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VOLUME 2 - ANO 10 - 2012 www.cebri.org.br C E N T R O B R A S I L E I R O D E R E L A Ç Õ E S I N T E R N A C I O N A I S D O S S I Ê Edição Especial O Brasil e a Agenda Global Dossie.indd 1 18/09/2012 10:51:07 Quem Somos O Centro Brasileiro de Relações Internacionais - CEBRI, sediado no Rio de Janeiro, é uma OSCIP (Organização da Sociedade Civil de Interesse Público), independente, multidisciplinar e apartidária, formada com o objetivo de promover estudos e debates sobre temas prioritários da política externa brasileira e das relações internacionais em geral. Criado em 1998 por um grupo de intelectuais, empresários, autoridades governamentais e acadêmicos, o CEBRI tornou- se rapidamente uma referência nacional na promoção de encontros de alto nível, conferências e seminários internacionais. O Centro atua como um think tank de políticas públicas na área externa do País. Sua Missão é criar um espaço para estudos e debates, onde a sociedade brasileira possa discutir temas relativos às relações internacionais e à política externa, com consequente influência no processo decisório governamental e na atuação brasileira em negociações internacionais. Em recente pesquisa, a Universidade da Pensilvânia apontou o CEBRI como o 3° mais importante think tank da América do Sul e Central. A pesquisa distingue a capacidade do Centro de reunir prestigiosos acadêmicos e analistas; e de produzir conhecimento por meio da reflexão, do debate e de publicações sobre temas de política externa. O CEBRI produz igualmente informação e conhecimento específico na área externa e propostas para a elaboração de políticas públicas. Linhas de pesquisa resultam em estudos, boletins, relatórios, newsletters e outros produtos específicos para instituições e empresas patrocinadoras. Conselho Curador Presidente de Honra Fernando Henrique Cardoso Presidente Luiz Augusto de Castro Neves Vice-Presidente Tomas Zinner Vice-Presidentes Eméritos Daniel Miguel Klabin José Botafogo Gonçalves Luiz Felipe Lampreia Conselheiros Armando Mariante Armínio Fraga Carlos Mariani Bittencourt Célio Borja Celso Lafer Claudio Frischtak Gelson Fonseca Junior Georges Landau Henrique Rzezinski José Aldo Rebelo Figueiredo José Luiz Alquéres José Pio Borges de Castro Filho Marcelo de Paiva Abreu Marco Aurélio Garcia Marcos Castrioto de Azambuja Marcus Vinícius Pratini de Moraes Maria Regina Soares de Lima Pedro Malan Roberto Abdenur Roberto Teixeira da Costa Ronaldo Veirano Sebastião do Rego Barros Vitor Hallack Winston Fritsch Diretora Fatima Berardinelli Dossie.indd 2 18/09/2012 10:51:07 3 Aluisio de Lima-Campos Carlos Eduardo Freitas Cláudio Oliveira Ribeiro Damian Papoulo Demétrio Magnoli Denise Gregory Eduarda Hamann Equipe CEBRI Fabio Feldmann Georges Landau Gustavo Piva Andrade Henrique Rzezinski José Botafogo Gonçalves Ko Colijn Luiz Augusto de Castro Neves Marcelo de Paiva Abreu Marcos Castrioto de Azambuja Maria Fatima Berardinelli Arraes de Oliveira Natalia N. Fingermann Odilon Marcuzzo Paul Isbell Ricardo Sennes Roberto Abdenur Roberto Teixeira da Costa Rodrigo C. A. Lima Rodrigo Cintra Sandra Rios Seth Colby Susan Kaufman Purcell Thomas S. Knirsch Tomas Tomislav Antonin Zinner Edição Especial O Brasil e a Agenda Global Dossie.indd 3 18/09/2012 10:51:07 4 Dossie.indd 4 18/09/2012 10:51:07 5 Edição Especial O Brasil e a Agenda Global ÍNDICE Introdução 7 1 - Brazil and Predatory Currency Misalignments 8 Aluisio de Lima-Campos 2 - O Brasil e a Crise Econômica Internacional 13 Carlos Eduardo Freitas 3 - Da Crise do Euro à Crise da União Europeia 18 Demétrio Magnoli 4 - A Importância do Uso Estratégico da Propriedade Intelectual 21 Denise Gregory 5 - A “Responsabilidade de Proteger” e “ao Proteger”: breve histórico e alguns 25 esclarecimentos Eduarda Hamann 6 - Understanding Brazil as a Global Trading Partner 29 Equipe CEBRI 7 - Avaliação da Participação Brasileira na Rio + 20 33 Fabio Feldmann 8 - A Reforma das Instituições Multilaterais 37 Georges Landau 9 - Propriedade Industrial e Importação Paralela no Ordenamento Jurídico Brasileiro 40 Gustavo Piva Andrade 10 - Brazil and the New Geopolitics of Energy 45 Henrique Rzezinski e Damian Popolo 11 - Os Próximos Desafios da Política Externa Brasileira 49 José Botafogo Gonçalves 12 - Brazil and the Netherlands: common ground in the neo-geo world? 53 Ko Colijn 13 - Afinal, o que o Brasil quer ser no Mundo? 