flexibilidade dos processos de produção (pode-se fabricar maior quantidade de produtos com o mesmo equipamento);
redução dos estoques de produtos intermediários, graças aos méto​dos de fabricação de fluxo intensivo (just-in-time), que permitem dar início à produção quando do recebimento de pedido;
redução dos estoques de produtos finais;
encurtamento dos prazos de entrega;
diminuição dos capitais de giro;
diminuição do tempo de faturamento;
emprego de meios eletrônicos no setor de franquias e vendas a varejo.
Adaptar-se às imposições dos mercados financeiros?
A mundialização não diz respeito apenas às atividades dos grupos empresariais e aos fluxos comerciais que elas provocam.4 Inclui também a globalização financeira, que não pode ser abstraída da lista das forças às quais deve ser imposta a adaptação (irmã gêmea do ajuste estrutural) dos mais fracos e desguarnecidos. Um recente relatório do Serviço de Estudos do FMI (1993) não hesita em falar das forças que a liberali​zação monetária e financeira desencadeou (unleashed). Tendo como objetivo a análise dos grandes ataques contra as moedas nos mercados de câmbio, esse relatório fornece alguns números para situar o poderio respectivo das forças envolvidas. Em 1993, só a liquidez concentrada nas mãos dos fundos mútuos de investimento (mutual funds), companhias de seguro e fundos de pensão atingia 126% do PIB dos EUA e 165% do PIB do Reino Unido. No mesmo ano, as administradoras americanas e europeias desses fundos (menos de 500, as que realmente interessam) concentravam em suas mãos, sem contar os bancos e fundos japone​ses, 8 trilhões de dólares. Mesmo que na época apenas uns 5% dos fundos estivessem investidos sob forma de carteira de divisas — pro​porção que se elevaria a 12% em 1995 —, já são 400 bilhões de dólares que podem ser mobilizados só por esse grupo de operadoras. A partir daí, compreende-se por que os 300 bilhões de dólares que o Banco da França e o Bundesbank alemão empenharam conjuntamente para tentar preservar o Sistema Monetário Europeu (SME), em julho de 1993, não foram suficientes para frear os ataques contra o franco e por que os bancos centrais não têm mais meios de "punir" os especuladores.
Num trabalho importante, H. Bourguinat observa que, se o mercado financeiro globalizado (constituído por operadores altamente concentrados e bem menos anónimos do que faz supor a abstração da palavra "mer​cado") fosse "um déspota perfeitamente esclarecido, só poderíamos aplaudir" (1994, p. 25). Como ele, nós também achamos que não é nada disso. O ano de 1994 foi marcado por dois acontecimentos da maior im​portância no plano financeiro. O primeiro foi a alta das taxas de juros americanas. Ha ocorre quando mal começou a retomada cíclica; e mani​festa tranquilamente a capacidade que as receitas de rendimentos parasitários já têm de defender suas posições, qualquer que seja o custo para a economia mundial, & de impedir que o montante de sua mordida no valor (expresso por taxas de juros positivas em termos reais) seja preju​dicado... mesmo com uma alta de 1% ou 2% nos preços.
O segundo fato é a queda da taxa de câmbio do dólar. Duas séries de fatores parecem estar em ação e exercer efeitos paralelos, ou mesmo combinados. A primeira diz respeitoàs políticas nacionais e in​ternacionais que expressam a prioridade dada pêlos EUA à busca de seus próprios interesses: reafirmação do direito de seigneuriage5 monetário que exercem, menosprezando as necessidades do sistema monetário internacional, desde a década de 1960 (S. de Brunhoff, 1986, e Guttmann, 1993); mas talvez, também, sua decisão de deixar correr a taxa do dólar, de maneira a aplicar uma espécie de dumping, que viria aliviar o déficit de sua balança comercial. A segunda situa-se no lado dos operadores nos mercados de câmbio, que quiseram demons​trar, mais uma vez, que já estão em condições de provocar ataques conjuntos vitoriosos (que a teoria monetária denomina crises "auto-rea-lizadoras"), ou seja, de modificar o nível relativo de todas as moedas sem exceção, inclusive o dólar, a fim de poderem embolsar aquele tipo peculiar de lucros financeiros especulativos de que se alimentam.
