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REFLEXÕES SOBRE AS FALÁCIAS NA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA: ESTUDO DE CASO DA DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NOS AUTOS DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 597-270-4/RS Adilor Danieli, João Batista Lazzari Resumo A fim de que as decisões judiciais sejam desafiadas, recusadas ou apoiadas, cabe ao magistrado justificar as razões que o levaram a decidir desta ou daquela maneira. A falta de clareza na justificação das razões que fundamentaram a decisão judicial diminui ou, em última análise, inviabiliza a possibilidade de controle do comando judicial. O estudo da jurisprudência pátria, em especial aquela construída pelo Supremo Tribunal Federal, revela, contudo, uma série de incongruências, apontando, ainda, a presença de falácias no respectivo discurso. Visando comprovar a afirmação, visitamos a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em especial o Recurso Extraordinário nº 597-270-4/RS, apontando as falácias nele presentes, com base no modelo argumentativo sugerido por Manuel Atienza, em obras como As razões do direito: teorias da argumentação jurídica e Curso de Argumentación Jurídica. Palavras-chave Argumentação Jurídica; Decisão; Falácias. A teoria da argumentação jurídica como instrumento para a solução justa dos casos Eliane Aparecida Dorico Resumo: A argumentação jurídica é a grande ferramenta do neoconstitucionalismo. Esta interpretação constitucional se inspira numa concepção pós-positivista do direito. Tem como base e fundamento qualificação das regras, e a distinção com relação aos princípios. O direito não pode ser estudado apenas como um produto acabado, criado por uma ação legislativa, mas como processo no qual se analisa como se chega à decisão judicial. O processo de decisão precisa ser fundado em uma ótica racional do conjunto de ideias que o compõe para oferecer respostas aos operadores do Direito. A TAJ , para a solução dos casos difíceis, utiliza a técnica da ponderação, quanto houver choques de princípios fundamentais. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, incorporou essa técnica à rotina de seus pronunciamentos. O intérprete deverá fazer concessões recíprocas entre os valores e interesses em disputa, preservando o máximo possível de cada um deles. Situações haverá, no entanto, em que será impossível a compatibilização. Nesses casos, o intérprete precisará fazer escolhas, determinando, in concreto, o princípio ou direito que irá prevalecer. Para tanto, utilizando-se das técnicas da Teoria da Argumentação Jurídica, entraremos resultados satisfatórios, condizentes com o Estado Democrático de Direito. Palavras Chaves: Teoria; Argumentação; Jurídica e Ponderação. Abstract: The legal argument is the great tool of neo. This constitutional interpretation is inspired by a post-positivist conception of law. Its basis and foundation qualification rules, and the distinction with respect to the principles. The law can not be studied only as a finished product, created by legislative action, but as a process in which we analyze as it gets to a court decision. The decision making process needs to be based on a rational set of optics that composes ideas to offer answers to the operators of Law. The TAJ, for the solution of difficult cases, uses the technique of weighting, as there are shocks to fundamentals. The jurisprudence of the Supreme Court, has incorporated this technique into the routine of their pronouncements. The interpreter must make reciprocal concessions between values and interests at stake, preserving as much as possible from each of them. There will be situations, however, where it is impossible to reconcile. In such cases, the interpreter will need to make choices, determining, in particular, the principle or law that will prevail. Therefore, using the techniques of the Theory of Legal Argumentation, will get satisfactory results, consistent with the democratic rule of law. Sumário: Introdução. 1. A nova interpretação Constitucional e o pós positivismo. 2. A interpretação constitucional e a Teoria da Argumentação Jurídica. 2.1. Conceito de Princípios. 2.2. Das regras e a diferenciação de princípios. 3. Teorias do Discurso Prático. 3.1 A Teoria da argumentação de Chaim Perelman. 3.2 A Teoria do Discurso pratico Racional Geral de Robert Alexy. 3.3 A Teoria da Argumentação Jurídica, como instrumento de interpretação no pós positivismo. 4. A Técnica da ponderação utilizada pela Teoria da Argumentação jurídica para a solução de casos difíceis. 5. Conclusões Introdução Nas ultimas décadas, dois fenômenos marcaram claramente o desenvolvimento do Direito em geral e do Direito Constitucional em particular. O primeiro deles, designado como pós-positivismo, identifica a reaproximação entre o Direito e a Ética, o resgate dos valores para o Direito e a superação da ideia da legalidade estrita e escrita, normatização dos princípios e o foco nos direitos fundamentais. O segundo fenômeno foi a ascensão do direito constitucional para o centro do sistema jurídico. A Constituição passou a ser também o modo principal de interpretar todos os ramos do Direito. Desenvolvendo a ideia fundamental do pós positivismo, com ênfase na reaproximação entre o Direito e a Ética, o resgate dos valores para o Direito e a superação da ideia da legalidade estrita e escrita, normatização dos princípios e regras e o foco nos direitos fundamentais, haverá a possibilidade da realização da Constituição, que deve estar atenta a realidade, para a sua plena efetividade. Na realização da Constituição, em busca do ideal de Justiça, ocorre a normatização de regras e princípios, e na solução de choque de princípios, da mesma hierarquia, temos um instrumental extremamente útil, que é Teoria da Argumentação Jurídica. Neste trabalho discorremos, sobre alguns pontos importantes sobre a técnica da Teoria da Argumentação Jurídica, veremos a definição de princípios e regras. Discorreremos, em rápidas pinceladas, os pensamentos dos dois maiores expoentes desta Teoria, Chaim Perelman e Robert Alexy, para a seguir, utilizando-se das lições dos mestres, chegarmos a algumas conclusões para a escolha da decisão correta. 1. A nova interpretação Constitucional e o pós positivismo. Nas últimas décadas, dois fenômenos marcaram claramente o desenvolvimento do Direito em geral e do Direito Constitucional em particular. O primeiro deles, designado como pós-positivismo, identifica a reaproximação entre o Direito e a Ética, o resgate dos valores para o Direito e a superação da ideia da legalidade estrita e escrita, normatização dos princípios e o foco nos direitos fundamentais. O segundo fenômeno foi a ascensão do direito constitucional para o centro do sistema jurídico. A Constituição passou a ser também o modo principal de interpretar todos os ramos do Direito. Desenvolvendo a ideia fundamental do pós positivismo, com ênfase na reaproximação entre o Direito e a Ética, o resgate dos valores para o Direito e a superação da ideia da legalidade estrita e escrita, normatização dos princípios e regras e o foco nos direitos fundamentais, temos a possibilidade da realização da Constituição no pos positivismo, que deve estar atenta a realidade, para a sua plena efetividade. Neste sentido doutrina Konrad Hesse, que a Constituição deve estar condicionada pela possibilidade de realização do seu conteúdo : “Quanto mais suas normas partem das realidades da situação histórica e procuram conservar e aperfeiçoar aquilo que já está delineado na condição individual da atualidade, tanto mais rápido podem elas desenvolver efeito normalizador”[1]. A realização da Constituição, no pós-positivismo, em busca do ideal deJustiça, ocorre a normatização de regras e princípios, e na solução de choque de princípios, da mesma hierarquia, temos um instrumental extremamente útil, que é Teoria da Argumentação Jurídica. Assim, no próximo tópico, veremos a definição de princípios e regras, para a seguir, situar a Teoria da Argumentação Jurídica, de como trabalha com estes importantes conceitos, no choque entre regras, e princípios constitucionais, para a escolha da decisão certa, ou melhor, da decisão mais razoável para o caso concreto. 