58 Luiz Augusto de Castro Neves 14 - O Brasil Deve Levar a OMC a Sério 61 Marcelo de Paiva Abreu Dossie.indd 5 18/09/2012 10:51:08 6 15 - O Brasil e a Ordem Internacional 65 Marcos Castrioto de Azambuja 16 - Acordo Internacional para a Proteção de Investimentos Brasileiros no Exterior 69 Maria Fatima Berardinelli Arraes de Oliveira 17 - Brasil e África: uma parceria estratégica 73 Natalia N. Fingermann e Claudio Oliveira Ribeiro 18 - Desmatamento, Desarmamento, Não Proliferação Nuclear e Compromissos 78 Internacionais Assumidos Odilon Marcuzzo 19 - The Continuity of Pragmatism: the key to a successful Brazilian energy future 83 Paul Isbell 20 - Os BRICs e a Relativa “Desorganização” Internacional 90 Ricardo Sennes 21 - Mudando o Mapa Mental: África, América do Sul e Atlântico 96 Roberto Abdenur 22 - O Brasil e o Mundo em 2030 99 Roberto Teixeira da Costa 23 - Novo Código Florestal: agenda para o Brasil sustentável 103 Rodrigo C. A. Lima 24 - Diplomacia Corporativa 107 Rodrigo Cintra 25 - Transição para a Economia Verde: oportunidade na agenda econômica 111 externa brasileira Sandra Rios 26 - Follow the Brazilian Leader? assessing the exportability of the country s´ 114 development model Seth Colby 27 - Brazil and the Global Agenda 117 Susan Kaufman Purcell 28 - A Glimpse at the Coming Energy Revolution 120 Thomas S. Knirsch 29 - Brasil: reforma trabalhista e competitividade internacional 125 Tomas Tomislav Antonin Zinner Dossie.indd 6 18/09/2012 10:51:08 7 Introdução Em setembro de 2008, no bojo das comemorações dos 10 anos do CEBRI, foi lançada, pela primeira vez, a edição especial do Dossiê CEBRI, que condensou a opinião de Conselheiros e Colaboradores do CEBRI, sobre a temática “Prioridades da Política Externa Brasileira à luz do Interesse Nacional”. A iniciativa foi mantida na comemoração do 12° aniversário desta Instituição, transformando-se assim em tradição. Este ano, ao completar 14 anos de existência, estamos publicando nova edição especial, com as visões de um grupo de especialistas sobre a instigante questão: “O Brasil e a agenda global”. O motivo da escolha desta linha temática está claro. O Brasil, nos últimos anos, vem conquistando posição de maior proeminência no cenário internacional, o que tem refletido na curiosidade e interesse de interlocutores externos - think tanks, delegações diplomáticas, universidades e pesquisadores, centros de relações internacionais e, até mesmo, a imprensa estrangeira - em conhecer mais sobre o País e sua atuação internacional. Também na sociedade brasileira, o estudo de questões afetas à agenda externa, ganha cada vez mais adeptos. É visível o surgimento de novos cursos de Relações Internacionais e a grande participação de estudantes e empresas, entre outros, nos eventos promovidos pelo CEBRI. Sob tal inspiração, organizamos a presente publicação,buscando cobrir uma diversidade de aspectos presentes na ordem do dia no cenário internacional, tendo como elemento de ligação a análise das posições brasileiras nessas áreas. As contribuições recebidas para essa edição especial vão de comentários à política externa brasileira a pontos de vista sobre tópicos específicos como cambio, crise na zona do euro, investimentos das empresas brasileiras no exterior, Organização Mundial do Comércio, energia nuclear, meio ambiente - Rio +20 e Código Florestal - entre outros. Com a valiosa ajuda e expertise dos Conselheiros e Colaboradores do CEBRI, esperamos ter contribuído para a realização de nossa missão de promover o debate e difundir o conhecimento sobre Relações Internacionais em alto nível. Fatima Berardinelli Arraes de Oliveira Diretora Edição Especial O Brasil e a Agenda Global Dossie.indd 7 18/09/2012 10:51:08 8 1 Chairman of the ABCI Institute and adjunct professor of the Washington College of Law, American University. Brazil and Predatory Currency Misalignments Aluisio de Lima-Campos1 Currency misalignments (CMs), as expressed by the difference between an actual exchange rate and its estimated equilibrium rate, are not the only problem affecting the competitiveness of Brazilian exports. There is widespread recognition in Brazil that other factors, such as deficient infrastructure in the transportation sector, high taxes and interest rates, among others, are also culprits and need to be addressed. These are domestic factors and their solution is dependent solely on actions by Brazilians, government and private sectors alike. On the other hand, misalignments of foreign currencies are beyond Brazil’s control and not influenced by its national policies. Although Brazil can deal with the negative impacts of CMs in the balance of trade through domestic policy interventions, it risks openly going against the multilateral trade liberalization process by doing so. Thus, a solution to the misalignment problem must be international or multilateral in nature. As far as international trade is concerned, my argument is that the most predatory type of CM is a significant undervaluation, kept in place for an extended period of time, beyond what would be required to correct specific economic imbalances and unjustified by the undervaluing country’s economic fundamentals. Under normal foreign exchange market conditions, such undervaluations can only be explained by direct or indirect governmental currency manipulation. In other words, if all pertinent Aluisio de Lima-Campos Dossie.indd 8 18/09/2012 10:51:08 9 economic indicators are positive in a particular country, this country’s currency, under normal market conditions, would most likely tend to appreciate overtime, not stay depreciated for a long period. In this case, one