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Texto 5 - A Globalização da Pobreza - Cáp 3

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TEXTO 5
A Globalização da Pobreza, de Michel Chossudovsky. Editora global
CAPÍTULO 3
A ECONOMIA GLOBAL BASEADA NA MÃO-DE-OBRA BARATA
INTRODUÇÃO
A globalização da pobreza é acompanhada pela reforma das eco​nomias nacionais dos países em desenvolvimento e pela redefinição de seus papéis na nova ordem econômica mundial. As reformas macroeconômicas de âmbito nacional (discutidas no capítulo anterior), apli​cadas simultaneamente em um grande número de países, têm um papel-chave na regulação dos níveis salariais e dos custos do trabalho em nível mundial. A pobreza global é um item introduzido no rol da oferta; o sistema econômico global alimenta-se da mão-de-obra barata.
A economia mundial é caracterizada pela transferência de parte substancial da base industrial dos países desenvolvidos para localidades de mão-de-obra barata dos países em desenvolvimento. O desen​volvimento da economia de exportação baseada na mão-de-obra barata teve início no Sudeste Asiático nos anos 60 e 70, principalmente na "manufatura de trabalho intensivo". Limitado inicialmente a poucos enclaves de exportação (como Hong Kong, Cingapura, Taiwan e Coréia do Sul), o desenvolvimento da produção realizada por mão-de-obra ba​rata no exterior ganhou força nos anos 70 e 80.
Desde o final da década de 1970 começou a se desenvolver uma "nova geração" de áreas de livre comércio, cujos principais pólos de crescimento encontram-se no Sudeste Asiático, no Extremo Oriente, na China, no Brasil, no México e no Leste Europeu. Essa globalização da produção industrial envolve uma ampla gama de produtos manufa-turados. As indústrias do Terceiro Mundo abrangem muitas áreas de produção (automóveis, construção naval, montagem de aeronaves, pro​dução de armamentos, etc.)1.
Embora o Terceiro Mundo continue a desempenhar o papel de principal produtor primário, a economia mundial contemporânea já não apresenta mais, em sua estrutura, a divisão tradicional entre "indús​tria" e "produção primária" (por exemplo, o debate em torno das condi​ções de comércio entre produtores primários e industriais). Uma parte cada vez maior da manufatura mundial é realizada no Sudeste Asiático, na China, na América Latina e no Leste Europeu.
Esse desenvolvimento, em escala mundial, de indústrias baseadas em mão-de-obra barata (em áreas de produção cada vez mais sofistica das e importantes) implica a compressão da demanda interna em economias individuais do Terceiro Mundo e a consolidação de uma força de trabalho industrial barata, estável e disciplinada em um ambiente político "seguro". Esse processo tem por base a destruição da produção nacio​nal para o mercado interno (isto é, das indústrias de substituição de im​portações) nos países do Terceiro Mundo e a consolidação de uma economia de exportação baseada na mão-de-obra barata. Com a conclusão da Rodada Uruguai, em Marrakesh, e a criação da OMC em 1995, as fronteiras dessas "zonas de livre comércio" de mão-de-obra barata esten​deram-se por todo o território nacional dos países em desenvolvimento.
A REFORMA MACROECONÔMICA OFERECE AS BASES PARA A TRANSFERÊNCIA DAS INDÚSTRIAS
A reestruturação das economias nacionais sob os auspícios das instituições de Bretton Woods contribui para o enfraquecimento do Estado. As indústrias que produzem para o mercado interno são sola​padas e as empresas nacionais, levadas à falência. A compressão do consumo interno resultante do PAE implica uma redução correspon​dente nos custos da mão-de-obra; nisso consiste a "agenda oculta" do Programa: a compressão dos salários no Terceiro Mundo e no Leste Europeu servem de base para a transferência da atividade econômica dos países ricos para os países pobres.
A globalização da pobreza endossa o desenvolvimento da econo​mia de exportação baseada na mão-de-obra barata em escala mundial. As possibilidades de produção são imensas, dada a massa de trabalha​dores empobrecidos e baratos em todas as partes do mundo. Contrastantemente, os países pobres não negociam entre si: um povo pobre não constitui um mercado para os bens que produz.
A demanda de consumo está limitada a aproximadamente 15% da população mundial e amplamente concentrada nos países ricos da OCDE (ver Tabela 1.1). Nesse sistema, e contrariamente à famosa má​xima do economista francês Jean-Baptiste Say (a Lei de Say), a oferta não cria sua própria demanda. Ao contrário, pobreza significa "baixo custo de produção": ela é "um item" da economia baseada na mão-de-obra barata ("pelo lado da oferta").
promoção da exportação industrial
"Morrer ou exportar" é o lema, "substituição de importações" e "produção para o mercado interno" são conceitos obsoletos. "Os países devem se especializar de acordo com sua vantagem comparativa", que ïpousa na abundância e no baixo preço de sua mão-de-obra; o segredo "sucesso económico" é promover a exportação. Sob o olhar atento do Banco Mundial e do FMI, as mesmas exportações "não-tradicionais" Bão promovidas simultaneamente em um grande número de países em desenvolvimento. Estes, agora, juntamente com produtores do Leste Europeu, também baseados na mão-de-obra barata, são impelidos a uma Competição sem trégua. Todos querem exportar para os mesmos mer​cados europeus ou norte-americanos: o excesso de oferta obriga os pro​dutores do Terceiro Mundo a diminuírem seus preços; os preços de fá-1 brica das mercadorias industriais despencam no mercado internacional de modo muito semelhante ao das commod/ties primárias. A competi​ção entre e dentro dos países em desenvolvimento contribui para com​primir os salários e os preços. A promoção da exportação (quando imple​mentada simultaneamente em um grande número de países) leva à su​perprodução e à diminuição das receitas decorrentes da exportação. Por ironia, isso acaba determinando a redução do preço das commodities e das receitas de exportação que reembolsam os credores externos.