A nova "sabedoria" dos especialistas, infelizmente acompanhada pela maioria dos jornalistas económicos, com poucas e honrosas exceções, diz que os "mercados" (leia-se os operadores concentrados) "sinalizam" aos governos. Ora, qual seria o sinal da crise do SME em julho de 1993, tão próxima à anterior? Não seria o anúncio de que os mercados se acostu​maram a obter lucros financeiros vultosos, explorando todas as possibilidades proporcionadas por taxas de câmbio absolutamente flexíveis, e que portanto lhes é intolerável que se mantenha uma faixa de taxas de cambio mesmo que parcialmente regulada, suscetível, eventualmente, de servir de modelo mais geral? E como interpretar o "sinal" da crise de 1994? Que nada venha afetar o nível das taxas de juros calculadas em termos reais, ou seja, uma estrutura de distribuição de renda em favor das receitas de usura, aquelas para as quais Keynes, no último capítulo da Teoria geral, recomendava "eutanásia"? Estamos portanto bem longe de lidar com um "despotismo esclarecido", e sim com uma força sobre a qual começam a pesar legítimas suspeitas.
México como caso exemplar
O comportamento dos grandes operadores financeiros durante a crise mexicana de dezembro de 1994/janeiro de 1995 vem reforçar essas interro​gativas. Fortes pressões políticas externas e internas (abrangendo inclusive as mais do que dúbias condições da eleição de Salinas contra Cárdenas, em 1988) foram exercidas durante a presidência de Salinas, para obter do México a total liberalização e desregulamentação de seus mercados monetários e financeiros. Na perspectiva de um enfoque de equidade e de moralidade económica (como está na moda atualmente, em certos ambi​entes intelectuais), seria fácil sustentar que os operadores financeiros que organizaram os fluxos financeiros para o México, e decidiram que tais fluxos assumiriam principalmente (em quase 80%) a forma de compra de títulos (obrigações públicas e privadas, e ações), teriam contraído uma obrigação "moral" de estabilidade e de presença duradoura. A necessidade de uma desvalorização era perfeitamente previsível, dado o elevado déficit comer​cial e a rápida diminuição das reservas oficiais. A miopia dos operadores impediu-os de compreender. Mas foi ao povo mexicano que eles fizeram pagar o preço. O anúncio da desvalorização, em dezembro de 1994, foi seguido, em poucos dias, pelo brutal descomprometimento dos capitais que estavam colocados no mercado financeiro do México. Os primeiros a fugir foram os capitais dos grupos financeiros e das grandes fortunas mexicanas. Veio então, cumulativamente, o desmoronamento brutal do "mercado fi​nanceiro emergente", tão louvado pêlos comentaristas, abrindo, em menos de um mês, uma recessão que foi se aprofundando a cada mês. O ano de 1995 registrou uma queda de 5% no PIB e uma taxa de inflação de quase 50%. O desemprego alcançou 25% da população ativa, enquanto os salários sofreram uma perda de poder aquisitivo da ordem de 55%, e mais dois milhões e meio de pessoas caíram abaixo do limite de "pobreza extrema". Foi esse o preço que os mexicanos pagaram por terem se "adaptado" ao jogo dos mercados financeiros. Mas os "especialistas" de Washington respondem, é claro, que a culpa é só deles, dos mexicanos, que não souberam adaptar-se "bem", que não entenderam as regras do jogo e que, junto com os outros países em situação parecida, devem ser submetidos a uma tutela ainda mais severa pelo FMI (termos do comunicado final do G7 de Halifax, em julho de 1995).
Internacionalização do capital e mundialização
Em alta até fins da década de 1970, os trabalhos sobre internacio​nalização do capital caíram de moda na França, de forma que os es​tudos anglo-saxônicos sobre "produção internacional" 6 tendem a fazer com que a pesquisa francesa perca a vantagem comparativa que poderia ter obtido com os minuciosos debates anteriores.7 Para dizer as coisas como são, este livro gostaria de aprofundar e atualizar certos debates, ainda hoje reivindicados por alguns, como M. Beaud e C.-A. Michalet. A ideia subjacente a esta obra é que a mundialização deve ser pensada como uma fase específica do processo de internacionali​zação do capital e de sua valorização, à escala do conjunto das regiões do mundo onde há recursos ou mercados, e só a elas.