2. A interpretação Constitucional e a Teoria da Argumentação Jurídica A argumentação jurídica é a grande ferramenta do neoconstitucionalismo. A nova interpretação constitucional se inspira numa concepção pós-positivista do direito, conforme visto acima. Tem como base e fundamento qualificação das regras, e a distinção com relação aos princípios. Referida assertiva é verificada de maneira clara na análise de concretos. De acordo com este movimento, o direito não pode ser estudado apenas como um produto acabado, criado por uma ação legislativa, mas como processo no qual se analisa como se chega à decisão judicial. O processo de decisão precisa ser fundado em uma ótica racional do conjunto de ideias que o compõe para oferecer respostas aos operadores do Direito. De caráter fragmentário, a nova teoria utiliza inúmeros instrumentos para chegar à decisão do caso concreto, mais sensível ao contexto e utilizando-se de informações de outras ciências, como os da filosofia política, sociologia, filosofia e da Teoria da Linguagem, dentre outas. Não se limita a análise aos aspectos jurídicos tradicionais. Sua orientação é voltada para a solução do caso e está produzindo uma revitalização da razão prática no âmbito jurídico. Antonio Cavalcante Maia destaca que “o amadurecimento de uma cultura jurídica necessita de uma doutrina preocupada com as questões pragmáticas diuturnas, e com os pilares teóricos informadores do desenvolvimento da ciência jurídica”[2]. Após a Constituição de 1988, constata-se o florescimento de um novo pensamento no direito constitucional brasileiro, elaborando uma maneira mais adequado de interpretar a matriz principiológica da Constituição. Exemplo disso encontramos no trabalho cientifico desenvolvido por Willlis Santiago Guerra Filho, em sua pioneira obra sobre a Teoria da Ciência Jurídica[3], onde o preclaro mestre une a questão da metodologia à interpretação constitucional, e traz a experiência desenvolvida na Alemanha . A hermenêutica jurídica não pode mais prescindir da argumentação, conforme lição de Margarida Maria Lacombe Camargo, que aduz que: “a compreensão requerida pelo direito poderá ser realizada e apresentada concretamente, mediante o recurso técnico da argumentação, enquanto a argumentação, como instância dialógica, permite o exercício da liberdade, do confronto e do amadurecimento de idéias, em direção a uma solução jurídica nem certa nem errada, mas razoável”[4]. Encontrando-se superada sua concepção tradicional limitada a técnicas de interpretação das leis, como por exemplo a interpretação literal ou lógico-sistemática. “A contribuição de Chaim Perelman para a metodologia do direito é fundamental neste retorno aos estudos da retórica como uma teoria da argumentação”[5], como bem estudado por Margarida Camargo. Chaim Perelman buscou uma outra dimensão da racionalidade, mais compatível com a vida prática. A melhor conduta para se chegar a uma decisão será a mais razoável, de forma convincente para o auditório ao qual se dirige. Escapa-se ao rigor de uma lógica formal, mas a validade da interpretação se sustenta porque eticamente correta. A hermenêutica atual não pode mais sobreviver apenas com a operação de subsunção. Na maneira de decidir os casos mais complexos, chamados de casos difíceis, há que se encontrar critérios para lidar com esse novo material normativo, os princípios e regras, evitando-se uma excessiva ênfase na vontade do juiz. Antonio Cavalcante Maia, comentando a crescente diferenciação do mundo social contemporâneo, “aponta para a necessidade de uma maior sofisticação do aparato metodológico dos operadores do direito. Isto tem ocasionado o aumento do interesse pela discussão teoria da hermenêutica e da argumentação”[6]. A necessidade de uma interpretação constitucional diferenciada do tradicional, efetua a concretização da norma constitucional. Surge o movimento pós-positivista, no qual os princípios ocupam lugar de destaque. São considerados como normas fundamentais do sistema como um todo. A utilização de uma metodologia jurídica adequada à concretização da Constituição faz parte do movimento de dar um lugar de maior destaque na pirâmide normativa aos princípios. Admite que decisões dos tribunais, em casos difíceis, cuja definição será dado em tópico apropriado, tenham base teórica para interpretar normas produzidas pelo poder legislativo. Praticar a “interpretação constitucional” é diverso de interpretar a Constituição de acordo com os cânones tradicionais da hermenêutica jurídica, em bases jusprivatistas. A pergunta sobre o que seja “argumentação jurídica” não é pronta e fácil resposta, como adverte Manuel Atienz(ATIENZA, 2000, p. 18). Para o autor, “a teoria da argumentação jurídica atinge três campos: a) o da produção de normas; b)o da aplicação de normas; c) o da dogmática jurídica. O primeiro se atem à fase legislativa das normas. O segundo pretende elucidar os chamados hard cases ou casos difíceis relativos à interpretação e aplicação do direito. O terceiro oferece aos órgãos jurídicos responsáveis pela atividade de criação e aplicação de normas, critérios auxiliares no processo de tomada de decisão, quando uma norma deva ser aplicada ao caso concreto”[7]. Todas as idéias defendidas pelos diversos teóricos da argumentação jurídica, dentro do contexto do neopositivismo, partem do fato de que as decisões jurídicas devem e podem ser justificadas da melhor maneira possível. A obrigação de motivar as decisões judiciais, prevista textualmente no artigo 93, IX, Constituição, corolário do Estado de Direito, contribui para torná-las aceitáveis, e no contexto da Teria da Argumentação Jurídica, justificar uma decisão significa algo mais do que efetuar uma operação dedutiva que consiste em extrair uma conclusão a partir de premissas normativas e fáticas. Robert Alexy, um dos maiores estudiosos da Teoria da Argumentação Jurídica, em obra que já se tornou clássica sobre o tema, de leitura obrigatória, suscita a questão do que seja uma fundamentação racional. Para ele, o pensamento jurídico é um caso especial do discurso prático geral[8]. Este tópico será desenvolvido mais adiante. Tanto Alexy como Atienza se preocupam com a correção das afirmações normativas, mas o discurso jurídico é diferente porque a argumentação específica para o direito ocorre com uma série de condições limitadoras[9]. Essas condições seguem os ditames da lei, da doutrina e da jurisprudência, além das de ordem processual. Concluindo, a Teoria da Argumentação Jurídica procura a justeza dos enunciados normativo no discurso jurídico, em face do Estado Democrático de Direito. É um instrumental do neopositivismo, na nova interpretação constitucional, na superação dos mecanismos tradicionais da hermenêutica jurídica, em busca dos ideias máximos de Justiça. 2.1 O conceito de Princípios É fundamental conceituar , dentro da ótica do pós positivismo, o que é princípio e regra, e qual a sua diferenciação, para termos parâmetros, e um guia seguro para a solução dos casos difíceis, dentro da Teoria da Argumentação Jurídica. Robert Alexy esclareceque: “tanto regra quanto princípios são normas porque ambos dizem o que deve ser. Ambos podem ser formulados por meio de expressões deônticas básicas do dever, da permissão e da proibição. Princípios são, tanto quanto as regras, razões para juízos concretos de dever-ser, ainda que de espécie muito diferente. A distinção entre regras e princípios é, portanto, uma distinção entre duas espécies de normas”[10]. Assim, conforme visto, a Constituição se vale de princípios e regras. Ambos são conteúdos de normas constitucionais. Paulo de Barros Carvalho leciona que: “princípio é palavra que frequenta com intensidade o discurso filosófico, expressando o “início”, o "ponto de origem”, o “ponto de partida”, a “hipótese-limite” escolhida como proposta de trabalho. Exprime também as formas de síntese com que se movimentam as meditações filosóficas (“ser”, “não-ser”, “vir-a-ser” e “dever-ser”), além do que tem presença obrigatória ali onde qualquer teoria nutrir pretensões científicas, pois toda ciência repousa em um ou mais axiomas (postulados). Cada “princípio”, seja ele um simples termo ou um enunciado mais complexo, é sempre susceptível de expressão em forma proposicional, descritiva ou prescritiva.”[11] Neste passo, partindo de linha metodológica de que principio aparece como linha diretiva que ilumina a compreensão e interpretação, temos a lição insuperável de Celso Antonio Bandeira de Mello, para definir o conceito de princípio: “Princípio é, pois, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e servindo de critério para exata compreensão e inteligência delas, exatamente porque define a lógica e a racionalidade do sistema normativo, conferindo-lhe a tónica que lhe dá sentido harmónico”. Eis porque: “violar um princípio é muito mais grave que transgredir uma norma. A desatenção ao principio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. E a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do principio violado, porque representa insurgéncia contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra”[12]. Assim, na esteira do pensamento de Roque Antonio Carraza, que completando as lições de Celso Antonio Bandeira de Mello, que de forma concisa , “afirmou generalidade, ocupa posição de preeminência nos vastos quadrantes do Direito e, por isso mesmo, vincula, de modo inexorável, o entendimento e a aplicação das normas jurídicas que com ele se conectam”[13]. Definido princípio, passamos a conceituar regra, e sua diferenciação. 2.2. Das regras e a diferenciação de princípios Define Humberto Ávila: “As regras são normas imediatamente descritivas, primariamente retrospectivas e com pretensão de decidibilidade e abrangência, para cuja aplicação se exige a avaliação da correspondência, sempre centrada na finalidade que lhes dá suporte e nos princípios que lhes são axiologicamente sobrejacentes, entre a construção conceituai da descrição normativa e a construção conceituai dos fatos.”[14] Canotilho, aduz sobre a complexidade de definição entre regras e princípios e sugere vários critérios, para sua diferenciação, e denotação, para se ter noção do que seja regra: a) “Grau de abstracção: as regras possuem uma abstracção relativamente reduzida . b) Grau de determinabilidade na aplicação do caso concreto: as regras são susceptíveis de aplicação directa c) «Proximidade» da ideia de direito: as regras podem ser normas vinculativas com um conteúdo meramente funcional d) Natureza normogenética: os princípios são fundamento de regras, isto é, são normas que estão na base ou constituem a ratio de regras jurídicas, desempenhando, por isso, uma função normogenética fundamentante.”