Além disso, as medidas de estabilização econômica impostas no Sul e no Leste repercutem nas economias dos países ricos: a pobreza no Terceiro Mundo contribui para a retração global da demanda de im​portação que, por sua vez, afeta o crescimento econômico e o empre​go nos países da OCDE.
O ajuste estrutural transforma economias nacionais em espaços econômicos abertos e países em territórios. Estes são "reservas" de mão-de-obra barata e de recursos naturais. Porém, uma vez que esse processo está baseado na globalização da pobreza e na compressão da demanda de consumo em escala mundial, a promoção da exportação nos países em desenvolvimento só pode ter sucesso em um número limitado de locais com mão-de-obra barata. Em outras palavras, o de​senvolvimento simultâneo de novas atividades de exportação em um grande número de locais ocasiona uma maior competição entre os paí​ses em desenvolvimento, no campo tanto da produção primária como da industrial. Visto que a demanda mundial não está se expandindo, a nova capacidade de produção criada em alguns países será acompa​nhada por um declínio económico (e demissões) nos locais concorren​tes do Terceiro Mundo.
ajuste global
O que acontece quando a reforma macroeconômica é implemen​tada simultaneamente em um grande número de países? Em uma economia mundial interdependente, a "soma" dos PAEs de âmbito nacional tem como consequência um "ajuste global" nas estruturas do comércio mundial e no crescimento económico.
Pode-se entender com clareza o impacto do "ajuste global" so​bre as relações comerciais: a aplicação simultânea das políticas de pro​moção da exportação em determinados países do Terceiro Mundo leva a uma oferta excessiva em mercados particulares de commodities, acompanhada de declínios dos preços internacionais destas. Em mui​tos países submetidos ao ajuste estrutural, o volume das exportações tem crescido substancialmente, mas o valor das receitas da exporta​ção tem se deteriorado. Em outras palavras, esse "ajuste estrutural global" (que implica a internacionalização da política macroeconômica) resulta em uma maior depreciação dos preços das commodities e pro​moveuma transferência negativa de recursos económicos entre as nações devedoras e credoras.
A "DECOMPOSIÇÃO" DAS ECONOMIAS NACIONAIS
Os PAEs desempenham um papel-chave na "decomposição" da economia nacional de um país endividado e na "recomposição" de uma nova "relação" com a economia global, ou seja, as reformas económi​cas implicam a "decomposição/recomposição" das estruturas de pro​dução e consumo nacionais. A compressão dos ganhos reais acarreta a diminuição dos custos da mão-de-obra e o declínio dos níveis de consu​mo de massa (artigos de primeira necessidade) pela grande maioria da população. Por outro lado, a "recomposição" do consumo é caracteri​zada pela ampliação do "consumo do segmento de alta renda" por meio da liberalização do comércio e do influxo dinâmico dos bens de consu​mo duráveis e de luxo importados para um pequeno segmento da po​pulação. Essa "decomposição/recomposição" da economia nacional e sua inserção na economia global baseada na mão-de-obra barata impli​ca a compressão da demanda interna (e dos níveis de vida): pobreza, salários baixos e uma abundante mão-de-obra barata são "itens" intro​duzidos no lado da oferta. A pobreza e a redução dos custos da produ​ção constituem a base instrumental (no lado da oferta) para a reativa-ção da produção destinada ao mercado externo.
A implementação simultânea dos PAEs nos países devedores ace​lera a transferência da indústria manufatureira de parques industriais existentes nos países desenvolvidos para locais de mão-de-obra barata nos países do Terceiro Mundo e do Leste Europeu. Acrescente-se que a nova capacidade produtiva (voltada para a exportação) resultante de​senvolve-se em um cenário de demanda mundial em crescimento lento e/ou diminuído. A esse "empenho" na criação de uma nova capacidade produtiva (para a exportação) em um ou mais países do Terceiro 1undo corresponde um processo de "ociosidade de recursos de produção" e declínio em outro lugar do sistema econômico mundial.
A decomposição não assegura uma recomposição "bem-sucedi-ja". Melhor dizendo, eliminar gradualmente a indústria doméstica para |0 mercado interno não garante o desenvolvimento de uma nova relação "viável" e estável com o mercado mundial — isto é, a compressão f do custo da mão-de-obra (para beneficiar a oferta) não assegura por si í Só o crescimento do setor de exportação e a inserção da economia nacional do Terceiro Mundo no mercado internacional (tampouco asse​gura o desenvolvimento das exportações industriais). Complexos fatores econômicos, geopolíticos e históricos determinarão a localização geográfica desses novos pólos de produção baseados na mão-de-obra barata destinados ao mercado mundial.
A "recomposição" tende a ser realizada em regiões funcionais específicas da economia global. A formação de novos pólos dinâmicos da economia baseada em mão-de-obra barata no México, no Leste Eu​ropeu e no Sudeste Asiático contrasta fortemente com a situação que predomina na maior parte da África subsaariana e em partes da Améri​ca Latina e dos países do Levante.