could say that the aim of the government’s manipulation is to improve its balance of trade (BOT) by both gaining unfair advantage for its exports, as if injecting steroids into an Olympic athlete to help him/her win the race, and increasing barriers to its imports at the same time. Some other definitions of what constitutes predatory undervaluation or misalignment are worth mentioning. According to the International Monetary Fund (IMF), a currency is misaligned when a persistent, sizeable and one-way intervention exists. This is too broad and does not differentiate between predatory and other types of CMs. Section 3004 of the Omnibus Trade and Competitiveness Act of 1988 requires the U.S. Treasury to determine if any country with global current account and significant bilateral trade surpluses with the U.S. is found to be manipulating the rate of exchange between their currency and the dollar for the purposes of preventing effective balance of payments adjustments or gaining unfair competitive advantage in international trade. If the U.S. Treasury concludes in the affirmative, which it never does, expedited negotiations, through the IMF or bilaterally, are to be initiated. J. Gagnon, from The Peterson Institute of International Economics (PIIE), defines extreme manipulators as countries that have foreign exchange reserves that are greater than the value of six months of goods and services imports; have an average current account balance (as a percent of GDP) between 2001 and 2011 that is greater than zero and have increased their reserve stocks relative to their GDP over the past 10 years. There are, of course, other definitions, but yet no multilateral consensus. The negative effects of predatory CMs on trade have been demonstrated in at least two excellent research studies. One is by the School of Economics of Fundação Getúlio Vargas (São Paulo - 2012), which demonstrates that import tariff protection levels, duly negotiated at the World Trade Organization (WTO), are eroded to the point of becoming negative in what I would call not-undervalued-currency (NUC) countries. It also shows that import tariff protection levels are increased, even beyond the limits of WTO bound rates, in undervalued-currency (UC) countries. Another paper by Mattoo, Mishra Brazil and Predatory Currency Misalignments Dossie.indd 9 18/09/2012 10:51:08 10 and Subramanian (PIIE, March 2012) looks into the “spillover effect”. It suggests that, on average, a 10 percent appreciation of China’s real exchange rate boosts a developing country’s exports of a typical 4-digit Harmonized System (HS) product category to third markets by about 1.5 to 2 percent. Brazil is pushing for a multilateral solution at the World Trade Organization (WTO). As proposed in September of 2011, the Brazilian initiative was comprised of three steps. The first was a review of the literature available on the subject, which was done by the WTO secretariat on October 2011 (Staff Working Paper ERSD-2011-17). Second, a two-day seminar to discuss the subject of currency misalignments and trade, which was held in Geneva in March 2012. The focus of the latter, however, was more on “stock taking” rather than on “what can be done”, which given the political sensitivities was not unexpected. It was supposed to be an open meeting, with broad participation, which unfortunately was not, reportedly at the request of China and the U.S. Third, a discussion of proposals to tackle the problem, which is still to take place. A paper with Brazilian suggestions for a solution is to be presented in the next meeting of the WTO’s Working Group on Trade, Debt and Finance, sometime in the second half of 2012. The idea is to keep the discussion going at the WTO until a solution is reached. As demonstrated by the difficulties in the Doha Round of negotiations, any consensus on a negotiated solution in the WTO for the CM problem is bound to be a long-term proposition, especially if it involves a new agreement or changes in existing rules. If this is so, what are governments and affected industries to do in the meantime? Right now, in the absence of a clear guideline from the WTO on how to deal with this problem, NUC countries are getting creative with questionable unilateral trade barriers and/or currency wars, both undesirable from an economic perspective. Under these circumstances, I have been suggesting that a better alternative would be a complementary second track approach to take care of short and medium term situations that, if well designed and implemented, can even aid in a negotiated solution at the WTO. It calls for the use of trade remedies, specifically countervailing duties (CVDs). Aluisio de Lima-Campos Dossie.indd 10 18/09/2012 10:51:08 11 The proposal is laid out in detail in the article “A Case for Currency Misalignments as Countervailable Subsidies”(Journal of World Trade, 46:5, 2012). It advocates that predatory CMs (not every CM) can be treated as prohibited subsidies under the Agreement of Subsidies and