No quadro 2, relacionamos certos aspectos importantes da mundiali​zação. Os próximos capítulos ajudarão a entender as opções efetuadas nessa lista. Trata-se de situar esses aspectos num contexto mais amplo.
Aspectos importantes da mundialização
O IED (investimento externo direto) suplantou o comércio exterior como vetor principal no processo de internacionalização; seu papel é tão importante 'nos serviços como no setor de manufaturas.
O IED caracteriza-se por alto grau de concentração dentro dos países adiantados, especialmente os da Tríade. Esse acerto de alvo se fez às custas dos países em desenvolvimento.
O chamado intercâmbio intra-setorial é a forma dominante do comér​cio exterior. Caracteriza-se pelo intercâmbio intragrupo, no quadro dos mercados privados das multinacionais, bem como por suprimentos interna​cionais, organizados pêlos grupos, em insumos e produtos acabados
A integração horizontal e vertical das bases industriais nacionais separadas e distintas está ocorrendo a partir do IED. As multinacionais beneficiam-se, simultaneamente, da liberalização do comércio, da adoção de novas tecnologias e do recurso a novas formas de gerenciamento da produção (o toyotismó).
As exigências de proximidade da produção toyotista e as oportuni​dades proporcionadas pêlos grandes mercados continentais (União Europeia e NAFTA), bem como as exigências de proximidade ao mercado final da concorrência oligopolista, explicam a regionalização do comércio exterior, nos três pólos da Tríade.
Os grupos industriais tendem a se reorganizar como "empresas-rede". As novas formas de gerenciamento e controle, valendo-se de complexas mo​dalidades de terceirização, visam a ajudar os grandes grupos a reconciliar a centralização do capital e a descentralização das operações, explorando as possibilidades proporcionadas pela teleinformática e pela automatização.
O grau de interpenetração entre os capitais de diferentes nacionalidades aumentou. O investimento internacional cruzado e as fusões-aquisições transfron-teiras engendram estruturas de oferta altamente concentradas a nível mundial.
Sobre essa base, houve o surgimento de oligopólios mundiais num número crescente de indústrias. Constituídos sobretudo por grupos ameri​canos, japoneses e europeus, eles delimitam entre si um espaço privilegiado de concorrência e de cooperação. Esse espaço é defendido contra a entrada de novos concorrentes de fora da área da OCDE, tanto por barreiras de en​trada de tipo industrial, quanto por barreiras comerciais regidas pelo GATT.
A ascensão de um capital muito concentrado, que conserva a forma monetária, a qual favoreceu, com grandes lucros, a emergência da "globalização financeira", acentuou os aspectos financeiros dos grupos industriais e imprimiu uma lógica financeira ao capital investido no setor de manufaturase serviços.
O movimento da mundialização é excludente. Com exceção de uns poucos "novos países industrializados", que haviam ultrapassado, antes de 1980, um patamar de desenvolvimento industrial que lhes permite introduzir mudanças na produtividade do trabalho e se manterem competitivos, está em curso um nítido movimento tendente à marginalização dos países em desenvolvimento.
Esse movimento caracterizou-se, na década de 80, por um claro recuo dos lEDs e das transferências de tecnologia aos países em desenvolvimento, bem como por um começo de exclusão de vários países produtores de produtos de base, em relação ao sistema de intercâmbio.
	A mundialização é o resultado de dois movimentos conjuntos, estrei​tamente interligados, mas distintos. O primeiro pode ser caracterizado como a mais longa fase de acumulação ininterrupta do capital que o capi​talismo conheceu desde 1914. O segundo diz respeito às políticas de libe​ralização, de privaüzação, de desregulamentação e de desmantelamento de conquistas sociais e democráticas, que foram aplicadas desde o início da década de 1980, sob o impulso dos governos Thatcher e Reagan.
A perda, para a esmagadora maioria dos países capitalistas, de boa parte de sua capacidade de conduzir um desenvolvimento parcialmente autocentrado e independente; o desaparecimento de certa especificidade dos mercados nacionais e a destruição, para muitos Estados, da possibili​dade de levar adiante políticas próprias, não são consequência mecânica da globalização, intervindo como processo "externo", sempre mais coerci​tivo, impondo a cada país, a seus partidos e a seus governos uma deter​minada linha de conduta. Sem a intervenção política atíva dos governos Thatcher e Reagan, e também do conjunto dos governos que aceitaram não resistir a eles, e sem a implementação de políticas de desregulamen​tação, de privatízação e de liberalização do comércio, o capital financeiro internacional e os grandes grupos multinacionais não teriam podido des​truir tão depressa e tão radicalmente os entraves e freios à liberdade deles de se expandirem à vontade e de explorarem os recursos económicos, humanos e naturais, onde lhes for conveniente.
