Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
VÍTOR DA FONSECA FILOGÉNES DA MOTRICIDADE ABORDAGEM BIOANTROPOLÓGICA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html VÍTOR DA FONSECA FLOGÉNESE DA MOTRICIDADE ABORDAGEM BIOANTROPOLOGICA DO DESENVOLVIMENTO HUMANO material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html ÍNDICE INTRODUÇÃO ................................................................................................... 5 1 ORIGEM DA VIDA ...................................................................................... 9 2 ORIGEM DAS ESPÉCIES ........................................................................ 14 3 DOS INVERTEBRADOS AOS VERTEBRADOS ...................................... 21 4 PALEONTOLOGIA FUNCIONAL .............................................................. 29 4.1 O Ictiomorfismo.................................................................................. 30 4.2 O Anfibiomorfismo.............................................................................. 31 4.3 O Sauromorfismo............................................................................... 31 4.4 O Teromorfismo ................................................................................. 33 4.5 O Pitecomorfismo............................................................................... 36 5 ANTROPOMORFISMO E ADAPTAÇÕES HOMINÍDEAS ........................ 38 5.1 O Desenvolvimento dos Membros como Órgãos de Preensão ......... 41 5.2 O Desenvolvimento dos Membros Anteriores como Órgãos de Exploração.................................................................................................... 45 5.3 O Desenvolvimento do Sistema Herbívoro e Omnívoro de Digestão e Consequente Estrutura Cranio-dental .......................................................... 49 5.4 A Redução do Sentido OIfactivo ........................................................ 54 5.5 O Desenvolvimento da Acuidade Visual ............................................ 55 5.6 Mudanças no Esqueleto Pós-Craniano.............................................. 57 5.7 Desenvolvimento do Cérebro: Aprendizagem, Linguagem e Fabricação de Instrumentos ......................................................................... 61 5.8 Redução do Número de Descendentes por Nascimento, Dependência Maternal e Organização Social..................................................................... 75 6 CONCLUSÃO ........................................................................................... 81 material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html INTRODUÇÃO O objetivo do trabalho que vou apresentar insere-se numa continuidade de pesquisas e de estudos, que situo por volta de 1969, ano em que iniciei o estágio pedagógico do curso do Instituto Superior de Educação Física (ex-lNEF). Aí, tive como metodólogo o professor Nelson Mendes, que me abriu várias perspectivas científico--pedagógicas e me proporcionou, mais tarde como diretor do mesmo Instituto, oportunidades ímpares e verdadeiramente facilitadoras, para concretizar a presente obra. Na procura dos fundamentos interdisciplinares da Educação, como ação global dirigida a um ser Bioantropológico e Psicobiológico, isto é, à totalidade biopsicossocial do Ser Humano, parti para uma aventura episódica e preferencialmente orientada para os problemas da Motricidade. Tal esforço culminou na dissertação final, concluída já em 1971, cujo título: De Uma Filosofia (do conhecimento) à Minha Atitude (pedagógica), em pouco sugeria o que nela estava contido, ou seja, o tema referente ao seu subtítulo: Subsídios para a Ontogênese da Motricidade Humana. E deste subtítulo que emerge parte do atual trabalho, agora enriquecido com outros dados, procurando apontar para uma Ciência do Homem, onde os aspectos biológicos e antropológicos, não se oponham aos aspectos sociológicos e culturais, ou melhor, onde a filogênese não se oponha à ontogênese, onde o organismo não se oponha ao meio, e onde a motricidade humana não se oponha a toda a criação da Civilização. E óbvio que este objetivo é demasiado ambicioso, porém a minha experiência profissional tem-me proporcionado ocasiões e desafios que convergem nesse sentido. Primeiro, no Instituto Nacional de Educação Física como responsável pelo ensino das cadeiras de Antropologia (1972, 73, 74 e 75), de Educação Psicomotora (73 e 74) e Teoria do Movimento Humano (74 e 75); segundo, como bolsista do Instituto Nacional de Investigação Científica (ex-IAC) na Universidade de Northwestern (Evanston - Ilinóis), como pós- graduado (mestrado) em Ciências de Educação (74 e 75), onde obtive um crédito em Antropologia Biológica («Primate Evolution» — Evolução dos Prima- tas); terceiro, no Instituto António Aurélio da Costa Ferreira, como responsável «episódico e esporádico» das cadeiras de Neurobiologia (1977) e Dificuldades de Aprendizagem, especialmente orientadas para problemas de desenvolvimento e de aprendizagem na criança normal e na criança deficiente; e, por último, no Instituto Superior de Psicologia Aplicada, como responsável pela cadeira de Psicobiologia (4.° ano - área de Psicopedagogia), cujo programa, que temos orientado desde 1975, após convite do Dr. Bairrão Ruivo, se encontra neste livro mais ou menos sintetizado, na mira de proporcionar aos alunos de Psicobiologia um modesto livro de estudo (textbook). Foi esta a idéia central e motivadora da longa e perturbada construção deste trabalho subdividido em dois volumes. Todas as 'flutuações adaptativas e conceptuais da minha vida e experiência no ensino superior têm- me oferecido uma visão multidisciplinar e cientificamente integrada, visão material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html inconclusa que podemos agora apresentar com um mínimo de coerência conceptual e com um mínimo de unidade dialética. Não pretendo avançar com generalizações abusivas nem com reducionismos encantatórios, desejo fundamentalmente, neste estudo, não vulgarizar o lugar do Homem na Natureza. Por isso, apresento humildemente uma abordagem filogenética e ontogenética, rodeada de constelações temáticas, muitas vezes preliminares e rudimentares, porém suficientemente justificadoras para oferecer duas abordagens do desenvolvimento humano. A primeira abordagem, eminentemente bioantropológica é apresentada neste volume. A segunda abordagem, fundamentalmente psico- biológica, será apresentada, noutro volume, nesta mesma coleção. Em ambas, as abordagens estão contidas uma unidade indispensável e recíproca, unidade que esteve na base da minha pesquisa e na base da elaboração do manuscrito. Só dentro de uma leitura complementar, entre um volume e o outro, se pode alcançar o objetivo expresso da minha reflexão. Nos dois volumes procuro defender a idéia de que o Desenvolvimento da Criança (ontogénese) recapitula, acelerada e qualitativamente, o Desenvolvimento da Espécie Humana (filogénese). Neste primeiro volume tento partir da Antropologia Biológica, na qual procuro, apenas, aflorar a Evolução pré-orgânica e orgânica, passando rapidamente pela origem das espécies e pela transição que decorre dos animais invertebrados aos vertebrados. No sentido de abordar a motricidade dos animais, como comportamento adaptativo por excelência, evoluo em seguida para um estudo paleontológico-¦funcional, afim de demonstrar o papel daquela, nas libertações anatômicas, e o papel destas, nas modificações cerebrais das diferentes espécies. Do protozoário ao metazoário, do peixe ao réptil, do mamífero ao primata, e deste ao Homo Sapiens, tento fornecer dados que permitam visualizar interações endógenas (genótipo) e exógenas (fenótipo), que ponham em jogo a relação dialética,invariável e teleonómica, dos organismos vivos com o seu meio envolvente. Com base na Genética, procuro então dimensionar o papel da informação e transdução bioquímica que hierarquiza e controla os fatores inatos e adquiridos em todas as espécies, daí resultando uma seqüência evolutiva de transformações anátomo-funcionais, que culminam no primata e no Homem. É no enfoque preferencial das Adaptações Hominídeas que me situo neste primeiro volume. Aqui, abordamos comparativamente as transformações anatômicas e as modificações cerebrais concomitantes, na tentativa de enunciar algumas relações inequívocas entre o Biológico e o Social. No outro volume procurarei lançar subsídios sobre a ontogênese recapituladora da seqüência filogenética, que objetivamente resume a evolução do Zigoto ao Feto, isto é, todo o Desenvolvimento Intra-Uterino, que é estudado pela Embriologia Humana. Posteriormente, e com base em alguns processos material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html maturacionais, abordo a Neonatalogia e o Desenvolvimento Extra-Uterino, especialmente no que concerne às relações entre o psiquismo e a motricidade. Nas duas abordagens procuro um certo equilíbrio lexico-visual entre o texto e a introdução de esquemas e desenhos, afim de facilitar a compreensão da minha mensagem. Desenhos e esquemas, ou melhor, esboços muito simples, uns originais meus, outros adaptados de obras que lemos e dissecamos. O resultado da minha investigação, sempre numa tentativa de renovação evolutiva, coloca este trabalho como um complemento a um outro já publicado noutra editora com o título Contributo para o Estudo da Génese de Psicomotricidade. Por motivos alheios à minha vontade, mas que lamento profundamente, este livro deveria ser editado em 1978 na mesma coleção. Sai agora, três anos depois, com riscos de desatualização em algumas áreas, numa coleção que se lhe ajusta mais criteriosamente