DESEMPREGO MUNDIAL
Muitas regiões do mundo, apesar de não estarem "ativamente" inseridas na economia global baseada na mão-de-obra barata, possuem importantes "reservas" desta, desempenhando importante papel na determinação dos custos do trabalho em âmbito mundial. No caso de ocorrerem greves ou agitações dos trabalhadores, inclusive pressões sociais para aumento dos salários, em algum desses locais do Terceiro Mundo, o capita transnacional pode transferir suas indústrias ou sub-contratar sua produção em lugares alternativos. Isso significa que a exis​tência de países "reservas" tende a refrear o movimento dos salários e os custos do trabalho nas economias de exportação (baseadas na mão-de-obra barata) mais ativas (como o Sudeste Asiático, o México, a Chi​na, o Leste Europeu).
A determinação dos níveis salariais nos países em desenvolvi​mento depende, portanto, não só da estrutura do mercado de traba​lho nacional, mas também dos salários predominantes nos locais con​correntes de mão-de-obra barata. Assim, o nível dos custos do traba​lho está condicionado à existência de um "pool global de reserva de mão-de-obra barata" constituído pêlos "exércitos de reserva" em diferentes países. Esse "excedente de população mundial" condiciona a migração internacional do capital produtivo no mesmo ramo indus​trial de um país para outro: o capital internacional (o comprador direto ou indireto da força de trabalho) muda de mercado de trabalho nacio​nal. Do ponto de vista do capital, esses "exércitos de reserva" estão integrados em um único pool internacional de reserva, em que os trabalhadores, em diferentes países, são levados a uma competição aberta entre si.
O desemprego mundial torna-se uma "alavanca" da acumula​ção de capital global que "regula" os custos do trabalho em cada eco​nomia nacional. A pobreza de massa regula os custos internacionais do trabalho. Os salários, no âmbito de cada economia nacional, tam​bém estão condicionados pela relação cidade-campo, ou seja, a po​breza rural e a existência de uma grande massa de trabalhadores ru​rais sem terra e desempregados tende a promover baixos salários na economia industrial urbana.
DECLÍNIO DOS SALÁRIOS
Em muitas economias de exportação baseadas na mão-de-obra barata, a participação dos salários no PIB declinou dramaticamente no curso dos anos 80. Na América Latina, por exemplo, os PAES deram origem a uma grande retração dos salários, em termos de participação no PIB e de percentagem do valor agregado à produção. Enquanto os salários dos empregados nos países desenvolvidos constituem aproxi​madamente 40% do valor agregado à produção, a percentagem corres​pondente, na América Latina e no Sudeste Asiático, é da ordem de 15%.
FECHAMENTO DE FÁBRICAS E TRANSFERÊNCIA DAS INDÚSTRIAS DOS PAÍSES DESENVOLVIDOS
O desenvolvimento das indústrias baseadas na mão-de-obra ba​rata no Terceiro Mundo corresponde a fechamentos de fábricas nas cidades industriais dos países avançados. A primeira onda desses fechamentos afetou amplamente as áreas (de trabalho intensivo) da manufatura leve. Todavia, desde os anos 80, todos os setores da economia ocidental (e todas as categorias de força de trabalho) têm sido afetados: reestruturação das corporações de indústrias aeroes​paciais e de engenharia, transferência da produção de automóveis para o Leste Europeu e o Terceiro Mundo, fechamento da indústria siderúrgica, etc.
O desenvolvimento da manufatura nas maquilas* e nas zonas de exportação, localizadas imediatamente ao sul do Rio Grande, na fronteira l entre Estados Unidos e México, foi acompanhado, durante os anos 80, í pelas demissões e pelo desemprego nos centros industriais dos Estados t Unidos e do Canadá. Sob a égide da Área de Livre Comércio da América : do Norte (Nafta), esse processo de transferência estendeu-se a toda a economia mexicana. Do mesmo modo, as transnacionais japonesas es​tão transferindo suas indústrias de manufaturados para a Tailândia ou as Filipinas, onde os trabalhadores podem ser contratados a US$3 ou US$4 por dia2. O capitalismo alemão está se expandindo para além da Oder-Neisse, de volta a seu Lebensraum* de antes da guerra. Nas linhas de montagem da Polónia, da Hungria e das Repúblicas Tcheca e Eslovaca, o custo do trabalho (da ordem de US$120 mensais) é substancialmente mais baixo que o da União Europeia. Já os trabalhadores das fábricas de automóveis da Alemanha recebem salários da ordem de US$28 por hora. Nesse contexto, os antigos países "socialistas" estão integrados na economia global baseada na mão-de-obra barata. A despeito das fá​bricas desativadas e dos altos níveis de desemprego na antiga Repúbli​ca Democrática Alemã, foi mais lucrativo para o capitalismo alemão ex​pandir sua base manufatureira para o Leste Europeu.
Nos países desenvolvidos, para cada emprego perdido e transfe​rido para o Terceiro Mundo, há um declínio de consumo corresponden​te. Embora os fechamentos de fábricas e as demissões sejam apresen​tados habitualmentepela imprensa como casos isolados decorrentes da "reestruturação de empresas", seu impacto conjunto sobre os ren​dimentos reais e o emprego é devastador. Os mercados de consumo entram em colapso porque um grande número de empresas (em vários países) reduzem simultaneamente sua força de trabalho. Por sua vez, a queda das vendas repercute na produção, contribuindo para uma série ulterior de fechamentos de fábricas e falências, e assim sucessivamente.
* Maquilas: o termo é ligado às indústrias "maquiadoras" existentes na fronteira Estados Unidos-México, cujo capital é norte-americano e cuja força de trabalho é inteiramente me​xicana. (N.E.)