A tecnologia e as relações capital-trabalho
E nesse contexto que deve ser situada a implementação, pêlos gru​pos industriais (tanto os do setor manufatureiro quanto os das grandes atividades de serviços), das oportunidades proporcionadas pelas novas tecnologias, a começar pelas tecnologias informacionais aplicadas à produção industrial e às atividades de gestão e finanças. Beneficiando-se, simultaneamente, do novo quadro neoliberal e da programação por microcomputadores, os grupos puderam reorganizar as modalidades de sua internacionalização e, também, modificar profundamente suas re​lações com a classe operária, particularmente no setor industrial. O grande aumento de produção no setor de manufaturas e nas atividades de serviços concentradas ("industrializadas"), bem como a espetacular recuperação de rentabilidade do capital investido nesses setores, de​vem-se à ação combinada de fatores tecnológicos e organizacionais.
Apesar das grandes diferenças que houve (e ainda há) entre os principais países capitalistas, nesse aspecto, o modelo americano e inglês, com eixo na desregulamentação e na "flexibilização" dos contratos de trabalho, vem ganhando terreno regularmente. Cada passo dado na intro​dução da automatização contemporânea, baseada nos microprocessa​dores, foi uma oportunidade para destruir as formas anteriores de relações contratuais, e também os meios inventados pêlos operários, com base em técnicas de produção estabilizadas, para resistir à exploração no local de trabalho. Em cada fábrica e em cada oficina, o princípio de "lean production", isto é, "sem gorduras de pessoal" (Womack et aL, 1992) tomou-se a interpretação dominante do modelo "ohnista" japonês de or​ganização do trabalho (Coriat, 1992). O sistema "toyotista" de terceirização e o "just-in-time" foram adotados ainda mais rápida e facilmente. Mesmo no Japão, essas técnicas de organização na empresa haviam, desde a origem, servido aos grandes grupos, os que emitem pedidos, para fazer recair sobre as firmas "terceiras" os imprevistos conjunturais e para impor aos assalariados dessas firmas o peso da precariedade contratual, combi​nado com níveis salariais bem inferiores.
Hoje, todos os grandes grupos adotaram essas técnicas; muitas vezes, suas operações no exterior (especialmente em países mais fra​cos) serviram de terreno de experimentação, antes de aplicar o sistema no país de origem ou em países vizinhos, pertencentes ao mesmo mer​cado triádico. A implementação da "produção sem gorduras de pes​soal" não elimina o interesse das multinacionais por locais de produção de baixos salários, mas elas não precisam mais deslocar-se milhares de quilómetros para achar esses locais. O efeito combinado das novas tecnologias e das modificações impostas à classe operária, no tocante à intensidade do trabalho e à precariedade do emprego, foi propor​cionar aos grupos americanos e europeus a possibilidade de constituir, com a ajuda de seus Estados, zonas de baixos salários e de reduzida proteção social, bem perto de suas bases principais, dentro dos próprios pólos "triádicos". Evidentemente, os salários no México são su​periores aos da maioria dos países do Sudeste Asiático, mas, com a produção flexível e a automatização, os grandes grupos industriais americanos podem "suportar" esse sobrecusto, tendo em contrapartida a imensa vantagem de poderem redirecionar suas operações de ter-ceirização e produção na América do Norte. Na Europa, a situação não é diferente. O efeito conjunto da integração de países de níveis salariais muito diferenciados, num Mercado Único totalmente liberalizado, da liberdade de investimento estrangeiro e das políticas neoliberais thatcherianas, adotadas inteiramente também em outros países, signi​fica que hoje há consideráveis desníveis salariais dentro da Comuni​dade Europeia (desníveis que só vão se aprofundar com a "associação" de certos países "ex-socialistas"). Nenhum grupo industrial precisa des-localizar sua produção para fora da Comunidade, ampliada a alguns países limítrofes a Leste, para encontrar mão-de-obra qualificada e barata.