e onde espero publicar outros temas. Independentemente de novos ajustamentos conceptuais e de reforços bibliográficos mais atualizadas, o trabalho não se afasta do objetivo inicial, que aponta para o estudo da motricidade humana e da psicomotricidade, agora fundamentadas em duas perspectivas. O meu estudo procura lançar, todavia consciente das suas limitações, algumas bases para a compreensão do primeiro processo humano de aprendizagem e apropriação do real, ou seja, a motricidade, meio através do qual a inteligência humana se desenvolveu e se materializou, se constrói e edifica. A motricidade humana, grande arquiteta da Civilização, tem as suas raízes filogenéticas a partir da Antropologia, da Genética e da Embriologia. Por outro lado, a motricidade humana para além de ser a consciência precoce, reúne em si duas componentes ontogenéticas fundamentais: a diferenciação estrutural do sistema nervoso central e a aquisição progressiva de padrões comportamentais (skills), justificadoras da hierarquia da experiência humana que vai da sensação à conceptualização, passando pela percepção, pela retenção e pela simbolização. E pela importância que a motricidade assume na estruturação, organização e regulação da linguagem humana, que ela nos permite compreender a razão de ser da evolução decorrente do gesto à palavra, do ato ao pensamento e do ato reflexo à atividade de reflexão. Por ser uma área subestimada no estudo do Homem, por uma deficiente interpretação do seu comportamento psicobiológico (que raramente vemos ultrapassada em estudos sobre o desenvolvimento da criança, quer em termos antropológicos quer em termos ontogenéticos, para não dizer também educacionais), vimos, agora, lançar mais este novo contributo. material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html Termino com «inconclusões», que pelo seu inacabamento, apenas nos abrem o desejo de continuar a valorizar os fundamentos de uma perspectiva científica do Desenvolvimento Humano. Apresentamos este contributo a todos os que se interessam pelo Desenvolvimento Humano, nomeadamente: pais, educadores de crianças deficientes e inadaptadas, educadores em geral, pediatras, pedo-psiquiatras, psicólogos, pedagogos, enfermeiros, assistentes sociais, terapeutas, reeducadores, investigadores, antropólogos, etc. Um agradecimento especial a todos os meus alunos do INEF (cursos desde 1972 a 1975), do IAACF (cursos de 1977 e 78) e especialmente do ISPA (cursos desde 1975), que nos «obrigaram» a preparar as aulas, que aqui surgem agora com uma certa unidade, nem sempre alcançada nas situações dialéticas de leccionação. Agradecimento extensivo também a colegas de trabalho, donde destaco: Nelson Mendes, Arquimedes da Silva Santos, José Marinho (já falecido), Vítor Soares e restantes companheiros do Gabinete de Estudos e Intervenção Psicopedagógica. Do convívio científico que conseguimos criar nasceram luzes e reflexões que permitiram a transformação da nossa informação no presente livro, englobando uma Perspectiva do Homem já apresentada no IV Congresso Internacional de Psicomotricidade (Madrid, Março de 1980) e no Congresso Internacional de Aprendizagem e Desenvolvimento organizado pelo Instituto Piaget (Lisboa, Outubro de 1980). Por último, dedico este trabalho a todas as crianças portuguesas, deficientes ou não deficientes, que considero, em termos antropológicos e históricos, os verdadeiros pais dos adultos. Nova Oeiras, Novembro de 1978. O Autor material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html 1 ORIGEM DA VIDA Não podendo aprofundar uma perspectiva bioantropológica, não queremos deixar de equacionar, embora superficialmente a origem da vida, o que põe de imediato em jogo a evolução pré-orgânica que antecedeu a evolução orgânica. A origem da vida não pode ser estudada objetivamente. Só por analogia e inferência podemos compreender a vida na sua unidade e na sua diversidade, que engloba em si inúmeras transformações físico-químicas geradoras de mutações genéticas, as quais justificam os milhões de espécies de seres vivos, que compreendem uma dinâmica energético-material processada ao longo de milhões de anos. O fenômeno vital (o misterioso fenômeno de Teilhard de Chardin) não é mais que uma série de processos que têm lugar dentro de certos níveis complexos de organização da matéria. Já Engels concebia a vida (independentemente de não ser um biólogo) como uma forma particular de movimento da matéria. E óbvio que a definição de vida é sinônimo de energia, energia essa libertada a partir do aniquilamento nuclear mútuo da matéria e da anti-matéria. E evidente que a origem da vida se presta a explicações teleológicas, espiritualistas, animistas e vitalistas; no entanto, as investigações no domínio da física, da química e da biologia permitem uma explicação científica da origem da vida. O ponto de vista idealista considera a vida como um princípio espiritual e sobrenatural. Estão nesta linha as explicações que vão de Platão a Aristóteles, passando por Plotino, Santo Agostinho e S. Tomás de Aquino, nos quais sobressai uma concepção de vida determinada por uma força vital, animada de um dom supremo, sublime e divino. No entanto, outras aproximações antimísticas justificaram a «pluralidade dos universos habitados», começando em Anaximandro a noção de que os mundos nascem e morrem, e enriquecendo-se em Anaxágoras, que iniciou a concepção heliocêntrica. Posteriormente, Lucrécio, Copérnico, Bruno e Galileu, tendo sido em alguns dos casos considerados «hereges», foram dissecando o mistério da origem da vida. material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html O rompimento do obscurantismo que envolve a origem da vida, bem como a descoberta dos «parâmetros ocultos», iniciaram-se com os trabalhos de Pasteur,Elsasser, Bohr, Einstein, Hinshelwood, Heisen-berg, Glass, Neumann e tantos outros. Em todos estes autores há uma convergência anti- reducionista da noção de vida. A vida, se quisermos unificar as suas concepções, não é um simples metabolismo químico; ela é um estado limitado de organização e duração que envolve dialeticamente processos de regularidade de repetição, mas também processos invariantes e processos teleonomicos (Jacques Monod). A noção de vida contém o gérmen da morte. O que vive morre. No fim da vida está a morte. É óbvio que esta dimensão dialética e inacabada reúne a noção dinâmica da vida, que compreende um nascimento e uma desintegração final, estando entre os dois estados os fenômenos de metabolismo, de irritabilidade, de movimento, de crescimento, de reprodução de acomodação e de assimilação. Por outras palavras, a vida requer um conjunto de fenômenos físicos, químicos e biológicos que põem em destaque os fenômenos de assimilação, de acomodação e de reprodução e a observância de certas condições de radiação, temperatura, gravitação, etc. A teoria panspérmica é uma das abordagens que nos permite reconhecer a noção de vida, ou melhor, a formação da matéria, resultante da combinação e da constelação de fenômenos físico-químicos que originaram o aparecimento da vida no planeta Terra. O aparecimento da vida no nosso planeta põe em relevo a importância da formação de uma atmosfera. Segundo Weizsãcker, a aglomeração de poeiras, de nuvens e de gases, juntamente com o choque e a explosão de fragmentos de matéria, permitiu um envolvimento gasoso, rico em hidrogênio do qual resultou a formação do Sol. A partir de fenômenos de gravitação e, de contração de gases (hidrogênio e hélio), surgem forças eletromagnéticas que explicam a atração recíproca entre estrelas e planetas, os quais se organizam, em termos cada vez mais complexos, em enxames, espirais, nebulosas, ou melhor, em galáxias. Se aceitarmos este princípio, evocado por cientistas, podemos compreender que a Terra, apenas um fragmento de um planeta original, se constituiu em três elementos fundamentais: atmosfera, hidrosfera e litosfera. Desaparecendo as nuvens e os envolvimentos gasosos, a luz solar pôde atingir a Terra. As estruturas resultantes da aglomeração e da contração de gases, ao reagirem entre si, geraram minerais primitivos e a desintegração de materiais radioativos. É fácil, a partir daqui, prever que as partículas subatômicas (nêutrons, prótons e elétrons) se reuniram, por bombardeamentos meteoríticos, num só prótons, mais complexo e organizado, o que, em si, explica a formação de estrelas e poeiras cósmicas, da qual surgiram agregações que se deslocam e se fixam no Cosmos. Depois desta estabilização cósmica instável, bastou que se dessem libertações de gases, como as do bióxido de carbono, de metano, dos gases sulfurosos e das combinações de azoto, para se originarem as atividades vulcânicas e os fenômenos de vaporização que permitiram o aparecimento dos mares primitivos. material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html O «puzzle vital» está quase concluído. Dos oceanos resultam sais minerais e fenômenos de condensação que geram chuvas. Este ecossistema, que tem tanto de invariante como de teleonómjciL, permite a decomposição do vapor de água, dando origem à libertação de oxigênio, condição indispensável à vida dos seres vivos. Fácil se torna agora compreender o aparecimento da vida através de elementos químicos e de fenômenos físicos integrando um processo evolutivo que tem a sua origem no Sol. O Sol, como núcleo energético gigantesco e superaquecido, passou por períodos de alteração, num dos quais, por arrefecimento, se deu o deslocamento de elementos que formaram os planetas, um dos quais a Terra. material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html A Terra, composta, como