[15] Neste sentido, em relação a natureza normogenética , é a doutrina de Tercio Sampaio Ferraz, ao lecionar que, teoricamente, pode-se dizer que: “princípios são pautas de segundo grau que presidem a elaboração de regras de primeiro grau. Isto é, princípios são prescrições genéricas, que se especificam em regras. Essa distinção, formulada em tese, não é fácil, porém, de ser sustentada na análise do texto constitucional. A terminologia, mesmo teoricamente, não é pacífica - o que exige um esclarecimento terminológico”[16] E o preclaro mestre, reconhece que não é fácil sustentar teoricamente a distinção entre princípios e regras. Ana Paula de Barcellos , em obra de folego, sobre a eficácia dos princípios constitucionais, faz perguntar pertinente: “Que critérios podem ser objetivamente apresentados para distinguir regras e princípios? Se o fato de um enunciado assumir o caráter de um princípio ou de uma regra acarreta tantas conseqüências importantes para sua interpretação e aplicação — o que corresponde à realidade, como se verá —, é razoável que, antes de qualquer outra coisa, se seja capaz de distinguir essas duas categorias. Muitos critérios têm sido apresentados para operar essa distinção entre princípios e regras, valendo percorrê-los, ainda que brevemente. Como se poderá perceber com facilidade, alguns deles são mais consistentes que outros; nada obstante, todos contribuem para formar um quadro mental mais preciso, menos intuitivo, acerca da distinção entre princípios e regras.”[17] No choque de princípios, entre princípios e regras, é que vamos encontrar o campo fértil da interpretação constitucional e tendo como um instrumento útil a Teoria da Argumentação Jurídica. 3. Teorias do Discurso Prático: Dentre as diversas Teorias aplicadas na argumentação jurídica, daremos destaques as duas que considero as mais importantes, que influenciaram todo o movimento na mudança de paradigmas, e a evolução de um novo conceito , na aplicação do Direito, na superação dos conceitos tradicionais. Trata-se da Teoria da argumentação de Chaim Perelman, e do professor Robert Alexy, da Universidade Christian Albrechts, em Kiel, Alemanha. Conforme noticia Alexy: “ o filósofo e jurista Chaim Perelman, nascido em Varsóvia e professor durante muito tempo em Bruxelas, começou realizando estudos sobre o lógico Gottlob Frege. Logo se dedicou à análise lógica de juízos de valor e de conceitos valorativos. Chegou à conclusão de que os juízos de valor não se podem fundamentar somente mediante observações empíricas (naturalismo) nem por meio de evidências de qualquer tipo (intuicionismo). Em seu estudo sobre a justiça, que apareceu em 1945, chegou, com isto, ao resultado de que pelo menos os princípios básicos de qualquer sistema normativo são arbitrários. Todavia, Perelman não se contentou com isso. Desde os anos cinqüenta, tenta mostrar, numa teoria da argumentação, que, além da comprovação empírica e da dedução lógica, existe ainda toda uma série de possibilidades de argumentação e fundamentação racional. Em especial, assegura a ideia de que a possibilidade do uso prático da razão pode-se mostrar numa teoria geral da argumentação”[18]. Assim, passamos, sem maiores delongas, a fazer um resumo da Teoria da argumentação de Chaim Perelman, para logo a seguir, esboçar a Teoria da Argumentação Jurídica, do Discurso Racional como Teoria da Fundamentação Jurídica, de Robert Alexy, por nós adotada. 3.1. A Teoria da argumentação de Chaim Perelman O conceito fundamental da teoria de Perelman é o de auditório, sendo este um conjunto daqueles sobre os quais o orador quer influenciar por meio de sua argumentação. O papel do auditório é o que distingue a argumentação da demonstração, sendoa demonstração a dedução lógica. Alexy destaca resultados importantes da obra perelmaniana: “Assim, mostrou-se a existência de um estrito parentesco entre o conceito habermasiano de situação ideal de fala e o perelmaniano de auditório universal. Segundo ambas as concepções, uma norma (regra etc.) é suscetível de generalização se todos podem estar de acordo com ela. De grande interesse é, ademais, que Perelman, por um lado, oriente a argumentação racional de acordo com a ideia de uni- versalidade, mas a vincule, por outro lado, ao estado social e historicamente dado das concepções e atitudes. A argumentação não pode partir do nada nem começar em qualquer ponto. Busca chegar, a partir do faticamente dado como concepções e atitu- des, mediante um processo de elaboração racional, a resultados aceitáveis de maneira geral.Por isso, frequentemente não se pode indicar um resultado como o único e correto de maneira definitiva. Isso obriga a uma abertura à crítica e à tolerância”[19]. Apesar da estrutura lógica de uma justiça formal, apresentada por Perelman como a única justiça possível segundo a igualdade, o autor rompe com a postura positivista- kelseniana e anteve o ordenamento jurídico firmado sobre uma pauta valorativa. E sendo os valores por natureza arbitrários, nenhum sistema, por mais adiantado que seja, pode ser inteiramente lógico e eliminar toda a sua arbitrariedade. É o grande rompimento do positivismo tradicional. Assim, os princípios gerais de um sistema, em vez de afirmarem o que é, determinam o que vale, mas de forma arbitrária e não fundamentalmente lógica, na visão de Kelsen quando apresenta a sua norma fundamental, que também parte de um ponto arbitrário. Os valores é que nos permitirão justificar as regras e princípios, e permitir a existência da justiça, pois, segundo Perelman, só o acordo sobre os valores nos permite justificar as regras, eliminando tudo o que favorece ou desfavorece arbitrariamente os membros de certa categoria essencial. E uma vez existindo referido consenso, a possibilitar o desenvolvimento racional do sistema normativo, as regras a ele estranhas é que poderão ser tidas como arbitrárias. Disso resulta o relativismo jurídico de Perelman, que não reconhece a justiça como valor absoluto, possível de ser fundamentado unicamente na razão, mas relativo, porque fruto da vontade. Portanto, a justiça, enquanto manifestação da razão na ação, deve contentar-se com um desenvolvimento formalmente correto de um ou de vários valores. Perelman é levado a distinguir três componentes da justiça: o valor que a fundamenta, a regra que a enuncia e o ato que a realiza. Os dois últimos componentes, são os únicos que podemos submeter a exigências racionais: podemos exigir do ato, que seja regular e que trate da mesma forma os seres integrantes da mesma categoria essencial; podemos requerer que a regra seja justificada e que decorra logicamente do sistema normativo adotado, mas quanto ao valor que fundamenta o sistema normativo, não o podemos submeter a nenhum critério racional, pois ele é arbitrário e logicamente indeterminado. Com efeito, embora qualquer valor possa servir de fundamento para um sistema de justiça, esse valor, em si mesmo, não é justo. O que podemos qualificar de justas são as regras que ele determina e os atos que são conformes a essas regras. Porém, ainda que diante da impossibilidade de pensar logicamente sobre os valores, o autor não se mostra insensível àquelas situações em que a aplicação regular e uniforme da lei acarreta injustiça. Para os casos em que a lei não se mostre suficiente como parâmetro de justiça, o autor sugere o recurso à eqüidade, que funciona como elemento corretivo às insuficiências do formalismo legal. Perelman define eqüidade como a “muleta da justiça”, a ser utilizada para evitar que ela fique manca e de todo vulnerável. Passamos agora a estudar a Teoria do Discurso prático racional geral de Roberto Alexy. 3.2. A Teoria do Discurso pratico Racional Geral de Robert Alexy. Robert Alexy desenvolve regras de argumentação, racional e pratica, dentro da Teoria da Argumentação Juridica, e dentro as formas e discurso jurídico, elenca regras e esquemas lógicos, e esclarece, em relação as regras de argumentação dogmática: “Todo enunciado dogmático , se é posto em duvida, deve ser fundamentado, mediante o emprego, pelo menos, de um argumento pratico do tipo geral; todo enunciado dogmático deve enfrentar uma comprovação sistemática, tanto em sentido estrito como em sentido amplo, e se são possíveis argumentos dogmáticos, devem ser usados”[20]. Conclui sua obra com as seguintes observações: “ A explicação do conceito de argumentação jurídica racional nesta investigação mediante a descrição de uma série de regras a serem seguidas e de formas que devem ser adotadas pela argumentação satisfazer a pretensão que nela se formula. Se uma discussão corresponde a essas regras e formas, o resultado alcançado pode ser designado “correto”. As regras e formas do discurso jurídico constituem por isso critério de correção para as decisões jurídicas. Finalmente, não se deve subestimar a função da teoria do discurso jurídico racional como definição de um ideal. Como ideal vai além do âmbito da Ciência do Direito. Os juristas podem certamente contribuir para a realização da razão e da justiça, mas não podem fazer isso sozinhos, o pressupõe uma ordem social racional e justa”[21]. Assim, adotando-se as ideias de Alexy, argumentação jurídica é um caso especial da teoria da argumentação. Como tal, deve obedecer às regras do discurso racional: as conclusões devem decorrer logicamente das premissas, não se admite o uso da força ou da coação psicológica, deve-se observar o princípio da não contradição, o debate deve estar aberto a todos, dentre outras. Paralelamente, outras regras específicas do discurso jurídico deverão estar presentes, como a preferência para os elementos normativos do sistema, o respeito às possibilidades semânticas dos textos legais, a deferência para com as deliberações majoritárias válidas e a observância dos precedentes, para citar alguns exemplos. 