Concentração transfronteiras e oligopólio mundial
Há uns quinze anos, a literatura económica conta com abundância de estudos sobre as imperfeições e inefíciências dos mercados onde os principais operadores são públicos. Queiram nos permitir, neste livro, mudar um pouco o enfoque e apontar os refletores para a concen​tração à escala da Tríade, bem como sobre o oligopólio mundial. Este conceito atraiu a atenção de geógrafos e cientistas políticos (M.F. Durand, J. Levy, D. Retaillé, 1992), dos quais tomamos emprestado o mapa da página 38. Do ponto de vista geopolítico, o conceito de oli​gopólio mundial remete ao que K. Ohmae (1985) chamou de Tríade, expressão de muito sucesso. Falaremos bastante dela a propósito da repartição mundial do IED (investimento externo direto), bem como da estrutura de intercâmbio comercial. A hierarquia das regiões, segundo o interesse que têm para os países e grupos que constituem o oli​gopólio, bem como a rede mundial dos pontos que lhe estão mais es​treitamente associados, aparecem claramente nesse mapa.
Mas o termo "oligopólio mundial" refere-se igualmente ao atual modo principal de organização das relações entre as maiores firmas mundiais. Preferimos defini-lo, não tanto como uma "forma de mer​cado" ou uma "estrutura de oferta", e sim como um "espaço de rivali​dade" industrial. Esse espaço forma-se sobre a base da expansãomundial dos grandes grupos, de seus investimentos cruzados intra-liiádicos e da concentração internacional resultante das aquisições e lusões que efetuam para esse fim. É delimitado por um tipo peculiar de relações de interdependência, que ligam o pequeno número de grandes grupos que chegam a adquirir e manter uma posição de con​corrente efetivo a nível mundial, em determinada indústria (oucom-, plexo de indústrias de tecnologia genérica comum). Esse espaço é um lugar de concorrência encarniçada, mas também de colaboração entre os grupos. A ele pertencem, essencialmente, grupos originários de um dos três pólos da Tríade, pois as relações constitutivas do oligopólio são por si mesmas, de modo intrínseco, um importante fator de barreira de entrada, ao qual podem agregar-se, depois, outros elementos.
Mundialização e agravamento da polarização
No enfoque das "business schook", o termo "global" se refere à capacidade da grande empresa de elaborar, para ela mesma, uma es​tratégia seletiva em nivel mundial, a partir de seus próprios interesses. Esta estratégia é global para ela, mas é integradora ou excludente para os demais atores, quer sejam países, outras empresas ou trabalhadores. A ex​tensão indiscriminada e ideológica do termo, tem como resultado ocul​tar o fato de que uma das características essenciais da mundialização é justamente integrar, como componente central, um duplo movimento de polarização, pondo fim a uma tendência secular, que ia no sentido da integração e da convergência. A polarização é, em primeiro lugar, interna a cada país. Os efeitos do desemprego são indissociáveis daqueles resultantes do distanciamento entre os mais altos e os mais baixos rendi​mentos, em função da ascensão do capital monetário e da destruição das relações salariais estabelecidas (sobretudo nos países capitalistas avançados) entre 1950 e 1970. Em segundo lugar, há uma polarização in​ternacional, aprofundando brutalmente d distância entre os países situados no âmago do oligopólio mundial e os países da periferia.
Estes não são mais apenas países subordinados, reservas de matérias-primas, sofrendo os efeitos conjuntos da dominação política e do intercâmbio desigual, como na época "clássica" do impe​rialismo. São países que praticamente não mais apresentam interesse, nem económico, nem estratégico (fim da "guerra fria"), para os países e companhias que estão no centro do oligopólio. São pesos mortos, pura e simplesmente. Não são mais países destinados ao "desen​volvimento", e sim áreas de "pobreza" (palavra que invadiu o linguajar do Banco Mundial), cujos emigrantes ameaçam os "países democráticos".
