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FILOGENESE DA MOTRICIDADE

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VÍTOR DA FONSECA
FILOGÉNES DA 
MOTRICIDADE
ABORDAGEM BIOANTROPOLÓGICA DO 
DESENVOLVIMENTO HUMANO
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VÍTOR DA FONSECA
FLOGÉNESE DA 
MOTRICIDADE
ABORDAGEM BIOANTROPOLOGICA DO 
DESENVOLVIMENTO HUMANO
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ÍNDICE
INTRODUÇÃO ................................................................................................... 5
1 ORIGEM DA VIDA ...................................................................................... 9
2 ORIGEM DAS ESPÉCIES ........................................................................ 14
3 DOS INVERTEBRADOS AOS VERTEBRADOS ...................................... 21
4 PALEONTOLOGIA FUNCIONAL .............................................................. 29
4.1 O Ictiomorfismo.................................................................................. 30
4.2 O Anfibiomorfismo.............................................................................. 31
4.3 O Sauromorfismo............................................................................... 31
4.4 O Teromorfismo ................................................................................. 33
4.5 O Pitecomorfismo............................................................................... 36
5 ANTROPOMORFISMO E ADAPTAÇÕES HOMINÍDEAS ........................ 38
5.1 O Desenvolvimento dos Membros como Órgãos de Preensão ......... 41
5.2 O Desenvolvimento dos Membros Anteriores como Órgãos de 
Exploração.................................................................................................... 45
5.3 O Desenvolvimento do Sistema Herbívoro e Omnívoro de Digestão e 
Consequente Estrutura Cranio-dental .......................................................... 49
5.4 A Redução do Sentido OIfactivo ........................................................ 54
5.5 O Desenvolvimento da Acuidade Visual ............................................ 55
5.6 Mudanças no Esqueleto Pós-Craniano.............................................. 57
5.7 Desenvolvimento do Cérebro: Aprendizagem, Linguagem e 
Fabricação de Instrumentos ......................................................................... 61
5.8 Redução do Número de Descendentes por Nascimento, Dependência 
Maternal e Organização Social..................................................................... 75
6 CONCLUSÃO ........................................................................................... 81
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INTRODUÇÃO
 O objetivo do trabalho que vou apresentar insere-se numa 
continuidade de pesquisas e de estudos, que situo por volta de 1969, ano em 
que iniciei o estágio pedagógico do curso do Instituto Superior de Educação 
Física (ex-lNEF). Aí, tive como metodólogo o professor Nelson Mendes, que 
me abriu várias perspectivas científico--pedagógicas e me proporcionou, mais 
tarde como diretor do mesmo Instituto, oportunidades ímpares e 
verdadeiramente facilitadoras, para concretizar a presente obra. 
 Na procura dos fundamentos interdisciplinares da Educação, como 
ação global dirigida a um ser Bioantropológico e Psicobiológico, isto é, à 
totalidade biopsicossocial do Ser Humano, parti para uma aventura episódica e 
preferencialmente orientada para os problemas da Motricidade. Tal esforço 
culminou na dissertação final, concluída já em 1971, cujo título: De Uma 
Filosofia (do conhecimento) à Minha Atitude (pedagógica), em pouco sugeria o 
que nela estava contido, ou seja, o tema referente ao seu subtítulo: Subsídios 
para a Ontogênese da Motricidade Humana. 
 E deste subtítulo que emerge parte do atual trabalho, agora 
enriquecido com outros dados, procurando apontar para uma Ciência do 
Homem, onde os aspectos biológicos e antropológicos, não se oponham aos 
aspectos sociológicos e culturais, ou melhor, onde a filogênese não se oponha 
à ontogênese, onde o organismo não se oponha ao meio, e onde a motricidade 
humana não se oponha a toda a criação da Civilização. 
 E óbvio que este objetivo é demasiado ambicioso, porém a minha 
experiência profissional tem-me proporcionado ocasiões e desafios que 
convergem nesse sentido. Primeiro, no Instituto Nacional de Educação Física 
como responsável pelo ensino das cadeiras de Antropologia (1972, 73, 74 e 
75), de Educação Psicomotora (73 e 74) e Teoria do Movimento Humano (74 e 
75); segundo, como bolsista do Instituto Nacional de Investigação Científica 
(ex-IAC) na Universidade de Northwestern (Evanston - Ilinóis), como pós-
graduado (mestrado) em Ciências de Educação (74 e 75), onde obtive um 
crédito em Antropologia Biológica («Primate Evolution» — Evolução dos Prima-
tas); terceiro, no Instituto António Aurélio da Costa Ferreira, como responsável 
«episódico e esporádico» das cadeiras de Neurobiologia (1977) e Dificuldades 
de Aprendizagem, especialmente orientadas para problemas de 
desenvolvimento e de aprendizagem na criança normal e na criança deficiente; 
e, por último, no Instituto Superior de Psicologia Aplicada, como responsável 
pela cadeira de Psicobiologia (4.° ano - área de Psicopedagogia), cujo 
programa, que temos orientado desde 1975, após convite do Dr. Bairrão Ruivo, 
se encontra neste livro mais ou menos sintetizado, na mira de proporcionar aos 
alunos de Psicobiologia um modesto livro de estudo (textbook). 
 Foi esta a idéia central e motivadora da longa e perturbada 
construção deste trabalho subdividido em dois volumes. Todas as 'flutuações 
adaptativas e conceptuais da minha vida e experiência no ensino superior têm-
me oferecido uma visão multidisciplinar e cientificamente integrada, visão 
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inconclusa que podemos agora apresentar com um mínimo de coerência 
conceptual e com um mínimo de unidade dialética. 
 Não pretendo avançar com generalizações abusivas nem com 
reducionismos encantatórios, desejo fundamentalmente, neste estudo, não 
vulgarizar o lugar do Homem na Natureza. Por isso, apresento humildemente 
uma abordagem filogenética e ontogenética, rodeada de constelações 
temáticas, muitas vezes preliminares e rudimentares, porém suficientemente 
justificadoras para oferecer duas abordagens do desenvolvimento humano. 
 A primeira abordagem, eminentemente bioantropológica é 
apresentada neste volume. A segunda abordagem, fundamentalmente psico-
biológica, será apresentada, noutro volume, nesta mesma coleção. Em ambas, 
as abordagens estão contidas uma unidade indispensável e recíproca, unidade 
que esteve na base da minha pesquisa e na base da elaboração do 
manuscrito. Só dentro de uma leitura complementar, entre um volume e o 
outro, se pode alcançar o objetivo expresso da minha reflexão. Nos dois 
volumes procuro defender a idéia de que o Desenvolvimento da Criança 
(ontogénese) recapitula, acelerada e qualitativamente, o Desenvolvimento da 
Espécie Humana (filogénese). 
 Neste primeiro volume tento partir da Antropologia Biológica, na qual 
procuro, apenas, aflorar a Evolução pré-orgânica e orgânica, passando 
rapidamente pela origem das espécies e pela transição que decorre dos 
animais invertebrados aos vertebrados. No sentido de abordar a motricidade 
dos animais, como comportamento adaptativo por excelência, evoluo em 
seguida para um estudo paleontológico-¦funcional, afim de demonstrar o papel 
daquela, nas libertações anatômicas, e o papel destas, nas modificações 
cerebrais das diferentes espécies. Do protozoário ao metazoário, do peixe ao 
réptil, do mamífero ao primata, e deste ao Homo Sapiens, tento fornecer dados 
que permitam visualizar interações endógenas (genótipo) e exógenas 
(fenótipo), que ponham em jogo a relação dialética,invariável e teleonómica, 
dos organismos vivos com o seu meio envolvente. 
 Com base na Genética, procuro então dimensionar o papel da 
informação e transdução bioquímica que hierarquiza e controla os fatores 
inatos e adquiridos em todas as espécies, daí resultando uma seqüência 
evolutiva de transformações anátomo-funcionais, que culminam no primata e 
no Homem. 
 É no enfoque preferencial das Adaptações Hominídeas que me situo 
neste primeiro volume. Aqui, abordamos comparativamente as transformações 
anatômicas e as modificações cerebrais concomitantes, na tentativa de 
enunciar algumas relações inequívocas entre o Biológico e o Social. 
 No outro volume procurarei lançar subsídios sobre a ontogênese 
recapituladora da seqüência filogenética, que objetivamente resume a evolução 
do Zigoto ao Feto, isto é, todo o Desenvolvimento Intra-Uterino, que é estudado 
pela Embriologia Humana. Posteriormente, e com base em alguns processos 
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maturacionais, abordo a Neonatalogia e o Desenvolvimento Extra-Uterino, 
especialmente no que concerne às relações entre o psiquismo e a motricidade. 
 Nas duas abordagens procuro um certo equilíbrio lexico-visual entre 
o texto e a introdução de esquemas e desenhos, afim de facilitar a 
compreensão da minha mensagem. Desenhos e esquemas, ou melhor, 
esboços muito simples, uns originais meus, outros adaptados de obras que 
lemos e dissecamos. 
 O resultado da minha investigação, sempre numa tentativa de 
renovação evolutiva, coloca este trabalho como um complemento a um outro já 
publicado noutra editora com o título Contributo para o Estudo da Génese de 
Psicomotricidade. Por motivos alheios à minha vontade, mas que lamento 
profundamente, este livro deveria ser editado em 1978 na mesma coleção. Sai 
agora, três anos depois, com riscos de desatualização em algumas áreas, 
numa coleção que se lhe ajusta mais criteriosamente e onde espero publicar 
outros temas. 
 Independentemente de novos ajustamentos conceptuais e de 
reforços bibliográficos mais atualizadas, o trabalho não se afasta do objetivo 
inicial, que aponta para o estudo da motricidade humana e da 
psicomotricidade, agora fundamentadas em duas perspectivas. 