* Lebensraum: espaço vital. (N.T.)
retração mundial do consumo
No hemisfério Norte, a compressão dos níveis de gasto é exacer​bada pela desregulamentaçâo do mercado de trabalho: desindexação dos salários, emprego de meio-período, aposentadoria precoce e impo sição dos chamados cortes "voluntários" de salário. Por sua vez, a prá​tica do processo de desgaste (que transfere a carga social do desem​prego para os grupos etários mais jovens) barra a entrada de toda uma geração no mercado de trabalho.
Em outras palavras, o processo de eliminação gradual das indús​trias nos países desenvolvidos contribui para a retração do mercado de demanda que, por sua vez, mina os esforços dos países em desenvol​vimento para vender mercadorias manufaturadas para um (retraído) mercado ocidental.
É um círculo vicioso: a transferência de indústrias para o Sul e para o Leste ocasiona deslocamento econômico e desemprego nos países desenvolvidos, o que, por sua vez, tende a empurrar a economia mundial para uma recessão global. Esse sistema é caracterizado por uma ilimitada capacidade de produzir, mas o próprio ato de expandir a produção — transferindo a produção material das economias de "altos salários" para as de "baixos salários" — contribui para a retração dos gastos (por exemplo, pêlos demitidos), o que, por fim, faz com que a economia mundial enverede pelo caminho da estagnação global.
NOVA LOCALIZAÇÃO DENTRO DOS BLOCOS DE COMÉRCIO
O deslocamento da atividade econômica está acontecendo de modo crescente no espaço continental de cada bloco de comércio. Tan​to a Europa ocidental como a América do Norte estão cada qual desen​volvendo "redutos de mão-de-obra barata" nos territórios imediatamen​te próximos a seus limites geográficos. No contexto europeu, a "linha Oder-Neisse" está para a Polônia assim como o Rio Grande está para o México. A antiga "cortina de ferro" desempenha o mesmo papel do Rio Grande. Ela separa a economia de altos salários da Europa ociden​tal da economia de baixos salários do antigo bloco soviético.
A Nafta, todavia, é diferente do Tratado de Maastricht — que per​mite o "livre movimento" da mão-de-obra "dentro" dos países da União Europeia —, pois, em seus domínios o Rio Grande separa dois merca​dos de trabalho distintos: unidades de produção são fechadas nos Esta​dos Unidos e no Canadá e transferidas para o México, onde os salários são pelo menos dez vezes mais baixos. A "imobilidade da mão-de-obra" e a remoção de barreiras tarifárias são, mais que o "livre comércio", as características centrais da Nafta.
Sob a égide da Nafta, as corporações norte-americanas podem reduzir seus custos do trabalho em mais de 80%, transferindo sua produção para o México ou subcontratando-a naquele país. Esse me​canismo não se limita à manufatura ou a atividades que usam mão- de-obra não-qualificada: nada impede a transferência das indústrias | de alta tecnologia dos Estados Unidos para o México, onde engenhei​ros e cientistas podem ser contratados por poucas centenas de dóla​res por mês. Esse deslocamento afeta potencialmente grande parte das economias dos Estados Unidos e do Canadá, abrangendo até mesmo o setor de serviços.
Desde seu início, a Nafta tem implicado a diminuição de empre​gos e do salário real. A transferência das indústrias para o México destrói postos de trabalho e comprime os salários reais nos Estados Uni​dos e no Canadá. A Nafta exacerba essa recessão econômica: os trabalhadores demitidos nos Estados Unidos e no Canadá não são reaproveitados em outros setores da economia, tampouco são criados novos caminhos de crescimento econômico como resultado da transferência das indústrias. A queda no consumo, resultante das demissões e do fechamento de fábricas, ocasiona uma retração geral das vendas e do número de empregos e, por fim, mais demissões nas indústrias.
Além disso, a Nafta promove a entrada de corporações norte-ame​ricanas e canadenses no mercado mexicano por meio da substituição das empresas nacionais existentes. A tendência é de crescente con​centração industrial, de eliminação de pequenas e médias empresas, bem como de controle de parte da economia de serviços do México por meio do sistema de franquias. Os Estados Unidos "exportam sua recessão" para o México. Com exceção de um pequeno mercado de consumo privilegiado, a pobreza e os baixos salários nesse país não favorecem a expansão da demanda. No Canadá, o acordo de livre co​mércio assinado com os Estados Unidos em 1989 ocasionou a elimina​ção da economia das filiais: subsidiárias canadenses são fechadas e substituídas por escritórios regionais de vendas.
A formação da Nafta contribuiu para exacerbar a recessão econômica: a tendência é de redução de salários e empregos nos três países do bloco. O potencial de produção é aumentado, mas o próprio ato de expandir a produção (por meio da transferência da produção dos Estados Unidos e do Canadá para o México) contribui para a retra​ção do, consumo.
O DESENVOLVIMENTO DINÂMICO DO CONSUMO DE BENS DE LUXO
A concentração aumentada de renda e riqueza nas mãos de uma minoria social (tanto nos países avançados como em pequenos bolsões de afluência do Terceiro Mundo e do Leste Europeu) ocasionou o crescimento dinâmico da economia de bens de luxo: viagens e la​zer, automóveis, produtos eletrônicos e de telecomunicações revolucionários, etc. As culturas do "drive-in" e da "isenção de taxas", construída em torno dos eixos do automóvel e do transporte aéreo, são os pontos centrais do moderno consumo de "alta renda" e da economia do lazer, para os quais grandes quantidades de recursos financeiros são canalizados.