Countervailing Measures and be subject of a petition to the Brazilian investigating authority (DECOM) at the Ministry of Development Industry and Trade. Predatory CMs are prohibited subsidies because they are contingent upon exports – the benefit only accrues to exporters if there is exportation. An injury test and a causal relationship between the injury and the subsidized imports would be required to impose a CVD. There has been resistance to this approach on what could be considered very shaky grounds. One is that the trade remedies agreements (antidumping and countervailing duties) of the WTO make no mention of currency misalignments or exchange rates, which implies that they cannot be used to deal with CMs. Another is that if such a case ends up in a dispute settlement panel the judges will tend to be very conservative, implying that a CVD based on CMs would not be acceptable by the panel. With regard to both of these concerns, I would cite professor Luiz Olavo Baptista, former chairman of the Appellate Body, who reminded everyone at a recent seminar in São Paulo, that there is very little or no mention in the agreements of “health”, “environment”, “dolphins” or “turtles” either, but the dispute settlement body was able to interpret the agreements and come up with a decision in these novel cases. Novel cases are riskier by nature; they are more difficult to prove. The Brazilian case against U.S. cotton subsidies is a good example. It was the first and only case to challenge the “peace clause”, which granted developed countries “carte blanche” to subsidize their agricultural products as long as they did not go over a predetermined value limit. At the time, this was viewed as an insurmountable barrier for bringing the cotton case to fruition. Even when the numbers revealed that the United States had subsidized beyond that limit there still was concern on the Brazilian side that a panel would decide against Brazil. This case turned out to be a successful one because its inherent difficulties were not allowed to become impediments at the end of the day. Brazil and Predatory Currency Misalignments Dossie.indd 11 18/09/2012 10:51:08 12 There are benefits in following a two-track approach: first, a well prepared CVD case can put pressure on negotiators to expedite a consensus solution at the WTO; second, even the threat of a CVD case may remove negotiating obstacles; third, a CVD case can aid in providing ideas for a negotiated solution at the WTO; and fourth, if it is reviewed by a WTO panel, it narrows the focus of the analysis to technical issues while reducing the opportunities for political influence. In addition, NUC governments will have in a CVD investigation a ready legal instrument to compensate an injured domestic industry, under due process, which is a better alternative than “ad hoc” unilateral trade barriers that could be clearly challenged at the WTO. Aluisio de Lima-Campos Dossie.indd 12 18/09/2012 10:51:08 13 1 Consultor Independente de Assuntos Econômicos em Brasília e Conselheiro Efetivo do Conselho Regional de Econo- mia do Distrito Federal (CORECON/DF). Ex-Diretor do Banco Central na Área Externa e na Área de Liquidações e Desestatização. 2 Não necessariamente as Fases se sucedem cronologicamente. Há superposições da Fase I com a II e dos momentos mais avançados da Fase II com a Fase III. O Brasil e a Crise Econômica Internacional Carlos Eduardo Freitas1 A economia mundial é impulsionada por três turbinas. Com a recidiva da crise internacional, a primeira e mais importante delas – a economia americana – está trabalhando a meio vapor. A turbina número 2, a União Europeia, está praticamente parada. A turbina número 3 – a China – que não enfrentou crise alguma, mas cuja potência depende das outras duas, dá sinais de perda de empuxo. Usando o referencial da crise da dívida externa latino-americana de 1982, podem-se caracterizar para efeitos didáticos, três etapas nas trajetórias de recuperação dessas turbulências econômicas, como segue2: a) Fase I, em que o objetivo é manter-se à tona no período agudo, isto é, não permitir que a crise saia de controle e a economia degringole; b) Fase II: depois que a crise se cristaliza, trata-se de reequilibrar a economia preparando-a para novo ciclo de expansão; c) Fase III: resolvida a crise, chega o momento de ganhar produtividade, voltando-se a pensar no crescimento econômico. As estatísticas mostram a economia americana recuperando-se gradualmente. A dívida do governo cresceu muito para evitar a degringolada pós-erupção da gigantesca bolha imobiliária, e será necessário O Brasil e a Crise Econômica Internacional Dossie.indd 13 18/09/2012 10:51:08 14 mais tempo para sua redução. Os Estados Unidos se encontram no que seria a Fase II da trajetória de saída da crise. A flexibilidade do sistema econômico americano, associada à vanguarda daquele país em matéria de ciência e tecnologia, milita a favor de uma retomada mais rápida da prosperidade econômica na Fase III. A crise europeia é mais complicada. Ainda