 O meu estudo procura lançar, todavia consciente das suas 
limitações, algumas bases para a compreensão do primeiro processo humano 
de aprendizagem e apropriação do real, ou seja, a motricidade, meio através 
do qual a inteligência humana se desenvolveu e se materializou, se constrói e 
edifica.
 A motricidade humana, grande arquiteta da Civilização, tem as suas 
raízes filogenéticas a partir da Antropologia, da Genética e da Embriologia. Por 
outro lado, a motricidade humana para além de ser a consciência precoce, 
reúne em si duas componentes ontogenéticas fundamentais: a diferenciação 
estrutural do sistema nervoso central e a aquisição progressiva de padrões 
comportamentais (skills), justificadoras da hierarquia da experiência humana 
que vai da sensação à conceptualização, passando pela percepção, pela 
retenção e pela simbolização. 
 E pela importância que a motricidade assume na estruturação, 
organização e regulação da linguagem humana, que ela nos permite 
compreender a razão de ser da evolução decorrente do gesto à palavra, do ato 
ao pensamento e do ato reflexo à atividade de reflexão. 
 Por ser uma área subestimada no estudo do Homem, por uma 
deficiente interpretação do seu comportamento psicobiológico (que raramente 
vemos ultrapassada em estudos sobre o desenvolvimento da criança, quer em 
termos antropológicos quer em termos ontogenéticos, para não dizer também 
educacionais), vimos, agora, lançar mais este novo contributo. 
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 Termino com «inconclusões», que pelo seu inacabamento, apenas 
nos abrem o desejo de continuar a valorizar os fundamentos de uma 
perspectiva científica do Desenvolvimento Humano. 
 Apresentamos este contributo a todos os que se interessam pelo 
Desenvolvimento Humano, nomeadamente: pais, educadores de crianças 
deficientes e inadaptadas, educadores em geral, pediatras, pedo-psiquiatras, 
psicólogos, pedagogos, enfermeiros, assistentes sociais, terapeutas, 
reeducadores, investigadores, antropólogos, etc. 
 Um agradecimento especial a todos os meus alunos do INEF 
(cursos desde 1972 a 1975), do IAACF (cursos de 1977 e 78) e especialmente 
do ISPA (cursos desde 1975), que nos «obrigaram» a preparar as aulas, que 
aqui surgem agora com uma certa unidade, nem sempre alcançada nas 
situações dialéticas de leccionação. Agradecimento extensivo também a 
colegas de trabalho, donde destaco: Nelson Mendes, Arquimedes da Silva 
Santos, José Marinho (já falecido), Vítor Soares e restantes companheiros do 
Gabinete de Estudos e Intervenção Psicopedagógica. Do convívio científico 
que conseguimos criar nasceram luzes e reflexões que permitiram a 
transformação da nossa informação no presente livro, englobando uma 
Perspectiva do Homem já apresentada no IV Congresso Internacional de 
Psicomotricidade (Madrid, Março de 1980) e no Congresso Internacional de 
Aprendizagem e Desenvolvimento organizado pelo Instituto Piaget (Lisboa, 
Outubro de 1980). 
 Por último, dedico este trabalho a todas as crianças portuguesas, 
deficientes ou não deficientes, que considero, em termos antropológicos e 
históricos, os verdadeiros pais dos adultos. 
Nova Oeiras, Novembro de 1978.
O Autor 
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1 ORIGEM DA VIDA 
 Não podendo aprofundar uma perspectiva bioantropológica, não 
queremos deixar de equacionar, embora superficialmente a origem da vida, o 
que põe de imediato em jogo a evolução pré-orgânica que antecedeu a 
evolução orgânica. 
 A origem da vida não pode ser estudada objetivamente. Só por 
analogia e inferência podemos compreender a vida na sua unidade e na sua 
diversidade, que engloba em si inúmeras transformações físico-químicas 
geradoras de mutações genéticas, as quais justificam os milhões de espécies 
de seres vivos, que compreendem uma dinâmica energético-material 
processada ao longo de milhões de anos. 
 O fenômeno vital (o misterioso fenômeno de Teilhard de Chardin) 
não é mais que uma série de processos que têm lugar dentro de certos níveis 
complexos de organização da matéria. Já Engels concebia a vida 
(independentemente de não ser um biólogo) como uma forma particular de 
movimento da matéria. E óbvio que a definição de vida é sinônimo de energia, 
energia essa libertada a partir do aniquilamento nuclear mútuo da matéria e da 
anti-matéria.
 E evidente que a origem da vida se presta a explicações 
teleológicas, espiritualistas, animistas e vitalistas; no entanto, as investigações 
no domínio da física, da química e da biologia permitem uma explicação 
científica da origem da vida. O ponto de vista idealista considera a vida como 
um princípio espiritual e sobrenatural. Estão nesta linha as explicações que vão 
de Platão a Aristóteles, passando por Plotino, Santo Agostinho e S. Tomás de 
Aquino, nos quais sobressai uma concepção de vida determinada por uma 
força vital, animada de um dom supremo, sublime e divino. 
 No entanto, outras aproximações antimísticas justificaram a 
«pluralidade dos universos habitados», começando em Anaximandro a noção 
de que os mundos nascem e morrem, e enriquecendo-se em Anaxágoras, que 
iniciou a concepção heliocêntrica. Posteriormente, Lucrécio, Copérnico, Bruno 
e Galileu, tendo sido em alguns dos casos considerados «hereges», foram 
dissecando o mistério da origem da vida. 
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 O rompimento do obscurantismo que envolve a origem da vida, bem 
como a descoberta dos «parâmetros ocultos», iniciaram-se com os trabalhos 
de Pasteur,Elsasser, Bohr, Einstein, Hinshelwood, Heisen-berg, Glass, 
Neumann e tantos outros. Em todos estes autores há uma convergência anti-
reducionista da noção de vida. A vida, se quisermos unificar as suas 
concepções, não é um simples metabolismo químico; ela é um estado limitado 
de organização e duração que envolve dialeticamente processos de 
regularidade de repetição, mas também processos invariantes e processos 
teleonomicos (Jacques Monod). 
 A noção de vida contém o gérmen da morte. O que vive morre. No 
fim da vida está a morte. É óbvio que esta dimensão dialética e inacabada 
reúne a noção dinâmica da vida, que compreende um nascimento e uma 
desintegração final, estando entre os dois estados os fenômenos de 
metabolismo, de irritabilidade, de movimento, de crescimento, de reprodução 
de acomodação e de assimilação. Por outras palavras, a vida requer um 
conjunto de fenômenos físicos, químicos e biológicos que põem em destaque 
os fenômenos de assimilação, de acomodação e de reprodução e a 
observância de certas condições de radiação, temperatura, gravitação, etc. 
 A teoria panspérmica é uma das abordagens que nos permite 
reconhecer a noção de vida, ou melhor, a formação da matéria, resultante da 
combinação e da constelação de fenômenos físico-químicos que originaram o 
aparecimento da vida no planeta Terra. O aparecimento da vida no nosso 
planeta põe em relevo a importância da formação de uma atmosfera. Segundo 
Weizsãcker, a aglomeração de poeiras, de nuvens e de gases, juntamente com 
o choque e a explosão de fragmentos de matéria, permitiu um envolvimento 
gasoso, rico em hidrogênio do qual resultou a formação do Sol. A partir de 
fenômenos de gravitação e, de contração de gases (hidrogênio e hélio), 
surgem forças eletromagnéticas que explicam a atração recíproca entre 
estrelas e planetas, os quais se organizam, em termos cada vez mais 
complexos, em enxames, espirais, nebulosas, ou melhor, em galáxias. 
 Se aceitarmos este princípio, evocado por cientistas, podemos 
compreender que a Terra, apenas um fragmento de um planeta original, se 
constituiu em três elementos fundamentais: atmosfera, hidrosfera e litosfera. 
 Desaparecendo as nuvens e os envolvimentos gasosos, a luz solar 
pôde atingir a Terra. As estruturas resultantes da aglomeração e da contração 
de gases, ao reagirem entre si, geraram minerais primitivos e a desintegração 
de materiais radioativos. É fácil, a partir daqui, prever que as partículas 
subatômicas (nêutrons, prótons e elétrons) se reuniram, por bombardeamentos 
meteoríticos, num só prótons, mais complexo e organizado, o que, em si, 
explica a formação de estrelas e poeiras cósmicas, da qual surgiram 
agregações que se deslocam e se fixam no Cosmos. Depois desta 
estabilização cósmica instável, bastou que se dessem libertações de gases, 
como as do bióxido de carbono, de metano, dos gases sulfurosos e das 
combinações de azoto, para se originarem as atividades vulcânicas e os 
fenômenos de vaporização que permitiram o aparecimento dos mares 
primitivos.
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 O «puzzle vital» está quase concluído. Dos oceanos resultam sais 
minerais e fenômenos de condensação que geram chuvas. Este ecossistema, 
que tem tanto de invariante como de teleonómjciL, permite a decomposição do 
vapor de água, dando origem à libertação de oxigênio, condição indispensável 
à vida dos seres vivos. Fácil se torna agora compreender o aparecimento da 
vida através de elementos químicos e de fenômenos físicos integrando um 
processo evolutivo que tem a sua origem no Sol. 
 O Sol, como núcleo energético gigantesco e superaquecido, passou 
por períodos de alteração, num dos quais, por arrefecimento, se deu o 
deslocamento de elementos que formaram os planetas, um dos quais a Terra. 
material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html
 A Terra, composta, como já vimos, por litosfera, hidrosfera e 
atmosfera, que não existem em Marte nem em Vênus, tem hoje uma história 
calculada em quatro mil e quatrocentos milhões de anos. Tendo sido primeiro 
uma nuvem de poeiras cósmicas, passou posteriormente a modificar a sua 
forma esférica e sólida através de uma complexa actividade vulcânica que lhe 
conferiu uma estrutura dependente da solidificação dos metais (litosfera) e, 
concomitantemente, um invólucro gasoso (atmosfera). 