3.3. A Teoria da Argumentação Juridica, como instrumento de interpretação no pós positivismo. A argumentação faz parte do mundo jurídico, que é feito de linguagem, racionalidade e convencimento. Todos os participantes do processo apresentam argumentos e a fundamentação é requisito essencial da decisão judicial. No entanto a interpretação jurídica lida com casos fáceis e com casos difíceis. Os casos fáceis podem ser decididos com base na lógica formal, dedutiva, aplicando-se a norma pertinente aos fatos, mediante subsunção. Nos casos difíceis, porém, a solução precisa ser construída tendo em conta elementos que não estão integralmente contidos nos enunciados normativos aplicáveis. Valorações morais e políticas precisarão integrar o itinerário lógico da produção da decisão. Este é o ambiente típico da argumentação jurídica. Argumentação é a atividade de fornecer razões para a defesa de um ponto de vista, o exercício de justificação de determinada tese ou conclusão. Trata-se de um processo racional e discursivo de demonstração da correção e da justiça da solução proposta, que tem como elementos fundamentais: (i) a linguagem, (ii) as premissas que funcionam como ponto de partida e (iii) regras norteadoras da passagem das premissas à conclusão. A necessidade da argumentação se potencializa com a substituição da lógica formal ou dedutiva pela razão prática, e tem por finalidade propiciar o controle da racionalidade das decisões judiciais. As diferentes teorias da argumentação jurídica têm por objetivo estruturar oraciocínio jurídico, de modo a que ele seja lógico e transparente, aumentando a racionalidade do processo de aplicação do Direito e permitindo um maior controle da justificação das decisões judiciais. O crescimento da importância da argumentação jurídica na hermenêutica e na filosofia do Direito tem motivações associadas à filosofia política e à filosofia moral. No plano político, o debate se reconduz à onipresente questão da legitimidade democrática da atividade judicial: na medida em que se reconhece que o juiz participa criativamente da construção da norma, o fundamento de sua atuação já não pode repousar exclusivamente no princípio da separação de Poderes. A argumentação, a demonstração racional do itinerário lógico percorrido, o esforço de convencimento do auditório passam a ser fonte de legitimação e controlabilidade da decisão. No plano moral, já não se aceita, sem ojeção profunda, que qualquer decisão emanada da autoridade competente seja legítima. Cada vez mais se exige sua justificação racional e moral, vale dizer, sua justiça intrínseca. A principal questão formulada pela teoria da argumentação pode ser facilmente visualizada nesse ambiente: se há diversas possibilidades interpretativas acerca de uma mesma hipótese, qual delas é a correta? Ou, ainda que não se possa falar de uma decisão correta, qual (ou quais) delas é(são) capaz(es) de apresentar uma fundamentação racional consistente? Como verificar se determinado argumento é melhor do que outro? Existem incontáveis propostas de critérios para orientar a argumentação jurídica. A matéria, por suas implicações e complexidades, transformou-se em um domínio autônomo e altamente especializado. Por ilustração, são estudados brevemente três parâmetros que se consideram pertinentes e recomendáveis: a) a necessidade de fundamentação normativa; b) a necessidade de respeito à integridade do sistema; c) o peso (relativo) a ser dado às conseqüências concretas da decisão. Em primeiro lugar, a argumentação jurídica deve ser capaz de apresentar fundamentos normativos (implícitos que sejam) que lhe deem sustentação. O intérprete deve respeito às normas jurídicas - i.e., às deliberações majoritárias positivadas em um texto normativo -, à dogmática jurídica - i.e., aos conceitos e categorias compartilhados pela doutrina e pela jurisprudência, que, mesmo não sendo unívocos, têm sentidos mínimos - e deve abster-se de voluntarismos. Não basta, portanto, o senso comum e o sentido pessoal de justiça: é necessário que juízes e tribunais apresentem elementos da ordem jurídica que embasem tal ou qual decisão. Em suma: a argumentação jurídica deve preservar exatamente o seu caráter jurídico - não se trata de uma argumentação que possa ser estritamente lógica, moral ou política. Em segundo lugar, a argumentação jurídica deve preservar a integridade do sistema. Isso significa que o intérprete deve ter compromisso com a unidade, com a continuidade e com a coerência da ordem jurídica. Suas decisões, portanto, não devem ser casuísticas ou idiossincráticas, mas universalizáveis a todos os casos em que estejam presentes as mesmas circunstâncias, bem como inspiradas pela razão pública. Além disso, o intérprete deve procurar observar os precedentes e impedir variações não fundamentadas de entendimento. De fato, o respeito à jurisprudência é uma forma de promover segurança jurídica e de resguardar a isonomia. O juiz não pode ignorar a história, as sinalizações pretéritas e as expectativas legítimas dos jurisdicionados. Na boa imagem de Ronald Dworkin, a prática judicial é como um "romance em cadeia", escrito em vários capítulos, em épocas diferentes. É possível exercer a própria criatividade, mas sem romper com a integridade do Direito. Guinadas no enredo serão sempre possíveis - para fazer frente a novas realidades ou mesmo para corrigir um juízo anterior que se reputa equivocado -, mas deverão ser cuidadosamente justificadas e poderão ter seus efeitos limitados ou adiados para evitar injustiças flagrantes. Em terceiro lugar, o intérprete constitucional não pode perder-se no mundo jurídico, desconectando-se da realidade e das conseqüências práticas de sua atuação. Sua atividade envolverá um equilíbrio entre a prescrição normativa (deontologia), os valores em jogo (filosofia moral) e os efeitos sobre a realidade (consequencialismo). Por certo, juizes e tribunais não podem lançar mão de uma argumentação inspirada exclusivamente pelas conseqüências práticas de suas decisões. Pelo contrário, devem ser fiéis, acima de tudo, aos valores e princípios constitucionais que lhes cabe concretizar. Nada obstante isso, o juiz constitucional não pode ser indiferente à repercussão de sua atuação sobre o mundo real, sobre a vida das instituições, do Estado e das pessoas. Aqui vale fazer uma nota. Os três parâmetros de argumentação expostos acima estão relacionados com um dos problemas suscitados pela teoria da argumentação, talvez o principal deles: a verificação da correção ou validade de uma argumentação que, consideradas certas premissas fáticas e a incidência de determinadas normas, conclui que uma conseqüência jurídica deve ser aplicada ao caso concreto. Isto é: cuida-se aqui do momento final da aplicação do Direito, quando os fatos já foram identificados e as normas pertinentes selecionadas. Isso não significa, porém, que esses dois momentos anteriores - seleção de fatos e de enunciados normativos - sejam auto evidentes. Ao contrário. Desse modo, fica apenas o registro de que, além da questão posta acima, outros dois problemas que têm ocupado os estudiosos da argumentação jurídica envolvem exatamente a seleção das normas e dos fatos que serão considerados em determinada situação. Com efeito, não é incomum, diante de um caso, que alguns fatos sejam considerados relevantes e outros, ignorados. Que critérios levam o intérprete a dar relevância jurídica a alguns eventos e preterir outros? Também a seleção da norma ou normas aplicáveis, isto é, o estabelecimento da premissa normativa, nem sempre é um evento simples. A pergunta aqui, que muitas vezes não terá uma resposta unívoca, pode ser formulada nos seguintes termos: que normas são pertinentes ou aplicáveis ao caso? Em suma, o controle da racionalidade, correção e justiça do discurso jurídico suscita questões diversas e complexas, que envolvem a compreensão do Direito, a seleção dos fatos e o exame das diversas soluções possíveis. Desnecessário dizer que se vive um tempo de perda na objetividade e na previsibilidade da interpretação em geral, com redução da segurança jurídica (ou da antiga percepção de segurança jurídica, que talvez fosse superestimada). Atente-se, porém, que as diferentes categorias da nova interpretação, não são a causa da insegurança. Justamente ao contrário, procuram elas lidar racionalmente com as incertezas e angústias da pós-modernidade - marcada pelo pluralismo de concepções e pela velocidade das transformações - e de uma sociedade de massas, de riscos e de medos. No ambiente da colisão, da ponderação e da argumentação, frequentemente não será possível falar em resposta correta para os problemas jurídicos postos, mas sim em soluções argumentativamente racionais e plausíveis. A legitimação da decisão virá de sua capacidade de convencimento, da demonstração lógica de que ela é a que mais adequadamente realiza a vontade constitucional in concreto. Não é incomum a ocorrência de idas e vindas durante a tramitação processual, com reconsiderações e reformas dos pronunciamentos judiciais. Havendo a colisão dos direitos fundamentais à liberdade de expressão e de informação com os direitos da personalidade à privacidade, à honrae à imagem, utiliza-se a técnica da ponderação. Não se trata de um caso fácil, por envolver um conflito de direitos fundamentais, sem que o ordenamento forneça, em tese, a solução constitucionalmente adequada. O juiz, portanto, terá de realizar a ponderação entre os valores em conflito, fazendo concessões recíprocas e/ou escolhas. E, reconheça-se, pessoas esclarecidas e de boa-fé poderão produzir soluções diferentes para o problema. O domínio da colisão dos direitos fundamentais, da ponderação e da construção argumentativa da norma concreta não é feito de verdades plenas ou de certezas absolutas. Ele é influenciado não apenas pela maior ou menor complexidade das normas e dos fatos envolvidos, como também pela pré-compreensão do intérprete e pelos valores morais e políticos da sociedade. O que se pode dizer é que a argumentação desenvolvida é dotada de lógica e racionalidade suficientes para disputar a adesão do auditório, isto é, da comunidade jurídica e da sociedade em geral. Esse é o mínimo e o máximo que se pode pretender na busca da solução constitucionalmente adequada para os casos difíceis. 