já vimos, por litosfera, hidrosfera e atmosfera, que não existem em Marte nem em Vênus, tem hoje uma história calculada em quatro mil e quatrocentos milhões de anos. Tendo sido primeiro uma nuvem de poeiras cósmicas, passou posteriormente a modificar a sua forma esférica e sólida através de uma complexa actividade vulcânica que lhe conferiu uma estrutura dependente da solidificação dos metais (litosfera) e, concomitantemente, um invólucro gasoso (atmosfera). A Terra, sofrendo pressões atmosféricas e forças electromagnéticas e radioactivas, alterou os seus elementos químicos, os quais, por sua vez, se combinaram adquirindo novas propriedades. A mais importante destas propriedades gerou a proteína, composto a partir do qual se justifica o aparecimento da própria vida. A proteína encontra-se no mundo vegetal e no mundo animal. Trata-se de uma substância plástica e protectora essencial aos seres vivos, podendo conter mais de quinhentas moléculas de aminoácidos. O número de aminoácidos, segundo Bronowski, é uma medida de distância, em termos de evolução, entre o ser humano e qualquer mamífero. Vinte aminoácidos (espécies químicas) encontram-se em todos os seres vivos, da bactéria ao Homem. Podemos perceber, efectivamente, que a vida não surgiu de repente, antes resulta de uma progressiva estrutura e de uma organização evolutiva de elementos químicos que permitiram uma constante recriação de novos atributos que explicam a impossibilidade de separar radicalmente o mundo inorgânico do mundo orgânico. A complexidade crescente que vai das substâncias simples (as quais, como o metano, os hidrocarbonetos, a água e o azoto, pairam no seio da hidrosfera e da atmosfera) às substâncias proteicas, encontra necessariamente a sua explicação na biologia molecular, problema este de significação genética, de onde ressaltam os ácidos nucleicos, que, propriamente, definem a vida no seu todo. A vida exige naturalmente um determinado tipo de composição química da atmosfera e da hidrosfera. Só assim se verificam fenómenos diversos, que se dão em limites aceitáveis de temperatura, gravitação e radiação. Stanley Miller, em 1950, com amónia, metano, hidrogénio e por vapor de água obteve aminoácidos em condições laboratoriais, por meio de descargas eléctricas e por condensações, provando assim que é possível, experimentalmente, a síntese não biológica de moléculas orgânicas. Um passo crucial se deu em termos de evolução, dado que os aminoácidos são considerados como os tijolos do grande edifício da vida. Deles se fazem as proteínas, e estas são, nem mais nem menos, os constituintes de todos os seres vivos. A massa, o raio e o afastamento do Sol permitiram o aparecimento de vida na Terra, através de radiações, gravitações, radioactividade, humidade, material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html calor, vento, electricidade natural, luminosidade, etc, resultantes de reacções ditadas por leis físico-químicas. Por acumulação, a actividade vulcânica, as erupções, as glaciações, as condensações, as polimerizações e as oxi- reduções, associadas às reacções dos hidrocarbonetos, do vapor de água e do amoníaco, permitiram o aparecimento do protoplasma (composto proteico) nos oceanos primitivos. Nos oceanos primitivos — meios privilegiados de vida, livres de radiações ultravioletas mortais — surge a matéria viva. O protoplasma, matéria básica de que são feitos os corpos de todas as plantas e animais, contém inúmeras propriedades, como por exemplo: irritabilidade, sensibilidade, contractibilidade, bem como propriedades prefor-madas e pré- elaboradas, que permitem a transmissão, a selecção, a acumulação e a conservação de energia, susceptível de ser transferida e auto-reproduzida. Essa missão é essencialmente controlada pelos ácidos nucleicos. A condição da matéria orgânica é a condição dos seres vivos, que, por definição, são organismos compostosde órgãos, compreendendo uma organização que mais não é que uma adaptação às condições do meio exterior. Os organismos vivem na razão directa de se alimentarem ou de traduzirem a energia existente no exterior. O organismo subentende um corpo (aspecto morfológico) que vive em permanente troca energética (aspecto comportamental) com o meio. Isto é, transforma o meio exterior para criar condições indispensáveis à sua actividade, ou seja a manutenção de um estado relacional num dado estado estrutural. Quer dizer, há nos seres vivos a necessidade de uma permanente adaptação ao meio exterior, a qual resulta de processos de assimilação e acomodação que concretizam biologicamente a dialéctica organismo--meio. material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html 2 ORIGEM DAS ESPÉCIES Depois de termos tentado apresentar uma abordagem superficial da origem da vida, vamos agora avançar com um outro conceito fundamental - a origem das espécies. Constata-se hoje, que os organismos descendem um dos outros por transformações, como resultado de adaptações lentas em grandes períodos de tempo. Neste âmbito, A Filosofia Zoológica, de Lamarck (1809), A Lei que Regula a Introdução das Novas Espécies, de Wallace (1855), e a Origem das Espécies, de Darwin (1859), são, de fato, marcos cruciais na teoria da evolução, independentemente de todos eles desconhecerem os mecanismos da hereditariedade, só enunciados por Mendel em 1866 e praticamente desconhecidos até 1900. Para vários autores, nomeadamente Burma, Mayr, Gregg, Simpson e Dobzhansky, a noção de espécie implica a noção de descendência e a noção de continuidade biogenética, isto é, requer a observância de processos de reprodução sexual. Embora a «espécie» seja uma ficção, uma construção mental sem existência objetiva, convém definir espécie biológica como o maior grupo natural de indivíduos que atual e potencialmente são capazes de reprodução e intercriação, ou seja de produzirem descendências férteis do ponto de vista biológico. Quer dizer, a noção de espécie leva-nos à noção de animal individual e sexualmente reprodutivo. Daqui, necessariamente, surge a noção de animal e de parentesco, pelo fato de um certo esperma e de um certo óvulo se fundirem num dado núcleo, contendo uma informação que permitirá a divisão celular e o aparecimento conseqüente de uma nova cria. A espécie é vista como uma continuidade biológica e genética, isto é, o segmento de uma linha, de uma seqüência ancestral, descendente portanto de populações biológicas integradas numa dimensão temporal e numa mudança genética. A noção de espécie não é ambígua, embora do ponto de vista zoológico e paleontologico surjam muitas controvérsias. Ela inclui uma noção de tempo, uma seqüência de populações genéticas e um conjunto de realidades biológicas que compreendem: a criação, a variabilidade e a fertilidade. As espécies não são senão segmentos da filogénese, digo de sucessões e de criações contínuas sem interrupção, que se dividem em subespécies e variedades classificadas segundo a taxonomia animal. Há que encarar, pelo menos, uma relação dialéctica entre amostras ou entidades (unidades) e as populações, que se transformam através dos tempos e migram de umas zonas geográficas para outras. É evidente que com 1 000 000 de espécies animais e 350 000 espécies vegetais, com toda a sua diversidade e especificidade, necessário se tornou classificá-las. Neste aspecto, temos de destacar dois naturalistas, Ray e Linné, a quem se deve o Sistema Natural (1735) que motivou a taxonomia material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html moderna. Para Linné, a sistemática dos seres vivos devia integrar as seguintes categorias: reino, filo, classe, ordem, família, género e espécie. Para Linné e muitos dos seus contemporâneos, as espécies eram distintas e imutáveis, categorizadas segundo a sua semelhança morfológica. Só mais tarde, com Erasmos, Danvin e Lamarck, se reconheceu a variabilidade e a diversidade das espécies. A espécie passou a não ser explicada puramente por um simples acto de criação, mas por um processo lento de transformação em longos períodos de tempo. Estas concepções, ridicularizadas, como sempre, pelos cientistas contemporâneos de Lamarck, levaram cerca de cem anos para serem reinterpretadas, e aqui surgem Darwin e Wallace. Estes autores expuseram a teoria da selecção natural segundo um princípio evolutivo, no qual todas as espécies vivas evoluíram a partir de formas preexistentes mais simples. A taxonomia, a partir daqui, abandonou a categorização por semelhanças e entrou num novo horizonte: a categorização por evolução. As pressões da evolução vão posteriormente explicar por que é que os animais não relacionados entre si se transformam em novas espécies: as espécies passaram a ter laços de parentesco, mesmo com um antepassado muito remoto. Daí fundamentar-se, por exemplo, que o Homem e os Simios superiores têm um antepassado comum, que Simons designou por Procônsul. Através desta visão, a taxonomia não é mais que um resumo da história da evolução, exemplificando a evolução das espécies em termos de complexidade crescente, de organização e adaptação biológica. Como Simpson, concordamos que as espécies devem ter uma definição em relação com o processo da evolução. Só assim a definição de espécie atinge uma significação biológica, porque profundamente evolutiva e genética. Esta visão, de que as espécies mudam no espaço e no tempo, é filha da obra de Darwin, aliás já contida no seu trabalho Origem das Espécies, considerado o livro mais importante do século XIX, e só possível depois da sua material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html viagem no «Beagle» à volta do Mundo. É evidente