 A Terra, sofrendo pressões atmosféricas e forças electromagnéticas 
e radioactivas, alterou os seus elementos químicos, os quais, por sua vez, se 
combinaram adquirindo novas propriedades. 
 A mais importante destas propriedades gerou a proteína, composto 
a partir do qual se justifica o aparecimento da própria vida. 
A proteína encontra-se no mundo vegetal e no mundo animal. Trata-se de uma 
substância plástica e protectora essencial aos seres vivos, podendo conter 
mais de quinhentas moléculas de aminoácidos. 
 O número de aminoácidos, segundo Bronowski, é uma medida de 
distância, em termos de evolução, entre o ser humano e qualquer mamífero. 
Vinte aminoácidos (espécies químicas) encontram-se em todos os seres vivos, 
da bactéria ao Homem. 
 Podemos perceber, efectivamente, que a vida não surgiu de repente, 
antes resulta de uma progressiva estrutura e de uma organização evolutiva de 
elementos químicos que permitiram uma constante recriação de novos 
atributos que explicam a impossibilidade de separar radicalmente o mundo 
inorgânico do mundo orgânico. 
 A complexidade crescente que vai das substâncias simples (as 
quais, como o metano, os hidrocarbonetos, a água e o azoto, pairam no seio da 
hidrosfera e da atmosfera) às substâncias proteicas, encontra necessariamente 
a sua explicação na biologia molecular, problema este de significação genética, 
de onde ressaltam os ácidos nucleicos, que, propriamente, definem a vida no 
seu todo. 
 A vida exige naturalmente um determinado tipo de composição 
química da atmosfera e da hidrosfera. Só assim se verificam fenómenos 
diversos, que se dão em limites aceitáveis de temperatura, gravitação e 
radiação. Stanley Miller, em 1950, com amónia, metano, hidrogénio e por vapor 
de água obteve aminoácidos em condições laboratoriais, por meio de 
descargas eléctricas e por condensações, provando assim que é possível, 
experimentalmente, a síntese não biológica de moléculas orgânicas. Um passo 
crucial se deu em termos de evolução, dado que os aminoácidos são 
considerados como os tijolos do grande edifício da vida. Deles se fazem as 
proteínas, e estas são, nem mais nem menos, os constituintes de todos os 
seres vivos. 
 A massa, o raio e o afastamento do Sol permitiram o aparecimento 
de vida na Terra, através de radiações, gravitações, radioactividade, humidade, 
material exclussivo do site http://gagaufera2005.no.sapo.pt/index.html
calor, vento, electricidade natural, luminosidade, etc, resultantes de reacções 
ditadas por leis físico-químicas. Por acumulação, a actividade vulcânica, as 
erupções, as glaciações, as condensações, as polimerizações e as oxi-
reduções, associadas às reacções dos hidrocarbonetos, do vapor de água e do 
amoníaco, permitiram o aparecimento do protoplasma (composto proteico) nos 
oceanos primitivos. Nos oceanos primitivos — meios privilegiados de vida, 
livres de radiações ultravioletas mortais — surge a matéria viva. O 
protoplasma, matéria básica de que são feitos os corpos de todas as plantas e 
animais, contém inúmeras propriedades, como por exemplo: irritabilidade, 
sensibilidade, contractibilidade, bem como propriedades prefor-madas e pré-
elaboradas, que permitem a transmissão, a selecção, a acumulação e a 
conservação de energia, susceptível de ser transferida e auto-reproduzida. 
Essa missão é essencialmente controlada pelos ácidos nucleicos. 
 A condição da matéria orgânica é a condição dos seres vivos, que, 
por definição, são organismos compostosde órgãos, compreendendo uma 
organização que mais não é que uma adaptação às condições do meio 
exterior.
 Os organismos vivem na razão directa de se alimentarem ou de 
traduzirem a energia existente no exterior. O organismo subentende um corpo 
(aspecto morfológico) que vive em permanente troca energética (aspecto 
comportamental) com o meio. Isto é, transforma o meio exterior para criar 
condições indispensáveis à sua actividade, ou seja a manutenção de um 
estado relacional num dado estado estrutural. Quer dizer, há nos seres vivos a 
necessidade de uma permanente adaptação ao meio exterior, a qual resulta de 
processos de assimilação e acomodação que concretizam biologicamente a 
dialéctica organismo--meio. 
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2 ORIGEM DAS ESPÉCIES 
 Depois de termos tentado apresentar uma abordagem superficial da 
origem da vida, vamos agora avançar com um outro conceito fundamental - a 
origem das espécies. 
 Constata-se hoje, que os organismos descendem um dos outros por 
transformações, como resultado de adaptações lentas em grandes períodos de 
tempo.
 Neste âmbito, A Filosofia Zoológica, de Lamarck (1809), A Lei que 
Regula a Introdução das Novas Espécies, de Wallace (1855), e a Origem das 
Espécies, de Darwin (1859), são, de fato, marcos cruciais na teoria da 
evolução, independentemente de todos eles desconhecerem os mecanismos 
da hereditariedade, só enunciados por Mendel em 1866 e praticamente 
desconhecidos até 1900. 
 Para vários autores, nomeadamente Burma, Mayr, Gregg, Simpson 
e Dobzhansky, a noção de espécie implica a noção de descendência e a noção 
de continuidade biogenética, isto é, requer a observância de processos de 
reprodução sexual. Embora a «espécie» seja uma ficção, uma construção 
mental sem existência objetiva, convém definir espécie biológica como o maior 
grupo natural de indivíduos que atual e potencialmente são capazes de 
reprodução e intercriação, ou seja de produzirem descendências férteis do 
ponto de vista biológico. Quer dizer, a noção de espécie leva-nos à noção de 
animal individual e sexualmente reprodutivo. Daqui, necessariamente, surge a 
noção de animal e de parentesco, pelo fato de um certo esperma e de um certo 
óvulo se fundirem num dado núcleo, contendo uma informação que permitirá a 
divisão celular e o aparecimento conseqüente de uma nova cria. 
 A espécie é vista como uma continuidade biológica e genética, isto 
é, o segmento de uma linha, de uma seqüência ancestral, descendente 
portanto de populações biológicas integradas numa dimensão temporal e numa 
mudança genética. A noção de espécie não é ambígua, embora do ponto de 
vista zoológico e paleontologico surjam muitas controvérsias. Ela inclui uma 
noção de tempo, uma seqüência de populações genéticas e um conjunto de 
realidades biológicas que compreendem: a criação, a variabilidade e a 
fertilidade. 
 As espécies não são senão segmentos da filogénese, digo de 
sucessões e de criações contínuas sem interrupção, que se dividem em 
subespécies e variedades classificadas segundo a taxonomia animal. Há que 
encarar, pelo menos, uma relação dialéctica entre amostras ou entidades 
(unidades) e as populações, que se transformam através dos tempos e migram 
de umas zonas geográficas para outras. 
 É evidente que com 1 000 000 de espécies animais e 350 000 
espécies vegetais, com toda a sua diversidade e especificidade, necessário se 
tornou classificá-las. Neste aspecto, temos de destacar dois naturalistas, Ray e 
Linné, a quem se deve o Sistema Natural (1735) que motivou a taxonomia 
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moderna. Para Linné, a sistemática dos seres vivos devia integrar as seguintes 
categorias: reino, filo, classe, ordem, família, género e espécie. 
 Para Linné e muitos dos seus contemporâneos, as espécies eram 
distintas e imutáveis, categorizadas segundo a sua semelhança morfológica. 
Só mais tarde, com Erasmos, Danvin e Lamarck, se reconheceu a variabilidade 
e a diversidade das espécies. A espécie passou a não ser explicada puramente 
por um simples acto de criação, mas por um processo lento de transformação 
em longos períodos de tempo. 
 Estas concepções, ridicularizadas, como sempre, pelos cientistas 
contemporâneos de Lamarck, levaram cerca de cem anos para serem 
reinterpretadas, e aqui surgem Darwin e Wallace. Estes autores expuseram a 
teoria da selecção natural segundo um princípio evolutivo, no qual todas as 
espécies vivas evoluíram a partir de formas preexistentes mais simples. 
 A taxonomia, a partir daqui, abandonou a categorização por 
semelhanças e entrou num novo horizonte: a categorização por evolução. As 
pressões da evolução vão posteriormente explicar por que é que os animais 
não relacionados entre si se transformam em novas espécies: as espécies 
passaram a ter laços de parentesco, mesmo com um antepassado muito 
remoto. Daí fundamentar-se, por exemplo, que o Homem e os Simios 
superiores têm um antepassado comum, que Simons designou por Procônsul. 
 Através desta visão, a taxonomia não é mais que um resumo da 
história da evolução, exemplificando a evolução das espécies em termos de 
complexidade crescente, de organização e adaptação biológica. Como 
Simpson, concordamos que as espécies devem ter uma definição em relação 
com o processo da evolução. Só assim a definição de espécie atinge uma 
significação biológica, porque profundamente evolutiva e genética. 
 Esta visão, de que as espécies mudam no espaço e no tempo, é 
filha da obra de Darwin, aliás já contida no seu trabalho Origem das Espécies, 
considerado o livro mais importante do século XIX, e só possível depois da sua 
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viagem no «Beagle» à volta do Mundo. 