se encontra na Fase I, pois não conseguiu, até agora, sair de um renitente período agudo. A zona do euro não é um estado propriamente dito, nem uma confederação e muito menos uma federação, o que dificulta a implementação de medidas de sustentação e de reequilíbrio. O temor de que uma reestruturação formal da dívida dos países mais afetados possa desencadear uma crise bancária em cadeia parece ser o fator que vem inibindo o encaminhamento de soluções do tipo que foi usado na América Latina em 1982/1983. Lá, os países saíam temporariamente do mercado financeiro e passavam a girar suas dívidas administrativamente, junto a comitês de credores, sob a supervisão do FMI, com apoio do Federal Reserve e do Bank of England. Essa estratégia evitava pagamento de juros exorbitantes e abria uma janela temporal para o reequilíbrio das economias endividadas e para capitalização dos bancos. No caso europeu, o reequilíbrio e a capitalização dos bancos têm de ser praticamente concomitantes às medidas de socorro financeiro imediato, porque se pretende que os países continuem girando suas dívidas em mercado. Esse giro não é feito sem dificuldades e demanda intervenções sistemáticas do Banco Central Europeu (BCE). Daí a percepção permanente de iminência de desastre que é transmitida pelo noticiário on line da mídia. Reequilibrar uma economia em crise é exercício sempre doloroso, porque envolve reduções de preços – salários e margens – que se elevaram excessivamente durante a euforia. A taxa de câmbio real é o principal balizador desses preços. Ela precisa ser desvalorizada para trazer salários e margens aos respectivos níveis de equilíbrio. A experiência mostra que fazer isso mediante flutuação da taxa de câmbio nominal é mais simples de administrar do que conduzir uma política de redução nominal de Carlos Eduardo Freitas Dossie.indd 14 18/09/2012 10:51:08 15 O Brasil e a Crise Econômica Internacional salários e preços, mantendo fixa a taxa de câmbio nominal. Mas, o problema é que os países do euro não têm moeda própria para flutuar – tudo se passa como se operassem com uma moeda estrangeira e, por conseguinte, só têm um caminho para desvalorizar sua “taxa de câmbio real”, que é gerenciar uma política de redução nominal de salários e preços internamente. Dolorosa que seja tal política, tudo indica ser essa a opção dos países endividados aliás, confirmada nas eleições gerais da Grécia de 17 de junho último. Em resumo, a Europadeve demorar a chegar à Fase III e voltar a a crescer. E isso, abandonando- se a hipótese apocalíptica de ruptura desordenada da zona do euro. A economia chinesa adotou o modelo de crescimento voltado para as exportações, que, combinado à sua elevadíssima taxa de poupança interna, resultou em vultosa acumulação de investimentos no exterior (reservas internacionais de US$ 3.240 bilhões em junho/20123). Entretanto, a estratégia está sentindo o impacto da desaceleração americana e europeia. Porém, a China tem espaço para substituir parte do investimento no exterior por absorção doméstica (consumo mais investimento interno), sustentando o nível de sua demanda agregada. Ao mesmo tempo, essa mudança de foco seria de todo positiva para alavancar a recuperação da economia mundial. O problema é se o governo chinês desejará e conseguirá fazer um movimento nesse sentido, uma vez que parte importante de seu parque produtivo está voltada para o mercado externo. De qualquer forma, essa mudança eventualmente terá de ocorrer, até por razões sócio-políticas. Porém, isso pode demorar. Em resumo, uma expectativa razoável seria de que a economia chinesa continuasse a ostentar taxas de crescimento ainda elevadas, mas, possivelmente, em patamares mais baixos que os observados no passado recente4. 3 WEB, Wikipedia, List of States by Foreign Exchange Reserves, “Bloomberg China Monthly Foreign Exchange Re- serves”, Bloomberg 2012-03-31 Retrieved 2012-07-05. 4 O FMI está prognosticando 8% e 8,5% de crescimento do PIB chinês, respectivamente, em 2012 e 2013, contra 10,4% e 9,2%, observados em 2010 e 2011. Dossie.indd 15 18/09/2012 10:51:08 16 Disso tudo decorre a perspectiva de meia década de expansão modesta da economia mundial, com as turbinas 1 e 3 operando a meia força e a turbina nº 2 em baixa rotação. E este poderia ser visto, inclusive, como cenário otimista. O Brasil conduziu bem a Fase I na crise de 1982 e chegou a esboçar um processo de reequilíbrio macroeconômico. Entretanto, a Fase II foi interrompida pela mudança do governo em 1985, e em seguida, totalmente paralisada pela Constituição de 1988, que estruturou um sistema econômico socialmente muito ambicioso, exigindo carga tributária elevada. A riqueza do país é insuficiente para conciliar os mandamentos da Constituição com investimento elevado, e, por conseguinte, o potencial de expansão do PIB diminuiu. Afinal, em 1994, o Brasil assinou os acordos definitivos da dívida externa oriunda da crise de 1982, embora sem a benção do FMI, porque os fundamentos fiscais não seriam suficientemente fortes. De fato, o