que há dados de fósseis que permitem a defesa desta perspectiva, embora os paleontólogos não se encontrem suficientemente satisfeitos com os factos evidenciados pelas provas contidas nos fósseis. O que interessa, aqui, é perceber a grande mensagem darwiniana, que encerra uma visão multidimensional que surge como uma dificuldade para os taxonomistas. Estes terão de contar com variações de populações, polimorfismos, adaptações, ecofenótipos, isolamentos, migrações, variações etárias, alterações do envolvimento, etc., isto é, com a noção de que a espécie contém também em si um movimento, aliás em analogia com a própria vida. Como se justifica então a evolução das espécies? Para Wallace e Darwin, a justificação encontra-se no processo de selecção natural e na luta pela sobrevivência. Tais processos geram variações favoráveis (daí a preservação de espécies), ou variações desfavoráveis e destruição de outras espécies, ou, eventualmente, o aparecimento e a formação de novas. Para além desta explicação, Darwin introduz dois novos conceitos: a variação e a hereditariedade. No primeiro, demonstrou que nenhum ser da mesma espécie é igual a outro ser: subsistem diferenças de tamanho, proporção, adaptação, etc. No segundo, tentou equacionar que todas as espécies são susceptíveis de transmissão hereditária reprodutiva. Destas duas novas concepções resultam dois significativos conceitos biológicos, de uma importância crítica para a compreensão da evolução. O primeiro põe em destaque a noção de adaptação, que mais não é que um ajustamento contínuo do organismo ao meio em mudança, contendo complicados processos de assimilação (do meio para o organismo) e de acomodação (do organismo para o meio). O segundo abre a porta à Genética e ao estudo da hereditariedade, iniciado por Mendel, na qual se explicam os mecanismos de duplicação genética de entidades biológicas, transmitidos por mapas cromos-sómicos para as novas gerações. Tal transferência requer não só a conservação de uma herançagenética como pode compreender mutações, que, segundo Hugo de Vries, produzem genuinamente novas características, das quais dependem a evolução e a selecção orgânica e natural. Sulton, Boveri e Morgan são os principais responsáveis por recombinarem as teses de Mendel e de Hugo de Vries. Os autores acima focados partem do reconhecimento dos cromossomas, estruturas que se encontram localizadas no núcleo e que transportam os caracteres hereditários (genoma). Foi Morgan quem demonstrou, com a Drosophila, que os determinantes genéticos se apresentam numa ordem linear e numa sequência ou encandeamento contido no próprio cromossoma. A célula, ao dividir-se, leva à individualização de pequenas barras ou bastões em forma de X, material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html denominados por cromossomas. Os cromossomas são o substrato citológico da hereditariedade e o seu número é par, fixo em cada espécie animal. No ser humano, por exemplo, o número de pares é de 23, dos quais 22 são autossomas, isto é, cromossomas somáticos, e um par é genossoma, ou seja cromossoma sexual. É necessário que se note que esta individualização cromossómica se mantém, desde a fecundação até à morte, e é de 46XX para o sexo feminino e de 46XY para o sexo masculino. Depois da reunião de Denver (1960), os grupos de cromossomas encontram-se diferenciados desde o grupo A ao grupo G, segundo o comprimento total e respectivo dos braços articulados pelo centró-mero. À montagem da divisão celular em estado de metafase é dado o nome de cariótipo, que mais não é que a carta geográfica dos traços hereditários, ou seja o mapa cromossómico de McKusick. A divisão celular, como é óbvio, obedece a um complicado mecanismo hierarquizado e controlado, dependente do ADN1 e do ARN2. O ADN detém a informação genética e o ARN assegura o transporte e a recepção da mensagem genética. Toda a perturbação da mensagem codificada no ser humano («dislexia genética») provoca aberrações quer nos autossomas (trissomias: Down (21), Patau (13), Edwards (18) ) quer nos genossomas (Klinefelter, Turner e outros), as quais traduzem normalmente anomalias de desenvolvimento. São conhecidas outras malformações dos genes mutantes, como por exemplo: a acondroplasia (nanismo), a gota, a coreia de Huntington, a diabetes, a distrofia muscular de Duchenne, etc. Estes exemplos da genética humana servem para demonstrar que a evolução da espécie não pode ser interpretada sem o esclarecimento necessário da genética, daí este desvio em termos de contexto. É evidente que a mutação de genes, dependente da mudança de condições do meio, põe em jogo processos bioquímicos e fisiológicos que determinam posteriomente os aspectos comportamentais dos diferentes organismos. Os extraordinários trabalhos de Watson, Crick e Wilkins são demonstrativos do que acabamos de referir. A vida e as espécies são explicadas por transmissão hereditária, traduzida em termos de ADN e ARN que mediatizam as proteínas e são a razão de ser da evolução dos seres vivos, controlando o seu desenvolvimento e o seu movimento, isto é, toda uma engenharia genética que explica as mutações e as populações animais. A vida é possível a partir da reprodução de organismos através da divisão celular. A divisão celular, por natureza, produz gerações idênticas, como regra, e mutações como excepção. É esta capacidade de autocópia que caracteriza os seres vivos, pois, como afirma Jacques Monod, «os organismos vivos são estruturas que se constróem a si próprias», isto é, os seres vivos justificam-se pela realização de um projecto. As moléculas simples, básicas, 1 ADN — Acido desoxiribonucleico 2 ARN — Ácido ribonucleico. material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html como as bases (adenina, timina, guaninae citosina), que, por sinal, compõem o ADN em espirais de fosfato e açúcar, auto-reproduzem-se descodificando a mensagem genética numa série de arranjos atómicos que implicam uma sequência de acções que operam a síntese das proteínas. É nesta linguagem que se passa o fenómeno da hereditariedade em todas as criaturas que conhecemos, desde a bactéria ao elefante, desde o vírus à rosa, desde o réptil ao Homem. O segredo da vida emerge da reprodução sexual, primeiro no mundo vegetal, depois no mundo animal. A partir daí a norma biológica que permite a integração da noção de espécie advém de dois sexos. O sexo produz diversidade, e esta é a mola da evolução. A multiplicidade de formas, de cores e de comportamentos nos indivíduos e nas espécies é produzida por pares de genes, uns dum sexo, outros do outro, como Mendel focou. Os genes, ocupando uma posição nos cromossomas, somente visível na divisão celular, são compostos de ácidos nucleicos, e, como tal, participam na produção das proteínas, que, organizadas e estruturadas, dão origem aos seres vivos. Para penetrar nos parâmetros ocultos da genética, foi preciso que, desde Mendel a Watson e Crick, decorressem cerca de 90 anos. Em 1953, o ADN foi decifrado. O ADN é um ácido nucleico, um ácido contido na parte central (núcleo) das células, que contém as mensagens químicas da hereditariedade, as quais passam de umas gerações para as outras. A arquitectura (química) do ADN é feita de açúcares e de fosfatos e de quatro pequenas moléculas ou bases, como já vimos atrás. Duas são pequenas, a timina e a citosina, e as outras duas são maiores, a guanina e a adenina. As primeiras estão organizadas em hexágonos, as segundas em hexágonos e pentágonos, dentro dos quais se encontram átomos de carbono, nitrogénio, oxigénio e hidrogénio. O ADN é portanto uma longa cadeia em espiral, com uma estrutura invariante e rígida, uma espécie de cristal orgânico, como diz Bronowski. A ligação das bases não é arbitrária, os seus pares são obrigatoriamente: timina-adenina, guanina-citosina, os quais, ordenados por andares sempre da mesma forma, contêm o código genético. As quatro letras do ADN são um código que transmite à célula, passo a passo, todas as informações, que permitem a manufactura das proteínas. Um código, o do ADN, implica outro código, o das proteínas. Podemos acrescentar que o ADN traz os planos de mais de mil proteínas que são manufacturadas pela célula viva. O ADN contido nos cromossomas passa as suas informações ao ARN mensageiro, que, por sua vez, se desloca aos ribossomas, para aí fabricar as proteínas, materiais fundamentais de construção dos organismos vivos. Temos, assim, elementarmente concluído o ciclo da hereditariedade, onde surge o invariante fundamental do ADN (Jacques Monod), ou seja o gene, portador imutável das características hereditárias, já designado por Mendel, o que constitui, sem dúvida alguma, a mais importante descoberta da biologia, à qual necessariamente se deve juntar a teoria da selecção natural, de Darwin, que só agora é entendida na sua dimensão mais plena. material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html Temos então explicada sumariamente a relação de prioridade entre a invariância e a teleonomia: dilema fundamental da vida. Como afirma Jacques Monod, no seu ensaio sobre a filosofia natural, «a invariância precede necessariamente a teleonomia, ou, para ser mais explícito, a ideia darwiniana de que a aparição, a evolução e o aperfeiçoamento progressivo das estruturas, cada vez mais intensamente teleonómicos, são devidos a perturbações ocorridas numa estrutura, possuindo já a propriedade de invariância, capaz, portanto, de conservar o acaso e, por isso mesmo, de submeter os seus efeitos ao jogo da selecção natural». O ADN não é senão uma instrução activa e dinâmica que transmite à célula todas as informações