 É evidente que há dados de fósseis que permitem a defesa desta 
perspectiva, embora os paleontólogos não se encontrem suficientemente 
satisfeitos com os factos evidenciados pelas provas contidas nos fósseis. O 
que interessa, aqui, é perceber a grande mensagem darwiniana, que encerra 
uma visão multidimensional que surge como uma dificuldade para os 
taxonomistas. Estes terão de contar com variações de populações, 
polimorfismos, adaptações, ecofenótipos, isolamentos, migrações, variações 
etárias, alterações do envolvimento, etc., isto é, com a noção de que a espécie 
contém também em si um movimento, aliás em analogia com a própria vida. 
 Como se justifica então a evolução das espécies? Para Wallace e 
Darwin, a justificação encontra-se no processo de selecção natural e na luta 
pela sobrevivência. Tais processos geram variações favoráveis (daí a 
preservação de espécies), ou variações desfavoráveis e destruição de outras 
espécies, ou, eventualmente, o aparecimento e a formação de novas. 
 Para além desta explicação, Darwin introduz dois novos conceitos: a 
variação e a hereditariedade. 
 No primeiro, demonstrou que nenhum ser da mesma espécie é igual 
a outro ser: subsistem diferenças de tamanho, proporção, adaptação, etc. No 
segundo, tentou equacionar que todas as espécies são susceptíveis de 
transmissão hereditária reprodutiva. 
 Destas duas novas concepções resultam dois significativos 
conceitos biológicos, de uma importância crítica para a compreensão da 
evolução. O primeiro põe em destaque a noção de adaptação, que mais não é 
que um ajustamento contínuo do organismo ao meio em mudança, contendo 
complicados processos de assimilação (do meio para o organismo) e de 
acomodação (do organismo para o meio). O segundo abre a porta à Genética e 
ao estudo da hereditariedade, iniciado por Mendel, na qual se explicam os 
mecanismos de duplicação genética de entidades biológicas, transmitidos por 
mapas cromos-sómicos para as novas gerações. Tal transferência requer não 
só a conservação de uma herançagenética como pode compreender 
mutações, que, segundo Hugo de Vries, produzem genuinamente novas 
características, das quais dependem a evolução e a selecção orgânica e 
natural.
 Sulton, Boveri e Morgan são os principais responsáveis por 
recombinarem as teses de Mendel e de Hugo de Vries. Os autores acima 
focados partem do reconhecimento dos cromossomas, estruturas que se 
encontram localizadas no núcleo e que transportam os caracteres hereditários 
(genoma).
 Foi Morgan quem demonstrou, com a Drosophila, que os 
determinantes genéticos se apresentam numa ordem linear e numa sequência 
ou encandeamento contido no próprio cromossoma. A célula, ao dividir-se, leva 
à individualização de pequenas barras ou bastões em forma de X, 
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denominados por cromossomas. Os cromossomas são o substrato citológico 
da hereditariedade e o seu número é par, fixo em cada espécie animal. No ser 
humano, por exemplo, o número de pares é de 23, dos quais 22 são 
autossomas, isto é, cromossomas somáticos, e um par é genossoma, ou seja 
cromossoma sexual. É necessário que se note que esta individualização 
cromossómica se mantém, desde a fecundação até à morte, e é de 46XX para 
o sexo feminino e de 46XY para o sexo masculino. 
 Depois da reunião de Denver (1960), os grupos de cromossomas 
encontram-se diferenciados desde o grupo A ao grupo G, segundo o 
comprimento total e respectivo dos braços articulados pelo centró-mero. 
 À montagem da divisão celular em estado de metafase é dado o 
nome de cariótipo, que mais não é que a carta geográfica dos traços 
hereditários, ou seja o mapa cromossómico de McKusick. A divisão celular, 
como é óbvio, obedece a um complicado mecanismo hierarquizado e 
controlado, dependente do ADN1 e do ARN2.
 O ADN detém a informação genética e o ARN assegura o transporte 
e a recepção da mensagem genética. Toda a perturbação da mensagem 
codificada no ser humano («dislexia genética») provoca aberrações quer nos 
autossomas (trissomias: Down (21), Patau (13), Edwards (18) ) quer nos 
genossomas (Klinefelter, Turner e outros), as quais traduzem normalmente 
anomalias de desenvolvimento. São conhecidas outras malformações dos 
genes mutantes, como por exemplo: a acondroplasia (nanismo), a gota, a 
coreia de Huntington, a diabetes, a distrofia muscular de Duchenne, etc. 
 Estes exemplos da genética humana servem para demonstrar que a 
evolução da espécie não pode ser interpretada sem o esclarecimento 
necessário da genética, daí este desvio em termos de contexto. É evidente que 
a mutação de genes, dependente da mudança de condições do meio, põe em 
jogo processos bioquímicos e fisiológicos que determinam posteriomente os 
aspectos comportamentais dos diferentes organismos. 
 Os extraordinários trabalhos de Watson, Crick e Wilkins são 
demonstrativos do que acabamos de referir. A vida e as espécies são 
explicadas por transmissão hereditária, traduzida em termos de ADN e ARN 
que mediatizam as proteínas e são a razão de ser da evolução dos seres vivos, 
controlando o seu desenvolvimento e o seu movimento, isto é, toda uma 
engenharia genética que explica as mutações e as populações animais. A vida 
é possível a partir da reprodução de organismos através da divisão celular. 
 A divisão celular, por natureza, produz gerações idênticas, como 
regra, e mutações como excepção. É esta capacidade de autocópia que 
caracteriza os seres vivos, pois, como afirma Jacques Monod, «os organismos 
vivos são estruturas que se constróem a si próprias», isto é, os seres vivos 
justificam-se pela realização de um projecto. As moléculas simples, básicas, 
 
1 ADN — Acido desoxiribonucleico 
2 ARN — Ácido ribonucleico. 
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como as bases (adenina, timina, guaninae citosina), que, por sinal, compõem o 
ADN em espirais de fosfato e açúcar, auto-reproduzem-se descodificando a 
mensagem genética numa série de arranjos atómicos que implicam uma 
sequência de acções que operam a síntese das proteínas. É nesta linguagem 
que se passa o fenómeno da hereditariedade em todas as criaturas que 
conhecemos, desde a bactéria ao elefante, desde o vírus à rosa, desde o réptil 
ao Homem. 
 O segredo da vida emerge da reprodução sexual, primeiro no mundo 
vegetal, depois no mundo animal. A partir daí a norma biológica que permite a 
integração da noção de espécie advém de dois sexos. O sexo produz 
diversidade, e esta é a mola da evolução. A multiplicidade de formas, de cores 
e de comportamentos nos indivíduos e nas espécies é produzida por pares de 
genes, uns dum sexo, outros do outro, como Mendel focou. Os genes, 
ocupando uma posição nos cromossomas, somente visível na divisão celular, 
são compostos de ácidos nucleicos, e, como tal, participam na produção das 
proteínas, que, organizadas e estruturadas, dão origem aos seres vivos. 
 Para penetrar nos parâmetros ocultos da genética, foi preciso que, 
desde Mendel a Watson e Crick, decorressem cerca de 90 anos. Em 1953, o 
ADN foi decifrado. O ADN é um ácido nucleico, um ácido contido na parte 
central (núcleo) das células, que contém as mensagens químicas da 
hereditariedade, as quais passam de umas gerações para as outras. A 
arquitectura (química) do ADN é feita de açúcares e de fosfatos e de quatro 
pequenas moléculas ou bases, como já vimos atrás. Duas são pequenas, a 
timina e a citosina, e as outras duas são maiores, a guanina e a adenina. As 
primeiras estão organizadas em hexágonos, as segundas em hexágonos e 
pentágonos, dentro dos quais se encontram átomos de carbono, nitrogénio, 
oxigénio e hidrogénio. O ADN é portanto uma longa cadeia em espiral, com 
uma estrutura invariante e rígida, uma espécie de cristal orgânico, como diz 
Bronowski. A ligação das bases não é arbitrária, os seus pares são 
obrigatoriamente: timina-adenina, guanina-citosina, os quais, ordenados por 
andares sempre da mesma forma, contêm o código genético. 
 As quatro letras do ADN são um código que transmite à célula, 
passo a passo, todas as informações, que permitem a manufactura das 
proteínas. Um código, o do ADN, implica outro código, o das proteínas. 
Podemos acrescentar que o ADN traz os planos de mais de mil proteínas que 
são manufacturadas pela célula viva. O ADN contido nos cromossomas passa 
as suas informações ao ARN mensageiro, que, por sua vez, se desloca aos 
ribossomas, para aí fabricar as proteínas, materiais fundamentais de 
construção dos organismos vivos. 
 Temos, assim, elementarmente concluído o ciclo da hereditariedade, 
onde surge o invariante fundamental do ADN (Jacques Monod), ou seja o gene, 
portador imutável das características hereditárias, já designado por Mendel, o 
que constitui, sem dúvida alguma, a mais importante descoberta da biologia, à 
qual necessariamente se deve juntar a teoria da selecção natural, de Darwin, 
que só agora é entendida na sua dimensão mais plena. 
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 Temos então explicada sumariamente a relação de prioridade entre 
a invariância e a teleonomia: dilema fundamental da vida. Como afirma 
Jacques Monod, no seu ensaio sobre a filosofia natural, «a invariância precede 
necessariamente a teleonomia, ou, para ser mais explícito, a ideia darwiniana 
de que a aparição, a evolução e o aperfeiçoamento progressivo das estruturas, 
cada vez mais intensamente teleonómicos, são devidos a perturbações 
ocorridas numa estrutura, possuindo já a propriedade de invariância, capaz, 
portanto, de conservar o acaso e, por isso mesmo, de submeter os seus efeitos 
ao jogo da selecção natural». 