processo de reequilíbrio macroeconômico só se completou em 2002, e assim mesmo alguns passos ficaram faltando. Contudo, pouco pôde ser feito relativamente à Fase III, isto é, aos aumentos de produtividade para recuperar o potencial de crescimento econômico. Entretanto, embalado pelo vento de cauda da subida dos preços das commodities o PIB alcançou taxa média de crescimento de 4,2%a.a. no período 2006/2011. Mas, a crise europeia recrudesceu e registra-se, neste 1º semestre de 2012, uma desaceleração generalizada. Em consequência disso, o vento de cauda dos ganhos nos termos do intercâmbio deverá ser substituído por certa calmaria, se não por algum vento de proa. Assumindo nosso cenário de meia década à frente de expansão modesta da economia mundial, o ambiente econômico internacional deve se mostrar neutro do ponto de vista brasileiro. Pode-se esperar que as relações de troca se mantenham mais ou menos estáveis aos níveis atuais, o que não seria de todo mal, pois significaria um patamar 30% acima do que prevaleceu no período 1999/2005. Deverá haver liquidez internacional suficiente, e eventualmente até mais do que suficiente, para irrigar a economia brasileira com investimentos externos necessários à complementação da baixa poupança doméstica. Carlos Eduardo Freitas Dossie.indd 16 18/09/2012 10:51:08 17 Entretanto, o padrão de 4,2%a.a. de média de crescimento observado nos seis anos de 2006 a 2011 deverá reduzir-se para um potencial mais próximo de um comportamento histórico, como, por exemplo, o refletido na média de crescimento observada nos vinte anos de 1993 a 2012, consideradas as seguintes razões: a) O período inicia-se quando ganham momentum as medidas de reequilíbrio macroeconômico no Brasil; b) Alterna períodos favoráveis com quadros desfavoráveis da conjuntura internacional, embora ,no todo, a economia mundial tenha sido amigável à prosperidade brasileira; c) Parece assim, uma fase da história brasileira apropriada para sugerir um potencial de crescimento compatível com uma economia mundial que anda de lado, e com uma economia brasileira que avançou bastante no processo do equilíbrio macroeconômico, mas falta um pedaço no que concerne a reformas de ganhos de produtividade. A taxa média de crescimento do PIB de 1993 a 20126 foi de 3,3%a.a. Parece, assim, razoável se pensar em numa taxa potencial de crescimento da economia brasileira para os próximos cinco anos entre 3,0% e 3,5%a.a.. O FMI é mais otimista e enxerga um potencial de 3,75% a 4,25% para o crescimento anual do PIB. Segundo ele próprio, o Banco Central seria ainda mais otimista, colocando uma expectativa de expansão potencial do PIB entre 4,5% e 5,5%7. Evidentemente, mudanças de curso no cenário mundial em relação à hipótese aqui assumida, como também da direção das políticas econômicas do governo brasileiro poderiam alterar a previsão. 5 Assumiu-se crescimento do PIB de 1,8% em 2012, conforme estimativa do IBRE/FGV. 6 Valor, 24/7/2012, C14. Reportagem sobre o Relatório do FMI sobre a economia brasileira (art. IV do Convênio Constitutivo). O Brasil e a Crise Econômica Internacional Dossie.indd 17 18/09/2012 10:51:08 18 1 Demétrio Magnoli, sociólogo e doutor em Geografia Humana, é integrante do Grupo de Análises de Conjuntura Internacional da USP (GACINT-USP), colunista de O Estado de S. Paulo e O Globo e comentarista de política internacional do Jornal das Dez da Globo News. Da Crise do Euro à Crise da União Europeia Demétrio Magnoli1 A União Europeia é o fruto de dois intercâmbios entre França e Alemanha, separados por quatro décadas. No primeiro, em 1951, a Alemanha cedeu a supremacia sobre a siderurgia – a fonte última do poder militar – no altar de sua admissão ao concerto de uma Europa reinventada. No segundo, em 1991, a Alemanha cedeu a soberania sobre a sua moeda, compartilhando-a com a França, em nome do direito à reunificação. “Metade do marco para Miterrand; a Alemanha inteira para Kohl”, disseram os cínicos. O euro almejava dissolver o espectro da “Europa alemã” na solução da “Alemanha europeia”. Ironicamente, a crise do euro evidenciou a consolidação de uma “Alemanha europeia” – mas na moldura inesperada de uma “Europa alemã”. O arranjo instável, desequilibrado, ameaça o edifício construído por Monnet, Schuman e Adenauer no imediato pós-guerra. A crise do euro não foi um raio no céu claro. Desde a introdução da moeda única, ao longo de uma década, alargou-se o diferencial de produtividade entre a Alemanha e os países da periferia da Zona do Euro. A democracia alemã, com sua notável capacidade para produzir consensos abrangentes, restaurou a competitividade da “economia social de mercado”, por meio da articulação dos dois grandes partidos em torno de um programa de flexibilização do mercado de trabalho e de participação dos sindicatos na gestão das empresas. Em contraste, a França e, especialmente, os países do sul da Europa conservaram a rigidez de seus mercados de trabalho. A conta chegou na hora da crise financeira global, evidenciando o esgotamento de um