Enquanto o leque de bens de consumo disponíveis aos grupos de renda mais alta se expandiu quase além dos limites, houve (desde a crise da dívida no começo dos anos 80) uma retração correspondente nos níveis de consumo da grande maioria da população mundial. Con​trastando com a grande diversidade de bens disponíveis para uma mi​noria social, o consumo de produtos básicos (para cerca de 85% da população mundial) está reduzido a um pequeno número de artigos de primeira necessidade e mercadorias essenciais.
Esse crescimento dinâmico do consumo de bens de luxo, não obstante, fornece um "fôlego" temporário para uma economia global acossada pela recessão3. A rapidez desse crescimento, entretanto, contrasta cada vez mais com a estagnação dos setores de produção de bens e serviços essenciais. No Terceiro Mundo e no Leste Euro​peu, a estagnação da produção de alimentos, da construção de mora​dias e dos serviços sociais básicos contrasta com o desenvolvimento de pequenas bolhas de privilégio social e de consumo de bens de luxo. As elites dos países endividados, incluindo os antigos apparat-chiks e os novos magnatas do Leste Europeu e da ex-União Soviéti​ca, são tanto protagonistas como beneficiários desse processo. Atual-mente, as disparidades sociais e de renda na Hungria e na Polônia são comparáveis às existentes na América Latina. Por exemplo, um Porsche-Carrera pode hoje ser comprado na Porsche-Hungaria, no centro da cidade de Budapeste, pela modesta quantia de 9,72 mi​lhões de florins, mais do que um trabalhador húngaro de média renda ganha em toda a sua vida, isto é, em setenta anos recebendo a média salarial anual da indústria4.
A estrutura de baixos salários do Terceiro Mundo juntamente com os efeitos da reestruturação econômicae da recessão nos paí​ses avançados não favorece o desenvolvimento do consumo de mas​sa e uma melhora geral do poder aquisitivo. O sistema de produção global, portanto, está cada vez mais voltado para o suprimento de mercados limitados — isto é, os de alta renda no Norte e os das pe​quenas bolhas no Sul e no Leste.
No contexto anterior, os baixos salários e os baixos custos da produção acarretam baixo poder aquisitivo e demanda deficiente. Essa relação contraditória é uma característica essencial da econo​mia global baseada na mão-de-obra barata: os que produzem não são os que consomem.
ECONOMIA RENTISTA
Com a eliminação gradual da manufatura, tem se desenvolvido uma "economia rentista" nos países ricos — centrada no setor de serviços —, que drena os lucros da manufatura do Terceiro Mundo. A economia de alta tecnologia, baseada na propriedade do know-how industrial, em projetos de produtos, em pesquisa e desenvolvimento, etc., subordina os setores de "produção material". A "produção não-mate-frial" subordina a "produção material"; o setor de serviços apropria-se f do valor agregado ao produto manufaturado. Além disso, fora o pagamento de royalties e de taxas de licença pelo uso das tecnologias japonesa e ocidental, os ganhos dos produtores do Terceiro Mundo são invariavelmente apropriados por distribuidores, atacadistas e varejistas dos países desenvolvidos. A produção industrial permanece subordina​da ao capital dos monopólios corporativos. O desenvolvimento da cha​mada "indústria" no Terceiro Mundo é conseqüência de um processo de reestruturação global da produção. Nos países avançados, os pólos de crescimento encontram-se nos "setores de produção não-material" (alta tecnologia, incluindo-se projeto e inovação de produtos, economia de serviços, bens imóveis, infra-estrutura comercial e financeira, comu​nicações, transporte), e não no próprio produto material manufaturado. Esta evidente "desindustrialização" dos países industrializados precisa ser entendida: o sentido do termo "indústria" sofreu uma pro​funda mudança. Os pólos de crescimento de alta tecnologia estão ex​perimentando um rápido desenvolvimento às expensas das antigas in​dústrias tradicionais, que se desenvolveram historicamente nos países desenvolvidos a partir do começo da Revolução Industrial.
A GLOBALIZAÇÃO DA MANUFATURA
Estamos lidando com uma economia mundial na qual um grande número de economias nacionais produzem mercadorias manufatura-das para serem exportadas para o mercado dos países da OCDE. Com algumas honrosas exceções (como Coreia, Brasil, México), esses paí​ses, todavia, não podem ser considerados "recém-industrializados": o processo de "industrialização" é largamente a consequência da trans​ferência da produção para as áreas de mão-de-obra barata do Terceiro Mundo. Ele está condicionado à reforma da economia global.
Em outras palavras, a descentralização e a transferência da produ​ção material para o Terceiro Mundo foram amplamente motivadas pe​las consideráveis diferenças salariais existentes entre os países ricos e os países pobres. Estes últimos tornaram-se produtores de "artigos in​dustriais de primeira necessidade". Nesse contexto, a superprodução de mercadorias industrializadas ocorre em escala mundial, fazendo seus preços despencarem, como se dá com o processo de oferta excessiva que caracteriza os mercados de commodities primárias. A entrada da China na divisão internacional do trabalho, no final dos anos 70, exacer​bou as estruturas da superprodução.
O CRESCIMENTO DECORRENTE DA IMPORTAÇÃO NOS PAÍSES RICOS
A economia rentista apropria-se dos lucros dos produtores diretos. A produção material é realizada no exterior, em uma economia baseada na mão-de-obra barata do Terceiro Mundo, mas os maiores aumentos do PIB são registrados no país importador. Isso é "decorrente da im​portação": as importações (de mercadorias primárias e rnanufaturadas) provenientes de países de mão-de-obra barata geram um crescimento de renda correspondente na economia de serviços dos países ricos.