 O ADN não é senão uma instrução activa e dinâmica que transmite à 
célula todas as informações que vão alterar a sua estrutura e função. A vida é 
uma sequênciade fenómenos, ou melhor, um encadeamento rigoroso de 
operações que tem o seu início no próprio mecanismo e sinergismo do ADN. A 
célula limita-se a ler a informação do ADN, leitura essa sem omissões nem 
adições, que reagrupa as moléculas básicas em triplas (códãos ou códon ou 
mesmo triplete), para formar um aminoácido, ponte para juntar dois enzimas, 
que, por sua vez, originam a formação de proteínas, resultantes de 20 
aminoáci-dos, isto é, o código do código. 
 Voltando a Bronowski, «todas as células transportam no seu soma o 
potencial necessário para fazer um animal no seu todo, exceptuando as células 
do espermatozóide e do óvulo. O espermatozóide e o óvulo são incompletos, e 
não passam de metades de células: elas transportam metade do número total 
de genes». É um facto, só quando o óvulo é copulado pelo espermatozóide ele 
é fertilizado, para dar origem ao zigoto, que está organizado, como já vimos, 
em pares de genes. Só a partir daqui podemos encontrar a totalidade das 
instruções hereditárias que vão originar os sucessivos estados de 
desenvolvimento embriológico. 
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 Podemos agora compreender a diversidade da vida e a sua 
variação, e perceber que as combinações de genes presentes nas populações 
animais são astronómicas. É provável que neste mecanismo complexo se 
verifiquem mudanças de direcção genética (genótipo) naturalmente 
implicadoras de um processo evolutivo dependente do meio (fenótipo), onde 
surgem novos arranjos e recombinações que justificam a evolução das 
espécies.
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3 DOS INVERTEBRADOS AOS VERTEBRADOS 
 Depois de termos feito esta viagem pela hereditariedade, estamos 
em condições de retomar a abordagem filogenética e, ao mesmo tempo, o 
processo de evolução das espécies, basicamente explicado por duas variáveis 
cruciais: hereditariedade e adaptação. 
 Para compreendermos os caminhos da filogénese, que nos levam 
até ao Homem, temos, em primeiro lugar, de destacar a unidade da vida e o 
significado da sua síntese, que nos impede de separar radical e abruptamente 
o mundo inorgânico do mundo orgânico e, evidentemente, o mundo vegetal do 
mundo animal. 
 Só nesta unidade vamos equacionar o mecanismo que justifica a 
evolução, que vai dos seres unicelulares aos seres multicelulares, dos 
protozoários aos metazoários, dos invertebrados aos vertebrados, da bactéria 
ao Homem. 
 Em termos esquemáticos, podemos apresentar o seguinte quadro, 
que reforça exactamente o sentido do Universo, da Vida e da Evolução das 
espécies, bem como o lugar do Homem na Natureza. 
 Dentro de uma linha filogenética, os metazoários são formados por 
duas camadas de células, a ectoderme e a endoderme (exterior e interior), que 
caracterizam um tipo de movimento dependente de uma simetria radial. Tal 
característica tende a transformar-se, em termos evolutivos, numa simetria 
bilateral, dado que uma nova estrutura se interpõe no meio das duas camadas 
acima apontadas, isto é, a mesoderme, implicadora de uma morfologia 
esquelética e de uma musculatura específica pondo em jogo grupos 
musculares agonistas e antagonistas, flexores e extensores, esquerdos e 
direitos, anteriores e posteriores. É evidentemente a partir daqui que as 
condutas sensório--motoras tendem a uma complexidade crescente. Podemos 
já dissecar a adaptação progressiva, que vai dos invertebrados aos 
vertebrados. E é o que nos propomos fazer de momento. 
 Os vertebrados expandem-se pela água, pelo are pela terra. Como 
características adaptativas fundamentais, temos a referir: caixa craniana óssea, 
desenvolvimento do esterno, da cintura pélvica e da escapular, 
desenvolvimento dos membros, desenvolvimento muscular, alongamento da 
coluna cervical e independência da cabeça. 
 Como representantes fósseis que justificam os primeiros 
vertebrados, temos a referir os placodermes, os crossopterígeos e os 
actinopte-rígeos.
 Dos peixes aos anfíbios dão-se de novo adaptações, tal como dos 
anfíbios aos répteis. Assim, o peixe, ao levantar a cabeça das águas, inicia a 
conquista da terra firme, transformando-se num peixe blindado que comporta 
novas adaptações que o vão levar aos répteis. As características filogenéticas 
primordiais são a transformação da barbatana em membros, a estrutura 
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pulmonar com narinas, uma circulação sanguínea dependente de um coração, 
o robustecimento do esqueleto e a aquisição de uma coluna cervical móvel, 
dado que os problemas de orientação em terra requerem maior número de 
conexões sensório-motoras. 
Fig. 4 — Os crossopterígios elevam a cabeça das águas. A conquista da terra 
foi primeiro feita pelas plantas e depois pelos vertebrados. Estes iniciam um 
passo muito importante da evolução. Dos peixes aos répteis surgem novas 
adaptações: as barbatanas transformam-se em membros; as funções 
biológicas complexificam-se; a motricidade mais diferenciada origina novas 
modificações no cérebro. (Segundo F. H. T. Rhodes) 
Fig. 5 — Ichthyostega (esqueleto e reconstituição esquemática). (Segundo F. 
H. T. Rhodes) 
 Uma das características mais importantes do vertebrado, e que 
convém desde já assinalar, é a simetria bilateral, em que uma parte do corpo é 
espelho da outra. 
 Romer chega mesmo a diferenciar a simetria bilateral morfológica 
como a condição fundamental de os vertebrados serem considerados animais 
activos que se deslocam facilmente, daí o seu sucesso de adaptação ao meio 
exterior.
 A simetria bilateral está na base da filogénese da motricidade, é ela 
que explica a evolução adaptativo-funcional que mais tarde justificará o 
desenvolvimento do órgão de maior diferenciação do mundo animal — o 
cérebro humano. 
 A simetria bilateral depende da coluna vertebral, que suporta a 
cabeça, o tórax e o abdómen. E é a chave da filogénese da motricidade que 
evolui da reptação (dos répteis) ao bipedismo (do Homem), passando pela 
quadrupedia (dos mamíferos) e pela braquiação ou quadrumania (dos 
primatas).
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 A simetria bilateral ajuda-nos a perceber a importância capital da 
coluna vertebral, não só porque sustenta os órgãos mas também porque 
constitui o princípio e o fim de todas as condutas sensório-motoras. A coluna 
contém na sua extremidade anterior a cabeça (cefalização) e na sua 
extremidade posterior a cauda. É interessante notar que daqui advém uma lei 
fundamental de desenvolvimento dos vertebrados — a lei cefalocaudal, lei essa 
que exemplifica o desenvolvimento embrio-lógico e a ontogénese da 
motricidade no ser humano, que iremos estudar num segundo volume. 
 É óbvio que as aquisições motoras humanas, que se iniciam 
primeiro na posição de deitado (maturação neuromuscular dos metâ-meros 
dorsais e lombares), até à posição de pé (maturação neuromuscular dos 
metâmeros sagrados), põem em destaque a importância da lei 
cefalocaudal, característica inerente à motricidade de todos os animais 
vertebrados.
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 Os animais vertebrados dispõem todos de uma coluna e de uma 
cabeça. A coluna suporta os órgãos responsáveis pelas grandes funções 
(respiração, circulação, digestão), enquanto a cabeça concentra as estruturas 
mais sensíveis dos órgãos sensoriais (orientação e adaptação). Estes dois 
elementos constituem o esqueleto axial, o mais fundamental, ao passo que os 
membros anteriores (superiores) e os membros posteriores (inferiores) 
constituem o esqueleto apendicular, unido à coluna por duas cinturas 
articulares: a escapular e a pélvica. 
 Um estudo de anatomia comparada levar-nos-ia muito longe, saindo 
fora desta introdução, onde se pretende dar uma visão, tantoquanto possível 
adequada e rigorosa, entre a filogénese e a ontogénese da motricidade; porém, 
ela é fundamental para a compreensão dos aspectos osteológicos e 
anatómicos, não só importantes para a leitura dos fósseis como também 
necessários para a explicação das adaptações mais diferenciadas que se 
deram nos vertebrados. 
 A evolução que vai dos seres unicelulares como os protozoários, e 
que passa, segundo Oparine e tantos outros, pelos colonialismos celulares ou 
coacervatos, até atingir os metazoários marítimos, seres multicelulares, sem 
espinha dorsal, também designados por invertebrados, é a mais difícil de 
determinar, exactamente porque faltam dados fósseis, ou melhor, dados 
paleontológicos.
 Embora a paleontologia, como ciência do passado, segundo nos 
assegura Piveteau, não nos garanta muitos fragmentos formulativos da história 
da evolução dos invertebrados, não restam dúvidas de que o estudo dos ossos 
(osteologia) nos permite mais seguramente redesco-brir a idade relativa dos 
restos animais, através de um conjunto de conexões (G. St. Hilaire) e de 
processos adaptativos que nos confirmam uma perspectiva materialista da 
evolução dos vertebrados. 
 O esqueleto é um elemento importante para o estudo dos 
vertebrados; só por ele se podem analisar as espécies extintas. O que resta 
para além das partes moles é efectivamente o que interessa para o estudo dos 
fósseis e, mais globalmente, para os estudos dos dados arqueológicos. 
 Para além das características que já apontámos, importa determinar 
objectivamente como se deu a evolução dos vertebrados para conhecermos 
por que é que os animais vertebrados (e portanto o Homem) se transformaram 
no que são. 
 A simetria bilateral é, como já vimos, fundamental, daí advirem as 
seguintes adaptações nos animais vertebrados: 
- Maior facilidade de movimentos; 
- Melhores condições de resistência ao sedentarismo; 
- Separação das narinas da cavidade bucal (aparecimento do 
sistema olfactivo); 
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- Emergência de um sistema de equilíbrio (sistema vestibular), 
dado que o equilíbrio e a orientação são mais complexos em terra 
firme;
- Coluna vertebral flexível; 
- Cefalização progressiva com assimetria funcional dos dois 
hemisférios cerebrais. 