4. A Técnica da ponderação utilizada pela Teoria da Argumentação jurídica para a solução de casos difíceis. A Teoria da Argumentação jurídica, para a solução dos casos difíceis , utiliza a técnica da ponderação. Assim, é interessante discorrer sobre o que seja ponderação, e sua utilização para a solução dos casos difíceis, onde ocorra conflitos e choques de princípios e regras, com a possibilidade de uma resposta razoável. Por muito tempo, a subsunção foi o raciocínio padrão na aplicação do Direito. Como se sabe, ela se desenvolve por via de um raciocínio silogístico, no qual a premissa maior - a norma - incide sobre a premissa menor - os fatos -, produzindo um resultado, fruto da aplicação da norma ao caso concreto. Esse tipo de raciocínio jurídico continua a ser fundamental para a dinâmica do Direito, para a solução de casos fáceis. Mas não é suficiente para lidar com as situações que envolvam colisões de princípios, regras , envolvendo os direitos fundamentais. De fato, nessas hipóteses, mais de uma norma postula aplicação sobre os mesmos fatos. Vale dizer: há várias premissas maiores e apenas uma premissa menor. Como intuitivo, a subsunção, na sua lógica unidirecional (premissa maior => premissa menor => conclusão), somente poderia trabalhar com uma das normas, o que importaria na eleição de uma única premissa maior, descartando-se as demais. Referida solução, porem, não é constitucionalmente adequada, em razão do princípio da unidade da Constituição, que nega a existência de hierarquia jurídica entre normas constitucionais. Como conseqüência, a interpretação constitucional viu-se na contingência de desenvolver técnicas capazes de produzir uma solução dotada de racionalidade e de controlabilidade diante de normas que entrem em rota de colisão. O raciocínio a ser desenvolvido nessas situações haverá de ter uma estrutura diversa, que seja capaz de operar multidirecionalmente, em busca da regra concreta, ou do princípio aplicado, que vai reger a espécie. Os inúmeros elementos em jogo serão considerados na medida de sua importância e pertinência para o caso concreto. De acordo com ilustração de Luís Roberto Barroso: “a subsunção é um quadro geométrico, com três cores distintas e nítidas. A ponderação é uma pintura moderna, com inúmeras cores sobrepostas, algumas se destacando mais do que outras, mas formando uma unidade estética. Ah, sim: a ponde- ração malfeita pode ser tão ruim quanto algumas peças de arte moderna”.[22] A ilustração acima expressa, de maneira figurativa, o que se convencionou denominar ponderação. Esta consiste em uma técnica de decisão jurídica, aplicável a casos difíceis, em relação aos quais a subsunção se mostrou insuficiente. A Teoria da Argumentação Jurídica, vai se utilizar desta técnica, para a solução dos casos difíceis, principalmente quanto houve choques de princípios fundamentais, acima estudados. A insuficiência se deve ao fato de existirem normas de mesma hierarquia indicando soluções diferenciadas, como no caso de princípios e regras constitucionais. Nos últimos tempos, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, incorporou essa técnica à rotina de seus pronunciamentos. De maneira singela, é possível descrever a ponderação como um processo com três fases, adotando-se a lição de Luís Roberto Barroso[23]: Na primeira fase, cabe ao intérprete detectar no sistema as normas relevantes para a solução do caso, identificando eventuais conflitos entre elas. Como se viu, a existência dessa espécie de conflito - insuperável pela subsunção - é o ambiente próprio de trabalho da ponderação. Ainda neste estágio, os diversos fundamentos normativos - isto é, as diversas premissas maiores pertinentes - são agrupados em função da solução que estejam sugerindo. Ou seja: aqueles que indicam a mesma solução devem formar um conjunto de argumentos. O propósito desse agrupamento é facilitar o trabalho posterior de comparação entre os elementos normativos em jogo. Na segunda fase, cabe examinar os fatos, as circunstâncias concretas do caso e sua interação com os elementos normativos. Embora os princípios e regras tenham uma existência autônoma, em tese, no mundo abstrato dos enunciados normativos, é no momento em que entram em contato com as situações concretas que seu conteúdo se preencherá de real sentido. Assim, o exame dos fatos e os reflexos sobre eles das normas identificadas na primeira fase poderão apontar com maior clareza o papel de cada uma delas e a extensão de sua influência. Até aqui, na verdade, nada foi solucionado . Identificação das normas aplicáveis e compreensão dos fatos relevantes fazem parte de todo e qualquer processo interpretativo, sejam os casos fáceis, sejam difíceis. É na terceira fase que a ponderação irá singularizar-se, em oposição à subsunção. Os princípios, por sua estrutura e natureza, e observados determinados limites, podem ser aplicados com maior ou menor intensidade, à vista de circunstâncias jurídicas ou fáticas, sem que isso afete sua validade. Assim, nessa fase dedicada à decisão, os diferentes grupos de normas e a repercussão dos fatos do caso concreto estarão sendo examinados de forma conjunta, de modo a apurar os pesos que devem ser atribuídos aos diversos elementos em disputa e, portanto, o grupo de normas que deve preponderar no caso. Em seguida, será preciso ainda decidir quão intensamente esse grupo de normas - e a solução por ele indicada - deve prevalecer em detrimento dos demais, isto é: sendo possível graduar a intensidade da solução escolhida, cabe ainda decidir qual deve ser o grau apropriado em que a solução deve ser aplicada. Todo esse processo intelectual tem como fio condutor o princípio da proporcionalidade ou razoabilidade. A ponderação, como estabelecido acima, socorre-se do princípio da razoabilidade- proporcionalidade para promover a máxima concordância prática entre os direitos em conflito. Idealmente, o intérprete deverá fazer concessões recíprocas entre os valores e interesses em disputa, preservando o máximo possível de cada um deles. Situações haverá, no entanto, em que será impossível a compatibilização. Nesses casos, o intérprete precisará fazer escolhas, determinando, in concreto, o princípio ou direito que irá prevalecer. 5. Conclusões Para finalizar este opúsculo, concluímos que: A realização da Constituição, no pós-positivismo, em busca do ideal de Justiça, ocorre a normatização de regras e princípios, e na solução de choque de princípios, da mesma hierarquia, temos um instrumentalextremamente útil, que é Teoria da Argumentação Jurídica. A argumentação jurídica é a grande ferramenta do neoconstitucionalismo. A nova interpretação constitucional se inspira numa concepção pós-positivista do direito, conforme visto acima. Tem como base e fundamento qualificação das regras, e a distinção com relação aos princípios. A contribuição de Chaim Perelman para a metodologia do direito é fundamental neste retorno aos estudos da retórica como uma teoria da argumentação: A ideia de que o Direito é uma realidade dinâmica e que consiste não tanto - ou não somente - em uma série de normas ou de enunciados de diversos tipos, quanto - ou também — em uma prática social complexa que inclui, além de normas, procedimentos, valores, ações, agentes etc. A importância que se concede à interpretação que é vista, mais que como resultado, como um processo racional e formador do Direito A Teoria da Argumentação Jurídica procura a justeza dos enunciados normativo no discurso jurídico, em face do Estado Democrático de Direito. É um instrumental do neopositivismo, na nova interpretação constitucional, na superação dos mecanismos tradicionais da hermenêutica jurídica, em busca dos ideias máximos de Justiça. Revista Jurídica – CCJ ISSN 1982-4858 v. 18, nº. 35, p. 85 - 102, jan./abr. 2014 85 Revista Jurídica REFLEXÕES SOBRE AS FALÁCIAS NA ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA: ESTUDO DE CASO DA DECISÃO DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL NOS AUTOS DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO Nº 597-270-4/RS REFLECTIONS ON THE FALLACIES IN LEGAL ARGUMENT: CASE STUDY OF THE DECISION OF THE SUPREME COURT IN THE CASE OF EXTRAORDINARY APPEAL Nº 597-270-4/RS Adilor Danieli * João Batista Lazzari ** Resumo: A fim de que as decisões judiciais sejam desafiadas, recusadas ou apoiadas, cabe ao magistrado justificar as razões que o levaram a decidir desta ou daquela maneira. A falta de clareza na justificação das razões que fundamentaram a decisão judicial diminui ou, em última análise, inviabiliza a possibilidade