À parte o pequeno número de novos países industrializados, que haviam ultrapassado, antes de 1980, um patamar de desenvolvimento industrial suficiente para lhes permitir adaptar-se, com grandes di​ficuldades (D. Ernst e D. O'Connor, 1989 e 1992), aos novos ritmos de produção do trabalho e se manterem competitivos, bem como uns poucos países associados aos três pólos da Tríade, observa-se uma nítida tendência à marginalização dos países em desen​volvimento. Essa tendência esteve marcada, nos anos 80, por um forte recuo dos lEDs e das transferências de tecnologia destinados à grande maioria desses países, bem como por um início de exclusão, do sistema de intercâmbio, de muitos países produtores de produtos básicos. Como voltaremos a tratar no capítulo 8, esses países foram golpeados em cheio, ao mesmo tempo, pela conjuntura mundial e pelas transformações tecnológicas ocorridas no centro do sistema, no sentido de substituição dos recursos tradicionais por produtos in​termediários industriais, provenientes de indústrias intensivas em pesquisa e desenvolvimento (novos materiais e biotecnologias). E.M. Mouhoud (1993) utiliza o termo "desconexão forçada" para caracteri​zar essa marginalização de áreas inteiras dos continentes, em re​lação ao sistema de comércio internacional.
Mas é preciso dar mais um passo, e considerar as implicações das deslocalizações para os países de baixos custos salariais, e os fluxos comerciais resultantes. Essas implicações decorrem de relações cuja ini​ciativa cabe aos grupos industriais e comerciais dos países pertencentes ao oligopólio mundial, que podem assim pôr em concorrência a oferta de força de trabalho entre diferentes países. S. Amin (1990) lembrou que a expansão do sistema capitalista baseou-se na integração simultânea, no quadro dos Estados-nações "regulamentados", de três mercados: "o das mercadorias, o do capital e tecnologia, e o do trabalho". Em seu movimento de mundialização, o capital está mandando pêlos ares essa integração, e tomando todo o cuidado em não reconstruí-la. O sistema mundial "começa a se tomar integrado quanto às mercadorias; (...) tende igualmente a se integrar no que diz respeito às tecnologias e às novas téc​nicas financeiras (...). Mas não está integrado quanto ao trabalho".8 Ora, um mercado não-integrado nessa terceira dimensão permite que as com​panhias explorem a seu bel-prazer as diferenças de remuneração do tra​balho, entre diversas regiões (depois de mandar pêlos ares a legislação trabalhista e as convenções salariais nacionais), entre diferentes países (como no seio da CEE), entre continentes. A liberalização do comércio ex​terior e dos movimentos de capitais permitiram impor, às classes operárias dos países capitalistas avançados, a flexibilizacáo do trabalho e o rebai​xamento dos salários. A tendência é para o alinhamento nas condições mais desfavoráveis aos assalariados. As "deslocalizações", em função das condições que as regem, integram-se ao movimento de polarização e o acentuam, juntando seus efeitos aos da "desconexão forçada" no inter​câmbio comercial. Elas não levam a novos "milagres" de tipo coreano. Tais milagres exigem poderosos apoios externos (como a ajuda maciça dos EUA), mesmo quando são passageiros e perfeitamente oportunistas, e so​bretudo intervenções atinas, como foi o caso na Coreia do Sul
A civilização da mundialização
Em seu livro Global Dreams, R. Barnet e J. Cavannagh (1994) es​boçam uma análise da civilização do capitalismo mundializado. É a civi​lização do "bazar cultural mundializado" e do "centro comercial mundializado" (global shopping malf). Isto é certamente importante, para compreender certos aspectos da mundialização; medir o alcance da transformação, ao longo dos anos 80, das chamadas indústrias de "mídia" em campo importantíssimo da valorização do capital (primeiro para os capitais americanos, depois para os grupos japoneses). Ao se organizarem para produzir mercadorias cada vez mais padronizadas, sob forma de telenovelas, filmes da nova geração hollywoodiana, vídeos, dis​cos e fitas musicais, e para distribuí-los em escala planetária, explorando as novas tecnologias de telecomunicações por satélite e por cabo, essas indústrias tiveram, ao mesmo tempo, um papel importante em reforçar o nivelamento da cultura e, com isso, a homogeneização da demanda a ser atendida a nível mundial.