 A transformação de uns seres noutros explica-se, como já vimos, em 
termos genéticos, por isso fácil se torna agora perceber a evolução que decorre 
do vertebrado ao Homem, não apenas em termos anatómicos mas também em 
termos funcionais, ou seja perspectivar toda uma evolução que parte de um 
aspecto biológico para outro já extrabiológico. 
Fig. 6 — Filogénese do SNC (Sistema Nervolo Central). (Segundo Max 
Ceccatty)
 Nesta revolução biológica é evidente que uma das características 
fundamentais dos vertebrados, quer sejam os peixes, os anfíbios ou os répteis, 
e a sua actividade. A actividade, melhor, a motricidade no seu sentido biológico 
total foi e é uma das chaves do sucesso dos animais vertebrados. 
 A motricidade, por si só, para além de ter permitido ao peixe do 
Devónio-Crossopterígio a conquista da terra firme, levou o animal vertebrado 
às seguintes libertações anatómicas sucessivas, focadas por Leroi-Gourhan: 
1.° — do corpo em relação à água (répteis); 
2.° — da cabeça em relação ao solo (mamíferos); 
3.° — da mão em relação à locomoção (primatas); 
4.° — do cérebro em relação ao maciço faciodental (Homem). 
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 Em termos de evolução, a motricidade é uma condição de 
adaptação vital Só por ela a nutrição é satisfeita e só em função desta 
necessidade se justifica o processo de relação com o meio, dado que todos os 
animais, inclusivamente o Homem, necessitam de obter determinados 
alimentos a partir do seu envolvimento. 
 A motricidade, como berço significativo da evolução, deve permitir 
ver a Adaptação Humana não só pela inteligência mas igualmente pela sua 
motricidade, que lhe deu a origem e que sucessivamente a determinou. 
 A motricidade é o complemento da cerebração, isto é, a regulação e 
o controlo, que a motricidade humana atingiu através dos tempos, é a 
condição, (em termos ontogenéticos) e foi a condição (em termos filogenéticos) 
da evolução do cérebro., órgão central de localização cefálica que assume os 
comportamentos, ou sejam os processos motores materializadores de 
adaptação, e da relação «inteligível» entre a situação (factores exógenos) e a 
acção (factores endógenos). 
 O cérebro beneficiou da filogénese da motricidade, através da 
conquista locomotora que decorre da reptação, da quadrupedia e 
especialmente do bipedismo. 
 No princípio, é a motricidade que explicita a progressiva 
diferenciação do cérebro. O cérebro não provoca a motricidade como muitas 
vezes as explicações idealistas quiseram argumentar. A motricidade é o 
invariante da evolução biológica! e como tal da evolução do sistema, nervoso 
central. Aqui está outra das chaves da evolução, a qual aponta 
necessariamente para uma visão científica baseada em factores conhecidos e 
controlados pela acção e pelo saber humanos, independentemente de muitas 
teorias acientíficas continuarem a subsistir, exactamente porque não podem 
ser cientificamente analisadas. 
 A função e a utilização constante do aparelho locomotor justifica em 
parte a Hominizacjio, que resume uma evolução anatómica, essencialmente 
associada a uma revolução reflexiva ou cerebral. O problema tem ainda uma 
justificação lamarckiana: as características adaptativas, explicadas em termos 
genéticos, verificam-se em termos de uso ou desuso, isto é, a função faz o 
órgão. Assim, explicamos o pescoço comprido da girafa, a ausência de 
membros da cobra, o bipedismo humano. Trata-se, como diz Romer, de uma 
teoria simples, razoável e natural, à qual devemos juntar as mutações, quer 
sejam vantajosas ou não, e o mecanismo de selecção natural explicado 
inicialmente por Charles Darwin. 
 No caso dos vertebrados, e é isso que importa agora abordar, a 
adaptação à vida terrestre levou à transformação dos peixes em anfíbios, que, 
como sabemos, têm um duplo habitat. Afirma Sanides, que as larvas destes 
anfíbios conservam ainda a vida aquática, como aliás, se pode observar no 
processo de maturação da rã. 
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 Os primeiros peixes a «tirarem a cabeça fora de água» surgiram na 
segunda metade do Silúrico, e durante o Devónio atingiram maior variabilidade 
e adaptabilidade. São considerados peixes pulmonados (ou dipnóicos) e 
também designados por peixes blindados, dada a estrutura extremamente 
rígida da sua ectoderme, exactamente porque só assim se protegiam das 
radiações muito intensas da época. Nesta transição, a bexiga natatória 
transforma-se em pulmão; as barbatanas em membros; as extremidades em 
cinco dedos; a coluna cervical rígida num pivot móvel para permitir à cabeça 
uma maior independência de movimentos (pescoço) e, consequentemente, 
uma orientação visual e auditiva mais ampla; as fossas nasais diferenciam-se 
da cavidade bucal e adquirem uma comunicação com a faringe, o que permite 
desenvolver um telerreceptor químico, isto é, o olfacto, de grande significado 
adaptativo para todos os mamíferos terrestres. 
 Todas estas adaptações funcionais podiam ser rejeitadas dum ponto 
de vista explicativo. Porém, em 1936, na Gronelândia, surge um fóssil que 
permite ligar a adaptação aquática à adaptação terrestre e atmosférica. 
Tratava-se de um peixe de quatro pernas, o Ichthyostega, apresentando já um 
conjunto de condutas, que podemos caracterizar como inerentes aos anfíbios. 
Convém reprecisar que este exemplar encontra um testemunho actual num 
peixe da ordem dos crossopterigeos que ainda hoje habita as ilhas Comores, 
perto de Madagáscar. 
 É evidenteque as exigências da vida na terra são diferentes das 
exigências da vida na água, e mais uma vez essas diferenças têm a ver 
essencialmente com a motricidade. Para se movimentar em terra firme, o 
animal necessita de quatro extremidades que permitam sustentar o corpo e 
garantir o equilíbrio à extremidade cefálica, dado que esta precisa de responder 
a um maior número de estímulos do meio exterior. 
 A libertação do crânio da primeira vértebra, atlas, obedece à 
necessidade de o animal vertebrado desenvolver vários sentidos, quer à 
distância (visão, audição, etc.) quer ao nível do corpo e da pele (gosto, tacto, 
movimento, etc), sendo uns denominados telerreceptores e outros 
proprioceptores. 
 A aquisição de uma extremidade cefálica independente e móvel, 
sustentada pelas massas musculares do pescoço, dotou, como evoca Sanides, 
o animal de um sistema silencioso de orientação e de sobrevivência, permitindo 
uma observação dirigida quer para uma presa quer para um predador. 
 O animal vertebrado tem de responder mais adequada e 
rapidamente aos estímulos e às situações, dado que as modificações das 
condições de vida são mais bruscas na terra do que na água. Os seus 
sistemas de orientação e de acção são mais aperfeiçoados e mais 
organizados, justificando portanto um sistema nervoso mais complexo. Para a 
complexidade do sistema nervoso contribui um novo sistema proprioceptivo, 
adquirido a partir dos fusos neuromusculares e dos corpúsculos de Golgi, que 
informam permanentemente o cérebro das condições em que a acção decorre. 
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Só com estes dispositivos táctilo-quinestésicos, que advêm, uma vez mais, de 
uma motricidade cada vez mais diferenciada, os animais vertebrados obtiveram 
um sistema sensorial mais complexo e interligado. 
 É fácil perceber agora o papel do cérebro, que tem como função 
fundamental organizar os dados de vários órgãos receptores, antes de 
programar um sistema de acções que concretizam propriamente a adaptação 
do animal ao seu meio. 
 Do Anfioxo ao Homem verifica-se, podemos dizer, uma 
paleontologia funcional, evidenciada pela prioridade dos dispositivos 
esquelético-corporais, em comparação com os dispositivos sensório--cerebrais. 
Aqui se encontra a confirmação da importância dos aspectos funcionais e 
adaptativos, que só poderiam ser satisfeitos pelos aspectos anatómicos e 
osteológicos antecedentes, necessariamente dependentes da motricidade. 
 Como dados filogenéticos indispensáveis à compreensão da 
ontogénese da motricidade dos vertebrados, temos: 
1.° — Organização mecânica da coluna e dos membros, entendidos 
não só como órgãos de locomoção mas também, e 
fundamentalmente, como órgãos de relação com o meio; 
2.° — Suspensão craniana, onde subsiste a colocação da cabeça, 
como dispositivo funcional de orientação no meio; 
3.° — Estruturação da dentadura como órgão de relação com 
funções de captura de presas, defesa de predadores e preparação 
alimentar;
4.° — Evolução neuromotora da mão, a qual, estando colocada na 
extremidade dos membros superiores, justifica a evolução técnico-
instrumental;
5.° — Expansão associativa e interneurossensorial do cérebro, que 
permitiu no Homem a manipulação simbólica (linguagem) e a 
evolução sociocultural. 
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4 PALEONTOLOGIA FUNCIONAL 
 Para situarmos objectivamente este ramo da filogénese, vamos 
recorrer às obras de Leroi-Gourhan e de David Pilbeam, que nos apresentam 
simultaneamente uma hierarquização morfologico-motora dentro dos 
vertebrados e segundo o seguinte quadro esquemático: 
• Ictiomorfismo — equilíbrio no meio aquático; 
• Anfibiomorfismo — libertação do meio aquático; 
• Sauromorfismo — libertação da cabeça; 
• Teromorfismo — locomoção quadrúpede; 
• Pitecomorfismo — postura sentada; 
• Antropomorfismo — bipedismo. 
Fig. 7 — Hierarquização morfológico-motora (segundo Leroi-Gourhan). 