de controle do comando judicial. O estudo da jurisprudência pátria, em especial aquela construída pelo Supremo Tribunal Federal, revela, contudo, uma série de incongruências, apontando, ainda, a presença de falácias no respectivo discurso. Visando comprovar a afirmação, visitamos a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, em especial o Recurso Extraordinário nº 597-270-4/RS, apontando as falácias nele presentes, com base no modelo argumentativo sugerido por Manuel Atienza, em obras como As razões do direito: teorias da argumentação jurídica e Curso de Argumentación Jurídica. Palavras-chave: Argumentação Jurídica. Decisão. Falácias. Abstract: In order that judgments are challenged, supported or rejected, it is up to the magistrate to justify the reasons that led him to decide one way or another. The lack of clarity in the statement of reasons on which the decision or judicial decreases, ultimately, prevents the possibility of judicial control command. The study of jurisprudence country, especially one built by the Supreme Court, however, reveals, besides the style often arrevesado and wordy, a number of inconsistencies, pointing also to the presence of fallacies in their speech. Aiming to prove the statement, we visited the jurisprudence of the Supreme Court, especially the * Mestre e Juiz de Direito. Artigo de conclusão da Disciplina Argumentación Jurídica y Actividad Judicial realizada em Alicante-Espanha, maio de 2013. E-mail: ad5375@tjsc.jus.br. ** Doutorando em Ciência Jurídica ¬PPCJ - UNIVALI, Linha de Pesquisa: Política da Produção do Direito, Juiz Federal e Professor; Artigo de conclusão da Disciplina Argumentación Jurídica y Actividad Judicial realizada em Alicante-Espanha, maio de 2013. E-mail: joaobatistalazzari@gmail.com. Adilor Danieli e João Batista Lazzari Revista Jurídica – CCJ ISSN 1982-4858 v. 18, nº. 35, p. 85 - 102, jan./abr. 2014 86 Extraordinary Appeal No. 597-270-4/RS, pointing out the fallacies present in it, based on the model suggested by Manuel Atienza argumentative, in works such as the Right Reasons : theories of legal reasoning and argumentation legal Course. Keywords: Legal Argument. Decision. Fallacies. 1 INTRODUÇÃO É cediço que o modelo jurídico instalado, clama, cada vez mais, pela transformação da imagem clássica da racionalidade, dirigida à definição de uma regra que garanta a possibilidade de justificação do seu sentido e o cabimento da sua formulação. Isso porque à aplicação do direito ao caso concreto, que se dará por meio de uma operação de inferência lógica do magistrado, exige-se a justificação das razões que levaram à eleição deste ou daquele desfecho. Para Atienza, muito embora as decisões jurídicas não sejam infalíveis, já que nelas estão presentes pontos positivos e negativos, a racionalidade é condição essencial, na medida em que o processo de justificação das decisões permite sejam elas desafiadas, recusadas ou apoiadas. Trocando em miúdos. Errando ou acertando – e tendo em mente que os erros também integram o processo de aprendizado democrático – a sonegação de razões claras deve dar lugar à justificação da decisão, ou seja, à explanação das razões práticas que apoiam aquela decisão. Com base, então, no referencial fornecido por Atienza, traçou-se, a princípio e de forma breve, algumas linhas sobre argumentação jurídica para, tão logo, exemplificar-se alguns tipos de falácias presentes no discurso jurídico, procedendo-se, no momento final, à análise da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal nos autos do Recurso Extraordinário nº 597.240-4/RS, com o objetivo de identificar falácias jurídicas, na forma do que fora proposto. A investigação, o tratamento dos dados e a elaboração do relato desta pesquisa são realizados com base no método indutivo1, e as técnicas utilizadas são a do referente2, o fichamento de obras e consultas na rede mundial de computadores. Reflexões sobre as falácias na argumentação jurídica: estudo de caso da decisão do Supremo Tribunal Federal nos autos do Recurso Extraordinário nº 597-270-4/RS Revista Jurídica – CCJ ISSN 1982-4858 v. 18, nº. 35, p. 85 - 102, jan./abr. 2014 87 2 ARGUMENTAÇÃO JURÍDICA A argumentação pode ser definida como uma organização discursiva com características próprias que a diferenciam de outros modos de organização do discurso, como a narração, a descrição e a explicação. Dentre suas características principais, a argumentação inclui a negociação de argumentos a favor e contrários a um ponto de vista, objetivando chegar a uma conclusão. Argumentar significa refletir sobre o que era objeto de certeza do pensamento ao ser destacado o que é submetível a debate3. Para Atienza4: Al igual que hay diversas disciplinas que se interesan por la argumentación, parece Haber también diversas nociones de argumentación. Por ejemplo, los lógicos entienden los argumentos como encadenamientos de enunciados en los que, a partir de algunos de ellos (las premisas), se puede pasar a otro (la conclusión). Pero otros enfoques pueden consistir en ver la argumentación como una actividad o un arte dirigido a establecer o descubrir las premisas; como una técnica dirigida a persuadir a otro de determinada tesis; como una interacción social, un proceso comunicativo que tiene lugar entre diversos sujetos y que debe atenerse a ciertas reglas, etcétera. Esa pluralidad de nociones puede observarse también en el mundo del Derecho. Sobre o tema, o autor afirma, da mesma sorte, que: Ninguém duvida que a prática do Direito consista, fundamentalmente, em argumentar, e todos costumamosconvir em que a qualidade que melhor define o que se entende por um “bom jurista” talvez seja a sua capacidade de construir argumentos e manejá-los com habilidade5. É cediço que “a teoria (ou teorias) da argumentação jurídica tem como objeto de reflexão, obviamente, as argumentações produzidas em contextos jurídicos”6. O autopõe, então, a distinção de três diferentes campos jurídicos em que ocorrem argumentações, a saber, “produção ou estabelecimentos de normas jurídicas, aplicação das normas jurídicas à solução dos casos e, por fim, a dogmática jurídica”. No que respeita ao primeiro âmbito, Atienza7 adverte que é possível distinguir as argumentações que acontecem numa fase pré-legislativa, daquelas que são produzidas na fase propriamente legislativa, ressaltando, no particular, que: As primeiras se efetuam como consequência do surgimento de um problema Adilor Danieli e João Batista Lazzari Revista Jurídica – CCJ ISSN 1982-4858 v. 18, nº. 35, p. 85 - 102, jan./abr. 2014 88 social, cuja solução – no todo ou em parte – acredita-se que possa ser a adoção de uma medida legislativa. Exemplo disso são as discussões a propósito da despenalização ou não (e em que casos sim ou não) do aborto, da eutanásia ou do tráfico de drogas, ou da regulamentação do chamado “tráfico de influências”. Outro tipo de argumentações surge quando um determinado problema passa a ser considerado pelo Poder Legislativo ou por algum órgão do Governo, tendo ou não sido previamente discutido pela opinião pública. Enquanto na fase pré-legislativa se pode considerar que os argumentos têm, em geral, um caráter mais político e moral que jurídico, na fase legislativa os papéis se invertem, passando para o primeiro plano as questões de tipo “técnico- jurídico”. Com relação ao segundo campo, o autor esclarece que: Um segundo campo em que se efetuam argumentos jurídicos é o da aplicação de normas jurídicas à solução de casos, embora essa seja uma atividade levada a cabo por juízes em sentido estrito, por órgãos administrativos no sentido mais amplo da expressão ou por simples particulares. Aqui, novamente, caberia distinguir entre argumentações relacionadas a problemas concernentes aos fatos ou ao Direito (esses últimos, em sentido amplo, poderiam ser designados como problemas de interpretação). Pode-se dizer que a teoria da argumentação jurídica dominante se centra nas questões – os casos difíceis – relativas à interpretação do Direito e que são propostas nos órgãos superiores da administração da Justiça. Mas a maior parte dos problemas que os tribunais como órgãos não-jurisdicionais do Governo têm de conhecer e sobre os quais decidem é constituída de problemas concernentes aos fatos, e assim os argumentos que ocorrem, suscitados pelos mesmos, recaem fora do campo de estudo das teorias usuais da argumentação jurídica8. Por fim, o terceiro âmbito em que se verificam argumentos jurídicos é o da dogmática jurídica, que para Atienza9: A dogmática é, sem dúvida, uma atividade complexa, na qual cabe distinguir essencialmente as seguintes funções: 1) fornecer critérios para a produção do Direito nas diversas instâncias em que ele ocorre; 2) oferecer critérios para a aplicação do Direito; 3) ordenar e sistematizar um setor do ordenamento jurídico. Na sequência, o autor salienta que: As teorias comuns da argumentação jurídica se ocupam também das argumentações que a dogmática desenvolve para cumprir a segunda dessas funções. Esses processos de argumentação não são muito diferentes dos efetuados pelos órgãos aplicadores, uma vez que se trata de oferecer, a esses órgãos, critérios – argumentos – para facilitar-lhes (em sentido amplo) a tomada de uma decisão jurídica que consiste em aplicar uma norma a um caso. A diferença que, não obstante, existe entre os dois processos de argumentação poderia ser assim sintetizada: enquanto os órgãos aplicadores têm de resolver casos concretos (por exemplo, se se deve ou não alimentar à força os presos