O condicionamento subjetivo dos habitantes do planeta pela "per​suasão" da mídia, bem como o papel especial desempenhado pêlos EUA na dominação do imaginário individual e coletivo, leva A. Valladão (1993) a dizer que "o século XXI será americano". Vai ser preciso esperar algu​mas décadas para saber se ele está certo ou não. Mas, em termos ime​diatos, houve, efetivamente, uma notável reafirmação da posição central dos Estados Unidos na dominação capitalista mundial. Há dez anos, o que mais chamava a atenção era o declínio da competitividade industrial americana, principalmente em comparação ao Japão. A ascensão das finanças, o peso adquirido pêlos mercados financeiros e a "financeiri-zação" acelerada dos circuitos económicos e dos comportamentos das companhias industriais vieram modificar essa situação, pelo menos tanto quanto a "queda do muro de Berlim" e o desmoronamento da ex-União Soviética. A posição do dólar e a atratividade, qualitativamente superior, das possibilidades de colocação ou das facilidades de transação do mer​cado financeiro americano, em relação a todos os outros, inclusive Lon​dres, restabeleceram os alicerces de uma adequação entre a realidade do capitalismo, já novamente dominado pelas finanças, e o lugar ocu​pado pêlos EUA. Isso tudo ocorreu juntamente com o aumento do des​nível entre a potência dos Estados Unidos (assim como a do Japão) e sua capacidade de dar sentido (Z. Laidi, 1993). As raízesdo "afrouxa​mento" da ordem mundial estão na incapacidade — combinada com a recusa — do G7 de oferecer a menor resposta, não apenas aos proble​mas do desemprego, da miséria económica e social e da polarização, mas também às profundas perturbações financeiras, que atentam à sua posição de governo de grandes potências capitalistas. O vazio dos comu​nicados finais das reuniões anuais do G7 não se enquadra mais em ne​nhuma perspectiva de dominação mundial estável.
A "Grande Transformação", cinquenta anos depois
Em 1944, Karl Polanyi publicou um livro que teve considerável in​fluência e cuja ressonância ainda é grande. Pensador de grande es-líitura intelectual, manejando ferramentas que diferiam das de Marx (essencialmente, as da antropologia) e procurando escrever, se não contra o marxismo, pelo menos fora deste, ele tratava da génese do sistema económico capitalista. Para Polanyi, tratava-se igualmente de desmistifícar as ideias fundamentais do liberalismo, particularmente o caráter "natural", dado por toda a eternidade, do mercado. Longe de ser "natural", o sistema que conseguira se impor no decorrer das primeiras décadas do século XIX foi, pelo contrário, o primeiro da história a ter a pretensão de assegurar a satisfação das necessidades elementares da humanidade, constituindo a esfera económica como es​fera distinta e instaurando o domínio todo-poderoso dos mecanismos abstratos e impessoais de um mercado supostamente "auto-regulador". Para Polanyi, o nazismo representava o prolongamento extremado das derivações do sistema. No entanto, seu livro termina com uma grande esperança. No momento em que chegavam ao fim as grandes convulsões da Segunda Guerra Mundial, Polanyi acreditava poder anun​ciar, com base no keynesianismo e no "new deal", e também em certos mecanismos da economia de escassez da guerra, o começo de uma nova época. Esta assistiria à reapropriação e subordinação da economia pela sociedade. Polanyi julgava ver um esboço de retomada do controle dos mecanismos do mercado pela sociedade, nos três níveis-chave onde lhe parecia particularmente urgente "derrubar a ficção da mercadoria": o trabalho humano, os usos dados à terra e, por fim, a moeda.
Cinquenta anos depois, estamos nos antípodas das esperanças de Polanyi. Por enquanto, o triunfo da "mercadorização", isto é, daquilo que Marx chamava de "fetichismo da mercadoria", é total, mais com​pleto do que jamais foi em qualquer momento do passado. O trabalho humano é, mais do que nunca, uma mercadoria, a qual ainda por cima teve seu valor venal desvalorizado pelo "progresso técnico" e assistiu à capacidade de negociação de seus detentores diminuir cada vez mais diante das empresas ou dos indivíduos abastados, suscetíveis de com​prar o seu uso. As legislações em torno do emprego do trabalho as​salariado, que haviam sido estabelecidas graças às grandes lutas sociais e às ameaças de revolução social, voaram pêlos ares, e as ideologias neo-liberais se impacientam de que ainda restem alguns cacos delas.