modelo que ocultou as assimetrias reais sob as máscarasfinanceiras do crédito e da dívida. Demétrio Magnoli Dossie.indd 18 18/09/2012 10:51:09 19 A integração assimétrica, expressa nos enormes saldos positivos de conta-corrente do intercâmbio da Alemanha com a Zona do Euro, serviu aos interesses de todos os participantes do sistema. Numa ponta, a máquina exportadora da economia alemã, vergada sob o peso da incorporação da RDA na paridade cambial artificial decidida por Kohl, retomou seu dinamismo graças aos mercados quase cativos da Europa. Na outra, os níveis de renda e consumo nos países periféricos cresceram à custa da elevação acelerada do endividamento público e privado. Não há solução estrutural para o impasse sem a restauração prévia da verdade econômica. No quadro restritivo da união monetária, só há dois caminhos para restaurá-la: uma deflação impiedosa nos países endividados ou uma inflação de rendas e preços na Alemanha. A inflexível opção do governo de Merkel pelo primeiro caminho reflete tanto as percepções impressionistas do eleitorado sobre o comportamento dos países endividados quanto o trauma histórico da hiperinflação alemã da década de 1920. Contudo, o resultado dessa opção é o esgarçamento do tecido político da própria União Europeia. Sarkozy figura como vítima mais recente de um fenômeno que devasta os sistemas políticos nacionais na União Europeia: por doze vezes consecutivas, os partidos no governo foram derrotados pelos partidos de oposição. Na Itália, um governo não-eleito escancara a crise de legitimidade. Na França, a Frente Nacional ameaça se converter no núcleo da oposição. Na Grécia, os dois partidos tradicionais experimentam um cenário próximo ao do colapso eleitoral. A perspectiva de uma prolongada depressão econômica tensiona as democracias, gerando forças centrífugas de extrema-esquerda e extrema-direita orientadas por plataformas anti-europeias. Se, no plano nacional, a receita alemã abala os equilíbrios políticos e sociais, num plano mais amplo ela provoca a erosão do concerto supranacional da União Europeia. Na sua “etapa heroica”, o projeto europeu nutriu-se do espectro do “expansionismo soviético”. A incorporação dos países do antigo bloco soviético encerrou aquela etapa, o que implicou na mudança do foco da legitimidade para a promessa de prosperidade e bem-estar social. A saída deflacionária formulada por Merkel desmancha esse alicerce Da Crise do Euro à Crise da União Europeia Dossie.indd 19 18/09/2012 10:51:09 20 político da Europa. O crescimento dos nacionalismos, nas suas versões de direita e de esquerda, é o sintoma mais evidente da gangrena do concerto europeu. O sentido voluntarista da política de Merkel foi expresso num diálogo travado entre a chanceler alemã e o ex-premiê grego Papandreou, no momento da imposição à Grécia do plano de austeridade. Face a um pedido de relaxamento dos termos do acordo, a chanceler retrucou que sua intenção era assegurar-se de que nenhum outro governo europeu quereria receber um resgate financeiro. Não funcionou: Irlanda e Portugal, mesmo a contragosto, provaram do mesmo copo envenenado, que provavelmente será servido à Espanha. O fracasso econômico da austeridade extremada já foi demonstrado na prática. Hoje, contudo, assiste-se ao esgotamento político do “plano Merkel”. À frente do Banco Central Europeu, Mario Draghi conduz um experimento de quantitative easing que ainda não envolve o resgate direto de dívidas públicas nacionais. Na Espanha, Rajoy ameniza, unilateralmente, o aperto financeiro definido pelo pacto fiscal europeu. Na França, crucialmente, Hollande exige a renegociação do pacto fiscal e um “reequilíbrio” político na União Europeia – uma senha de contestação da liderança hegemônica de Merkel. No círculo ampliado do G-8, Obama alinha-se com Hollande e proclama que as prioridades da Europa devem ser o “crescimento” e o “emprego”. A mudança de rumo está em curso, mas resta saber se não é tarde demais. Mesmo se a União Europeia conseguir evitar uma catástrofe econômica, a Europa ingressa em profunda recessão, que acarretará anos de estagnação. O fenômeno encerra a “etapa chinesa” da globalização, que se baseou no forte contraste entre o comportamento da conta-corrente da China e o do conjunto Europa/Estados Unidos. Efetivamente, como já se verifica, reduzem-se os mercados para as exportações chinesas, o que tende a produzir um recuo significativo nas taxas de crescimento da potência asiática e na sua demanda de commodities. A economia brasileira, como a de outros países emergentes, surfou durante quase uma década na onda de investimentos gerada, direta ou indiretamente, pela expansão da China. Agora, todo o cenário mudou – para pior. Demétrio Magnoli Dossie.indd 20 18/09/2012 10:51:09 21 1 Diretora de Cooperação para o Desenvolvimento do INPI A Importância do Uso Estratégico da Propriedade Intelectual Denise Gregory1 Na era da informação, do conhecimento e do crescimento vertiginoso e sem precedentes das trocas comerciais de bens e serviços, assume igual