A implementação do PAE, patrocinada pelo FMI em um grande número de países, também contribui para a consolidação desse tipo de economia rentista: cada país (competindo com outros em desen​volvimento) é obrigado a produzir a mesma gama de artigos de pri​meira necessidade e de mercadorias industrializadas para o mercado mundial. Enquanto a competição caracteriza a produção de bens ma​teriais nos países em desenvolvimento, os canais de comércio inter​nacional, assim como os mercados atacadista e varejista dos países avançados, são controlados por monopólios corporativos. Essa dualidade competição e monopólio é uma característica fundamental do sistema de comércio global. A competição sem trégua entre os "pro​dutores diretos", frequentemente localizados em diferentes países sob uma estrutura de oferta global excessiva, contrasta com a estru​tura de controle monopolista de um pequeno número de corporações globais sobre o comércio internacional, as patentes industriais, o co​mércio atacadista e varejista, etc.
A APROPRIAÇÃO DO EXCEDENTE PeLOS NÃO-PRODUTORES
Tendo em vista que as mercadorias produzidas nos países em desenvolvimento são importadas por preços (FOB*) internacionais muito baixos, o "valor" registrado das importações feitas pela OCDE dos países em desenvolvimento é relativamente pequeno (isto é, em comparação com o total dos negócios, bem como em relação ao valor pá produção doméstica). Todavia, tão logo essas commodities entram bons canais atacadistas ou varejistas dos países ricos, seus preços são multiplicados várias vezes. O preço de varejo das mercadorias produzidas no Terceiro Mundo é com freqüência até dez vezes maior que aquele pelo qual foram importadas. Desse modo, um "valor agrega​do" correspondente é criado de modo artificial dentro da economia de serviços dos países ricos, sem que ocorra nenhum tipo de produ​ção material. Esse "valor" é agregado ao PIB do país rico. Por exem​plo, o preço de varejo do café é sete a dez vezes mais alto que o FOB j e aproximadamente vinte vezes o pago para o produtor rural no Terceiro Mundo.
Em outras palavras, o grosso dos lucros dos produtores primá​rios é apropriado por negociantes, intermediários, atacadistas e vare​jistas. Há um processo similar de apropriação no que diz respeito à maioria das mercadorias industriais produzidas em locais de mão-de-obra barata no exterior.
um exemplo: a indústria de vestuário
No comércio internacional de roupas, um desenhista de moda in​ternacional, por exemplo, comprará uma camisa desenhada em Paris por US$3 a US$4 em Bangladesh, no Vietnã ou na Tailândia5. O produto será, então, revendido no mercado europeu a um preço cinco a dez vezes mais alto: o PIB do país ocidental importador aumenta sem que haja nenhum tipo de produção material.
Os dados colhidos no âmbito da fábrica em Bangladesh permi​tem a identificação aproximada da composição dos custos e da dis​tribuição dos lucros na indústria de roupas para exportação: o preço de fábrica de uma dúzia de camisas é de US$36 a US$40 (FOB)6. Todos os equipamentos e matérias-primas são importados. O preço de varejo das camisas nos Estados Unidos é de aproximadamente US$22 a unidade ou US$266 a dúzia (ver Tabela 3.2). As mulheres e crianças que trabalham nas fábricas de roupas de Bangladesh rece​bem aproximadamente US$20 por mês, pelo menos cinquenta ve​zes abaixo do salário mensal dos empregados do mesmo setor na América do Norte. Menos de 2% do valor total da mercadoria cabe aos produtores diretos (os empregados) na forma de salários. O pro​dutor "competidor" independente do Terceiro Mundo tem um lucro industrial de 1 %.
O resto obtido da subtração do preço de compra na fábrica do preço final de venda no varejo (US$266 - US$38 = US$228) é dividido essencialmente em três componentes:
1. lucro comercial dos distribuidores internacionais, dos atacadistas e varejistas, incluindo os proprietários dos shopping centers, etc. (isto é, a maior parte do aumento bruto);
2.custos reaisde circulação (transporte, armazenagem, etc.);
3. impostos aduaneiros cobrados sobre as commodities à sua entra​da nos mercados dos países desenvolvidos e impostos indiretos (sobre circulação de mercadorias) cobrados do consumidor final no varejo.
Embora o preço de varejo seja sete vezes o de fábrica, o lucro não vai necessariamente para os pequenos varejistas nos países desenvol​vidos. Grande parte do excedente gerado no comércio atacadista e va​rejista é apropriada, na forma de pagamentos de aluguéis e juros, pêlos poderosos interesses comerciais, imobiliários e bancários.
Vale notar que o fluxo de importações provenientes do Tercei​ro Mundo também constitui um meio de gerar receitas fiscais para o Estado nos países ricos, na forma de impostos sobre as vendas e/ ou sobre circulação de mercadorias. Na Europa ocidental, este últi​mo excede em 10% o preço de varejo. O processo de cobrança de impostos, portanto, depende da estrutura de troca de mercadorias desproporcional: no caso do exemplo do comércio de roupas, o Te​souro dos países ricos apropria-se de quase o mesmo tanto que o país produtor e de aproximadamente quatro vezes o total que cabe aos empregados das fábricas de roupas nos países produtores. 
SALÁRIOS E CUSTO DA MÃO-DE-OBRA NOS PAÍSES DESENVOLVIDOS
Na economia global, a mão-de-obra é comprada pelo capital er​va rios mercados de trabalho nacionais distintos e separados, isto e uma parte dos custos do trabalho ligada a transporte, armazenager-comércio atacadista e varejista é contraída no mercado de trabalh: de "alto salário" dos países ricos. Por exemplo, um vendedor do cc-mércio varejista nos países desenvolvidos recebe um salário diáric pelo menos quarenta vezes maior que o de um operário de fábrica de Bangladesh. Uma parte comparativamente muito maior dos custes totais (em dólares) do trabalho de produzir e distribuir a mercadoria caberá, portanto, aos trabalhadores do setor de serviços nos países de altos salários.