que vão alterar a sua estrutura e função. A vida é uma sequênciade fenómenos, ou melhor, um encadeamento rigoroso de operações que tem o seu início no próprio mecanismo e sinergismo do ADN. A célula limita-se a ler a informação do ADN, leitura essa sem omissões nem adições, que reagrupa as moléculas básicas em triplas (códãos ou códon ou mesmo triplete), para formar um aminoácido, ponte para juntar dois enzimas, que, por sua vez, originam a formação de proteínas, resultantes de 20 aminoáci-dos, isto é, o código do código. Voltando a Bronowski, «todas as células transportam no seu soma o potencial necessário para fazer um animal no seu todo, exceptuando as células do espermatozóide e do óvulo. O espermatozóide e o óvulo são incompletos, e não passam de metades de células: elas transportam metade do número total de genes». É um facto, só quando o óvulo é copulado pelo espermatozóide ele é fertilizado, para dar origem ao zigoto, que está organizado, como já vimos, em pares de genes. Só a partir daqui podemos encontrar a totalidade das instruções hereditárias que vão originar os sucessivos estados de desenvolvimento embriológico. material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html Podemos agora compreender a diversidade da vida e a sua variação, e perceber que as combinações de genes presentes nas populações animais são astronómicas. É provável que neste mecanismo complexo se verifiquem mudanças de direcção genética (genótipo) naturalmente implicadoras de um processo evolutivo dependente do meio (fenótipo), onde surgem novos arranjos e recombinações que justificam a evolução das espécies. material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html 3 DOS INVERTEBRADOS AOS VERTEBRADOS Depois de termos feito esta viagem pela hereditariedade, estamos em condições de retomar a abordagem filogenética e, ao mesmo tempo, o processo de evolução das espécies, basicamente explicado por duas variáveis cruciais: hereditariedade e adaptação. Para compreendermos os caminhos da filogénese, que nos levam até ao Homem, temos, em primeiro lugar, de destacar a unidade da vida e o significado da sua síntese, que nos impede de separar radical e abruptamente o mundo inorgânico do mundo orgânico e, evidentemente, o mundo vegetal do mundo animal. Só nesta unidade vamos equacionar o mecanismo que justifica a evolução, que vai dos seres unicelulares aos seres multicelulares, dos protozoários aos metazoários, dos invertebrados aos vertebrados, da bactéria ao Homem. Em termos esquemáticos, podemos apresentar o seguinte quadro, que reforça exactamente o sentido do Universo, da Vida e da Evolução das espécies, bem como o lugar do Homem na Natureza. Dentro de uma linha filogenética, os metazoários são formados por duas camadas de células, a ectoderme e a endoderme (exterior e interior), que caracterizam um tipo de movimento dependente de uma simetria radial. Tal característica tende a transformar-se, em termos evolutivos, numa simetria bilateral, dado que uma nova estrutura se interpõe no meio das duas camadas acima apontadas, isto é, a mesoderme, implicadora de uma morfologia esquelética e de uma musculatura específica pondo em jogo grupos musculares agonistas e antagonistas, flexores e extensores, esquerdos e direitos, anteriores e posteriores. É evidentemente a partir daqui que as condutas sensório--motoras tendem a uma complexidade crescente. Podemos já dissecar a adaptação progressiva, que vai dos invertebrados aos vertebrados. E é o que nos propomos fazer de momento. Os vertebrados expandem-se pela água, pelo are pela terra. Como características adaptativas fundamentais, temos a referir: caixa craniana óssea, desenvolvimento do esterno, da cintura pélvica e da escapular, desenvolvimento dos membros, desenvolvimento muscular, alongamento da coluna cervical e independência da cabeça. Como representantes fósseis que justificam os primeiros vertebrados, temos a referir os placodermes, os crossopterígeos e os actinopte-rígeos. Dos peixes aos anfíbios dão-se de novo adaptações, tal como dos anfíbios aos répteis. Assim, o peixe, ao levantar a cabeça das águas, inicia a conquista da terra firme, transformando-se num peixe blindado que comporta novas adaptações que o vão levar aos répteis. As características filogenéticas primordiais são a transformação da barbatana em membros, a estrutura material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html pulmonar com narinas, uma circulação sanguínea dependente de um coração, o robustecimento do esqueleto e a aquisição de uma coluna cervical móvel, dado que os problemas de orientação em terra requerem maior número de conexões sensório-motoras. Fig. 4 — Os crossopterígios elevam a cabeça das águas. A conquista da terra foi primeiro feita pelas plantas e depois pelos vertebrados. Estes iniciam um passo muito importante da evolução. Dos peixes aos répteis surgem novas adaptações: as barbatanas transformam-se em membros; as funções biológicas complexificam-se; a motricidade mais diferenciada origina novas modificações no cérebro. (Segundo F. H. T. Rhodes) Fig. 5 — Ichthyostega (esqueleto e reconstituição esquemática). (Segundo F. H. T. Rhodes) Uma das características mais importantes do vertebrado, e que convém desde já assinalar, é a simetria bilateral, em que uma parte do corpo é espelho da outra. Romer chega mesmo a diferenciar a simetria bilateral morfológica como a condição fundamental de os vertebrados serem considerados animais activos que se deslocam facilmente, daí o seu sucesso de adaptação ao meio exterior. A simetria bilateral está na base da filogénese da motricidade, é ela que explica a evolução adaptativo-funcional que mais tarde justificará o desenvolvimento do órgão de maior diferenciação do mundo animal — o cérebro humano. A simetria bilateral depende da coluna vertebral, que suporta a cabeça, o tórax e o abdómen. E é a chave da filogénese da motricidade que evolui da reptação (dos répteis) ao bipedismo (do Homem), passando pela quadrupedia (dos mamíferos) e pela braquiação ou quadrumania (dos primatas). material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html A simetria bilateral ajuda-nos a perceber a importância capital da coluna vertebral, não só porque sustenta os órgãos mas também porque constitui o princípio e o fim de todas as condutas sensório-motoras. A coluna contém na sua extremidade anterior a cabeça (cefalização) e na sua extremidade posterior a cauda. É interessante notar que daqui advém uma lei fundamental de desenvolvimento dos vertebrados — a lei cefalocaudal, lei essa que exemplifica o desenvolvimento embrio-lógico e a ontogénese da motricidade no ser humano, que iremos estudar num segundo volume. É óbvio que as aquisições motoras humanas, que se iniciam primeiro na posição de deitado (maturação neuromuscular dos metâ-meros dorsais e lombares), até à posição de pé (maturação neuromuscular dos metâmeros sagrados), põem em destaque a importância da lei cefalocaudal, característica inerente à motricidade de todos os animais vertebrados. material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html Os animais vertebrados dispõem todos de uma coluna e de uma cabeça. A coluna suporta os órgãos responsáveis pelas grandes funções (respiração, circulação, digestão), enquanto a cabeça concentra as estruturas mais sensíveis dos órgãos sensoriais (orientação e adaptação). Estes dois elementos constituem o esqueleto axial, o mais fundamental, ao passo que os membros anteriores (superiores) e os membros posteriores (inferiores) constituem o esqueleto apendicular, unido à coluna por duas cinturas articulares: a escapular e a pélvica. Um estudo de anatomia comparada levar-nos-ia muito longe, saindo fora desta introdução, onde se pretende dar uma visão, tantoquanto possível adequada e rigorosa, entre a filogénese e a ontogénese da motricidade; porém, ela é fundamental para a compreensão dos aspectos osteológicos e anatómicos, não só importantes para a leitura dos fósseis como também necessários para a explicação das adaptações mais diferenciadas que se deram nos vertebrados. A evolução que vai dos seres unicelulares como os protozoários, e que passa, segundo Oparine e tantos outros, pelos colonialismos celulares ou coacervatos, até atingir os metazoários marítimos, seres multicelulares, sem espinha dorsal, também designados por invertebrados, é a mais difícil de determinar, exactamente porque faltam dados fósseis, ou melhor, dados paleontológicos. Embora a paleontologia, como ciência do passado, segundo nos assegura Piveteau, não nos garanta muitos fragmentos formulativos da história da evolução dos invertebrados, não restam dúvidas de que o estudo dos ossos (osteologia) nos permite mais seguramente redesco-brir a idade relativa dos restos animais, através de um conjunto de conexões (G. St. Hilaire) e de processos adaptativos que nos confirmam uma perspectiva materialista da evolução dos vertebrados. O esqueleto é um elemento importante para o estudo dos vertebrados; só por ele se podem analisar as espécies extintas. O que resta para além das partes moles é efectivamente o que interessa para o estudo dos fósseis e, mais globalmente, para os estudos dos dados arqueológicos. Para além das características que já apontámos, importa determinar objectivamente como se deu a evolução dos vertebrados para conhecermos por que é que os animais vertebrados (e portanto o Homem) se transformaram no que são. A simetria bilateral é, como já vimos, fundamental, daí advirem as seguintes adaptações nos animais vertebrados: - Maior facilidade de movimentos; - Melhores condições de resistência ao sedentarismo; - Separação das narinas da cavidade bucal (aparecimento do sistema olfactivo); material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html - Emergência de um sistema de equilíbrio (sistema vestibular), dado que o equilíbrio e a orientação são mais complexos em terra firme; - Coluna vertebral flexível; - Cefalização progressiva com assimetria funcional dos dois hemisférios cerebrais. A transformação de uns seres noutros explica-se, como já vimos, em termos genéticos, por isso fácil se torna agora perceber a evolução que decorre do vertebrado ao Homem, não apenas em termos anatómicos mas também em termos funcionais, ou seja perspectivar toda uma evolução que parte de um aspecto biológico para outro já extrabiológico. Fig. 6 — Filogénese do SNC (Sistema Nervolo Central). (Segundo Max Ceccatty) Nesta revolução biológica é evidente que uma das características fundamentais dos vertebrados, quer sejam os peixes, os anfíbios ou os répteis, e a sua actividade. A actividade, melhor, a motricidade no seu sentido biológico total foi e é uma das chaves do sucesso dos animais vertebrados. A motricidade, por si só, para além de ter permitido ao peixe do Devónio-Crossopterígio a conquista da terra firme, levou o animal vertebrado às seguintes libertações anatómicas sucessivas, focadas por Leroi-Gourhan: 1.