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 É dentro desta hierarquização filogenética que passaremos a 
abordar a progressiva diferenciação funcional da motricidade, sem no entanto 
deixar de recorrer ao quadro de Pilbeam, que se segue e onde estão 
assinalados, em termos de evolução, os acontecimentos mais significativos que 
nos levam até ao aparecimento do Homo Sapiens. 
 Numa breve síntese, e respeitando a hierarquização morfológico--
motora dos vertebrados, vamos agora dissecar cada um dos estádios 
evolutivos. 
4.1 O Ictiomorfismo 
 Trata fundamentalmente da evolução do peixe, na qual se observa 
uma locomoção no meio aquático assegurada por batimentos laterais e 
rítmicos, pela acção de músculos antagónicos suportados pelo esqueleto 
interno. É efectivamente este mecanismo motor elementar que propulsiona o 
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eixo do corpo do peixe, com a acção dinâmica da cauda, equilibradora das 
barbatanas e direccional da cabeça. 
 A extremidade cefálica assegura a inserção das mandíbulas e pode 
conter dentes elementares em forma de cone e com superfícies cortantes. 
 A cabeça não apresenta liberdade de movimentos com o eixo 
corporal: encontra-se solidamente unida à primeira vértebra, recebendo já um 
minúsculo cérebro, composto de tubo neural e vestibular. 
4.2 O Anfibiomorfismo 
 Compreende a passagem da vida aquática à vida terrestre, 
englobando novas aquisições respiratórias e motoras. As guelras 
transformaram-se em bexigas natatórias e as mandíbulas acusam já um certo 
grau de libertação anatómica. 
 É evidente que se dá uma adaptação exclusiva à água e uma 
adaptação relativa à terra, como, aliás, prova a sua reprodução, quase toda 
desenrolada no meio aquático. 
 A locomoção terrestre é feita com os quatro membros, e a cintura 
escapular ainda está articulada com o crânio, de forma que a liberdade da 
cabeça é quase nula. A bacia faz já suporte à marcha, os braços e as pernas 
têm os mesmos ossos que o ser humano, e a mão e o pé acusam a 
pentadáctila.
 São óptimos nadadores, com movimentos simétricos e propulsi-vos 
coordenados entre os membros anteriores e os membros posteriores. 
 A cabeça, em terra, assume uma posição semi-horizontal e 
semivertical, exactamente para facilitar a orientação, o que vai permitir o 
aparecimento do pescoço, separando anátomo-funcionalmente a cabeça do 
resto do corpo por uma musculatura da nuca. A dentadura apresenta uma 
relação osteológica determinada em relação à postura, o que introduz tracções 
motoras que favorecem a mobilidade da cabeça em relação ao tronco, com 
concomitante separação da cintura escapular. 
4.3 O Sauromorfismo 
 Traduz definitivamente a adaptação ao meio terrestre. A locomoção 
é obtida sob a forma de ondulação do eixo corporal ou por movimentos 
inconstantes tipo atetótico, o que introduz novas libertações articulares, como 
as da cintura escapular, e as transformações anatómicas do crânio. 
 A cabeça encontra-se definitivamente separada do eixo corporal e 
ocupa a extremidade do pescoço. Surge a musculatura das mandíbulas e o 
osso hióide, que mobiliza o maxilar inferior e a língua. A faringe especializa-se 
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fundamentalmente na deglutição e a boca na captura e na pré-mastigação dos 
alimentos, dadas as características conedontes e homodontes da dentadura. 
 Os membros encontram-se individualizados do esqueleto axial, as 
extremidades são pentadáctilas e o crânio está suspenso sobre o basion, 
obedecendo a relações alométricas e adaptativas que se estabelecem 
dialecticamente entre a evolução corporal e a evolução cerebral. 
 O sauromorfismo compreende efectivamente o estudo dos répteis, 
considerados os primeiros habitantes da terra firme,onde a locomoção pode 
apresentar em primeiro lugar uma reptação e posteriormente uma locomoção 
quadrúpede em cima do solo. O estudo dos répteis explica a evolução dos 
vertebrados, daí a sua importância. Na linha de evolução dos répteis vamos 
encontrar os pterossauros, que originam as aves e os morcegos, e os 
dinossauros, que originam os teropsídeos (répteis gigantes), os quais, por sua 
vez, vão originar duas classes de mamíferos: os herbívoros e os carnívoros. 
 Em qualquer dos casos, o sauromorfismo é caracterizado por um 
equilíbrio entre o crânio dentário e o crânio cerebral, ao contrário dos 
ruminantes, em que o crânio dentário é nitidamente superior ao crânio cerebral. 
 No aspecto corporal, muitas aquisições filogenéticas se encontram 
desvendadas: o eixo vertebral é o centro do edifício corporal, e o esqueleto 
apresenta já algumas características humanas, isto é, os membros estão 
individualizados, as extremidades têm cinco dedos, o crânio está suspenso da 
coluna, a dentadura condiciona o complexo do crânio, etc. Temos aqui outro 
parâmetro fundamental da filogénese da motricidade: a evolução triunfante do 
cérebro encontra-se, como foca Leroi-Gourhan, imperiosamente dependente 
das libertações anatómicas do corpo. 
 A cada libertação anatómica do corpo corresponde uma libertação 
funcional do cérebro, ou seja uma complexificação e estruturação 
neurobiológica. A evolução do corpo determina a evolução do cérebro, e esta 
realidade da evolução é invariante do Anfioxo ao Homem. Em nenhum 
vertebrado o sistema nervoso precedeu a evolução da motricidade, daí a 
importância desta evolução naquela. 
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Fig. 8 — A redução do crânio dentário implicou um aumento do crânio cerebral. 
Veja-se o encurtamento progressivo da base PCB, desde o mamífero 
(Herbívoro) até ao Homo sapiens, passando pelo chimpazé (Leroi-Gourhan) 
4.4 O Teromorfismo 
 Compreende a transformação dos répteis em mamíferos. Os répteis 
ascendem a uma locomoção quadrúpede, similar à do elefante e do cão. Os 
membros encontram-se articulados perpendicularmente ao eixo vertebral, 
permitindo uma elevação do corpo em relação ao solo, o que vai dar origem a 
melhores condições de locomoção, isto é, a uma motricidade mais coordenada, 
económica, veloz e adequada ao meio e às suas circunstâncias, como 
resultado de um controlo estriado, cerebeloso e piramidal, mais eficaz. 
 Por motivos de adaptação biomecânica e alométrica, as vértebras 
cervicais alongam-se e o pescoço move a cabeça num campo conside-
ravelmente mais amplo, advindo daí novas adaptações e novas capacidades 
de orientação. Em acumulação, surgem outras adaptações, não só ao nível dos 
dentes (heterodontes), em virtude de uma dieta mais rica e variada, como ao 
nível da pelagem isolante (homeo-termia) como ao nível do aparecimento 
definitivo do diafragma, que permite melhor ventilação pulmonar; do palatino 
secundário, com consequente desenvolvimento do sistema olfactivo, permitindo 
pela primeira vez a operação conjunta da mastigação e da respiração; dos 
membros verticais, em vez de membros oblíquos e projectados lateralmente 
como nos répteis; da arcada temporal espessa, da arcada zigomática, da 
mandíbula, etc. 
 No teromorfismo encontramos outros tipos de diferenciação 
biológica, que compreendem o desenvolvimento de uma motricidade de 
captura e de preparação alimentar, e também uma mastigação elaborada, 
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naturalmente dependente da heterodontia, a qual, por si só, introduziu 
modificações posturais consideráveis. 
 A cabeça adquire uma independência motora muito complexa, que 
apresenta um desequilíbrio entre o crânio cerebral e o crânio dentário nos 
herbívoros e uma tendência para o equilíbrio dos mesmos índices nos 
carnívoros.
 Os mamíferos quadrúpedes dividem-se em monotrématos ovípa-ros, 
marsupiais e placentários, e, dentro destes, temos a diferenciar: insectívoros, 
morcegos, cetáceos, focas, roedores, herbívoros, carnívoros e primatas. 
 Em todos os mamíferos se desenvolve predominantemente o campo 
anterior, que envolve dois aspectos morfomotores complementares: 
- O primeiro: acção da cabeça; 
- O segundo: acção do membro anterior. 
 Estes dois pólos, o facial por um lado e o manual por outro, 
constituem, provavelmente, as aquisições motoras mais significativas em 
termos de controlo e coordenação cerebral, isto é, são dois aspectos da 
evolução que materializam o êxito biológico que culmina no ser humano nas 
funções de aprendizagem e de trabalho. 
 Em termos de evolução, a parte cefálica está ligada à parte motora, 
através dos membros que intervêm na captura e na preparação alimentar. Por 
exemplo, no caranguejo as primeiras patas servem de pinças para a preensão 
e esmagamento das presas, nos vertebrados essa função surge no membro 
anterior,* ora com funções de locomoção ora com funções de relação, 
preensão, defesa ou preparação alimentar. No peixe, as barbatanas anteriores 
servem necessidades motoras elementares, como a equilibração e a 
locomoção aquática. No anfíbio e no réptil a intervenção do membro anterior 
serve para manutenção da comida no solo. Nas aves, os membros anteriores 
estão adaptados ao voo e os posteriores têm a função de preensão alimentar e 
de construção do ninho. 
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Fig. 9 — Importância do campo anterior, que põe em relação a face 
com as extremidades da mão (FACE/MÃO). (Segundo Leroi-
Gourhan)
 Nos mamíferos surgem inúmeras adaptações preensivas, como a 
língua da girafa, a tromba do elefante, a garra nos carnívoros ou a mão nos 
insectívoros e nos primatas. Esta adaptação, de grande importância 
filogenética e ontogenética, explica a importância da motricidade nos 
mecanismos locomotores que permitem satisfazer as necessidades e os tipos 
de nutrição: carnívoros, herbívoros, frugíveros e omnívoros. 