Todavia, não há uma relação de troca injusta entre os operários de Bangladesh e os empregados do varejo nos Estados Unidos: es dados disponíveis confirmam que os trabalhadores do setor de serv -cos nos países ricos são muito mal-pagos. Além do mais, seus salá​rios (que constituem um genuíno valor agregado — isto é, um custe real) constituem uma percentagem relativamente pequena do tota das vendas.
No nosso exemplo, os custos do trabalho de produção de urr = dúzia de camisas em Bangladesh são de US$5, que correspondem z 25 a 30 horas de trabalho (por US$0,15 a US$0,20 a hora). Suponde que um trabalhador do comércio varejista nos Estados Unidos rece​ba US$5 por hora, vendendo meia-dúzia de camisas, os custos de trabalho de produção de uma dúzia (US$5) são a metade dos de vare​jo (US$10). Este último valor, todavia, ainda representa uma percen​tagem relativamente pequena do preço total (US$292,60, incluído c imposto sobre a venda), isto é, o grosso do excedente é apropriado pêlos não-produtores dos países ricos, nas formas de lucro comercia e aluguel.
Enquanto as empresas do Terceiro Mundo operam em condi​ções que se aproximam da "competição perfeita", os compradores de seus produtos são sociedades mercantis e empresas multinacio​nais. O lucro industrial líquido que cabe ao empresário "competitivo" do Terceiro Mundo (US$3) é da ordem de 1 % do valor total da mer​cadoria. Tendo em vista que as fábricas do Terceiro Mundo operam em uma economia global marcada pela superprodução, o preço de fábrica tende a declinar, empurrando as margens de lucro industrial para o mínimo dos mínimos. Esse processo facilita a acumulação e a apropriação do excedente pêlos poderosos comerciantes e distribui​dores internacionais.
salários e custo da mão-de-obra nos países desenvolvidos
Na economia global, a mão-de-obra é comprada pelo capital em vários mercados de trabalho nacionais distintos e separados, isto é, uma parte dos custos do trabalho ligada a transporte, armazenagem, comércio atacadista e varejista é contraída no mercado de trabalho de "alto salário" dos países ricos. Por exemplo, um vendedor do co​mércio varejista nos países desenvolvidos recebe um salário diário pelo menos quarenta vezes maior que o de um operário de fábrica de Bangladesh. Uma parte comparativamente muito maior dos custos totais (em dólares) do trabalho de produzir e distribuir a mercadoria caberá, portanto, aos trabalhadores do setor de serviços nos países de altos salários.
Todavia, não há uma relação de troca injusta entre os operários de Bangladesh e os empregados do varejo nos Estados Unidos: os dados disponíveis confirmam que os trabalhadores do setor de servi​ços nos países ricos são muito mal-pagos. Além do mais, seus salá​rios (que constituem um genuíno valor agregado — isto é, um custo real) constituem uma percentagem relativamente pequena do total das vendas.
No nosso exemplo, os custos do trabalho de produção de uma dúzia de camisas em Bangladesh são de US$5, que correspondem a 25 a 30 horas de trabalho (por US$0,15 a US$0,20 a hora). Supondo que um trabalhador do comércio varejista nos Estados Unidos rece​ba US$5 por hora, vendendo meia-dúzia de camisas, os custos do trabalho de produção de uma dúzia (US$5) são a metade dos de vare​jo (US$10). Este último valor, todavia, ainda representa uma percen​tagem relativamente pequena do preço total (US$292,60, incluído o imposto sobre a venda), isto é, o grosso do excedente é apropriado pêlos não-produtores dos países ricos, nas formas de lucro comercial e aluguel (ver Tabela 3.2).
Enquanto as empresas do Terceiro Mundo operam em condi​ções que se aproximam da "competição perfeita", os compradores de seus produtos são sociedades mercantis e empresas multinacio​nais. O lucro industrial líquido que cabe ao empresário "competitivo" do Terceiro Mundo (US$3) é da ordem de 1 % do valor total da mer​cadoria. Tendo em vista que as fábricas do Terceiro Mundo operam em uma economia global marcada pela superprodução, o preço de fábrica tende a declinar, empurrando as margens de lucro industrial para o mínimo dos mínimos. Esse processo facilita a acumulação e a apropriação do excedente pêlos poderosos comerciantes e distribui​dores internacionais.
setores móveis e imóveis
A transferência da produção material para locais de mão-de-obra barata não se limita a poucas áreas da manufatura leve. Ela abrange todas as áreas de produção material que são internacionalmente mó​beis. Os setores móveis são definidos como setores de atividade que podem ser transferidos de um local geográfico para outro, quer por meio de investimentos no exterior, em um país com mão-de-obra baata, quer subcontratando a produção com um produtor independente do Terceiro Mundo. Já os setores imóveis dos países adiantados in​tuem atividades que, por sua própria natureza, não podem ser trans​gridas internacionalmente: construção, serviços públicos, agricultura e a maioria dos componentes da economia de serviços.
A IMOBILIDADE DA MÃO-DE-OBRA
O "capital móvel" move-se para as "reservas de mão-de-obra móveis". Enquanto o capital transita "livremente" de um mercado de trabalho para outro, a mão-de-obra é impedida de cruzar as fronteiras internacionais. Os mercados de trabalho nacionais são compartimen​tos fechados com fronteiras fortemente guardadas. A manutenção das "reservas de mão-de-obra nacionais dentro de seus respectivos limites territoriais é fundamental para o sistema.