° — do corpo em relação à água (répteis); 2.° — da cabeça em relação ao solo (mamíferos); 3.° — da mão em relação à locomoção (primatas); 4.° — do cérebro em relação ao maciço faciodental (Homem). material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html Em termos de evolução, a motricidade é uma condição de adaptação vital Só por ela a nutrição é satisfeita e só em função desta necessidade se justifica o processo de relação com o meio, dado que todos os animais, inclusivamente o Homem, necessitam de obter determinados alimentos a partir do seu envolvimento. A motricidade, como berço significativo da evolução, deve permitir ver a Adaptação Humana não só pela inteligência mas igualmente pela sua motricidade, que lhe deu a origem e que sucessivamente a determinou. A motricidade é o complemento da cerebração, isto é, a regulação e o controlo, que a motricidade humana atingiu através dos tempos, é a condição, (em termos ontogenéticos) e foi a condição (em termos filogenéticos) da evolução do cérebro., órgão central de localização cefálica que assume os comportamentos, ou sejam os processos motores materializadores de adaptação, e da relação «inteligível» entre a situação (factores exógenos) e a acção (factores endógenos). O cérebro beneficiou da filogénese da motricidade, através da conquista locomotora que decorre da reptação, da quadrupedia e especialmente do bipedismo. No princípio, é a motricidade que explicita a progressiva diferenciação do cérebro. O cérebro não provoca a motricidade como muitas vezes as explicações idealistas quiseram argumentar. A motricidade é o invariante da evolução biológica! e como tal da evolução do sistema, nervoso central. Aqui está outra das chaves da evolução, a qual aponta necessariamente para uma visão científica baseada em factores conhecidos e controlados pela acção e pelo saber humanos, independentemente de muitas teorias acientíficas continuarem a subsistir, exactamente porque não podem ser cientificamente analisadas. A função e a utilização constante do aparelho locomotor justifica em parte a Hominizacjio, que resume uma evolução anatómica, essencialmente associada a uma revolução reflexiva ou cerebral. O problema tem ainda uma justificação lamarckiana: as características adaptativas, explicadas em termos genéticos, verificam-se em termos de uso ou desuso, isto é, a função faz o órgão. Assim, explicamos o pescoço comprido da girafa, a ausência de membros da cobra, o bipedismo humano. Trata-se, como diz Romer, de uma teoria simples, razoável e natural, à qual devemos juntar as mutações, quer sejam vantajosas ou não, e o mecanismo de selecção natural explicado inicialmente por Charles Darwin. No caso dos vertebrados, e é isso que importa agora abordar, a adaptação à vida terrestre levou à transformação dos peixes em anfíbios, que, como sabemos, têm um duplo habitat. Afirma Sanides, que as larvas destes anfíbios conservam ainda a vida aquática, como aliás, se pode observar no processo de maturação da rã. material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html Os primeiros peixes a «tirarem a cabeça fora de água» surgiram na segunda metade do Silúrico, e durante o Devónio atingiram maior variabilidade e adaptabilidade. São considerados peixes pulmonados (ou dipnóicos) e também designados por peixes blindados, dada a estrutura extremamente rígida da sua ectoderme, exactamente porque só assim se protegiam das radiações muito intensas da época. Nesta transição, a bexiga natatória transforma-se em pulmão; as barbatanas em membros; as extremidades em cinco dedos; a coluna cervical rígida num pivot móvel para permitir à cabeça uma maior independência de movimentos (pescoço) e, consequentemente, uma orientação visual e auditiva mais ampla; as fossas nasais diferenciam-se da cavidade bucal e adquirem uma comunicação com a faringe, o que permite desenvolver um telerreceptor químico, isto é, o olfacto, de grande significado adaptativo para todos os mamíferos terrestres. Todas estas adaptações funcionais podiam ser rejeitadas dum ponto de vista explicativo. Porém, em 1936, na Gronelândia, surge um fóssil que permite ligar a adaptação aquática à adaptação terrestre e atmosférica. Tratava-se de um peixe de quatro pernas, o Ichthyostega, apresentando já um conjunto de condutas, que podemos caracterizar como inerentes aos anfíbios. Convém reprecisar que este exemplar encontra um testemunho actual num peixe da ordem dos crossopterigeos que ainda hoje habita as ilhas Comores, perto de Madagáscar. É evidenteque as exigências da vida na terra são diferentes das exigências da vida na água, e mais uma vez essas diferenças têm a ver essencialmente com a motricidade. Para se movimentar em terra firme, o animal necessita de quatro extremidades que permitam sustentar o corpo e garantir o equilíbrio à extremidade cefálica, dado que esta precisa de responder a um maior número de estímulos do meio exterior. A libertação do crânio da primeira vértebra, atlas, obedece à necessidade de o animal vertebrado desenvolver vários sentidos, quer à distância (visão, audição, etc.) quer ao nível do corpo e da pele (gosto, tacto, movimento, etc), sendo uns denominados telerreceptores e outros proprioceptores. A aquisição de uma extremidade cefálica independente e móvel, sustentada pelas massas musculares do pescoço, dotou, como evoca Sanides, o animal de um sistema silencioso de orientação e de sobrevivência, permitindo uma observação dirigida quer para uma presa quer para um predador. O animal vertebrado tem de responder mais adequada e rapidamente aos estímulos e às situações, dado que as modificações das condições de vida são mais bruscas na terra do que na água. Os seus sistemas de orientação e de acção são mais aperfeiçoados e mais organizados, justificando portanto um sistema nervoso mais complexo. Para a complexidade do sistema nervoso contribui um novo sistema proprioceptivo, adquirido a partir dos fusos neuromusculares e dos corpúsculos de Golgi, que informam permanentemente o cérebro das condições em que a acção decorre. material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html Só com estes dispositivos táctilo-quinestésicos, que advêm, uma vez mais, de uma motricidade cada vez mais diferenciada, os animais vertebrados obtiveram um sistema sensorial mais complexo e interligado. É fácil perceber agora o papel do cérebro, que tem como função fundamental organizar os dados de vários órgãos receptores, antes de programar um sistema de acções que concretizam propriamente a adaptação do animal ao seu meio. Do Anfioxo ao Homem verifica-se, podemos dizer, uma paleontologia funcional, evidenciada pela prioridade dos dispositivos esquelético-corporais, em comparação com os dispositivos sensório--cerebrais. Aqui se encontra a confirmação da importância dos aspectos funcionais e adaptativos, que só poderiam ser satisfeitos pelos aspectos anatómicos e osteológicos antecedentes, necessariamente dependentes da motricidade. Como dados filogenéticos indispensáveis à compreensão da ontogénese da motricidade dos vertebrados, temos: 1.° — Organização mecânica da coluna e dos membros, entendidos não só como órgãos de locomoção mas também, e fundamentalmente, como órgãos de relação com o meio; 2.° — Suspensão craniana, onde subsiste a colocação da cabeça, como dispositivo funcional de orientação no meio; 3.° — Estruturação da dentadura como órgão de relação com funções de captura de presas, defesa de predadores e preparação alimentar; 4.° — Evolução neuromotora da mão, a qual, estando colocada na extremidade dos membros superiores, justifica a evolução técnico- instrumental; 5.° — Expansão associativa e interneurossensorial do cérebro, que permitiu no Homem a manipulação simbólica (linguagem) e a evolução sociocultural. material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html 4 PALEONTOLOGIA FUNCIONAL Para situarmos objectivamente este ramo da filogénese, vamos recorrer às obras de Leroi-Gourhan e de David Pilbeam, que nos apresentam simultaneamente uma hierarquização morfologico-motora dentro dos vertebrados e segundo o seguinte quadro esquemático: • Ictiomorfismo — equilíbrio no meio aquático; • Anfibiomorfismo — libertação do meio aquático; • Sauromorfismo — libertação da cabeça; • Teromorfismo — locomoção quadrúpede; • Pitecomorfismo — postura sentada; • Antropomorfismo — bipedismo. Fig. 7 — Hierarquização morfológico-motora (segundo Leroi-Gourhan). material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html É dentro desta hierarquização filogenética que passaremos a abordar a progressiva diferenciação funcional da motricidade, sem no entanto deixar de recorrer ao quadro de Pilbeam, que se segue e onde estão assinalados, em termos de evolução, os acontecimentos mais significativos que nos levam até ao aparecimento do Homo Sapiens. Numa breve síntese, e respeitando a hierarquização morfológico-- motora dos vertebrados, vamos agora dissecar cada um dos estádios evolutivos. 