 No ser humano, a relação pólo facial - pólo manual não é feita pelo 
membro anterior da locomoção, dado que a mão não acumula duas funções: a 
da preparação de alimento e a de locomoção. Trata-se de um novo teorema da 
filogénese da motricidade — a libertação da mão. 
 No Homo Sapiens, a mão opera as funções de defesa e de 
preensão, bem como se libertou da locomoção, permitindo a partir daqui a 
disponibilidade para o trabalho, ao mesmo tempo que, dialecticamente, 
permitiu a libertação dos órgãos faciais para a linguagem. 
Em resumo: 
 Do mamífero ao macaco, duas grandes divisões nos surgem: os que 
utilizam os membros anteriores na relação com o meio (mamíferos 
preensores); os que utilizam só a cabeça nessa relação (mamíferos 
locomotores).
 Os primeiros compreendem os que são especializados na preensão 
e apresentam uma relação entre o cérebro e os caninos, e a aquisição postural 
de sentado, muito importante, como vamos ver, em termos de ontogénese da 
motricidade.
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 A mão com cinco dedos, herdada dos anfíbios da Era Silúrica, 
permite a preensão, dado que representa uma libertação anatómica que tem a 
ver com a mobilidade da omoplata, do rádio e do cúbito, permitindo a 
supinação e a pronação. Para se dar esta libertação ao nível da mão é 
necessário que o esqueleto dos mamíferos preensores seja mais disponível em 
termos de movimento. O crânio cerebral tende a equilibar-se ao crânio 
dentário.
 Os segundos compreendem os especializados na locomoção e 
apresentam uma dentadura alongada, adaptada ao tratamento de vegetais e 
de folhas. As extremidades não têm dedos e são especializadas na 
sustentação e na locomoção terrestre e não adquirem a postura de sentado. 
Tudo se concentra no edifício craniano, único campo corporal que estabelece 
relaçãocom o meio, ocupando a língua e os lábios as funções de preensão, e 
ocupando os apêndices faciais as funções de defesa. O crânio dentário tende a 
ser superior ao crânio cerebral. 
4.5 O Pitecomorfismo 
 Resta-nos o pitecomorfismo para concluirmos as etapas da filogé-
nese da motricidade, antes de abordar os primatas. Em termos zoológicos, 
podemos afirmar, com Leroi—Gourhan, que há um pouco de quadrupedia nos 
primatas e um pouco de primata no ser humano. 
 Em termos paleontológicos, o primata assegura, como intermediário 
morfológico, a ligação entre os seres humanos e os terópodes. 
 Do ponto de vista da filogénese da motricidade, a quadrumania está 
entre a quadrupedia e o bipedismo. Quer dizer, os primatas adquirem uma 
preensão permanente e uma postura de sentado, característica. De uma 
preensão esporádica e temporária, passamos a uma preensão constante e 
diversificada. A preensão, como característica motora que mais libertações 
anatómicas compreende, é a consequência pura e simples de uma maior 
disponibilidade corporal e de uma maior autonomia postural, adquirida 
fundamentalmente com a postura de sentado. 
 A mão, agora como um dispositivo de libertação anatómica, pode 
realizar: supiniações, pronações, aduções, abduções, sustentações, tracções, 
rotações, flexões, extensões, oposições, digitações, etc, realizando uma 
complexa rede de aquisições motoras (braquiação) indispensáveis à adaptação 
arborial dos primatas. 
 Como já focámos, a postura de sentado compromete a redução e o 
parabolismo da dentadura, e esta, por si, vai comprometer um desenvolvimento 
cada vez mais complexo do cérebro. 
 O buraco occipital encontra-se articulado com a coluna vertebral, por 
meio de uma abertura posterior e inferior apta a facilitar a quadrupedia e a 
posição de sentado. 
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 A base opistion-basion encontra-se mais horizontalizada, a alavanca 
basion-inion baixa e liberta-se da sustentação do crânio, mantida pelos 
músculos fortes da nuca. 
 Basta agora realizar a expansão do frontal, enrolar o occipital e 
alargar consideravelmente em leque o parietal e o temporal. Para esta 
expansão craniana, e depois cerebral, é necessário reduzir a face e o 
prognatismo, superar a arcada orbital, verticalizando cada vez mais o frontal e 
reduzindo consideravelmente os molares e os pré-molares. 
 Só com as transformações anatómicas apontadas, o corpo (aspecto 
técnico) se estrutura progressivamente, e o cérebro (aspecto organi-zativo) 
ocupa todo o espaço mecanicamente disponível, dando nascimento a todas as 
manifestações cerebrais mais avançadas e que são corolário da evolução que 
vai do primata ao Homem. 
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5 ANTROPOMORFISMO E ADAPTAÇÕES HOMINÍDEAS
 Resta concluir agora os aspectos mais significativos que 
compreendem o estudo dos primatas e das adaptações hominídeas, que, no 
seu todo, significam a última e mais importante etapa da filogênese da 
motricidade — o antropomorfismo. 
 Antes de avançar nos mecanismos antropomórficos da filogênese da 
motricidade, convém apresentar o quadro da Ordem dos Primatas: 
 O termo antropomórfico, como nos surge em Leroi-Gourhan, cria a 
ligação entre os grandes símios e a Humanidade. Basicamente, compreende 
todos os antropomorfos que dominam a postura vertical bipede e todas as suas 
múltiplas conseqüências morfofuncionais. 
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Fig. 10 — Arvoredos Primatas (segundo F.H.T. Rhodes) 
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Fig. 11 — Árvore geneológica dos Hominideos. O Homo Sapiens, tem atrás de 
si uma evolução histórica. 
 Antes, porém, de avançar nas adaptações hominídeas, é urgente 
que se definam as características dos primatas resultantes da adaptação 
arborial.
 A vida nas árvores oferece outro tipo de exigências, e de novo, como 
atesta Szalay no seu estudo sobre a paleobiologia dos primatas primitivos, a 
motricidade ocupa uma função capital. 
 Em termos esquemáticos, e segundo o mesmo autor, a motricidade 
arborial é responsável pelas seguintes tendências adaptativas alargamento do 
cérebro; recessão do prognatismo; convergência dos olhos; ossificação das 
paredes orbitais; atrofia do aparelho olfativo; especialização preensiva das 
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extremidades; desenvolvimento dos receptores tácteis; desenvolvimento 
neurobiológico oculomotor; agilidade excepcional, pondo em jogo um alto nível 
de controlo cerebelos e o desenvolvimento da associação pré-frontal; 
desenvolvimento da função motora; integração interneurossensorial; visão 
estereoscópica; desenvolvimento do anel timpânico, de grande importância 
para o desenvolvimento da acuidade e da discriminação auditiva; etc.. 
 A adaptação arborial é, por definição, a penúltima etapa da 
filogênese da motricidade, justificando posteriormente a verticalização a 
braquiação, a manipulação e a dentição hominídea. 
 Wasburn e Jay, no seu trabalho intitulado Perspectivas da Evolução 
Humana, procuram abordar uma chave biológica da adaptação arborial e 
hominídea, característica de todos os primatas e antropóides, diferenciando 
nomeadamente as seguintes: 
1ª - Desenvolvimento dos membros como órgãos de preensão;
2ª - Desenvolvimento dos membros anteriores como órgãos de 
exploração;
3ª - Desenvolvimento dos sistemas herbívoro e carnívoro de 
digestão e conseqüente estrutura craniodental; 
4ª - Redução do sentido olfativo;
5ª - Desenvolvimento da atividade visual;
6ª - Mudanças no esqueleto pós-craniano; 
7ª - Desenvolvimento do cérebro: aprendizagem, linguagem e 
fabricação de instrumentos;
8ª - Redução do número de descendentes por nascimento, 
dependência maternal e organização social. 
 Vejamos agora, na companhia de outros autores, como Tobias, 
Montagu, Simons, Simpson, Le Gros Clark, Leakey, Napier e outros, cada uma 
destas características antropomórficas. 
5.1 O Desenvolvimento dos Membros como Órgãos de 
Preensão
 A vida na árvore exige, objetivamente, que os animais que nela 
habitam se possam manter e sustentar. Uns com unhas, outros, como os 
primatas, com mãos e pés preensivos. 
 A preensão ao nível da mão, outra das aquisições filogenéticas da 
motricidade, implica a libertação da cintura escapular, a rotação do rádio e do 
cúbito, a mobilidade independente dos dedos, originando consequentemente 
uma maior dissociação entre as falanges e os metacarpos e entre este e os 
ossos do carpo. 
 A mão primata, e igualmente a mão humana, é constituída por vinte 
e sete ossos (oito no carpo; cinco metacarpos, dois no polegar e doze nos 
restantes quatro dedos), enquanto o resto do membro superior tem só três 
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ossos unidos por inúmeros tendões e músculos, que se encontram inseridos na 
unidade motora mais complexa do mundo animal - a mão. 
 A preensão é garantida através da oponibilidade do polegar em 
relação aos restantes dígitos. A característica pentadáctila do primata vem já 
dos répteis; porém, a oponibilidade é só possível nos primatas. O polegar pode 
oferecer a sua superfície palmar às superfícies palmares dos outros dedos, e 
por via dessa unidade de coordenação o primata está apto a suspender-se nos 
ramos e a saltar de uns para outros, mantendo vertical, o seu corpo. 
 A coordenação motora dos primatas que é necessária para a 
preensão de ramos é a mais complexa de todos os mamíferos placentários. De 
fato, a agilidade e a disponibilidade motora que são exigidas para saltar de um 
ramo para outro e a seqüência de balanços aéreos que compreendem põem 
em destaque um diferenciado controlo cerebeloso, extrapiramidal e piramidal.

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