O uso da terra, bem como de todos os recursos naturais, renováveis ou não, foi submetido ainda mais estreitamente às leis do mercado e do lucro capitalista. Produtividade é a palavra-chave, mesmo se a CEE tem de organizar áreas sem cultivo e desertificadas para abrir o mercado aos concorrentes não-europeus,t enquanto milhões de seres humanos não comem à vontade nos países mais ricos, e outros milhões de seres humanos passam fome por toda parte do mundo. Por sua vez, os terrenos urbanos ou urbanizáveis escaparam à municipalização ou socialização do solo, onde haviam sido submetidos a isso durante a grande crise e a guerra, e são objeto de especulação desenfreada, tendo como consequência que hoje existem centenas de milhares de sem-teto, mesmo nos países mais prósperos.
É verdade que a mercadoria-moeda desapareceu com o desman​telamento do sistema de Bretton-Woods e a "desmonetização" do ouro. Mas sua substituição por uma "moeda de crédito" — que é certamente uma "moeda de espírito", portanto produção humana — não subtraiu a moeda do "mercado auto-regulador". Pelo contrário, permitiu-lhe exercer, no campo financeiro, uma tirania sem igual.
O balanço não é muito animador, mas é preciso descrever a si​tuação como ela é. Não se trata aqui de enfeitá-la, para melhor declará-la "irreversível" e assim obrigar a sociedade a concluir que só o que resta a fazer é "adaptar-se". Pelo contrário, este livro dirige-se àqueles cujo primeiro reflexo não é o de submeter-se à ordem "tal como é", e sim procurar compreendê-la e discutir sobre ela, para eventualmente esboçar caminhos diferentes dos que nos foram impostos. Esta função crítica do intelectual parece-nos hoje mais necessária do que nunca.
Notas
1. Alguns dos trabalhos empreendidos desde 1990-1991 estão reunidos no número es​pecial da 577 Revue publicado em fins de 1993.
2. O conteúdo real da Rodada Uruguai, versando sobre o investimento, o direito de instalação nos serviços, a propriedade intelectual, traduz melhor do que os discursos sobre comércio internacional as questões que interessam hoje aos grupos industriais.
3. Os grupos que atuam no setor industrial ou de serviços nem precisam mais fazer in​vestimentos estrangeiros diretos para se beneficiarem das vantagens proporcionadas pela "deslocalização". (Arthuis, 1993) Assim, as cadeias de lojas de departamentos ou os hipermercados podem se abastecer de bens de consumo padronizados onde forem mais baratos, até muito longe, se for o caso. Eles estabelecem seus próprios contratos de terceirização com produtores locais e comercializam os produtos sob suas próprias marcas (ver capítulos 5 e 8).
4. Segundo as estimativas do último relatório da UNCTAD, as multinacionais contro​lam hoje um terço da produção industrial mundial. As vendas de suas filiais alcançam um faturamento de 5,35 trilhões de dólares, ou seja, um montante superior ao do comércio mundial. (WorldInveslment Report, 1995)
5. Este termo se refere ao privilégio do senhorio medieval de emitir moeda tendo em conta unicamente suas próprias necessidades, sem nenhuma outra consideração. Tem sido aplicado ao caso dos Estados Unidos, a partir da experiência de sua gestão do sistema de Bretton Woods.
6. Em particular os de J. H. Dunning e dos professores-pesquísadores da Universidade de Reading, M. Casson e J. Cantnell.
7. Corn algumas exceções, importantes, mas pouco numerosas, sobre a mundialização fi​nanceira; M. Humbert e seus co-autores, 1993 e F. Sachewald e seus co-autores, 1994, sobre os problemas industriais e tecnológicos), esse conceito ainda não foi objeto de trabalhos de peso na França. Ele golpeia fortemente alguns postulados impor​tantes da teoria econômica "dominante" (mainstrain economics) e não se presta, de modo algum, à formulação matemática (a não ser na esfera financeira), e por isso tem sido objeto de poucas pesquisas de parte dos macroeconomistas, tanto os que per​tencem à onda neoliberal como os keynesianos (ver, porém, G. Kebadjian, 1994). A atenção que os teóricos da escola da regulação (H. Boyer, 1986) serão necessariamente levados a dar à mundialização, agora que desapareceu boa parte do quadro político e econômico da regulação fordista, ainda não se concretizou realmente 
8. Seria mais correto dizer “integrado quanto ao preço de venda da força de trabalho".
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