4.1 O Ictiomorfismo Trata fundamentalmente da evolução do peixe, na qual se observa uma locomoção no meio aquático assegurada por batimentos laterais e rítmicos, pela acção de músculos antagónicos suportados pelo esqueleto interno. É efectivamente este mecanismo motor elementar que propulsiona o material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html eixo do corpo do peixe, com a acção dinâmica da cauda, equilibradora das barbatanas e direccional da cabeça. A extremidade cefálica assegura a inserção das mandíbulas e pode conter dentes elementares em forma de cone e com superfícies cortantes. A cabeça não apresenta liberdade de movimentos com o eixo corporal: encontra-se solidamente unida à primeira vértebra, recebendo já um minúsculo cérebro, composto de tubo neural e vestibular. 4.2 O Anfibiomorfismo Compreende a passagem da vida aquática à vida terrestre, englobando novas aquisições respiratórias e motoras. As guelras transformaram-se em bexigas natatórias e as mandíbulas acusam já um certo grau de libertação anatómica. É evidente que se dá uma adaptação exclusiva à água e uma adaptação relativa à terra, como, aliás, prova a sua reprodução, quase toda desenrolada no meio aquático. A locomoção terrestre é feita com os quatro membros, e a cintura escapular ainda está articulada com o crânio, de forma que a liberdade da cabeça é quase nula. A bacia faz já suporte à marcha, os braços e as pernas têm os mesmos ossos que o ser humano, e a mão e o pé acusam a pentadáctila. São óptimos nadadores, com movimentos simétricos e propulsi-vos coordenados entre os membros anteriores e os membros posteriores. A cabeça, em terra, assume uma posição semi-horizontal e semivertical, exactamente para facilitar a orientação, o que vai permitir o aparecimento do pescoço, separando anátomo-funcionalmente a cabeça do resto do corpo por uma musculatura da nuca. A dentadura apresenta uma relação osteológica determinada em relação à postura, o que introduz tracções motoras que favorecem a mobilidade da cabeça em relação ao tronco, com concomitante separação da cintura escapular. 4.3 O Sauromorfismo Traduz definitivamente a adaptação ao meio terrestre. A locomoção é obtida sob a forma de ondulação do eixo corporal ou por movimentos inconstantes tipo atetótico, o que introduz novas libertações articulares, como as da cintura escapular, e as transformações anatómicas do crânio. A cabeça encontra-se definitivamente separada do eixo corporal e ocupa a extremidade do pescoço. Surge a musculatura das mandíbulas e o osso hióide, que mobiliza o maxilar inferior e a língua. A faringe especializa-se material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html fundamentalmente na deglutição e a boca na captura e na pré-mastigação dos alimentos, dadas as características conedontes e homodontes da dentadura. Os membros encontram-se individualizados do esqueleto axial, as extremidades são pentadáctilas e o crânio está suspenso sobre o basion, obedecendo a relações alométricas e adaptativas que se estabelecem dialecticamente entre a evolução corporal e a evolução cerebral. O sauromorfismo compreende efectivamente o estudo dos répteis, considerados os primeiros habitantes da terra firme,onde a locomoção pode apresentar em primeiro lugar uma reptação e posteriormente uma locomoção quadrúpede em cima do solo. O estudo dos répteis explica a evolução dos vertebrados, daí a sua importância. Na linha de evolução dos répteis vamos encontrar os pterossauros, que originam as aves e os morcegos, e os dinossauros, que originam os teropsídeos (répteis gigantes), os quais, por sua vez, vão originar duas classes de mamíferos: os herbívoros e os carnívoros. Em qualquer dos casos, o sauromorfismo é caracterizado por um equilíbrio entre o crânio dentário e o crânio cerebral, ao contrário dos ruminantes, em que o crânio dentário é nitidamente superior ao crânio cerebral. No aspecto corporal, muitas aquisições filogenéticas se encontram desvendadas: o eixo vertebral é o centro do edifício corporal, e o esqueleto apresenta já algumas características humanas, isto é, os membros estão individualizados, as extremidades têm cinco dedos, o crânio está suspenso da coluna, a dentadura condiciona o complexo do crânio, etc. Temos aqui outro parâmetro fundamental da filogénese da motricidade: a evolução triunfante do cérebro encontra-se, como foca Leroi-Gourhan, imperiosamente dependente das libertações anatómicas do corpo. A cada libertação anatómica do corpo corresponde uma libertação funcional do cérebro, ou seja uma complexificação e estruturação neurobiológica. A evolução do corpo determina a evolução do cérebro, e esta realidade da evolução é invariante do Anfioxo ao Homem. Em nenhum vertebrado o sistema nervoso precedeu a evolução da motricidade, daí a importância desta evolução naquela. material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html Fig. 8 — A redução do crânio dentário implicou um aumento do crânio cerebral. Veja-se o encurtamento progressivo da base PCB, desde o mamífero (Herbívoro) até ao Homo sapiens, passando pelo chimpazé (Leroi-Gourhan) 4.4 O Teromorfismo Compreende a transformação dos répteis em mamíferos. Os répteis ascendem a uma locomoção quadrúpede, similar à do elefante e do cão. Os membros encontram-se articulados perpendicularmente ao eixo vertebral, permitindo uma elevação do corpo em relação ao solo, o que vai dar origem a melhores condições de locomoção, isto é, a uma motricidade mais coordenada, económica, veloz e adequada ao meio e às suas circunstâncias, como resultado de um controlo estriado, cerebeloso e piramidal, mais eficaz. Por motivos de adaptação biomecânica e alométrica, as vértebras cervicais alongam-se e o pescoço move a cabeça num campo conside- ravelmente mais amplo, advindo daí novas adaptações e novas capacidades de orientação. Em acumulação, surgem outras adaptações, não só ao nível dos dentes (heterodontes), em virtude de uma dieta mais rica e variada, como ao nível da pelagem isolante (homeo-termia) como ao nível do aparecimento definitivo do diafragma, que permite melhor ventilação pulmonar; do palatino secundário, com consequente desenvolvimento do sistema olfactivo, permitindo pela primeira vez a operação conjunta da mastigação e da respiração; dos membros verticais, em vez de membros oblíquos e projectados lateralmente como nos répteis; da arcada temporal espessa, da arcada zigomática, da mandíbula, etc. No teromorfismo encontramos outros tipos de diferenciação biológica, que compreendem o desenvolvimento de uma motricidade de captura e de preparação alimentar, e também uma mastigação elaborada, material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html naturalmente dependente da heterodontia, a qual, por si só, introduziu modificações posturais consideráveis. A cabeça adquire uma independência motora muito complexa, que apresenta um desequilíbrio entre o crânio cerebral e o crânio dentário nos herbívoros e uma tendência para o equilíbrio dos mesmos índices nos carnívoros. Os mamíferos quadrúpedes dividem-se em monotrématos ovípa-ros, marsupiais e placentários, e, dentro destes, temos a diferenciar: insectívoros, morcegos, cetáceos, focas, roedores, herbívoros, carnívoros e primatas. Em todos os mamíferos se desenvolve predominantemente o campo anterior, que envolve dois aspectos morfomotores complementares: - O primeiro: acção da cabeça; - O segundo: acção do membro anterior. Estes dois pólos, o facial por um lado e o manual por outro, constituem, provavelmente, as aquisições motoras mais significativas em termos de controlo e coordenação cerebral, isto é, são dois aspectos da evolução que materializam o êxito biológico que culmina no ser humano nas funções de aprendizagem e de trabalho. Em termos de evolução, a parte cefálica está ligada à parte motora, através dos membros que intervêm na captura e na preparação alimentar. Por exemplo, no caranguejo as primeiras patas servem de pinças para a preensão e esmagamento das presas, nos vertebrados essa função surge no membro anterior,* ora com funções de locomoção ora com funções de relação, preensão, defesa ou preparação alimentar. No peixe, as barbatanas anteriores servem necessidades motoras elementares, como a equilibração e a locomoção aquática. No anfíbio e no réptil a intervenção do membro anterior serve para manutenção da comida no solo. Nas aves, os membros anteriores estão adaptados ao voo e os posteriores têm a função de preensão alimentar e de construção do ninho. material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html Fig. 9 — Importância do campo anterior, que põe em relação a face com as extremidades da mão (FACE/MÃO). (Segundo Leroi- Gourhan) Nos mamíferos surgem inúmeras adaptações preensivas, como a língua da girafa, a tromba do elefante, a garra nos carnívoros ou a mão nos insectívoros e nos primatas. Esta adaptação, de grande importância filogenética e ontogenética, explica a importância da motricidade nos