Sob as normas da Nafta, por exemplo, o movimento de mexica​nos através da fronteira entre Estados Unidos e México será rigidamen​te limitado de modo a reter essa força de trabalho "dentro dos limites da economia baseada na mão-de-obra barata". Entretanto, em ativida​des económicas como a construção, os serviços públicos e a agricultura, que por sua própria natureza não são internacionalmente "móveis", o acordo permite o movimento seletivo de uma força de trabalho sazo​nal contratada. As exportações (para essas atividades "imóveis") de mão-de-obra do México e do Caribe objetivam o declínio dos saláriospagos aos trabalhadores norte-americanos e canadenses, bem como minar o papel dos sindicatos.
OS SETORES DE PRODUÇÃO NÃO-MATERIAL
Com a transferência, a estrutura da indústria nos países avança​dos sofre uma modificação nas bases. Com a eliminação gradual da pro​dução material, as novas indústrias do setor de sistemas de informação, de telecomunicações, etc. tornam-se os novos pólos de crescimento.
Os antigos centros industriais desaparecem: o sistema fabril fecha suas portas. A produção material da manufatura (que constitui um setor mó​vel) é transferida para as economias de baixos salários. Considerável parte da força de trabalho nos países desenvolvidos está agora ligada à economia de serviços e aos setores não-materiais da atividade econó​mica. Contrastando com esse quadro, a percentagem da força de traba​lho na produção de bens materiais declinou dramaticamente.
A dualidade entre produção material e não-material, e entre os se​tores móvel e imóvel é essencial para o entendimento da mudança que está ocorrendo na estrutura da economia global. A recessão global não é incompatível com o crescimento dinâmico dos novos setores de alta tecnologia. Os projetos, a tecnologia e o know-howsão de propriedade do capital internacional das corporações, que também detém seu con​trole. A produção não-material e o controle sobre os direitos de proprie​dade intelectual sobrepõem-se à produção material. O excedente da pro​dução industrial material é apropriado pêlos setores não-materiais.
O IMPACTO DA REVOLUÇÃO CIENTÍFICA
No final do século XX, o mundo testemunha o progresso de longo alcance das telecomunicações, da tecnologia da computação e da en​genharia de produção. Estas constituem uma alavanca vital no proces​so de transferência das indústrias: os centros de tomada de decisão das corporações estão em contato permanente e instantâneo com os locais de fabricação e as linhas de montagem em todo o mundo. As inovações da alta tecnologia dos anos 80 e 90 representam, no capita​lismo global atual, um poderoso instrumento de controle e supervisão mundiais das corporações. A empresa global minimiza os custos do trabalho em escala mundial por sua capacidade de conectar-se eletronicamente com os locais de produção de mão-de-obra barata em todo o planeta (ou de subcontratá-la): empregados são demitidos em um país (de altos salários), a produção é transferida para outro país (de baixos salários), um número menor de trabalhadores tem sua jornada aumen​tada e recebe salários substancialmente mais baixos.
Além disso, a revolução tecnológica, ao mesmo tempo em que abre novas áreas de trabalho profissional nos países avançados, re​duz significativamente as necessidades totais de mão-de-obra da in​dústria. Novas linhas de montagem robotizadas são implementadas e os operários da linha de produção anterior são demitidos. As inova​ções tecnológicas, juntamente com a transferência e a reestruturação das empresas, tendem, portanto, a favorecer uma nova onda de fu​sões e aquisições de indústrias-chave por corporações.
A TRANSFERÊNCIA DA ECONOMIA DE SERVIÇOS
Com a revolução nas telecomunicações globais e na informática, certos serviços dos países capitalistas avançados estão sendo transfe​ridos para locais de mão-de-obra barata no Terceiro Mundo e no Leste Europeu. Isso significa que uma parte da economia de serviços deixou de ser "atividade imóvel". Estabelecimentos comerciais e financeiros podem reduzir seu pessoal em vários setores administrativos: com o uso de redes de computadores e do correio eletrônico (email), a contabilidade das grandes firmas, por exemplo, pode agora ser transferida e administrada com consideráveis economias nos países em desenvolvi​mento, onde contadores qualificados e especialistas em computação podem ser contratados por menos de US$100 por mês; o processa​mento de dados pode ser rapidamente terceirizado (por exemplo, via email) junto a escritórios que pagam US$2 ou US$3 por dia nas Filipinas, e assim por diante. Considerando que o setor de serviços abrange mais de 70% da força de trabalho dos países capitalistas avançados, essa transferência representa um impacto de longo alcance sobre os salários e sobre o emprego (sem falar nas repercussões sociais).
Notas
1. A transferência da manufatura de um país a outro foi iniciada nos anos 60 com os quatro tigres asiáticos: Hong Kong, Taiwan, Cingapura e Coreia do Sul. No começo, restringia-se às áreas mais "simples" de processamento e montagem para exportação (como a indústria de ves​tuário e de componentes eletrônicos).
2. Em Bangcoc, o salário mínimo industrial de US$4 por dia não é pratica​do nas fábricas modernas.
3. Em face do baixo valor do gasto civil, as despesas militares também desempenham importante papel na reativação da deman*da.
4. "Im zwei Jahren über den Berg", Der Spiegel, n. 19, 1991, p. 194.
5. A taxa de exportação na cidade de Ho Chi Minh é de US$0,80 por cami​sa (janeiro 1991).
6. Entrevistas feitas pelo autor nas indústrias de roupas de Bangladesh, 1992.
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