que estão em greve de fome para obter determinadas mudanças em sua situação Reflexões sobre as falácias na argumentação jurídica: estudo de caso da decisão do Supremo Tribunal Federal nos autos do Recurso Extraordinário nº 597-270-4/RS Revista Jurídica – CCJ ISSN 1982-4858 v. 18, nº. 35, p. 85 - 102, jan./abr. 2014 89 carcerária), o dogmático do Direito se ocupa de casos abstratos (por exemplo, determinar quais são os limites entre o direito à vida e o direito à liberdade pessoal e qual dos dois deve prevalecer quando há conflito entre eles)10. Seguindo essa ordem de ideias, conclui Atienza11 que: Contudo, parece claro que a distinção não pode sempre (ou talvez nunca) ser feita de forma muito taxativa. Por um lado porque o praticante precisa recorrer a critérios fornecidos pela dogmática, pelo menos quando enfrenta casos difíceis (por exemplo, para adotar uma decisão fundamentada na primeira questão proposta acima seria necessário responder, antecipadamente, à segunda), e ao mesmo tempo a dogmática se apoia também em casos concretos. Por outro lado, porque ocorre de os tribunais (ou certo tipo de tribunais) terem de resolver casos abstratos, isto é, suas decisões podem não consistir simplesmente em condenar X a pagar uma certa quantidade de dinheiro ou em absolver Y de um determinado delito, mas também em declarar que uma determinada lei é inconstitucional, que um regulamento é ilegal ou que uma determinada norma deve ser interpretada num determinado sentido; além disso alguns tribunais, ao decidirem um caso concreto, criam jurisprudência, o que significa que a regra em que baseiam sua decisão – e que se expressa na ratio decidendi da sentença – tem um caráter geral e abstrato, e consequentemente vale para os casos futuros. Independente do âmbito em que esteja situada, é certo que a importância da argumentação, como um todo, decorre da circunstância de que não aceitamos apenas o mundo, mas pedimos sua justificação. Quem deseja justificar aquilo que faz e que diz não despreza a necessidade de se orientar no mundo: busca objetivos para o seu agir a razões para o seu falar12. Convêm lembrar, no ponto, que a experiência do cotidiano nos brinda sempre com anomalias, incongruências e contradições. E, quando tentamos explicá-las, explicações à primeira vista razoáveis acabam por se revelar insatisfatórias após exame mais acurado13. Tal ocorre com a desconstrução do discurso jurídico, por vezes permeado por maus argumentos, já que com o objetivo de justificar e expor as suas razões, muitos juristas recorrem à argumentação falaciosa, que macula a prática forense e é tema do breve parêntesis que segue este tópico. 3 FALÁCIAS A linguagem natural é um instrumento de comunicação rico e flexível. No cotidiano, presta-se a expressar sentimentos de amor, de ódio, de raiva, de afeto, de paixão e de ternura. Adilor Danieli e João Batista Lazzari Revista Jurídica – CCJ ISSN 1982-4858 v. 18, nº. 35, p. 85 - 102, jan./abr. 2014 90 Trata-se de idioma que representa os fenômenos da vida e se renova a cada dia. A linguagem se adapta ao saber culto das academias, bem como à gíria popular. Como tudo na vida, nutre-se de expressões que marcam época, para, com o tempo, serem relegadas ao esquecimento. Em síntese, a linguagem natural é um fenômeno humano que faz parte da nossa vida: nasce, cresce, definha e morre. Por causa de sua riqueza e ductilidade, o idioma traz, em seu bojo, limitações inevitáveis, aí abarcadas, a título de exemplo, as falácias14. Falácia é um argumento em linguagem natural que parece psicologicamente persuasivo, mas logicamente não é correto. Na falácia a conclusão é aceita não pelo apoio dado a ela pelas premissas (interferência),mas devido à intervenção de fatores extralógicos que nos pressionam para que aceitemos tal conclusão15. O tema aqui abordado foi tratado, a princípio e com rigor, por Aristóteles16 que advertia a respeito dos sofistas, a quem creditava a utilização dessas deduções para fins nada dignos: Visto que aos olhos de algumas pessoas mais vale parecer sábio do que ser sábio sem o parecer (uma vez que, a arte do sofista consiste na sabedoria aparente e não na real, e o sofista é aquele que ganha dinheiro graças a uma sabedoria aparente e não real), está claro que para essas pessoas é essencial parecer exercer a função de sábio, em lugar de realmente exercê-la sem parecer que o fazem [...] constitui tarefa daquele que detém ele mesmo conhecimento de um determinado assunto abster-se de argumentos falaciosos em torno dos temas de seu conhecimento e ser capaz de denunciar aquele que os utiliza. Sofisma é qualquer argumentação falaciosa, ilógica, capciosa, com aparência de verdade, que intencionalmente visa iludir os outros17. Para Aristóteles18, “a arte sofística é o simulacro da sabedoria sem a realidade. O sofista é aquele que faz comércio de uma sabedoria aparente, mas irreal”. A argumentação falaciosa é uma arma perigosa nas mãos de quem ardilosamente a ela recorre. Num primeiro momento, sua eficácia é enorme, pois o impacto do fator “cênico” impressiona. Mas, uma vez denunciada, expõe ao ridículo quem a utiliza, impondo sua derrota lógica (por falta de argumentação sólida) e moral, determinando a perda de credibilidade19. Atienza20, adotando o modelo de análise proposto por Toulmin, utiliza, então, como critério de classificação das falácias, aquele que permite distribuí-las em cinco categorias Reflexões sobre as falácias na argumentação jurídica: estudo de caso da decisão do Supremo Tribunal Federal nos autos do Recurso Extraordinário nº 597-270-4/RS Revista Jurídica – CCJ ISSN 1982-4858 v. 18, nº. 35, p. 85 - 102, jan./abr. 2014 91 diferentes, a saber: 1) de uma falta de razões, 2) de razões irrelevantes, 3) de razões falhas, 4) de suposições não garantidas ou 5) de ambiguidades, assim as explicando: O melhor exemplo de falácia por falta de razões é a petição de princípio, que consiste em propor uma pretensão e argumentar a seu favor, adiantando “razões” cujo significado é simplesmente equivalente ao da pretensão original. 2) As falácias devidas a razões irrelevantes ocorrem quando a prova que se apresenta a favor da pretensão não é diretamente relevante para a mesma; assim sucede, por exemplo, quando se comete a falácia que consiste em fugir do problema, em apelar para a autoridade, em argumentar contra a pessoa, em argumentar ad ignorantiam, em apelar para o povo, para a compaixão ou para a força, embora, naturalmente, nem toda apelação à autoridade, à pessoa etc, suponha cometer uma falácia. 3) As falácias devidas a razões falhas surgem quando as razões oferecidas a favor da pretensão, embora sejam do tipo correto, são inadequadas para estabelecer a pretensão específica posta em questão (poder-se-ia dizer que o que falha aqui é a qualificação ou a condição de refutação); essas falácias podem ser cometidas por se fazer uma generalização apressada (chega-se a uma conclusão com poucos exemplos ou com exemplos atípicos) ou porque um argumento se baseia numa regra que é, em geral, válida, mas deixou de considerar que o caso em questão poderia ser uma exceção dela (falácia do acidente). 4) Nas falácias devidas a suposições não garantidas, parte-se do pressuposto de que é possível passar das razões à pretensão com base numa garantia compartilhada pela maior parte ou por todos os membros da comunidade, quando, de fato, a garantia em questão não é comumente aceita; assim ocorre, por exemplo, com a falácia da questão complexa, da falsa causa, da falsa analogia ou de “envenenar os poços” (formula-se uma pretensão contra a qual não é possível argumentar, com o objetivo de reforçar uma pretensão anterior). 5) Finalmente, as falácias que resultam de ambiguidades ocorrem quando uma palavra ou frase é usada equivocadamente, devido a um erro gramatical (anfibologia), a uma colocação errada da ênfase (falácia da ênfase), a afirmar sobre um conjunto inteiro o que é válido para cada uma das suas partes (falácia da composição), a afirmar sobre as partes o que é válido para o conjunto (falácia da divisão), ou quando se tomam semelhanças gramaticais ou morfológicas entre palavras indicadoras de semelhanças de significado (falácia das figuras de dicção). Contudo, Atienza21 alerta que eleger um método para identificar as falácias, trata-se de tarefa mais importante que classificá-las, vejamos: Por lo demás, como la clave para entender el concepto de falacia es una noción eminentemente gradual, la de apariencia, es inevitable que haya una zona de vaguedad entre los argumentos falaces, los Buenos argumentos y los malos argumentos; la apariencia de engaño puede ser tan leve que se trate en realidad de un buen argumento (al que podría faltarle, por ejemplo, una premisa – que estaría implícita – para convertirse en bueno), o tan intensa que los argumentos falaces Sean difíciles de distinguir de los que, sin más, son malos argumentos. En realidad, podría decirse que el concepto de falacia es eminentemente contextual. En abstracto no puede decirse un determinado tipo de argumento sea falaz. De manera que lo importante no es tanto una clasificación o una Adilor Danieli e João Batista Lazzari Revista Jurídica – CCJ ISSN 1982-4858 v. 18, nº. 35, p. 85 - 102, jan./abr. 2014 92 tipología de las falacias, sino un método para poder detectarlas; dicho de otra manera, se trataría de revisar la bondad (o apariencia de bondad) de los argumentos desde una perspectiva formal, material y pragmática. Todo lo cual, por cierto, no significa poner en cuestión la racionalidad de