mecanismos locomotores que permitem satisfazer as necessidades e os tipos de nutrição: carnívoros, herbívoros, frugíveros e omnívoros. No ser humano, a relação pólo facial - pólo manual não é feita pelo membro anterior da locomoção, dado que a mão não acumula duas funções: a da preparação de alimento e a de locomoção. Trata-se de um novo teorema da filogénese da motricidade — a libertação da mão. No Homo Sapiens, a mão opera as funções de defesa e de preensão, bem como se libertou da locomoção, permitindo a partir daqui a disponibilidade para o trabalho, ao mesmo tempo que, dialecticamente, permitiu a libertação dos órgãos faciais para a linguagem. Em resumo: Do mamífero ao macaco, duas grandes divisões nos surgem: os que utilizam os membros anteriores na relação com o meio (mamíferos preensores); os que utilizam só a cabeça nessa relação (mamíferos locomotores). Os primeiros compreendem os que são especializados na preensão e apresentam uma relação entre o cérebro e os caninos, e a aquisição postural de sentado, muito importante, como vamos ver, em termos de ontogénese da motricidade. material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html A mão com cinco dedos, herdada dos anfíbios da Era Silúrica, permite a preensão, dado que representa uma libertação anatómica que tem a ver com a mobilidade da omoplata, do rádio e do cúbito, permitindo a supinação e a pronação. Para se dar esta libertação ao nível da mão é necessário que o esqueleto dos mamíferos preensores seja mais disponível em termos de movimento. O crânio cerebral tende a equilibar-se ao crânio dentário. Os segundos compreendem os especializados na locomoção e apresentam uma dentadura alongada, adaptada ao tratamento de vegetais e de folhas. As extremidades não têm dedos e são especializadas na sustentação e na locomoção terrestre e não adquirem a postura de sentado. Tudo se concentra no edifício craniano, único campo corporal que estabelece relaçãocom o meio, ocupando a língua e os lábios as funções de preensão, e ocupando os apêndices faciais as funções de defesa. O crânio dentário tende a ser superior ao crânio cerebral. 4.5 O Pitecomorfismo Resta-nos o pitecomorfismo para concluirmos as etapas da filogé- nese da motricidade, antes de abordar os primatas. Em termos zoológicos, podemos afirmar, com Leroi—Gourhan, que há um pouco de quadrupedia nos primatas e um pouco de primata no ser humano. Em termos paleontológicos, o primata assegura, como intermediário morfológico, a ligação entre os seres humanos e os terópodes. Do ponto de vista da filogénese da motricidade, a quadrumania está entre a quadrupedia e o bipedismo. Quer dizer, os primatas adquirem uma preensão permanente e uma postura de sentado, característica. De uma preensão esporádica e temporária, passamos a uma preensão constante e diversificada. A preensão, como característica motora que mais libertações anatómicas compreende, é a consequência pura e simples de uma maior disponibilidade corporal e de uma maior autonomia postural, adquirida fundamentalmente com a postura de sentado. A mão, agora como um dispositivo de libertação anatómica, pode realizar: supiniações, pronações, aduções, abduções, sustentações, tracções, rotações, flexões, extensões, oposições, digitações, etc, realizando uma complexa rede de aquisições motoras (braquiação) indispensáveis à adaptação arborial dos primatas. Como já focámos, a postura de sentado compromete a redução e o parabolismo da dentadura, e esta, por si, vai comprometer um desenvolvimento cada vez mais complexo do cérebro. O buraco occipital encontra-se articulado com a coluna vertebral, por meio de uma abertura posterior e inferior apta a facilitar a quadrupedia e a posição de sentado. material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html A base opistion-basion encontra-se mais horizontalizada, a alavanca basion-inion baixa e liberta-se da sustentação do crânio, mantida pelos músculos fortes da nuca. Basta agora realizar a expansão do frontal, enrolar o occipital e alargar consideravelmente em leque o parietal e o temporal. Para esta expansão craniana, e depois cerebral, é necessário reduzir a face e o prognatismo, superar a arcada orbital, verticalizando cada vez mais o frontal e reduzindo consideravelmente os molares e os pré-molares. Só com as transformações anatómicas apontadas, o corpo (aspecto técnico) se estrutura progressivamente, e o cérebro (aspecto organi-zativo) ocupa todo o espaço mecanicamente disponível, dando nascimento a todas as manifestações cerebrais mais avançadas e que são corolário da evolução que vai do primata ao Homem. material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html 5 ANTROPOMORFISMO E ADAPTAÇÕES HOMINÍDEAS Resta concluir agora os aspectos mais significativos que compreendem o estudo dos primatas e das adaptações hominídeas, que, no seu todo, significam a última e mais importante etapa da filogênese da motricidade — o antropomorfismo. Antes de avançar nos mecanismos antropomórficos da filogênese da motricidade, convém apresentar o quadro da Ordem dos Primatas: O termo antropomórfico, como nos surge em Leroi-Gourhan, cria a ligação entre os grandes símios e a Humanidade. Basicamente, compreende todos os antropomorfos que dominam a postura vertical bipede e todas as suas múltiplas conseqüências morfofuncionais. material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html Fig. 10 — Arvoredos Primatas (segundo F.H.T. Rhodes) material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html Fig. 11 — Árvore geneológica dos Hominideos. O Homo Sapiens, tem atrás de si uma evolução histórica. Antes, porém, de avançar nas adaptações hominídeas, é urgente que se definam as características dos primatas resultantes da adaptação arborial. A vida nas árvores oferece outro tipo de exigências, e de novo, como atesta Szalay no seu estudo sobre a paleobiologia dos primatas primitivos, a motricidade ocupa uma função capital. Em termos esquemáticos, e segundo o mesmo autor, a motricidade arborial é responsável pelas seguintes tendências adaptativas alargamento do cérebro; recessão do prognatismo; convergência dos olhos; ossificação das paredes orbitais; atrofia do aparelho olfativo; especialização preensiva das material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html extremidades; desenvolvimento dos receptores tácteis; desenvolvimento neurobiológico oculomotor; agilidade excepcional, pondo em jogo um alto nível de controlo cerebelos e o desenvolvimento da associação pré-frontal; desenvolvimento da função motora; integração interneurossensorial; visão estereoscópica; desenvolvimento do anel timpânico, de grande importância para o desenvolvimento da acuidade e da discriminação auditiva; etc.. A adaptação arborial é, por definição, a penúltima etapa da filogênese da motricidade, justificando posteriormente a verticalização a braquiação, a manipulação e a dentição hominídea. Wasburn e Jay, no seu trabalho intitulado Perspectivas da Evolução Humana, procuram abordar uma chave biológica da adaptação arborial e hominídea, característica de todos os primatas e antropóides, diferenciando nomeadamente as seguintes: 1ª - Desenvolvimento dos membros como órgãos de preensão; 2ª - Desenvolvimento dos membros anteriores como órgãos de exploração; 3ª - Desenvolvimento dos sistemas herbívoro e carnívoro de digestão e conseqüente estrutura craniodental; 4ª - Redução do sentido olfativo; 5ª - Desenvolvimento da atividade visual; 6ª - Mudanças no esqueleto pós-craniano; 7ª - Desenvolvimento do cérebro: aprendizagem, linguagem e fabricação de instrumentos; 8ª - Redução do número de descendentes por nascimento, dependência maternal e organização social. Vejamos agora, na companhia de outros autores, como Tobias, Montagu, Simons, Simpson, Le Gros Clark, Leakey, Napier e outros, cada uma destas características antropomórficas. 5.1 O Desenvolvimento dos Membros como Órgãos de Preensão A vida na árvore exige, objetivamente, que os animais que nela habitam se possam manter e sustentar. Uns com unhas, outros, como os primatas, com mãos e pés preensivos. A preensão ao nível da mão, outra das aquisições filogenéticas da motricidade, implica a libertação da cintura escapular, a rotação do rádio e do cúbito, a mobilidade independente dos dedos, originando consequentemente uma maior dissociação entre as falanges e os metacarpos e entre este e os ossos do carpo. A mão primata, e igualmente a mão humana, é constituída por vinte e sete ossos (oito no carpo; cinco metacarpos, dois no polegar e doze nos restantes quatro dedos), enquanto o resto do membro superior tem só três material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html ossos unidos por inúmeros tendões e músculos, que se encontram inseridos na unidade motora mais complexa do mundo animal - a mão. A preensão é garantida através da oponibilidade do polegar em relação aos restantes dígitos. A característica pentadáctila do primata vem já dos répteis; porém, a oponibilidade é só possível nos primatas. O polegar pode oferecer a sua superfície palmar às superfícies palmares dos outros dedos, e por via dessa unidade de coordenação o primata está apto a suspender-se nos ramos e a saltar de uns para outros, mantendo vertical, o seu corpo. A coordenação motora dos primatas que é necessária para a preensão de ramos é a mais complexa de todos os mamíferos placentários. De fato, a agilidade e a disponibilidade motora que são exigidas para saltar de um ramo para outro e a seqüência de balanços aéreos que compreendem põem em destaque um diferenciado controlo cerebeloso, extrapiramidal e piramidal.
Compartilhar