las argumentaciones, sino subrayar que el concepto de argumento falaz presupone el de buen argumento (al igual que la noción de ideología presupone la de verdad). Passamos, então, a exemplificar alguns tipos de falácias, sem a pretensão de esgotar o tema. 3.1 EXEMPLOS DE FALÁCIAS A princípio, trataremos do Apelo à força (argumentum ad baculum), que decorre da máxima que “a força cria o direito”, já que na ausência de válidas argumentações lógicas, recorre- se ao abuso da violência, física ou moral, como forma operacionalmente eficaz para se conseguir o que se quer22. A argumentação falaciosa pode permear o comportamento de uma instituição, tornando-se uma forma nefasta de política de pessoal. Nega-se, por exemplo, promoção na carreira aos profissionais que discordam da linha de pensamento oficial. Na prática, há, subjacente, um discurso falacioso: “Quem está comigo, quer o bem da instituição. Quem de mim discorda, a desagrega. Quem desagrega a instituição, deve ser excluído. Por isso, quem de mim discorda, deve ser excluído”23. Nesse particular, oportuno lembrar o alerta dado por Alexandre Morais da Rosa, ao comparar o Poder Judiciário a uma grande orquestra, gerida: [...] por um maestro (STF), com músicos espalhados nos diversos ‘instrumentos’. Estes músicos, ainda que arregimentados, eventualmente, por sua capacidade técnica e de reflexão, ficam obrigados a tocar conforme indicado pelo maestro, sob pena de exclusão da ‘Orquestra Única’. Não há outra para concorrer; ela é a portadora da palavra. Diz a Verdade. Ainda que alguns dos músicos pretendam uma nota acima ou abaixo da imposta, não lhe dão ouvidos, porque o diálogo é prejudicado. O slogan é: toque como queremos ou se retire24. Ultrapassado o alerta, utilizado, no caso, para ilustrar o apelo à força (da expressão latina: argumentum ad baculum, lit. "argumento do porrete"),pode-se concluir, então, que Reflexões sobre as falácias na argumentação jurídica: estudo de caso da decisão do Supremo Tribunal Federal nos autos do Recurso Extraordinário nº 597-270-4/RS Revista Jurídica – CCJ ISSN 1982-4858 v. 18, nº. 35, p. 85 - 102, jan./abr. 2014 93 se trata de uma falácia em que a força e a coerção são apresentadas como justificativa para uma conclusão falsa. É um modo de apelo à consequência e ao medo25. Quando se argumenta por meio do apelo à autoridade (argumentum ad verecundiam), por sua vez, a conclusão é aceita ou porque somos pressionados pela prepotência no uso da autoridade, ou porque extrapolamos a autoridade competente de alguém para uma área em que não há competência reconhecida26. Como esclarece Atienza27: Verecundia significa <<verguenza>> o <<timidez>> o <<modéstia>>, pero um argumento ad verecundiam es usualmente, no de uma manera muy apropiada, considerado como um argumento que descansa em el respeto a la autoridad. Nessa ordem de ideias, conclui-se que a falácia em enfrentamento, trata-se da argumentação baseada no apelo a alguma autoridade reconhecida a fim de comprovar a premissa. Há que se atentar, a fim de se evitar essa falácia tão comum no meio jurídico, que a força de um raciocínio vem fundamentalmente de sua inferência lógica e não da autoridade de quem o elabora28. Já na falácia conhecida como Apelo à pessoa (argumentum ad hominem), levantam-se dúvidas a respeito de determinada pessoa em assuntos que nada tem a ver com o objeto em questão, na medida em que se denunciam defeitos ou se apontam qualidades que não se referem ao assunto tratado29. Na seara jurídica, o apelo à pessoa é argumentação corriqueira, na esteira do exemplo citado por Cappi e Cappi30: Tornou-se clássico o caso do talmudista medieval Maimônids, que, para defender a segurança das provas judiciais, formulou uma lista de exclusão de todas as categorias consideradas suspeitas a priori em seus depoimentos. Não se podia confiar em dez categorias de pessoas: mulheres, escravos, menores, alienados, surdos, cegos, maldosos, desprezíveis, parentes e as partes interessadas. Caracteriza esta falácia não somente recorrer aos defeitos, mas também valorizar as qualidades do candidato, em área que não é aquela logicamente comtemplada. Sobre o argumento ad hominem, Atienza31 acrescenta que: Adilor Danieli e João Batista Lazzari Revista Jurídica – CCJ ISSN 1982-4858 v. 18, nº. 35, p. 85 - 102, jan./abr. 2014 94 De acuerdo com la tradición moderna, um argumento ad hominem se comete cuando se argumenta em favor de um caso no basándose em sus méritos, sino analizando (usualmente de maera desfavorable) los motivos o el historial de SUS defensores u oponentes [...] Como ya se ha mencionado, los escritores vinculados a la clasificación de Aristóteles con frecuencia incluyen esta falacia en la ignoratio elenchi; y dado que casi cualquier falacia puede incluirse bajo este rótulo, no se puede tener ninguna objeción. La principal cuestión, sin embargo, no es de clasificación, sino de si los argumentos ad hominem son genuinamente falaces [...]. O Apelo à piedade (argumentum ad misericordiam), por sua vez, consuma-se pela aceitação da conclusão em decorrência do exagerado e irracional sentimento de compaixão, provocado propositalmente, consoante explicam Cappi e Cappi32: O que dizer do advogado que, para conseguir o voto favorável do júri, sabendo que o cliente é acusado de homicídio doloso sem atenuantes, dirige toda a atenção dos jurados para as trágicas consequências que uma sentença condenatória teria: os pobres filhinhos do assassino, vítimas inocentes, que sem o amparo do pai tornar-se-ão candidatos à marginalidade, futuros criminosos, colocando em risco a vida de todos nós. “De quem será a culpa da trágica mudança na vida destes inocentes?” Falta só dizer claramente que o júri, votando a favor da condenação, torna-se responsável pela provável marginalidade dos filhos do réu. O ardiloso advogado completará o quadro, pintando a saga da mulher do réu, que, sem amparo marital e sem recursos, fatalmente cairá na prostituição, para manter as pobres crianças que o advogado acabou de descrever como candidatas à marginalidade social. O advogado não busca a verdade objetiva e real dos fatos, mas a elaboração de uma versão dos fatos, juridicamente aceita, que se torne instrumento persuasivo e convincente de defesa do acusado. Logo: Misericordia significa <<piedad>>, y esta apelación a la piedad <<fue suficientemente conmovedora como para lograr que el miembro Del jurado promedio deseara echar por la ventana las cuestiones de prueba y de Derecho. El argumento falaz actúa atrayendo las emociones Del oyente en detrimento de su buen juicio [...]33 Oportuna, então, a reflexão de Coelho34, que adverte: A eficácia da falácia não-formal depende da maior ou menor mobilização das emoções do interlocutor. Esse tipo de falácia se caracteriza pela existência de um erro lógico [...] não perceptível de imediato. É necessária a mediação de um esforço racional para que se revele o equívoco no espírito do interlocutor. Ora, a mobilização das suas emoções pode levá-lo a não acionar completamente suas faculdades racionais, de sorte a desaperceber o caráter falacioso do argumento. Reflexões sobre as falácias na argumentação jurídica: estudo de caso da decisão do Supremo Tribunal Federal nos autos do Recurso Extraordinário nº 597-270-4/RS Revista Jurídica – CCJ ISSN 1982-4858 v. 18, nº. 35, p. 85 - 102, jan./abr. 2014 95 A falácia da falsa causa, por seu turno, acontece quando julgamos existir uma relação causal entre dois fenômenos, quando de fato só existe entre eles uma relação temporal. Um fato acontece após o outro e não por causa do outro. Inexiste causalidade entre os fatos, existindo, em contrapartida, sucessão temporal: um acontece antes, o outro depois35. No Apelo à tradição, prega-se que não se pode romper as tradições uma vez que elas estão sempre corretas. O Apelo à tradição é comum em religiões, presente nos dogmas e nos rituais que não podem ser mudados36. Despindo-se, pela lógica, da pretensão de esgotar o tema, que abarca inúmeras outras espécies de falácias que não serão objeto de estudo do presente artigo, passa-se à verificação da existência, ou não, de falácias no corpo da decisão do STF que, ao julgar o RE 597.270-4/RS, admitiu a repercussão geral, negando provimento ao recurso. 4 DECISÃO DO STF NOS AUTOS DA REPERCUSSÃO GERAL NA QUESTÃO DE ORDEM NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO DE NÚMERO 597.270 DO RIO GRANDE DO SUL O Supremo Tribunal Federal, em sessão plenária, sob a presidência do Senhor Ministro Gilmar Mendes, e relatoria do Senhor Ministro Cezar Peluso, resolveu, por unanimidade e nos termos do voto do relator, reconhecer a repercussão geral, reafirmando, no caso acima citado, a jurisprudência a respeito para negar provimento ao Recurso Extraordinário nº 597.270- 4/RS37. O recorrente alegava violação aos princípios constitucionais da reserva legal, da proporcionalidade e da individualização da pena, sustentando que “a vedação da fixação da pena aquém do mínimo legal em razão da incidência de circunstância genérica atenuante não encontra fundamento legal no ordenamento jurídico brasileiro. Durante muitos anos a proibição ora questionada vem sendo construída pela doutrina e jurisprudência pátrias, tendo culminado, inclusive, na edição da Súmula 231 do STJ. Todavia, na análise dos diplomas normativos aplicáveis à espécie, verifica-se que não existe expressa vedação legal para tanto, razão pela qual a Adilor Danieli e João Batista Lazzari Revista Jurídica – CCJ
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