velocidade a demanda por direitos de Propriedade Intelectual (PI). Os ativos em PI: patentes, marcas, desenhos industriais e software são bens intangíveis que adquirem cada vez mais importância como indicadores do conhecimento e do desenvolvimento tecnológico dos países. Ao se acirrar a competição entre as empresas, possui mais vantagem quem está na vanguarda tecnológica, quem protege seu conhecimento e quem reconhece que processos e produtos exclusivos agregam valor e podem gerar riqueza. Inovação não existe sem proteção! Os Direitos de PI - a propriedade industrial e o direito de autor- asseguram tanto posição jurídica, a titularidade, quanto posição econômica, a exclusividade. A proteção permite ao titular privilégio para a utilização do seu invento no país onde ele está protegido. Permite ao dono a exclusividade de processo industrial de produção, de comercialização de seu bem ou serviço, de sua marca, de signo distintivo ou de sua obra literária. A patente ou o registro confere ao titular, o direito de impedir que um terceiro use, produza, venda ou importe sem seu consentimento. O dono pode explorar seus direitos ou transferi-los a terceiros, por meio de contratos de licença, o que permite a construção de parcerias tecnológicas. Ativos de PI são fundamentais para a maior inserção internacional do país, e para a conquista de espaço no mercado global pelas empresas brasileiras. A Importância do Uso Estratégico da Propriedade Intelectual Dossie.indd 21 18/09/2012 10:51:09 22 O Brasil figura entre os primeiros países do mundo a regular Direitos de PI. Data de 1809 o Alvará de Dom João VI de concessão de exclusividade aos inventores de novas máquinas, como um beneficio a industria e às artes. Somos signatários dos principais instrumentos jurídicos do Direito Internacional que estabeleceram parâmetros contemporâneos de proteção e de respeito a esses direitos. Cabe, igualmente, destacar o protagonismo histórico brasileiro no campo cientifico, com instituições seculares, como os Institutos Butantã e Manguinhos, ainda hoje na elite da pesquisa. São esplêndidos e conhecidos os resultados alcançados a partir das ações de estimulo à pesquisa, à produção cientifica, à formação de mestres e doutores (com a Capes e o CnPQ), bem como ações de financiamento e fomento (com as Fundações de Pesquisa e a FINEP). O Brasil ocupa a honrosa 13ª posição no mundo em número de artigos publicados, o que corresponde a 3% do total mundial. O mesmo, no entanto, não se verifica no campo patentário. O total de depósitos de patentes por residentes é muito baixo, não correspondendo ao desenvolvimento científico, levando-nos a afirmar que se converte pouco conhecimentoem inovação. Em recente discurso, a Presidente Dilma Roussef destacou o número de depósitos de patentes como o mais relevante indicador do impacto da evolução econômica de uma nação. Ela afirmou que temos de medir nossa capacidade de formação e, sobretudo da nossa meritocracia, no que se refere ao processo de inovação e tecnologia em patentes, e não em artigos científicos apenas. Continuou afirmando que o Brasil tem de valorizar o cientista, o tecnólogo e o inovador, uma vez que temos de ter pessoas capazes de gerar patentes no país, e assumiu o compromisso de modernizar o Instituto Nacional da Propriedade Industrial – INPI. O Instituto é o responsável pela proteção, pela concessão dos direitos de PI e pela promoção e fomento à geração da PI, e vem ampliando e aperfeiçoando seus quadros e sua estrutura, com a automação dos seus servicos (e-marcas e e-patentes). Por conta do importante acervo e acesso a bases patentárias, o INPI é, por vezes, referido como o Banco Central do conhecimento. Estima-se que 75% do conhecimento tecnológico do mundo está contido apenas nos bancos de patentes. As informações ali contidas permitem conhecer o estado da técnica, fazer Denise Gregory Dossie.indd 22 18/09/2012 10:51:09 23 A Importância do Uso Estratégico da Propriedade Intelectual um mapeamento da rota tecnológica de determinado setor, verificar se a patente foi concedida no país e se já caiu em domínio publico; o que, por sua vez, permite encontrar oportunidades para seu uso e exploração. Um dos maiores desafios da Instituição é divulgar e disponibilizar essas informações à sociedade. É bem recente a articulação no governo federal entre as políticas industrial, tecnológica e de comercio exterior, tendo como eixo central o fomento à inovação. O recém lançado Plano Brasil Maior, a nova política industrial, traz como sub-titulo “Inovar para competir. Competir para crescer”. Também cabe ressaltar o nível de maturidade e compreensão, a respeito da importância do uso estratégico de PI, pelo setor privado. A Propriedade Intelectual é o ponto número um da agenda empresarial da inovação, dentre dez pontos prioritários para o Brasil inovar e competir. A agenda foi lançada em 2011 pelo movimento da CNI conhecido como MEI (Mobilização Empresarial pela Inovação). O crescimento do numero de pedidos de depósitos de patentes e de registros de marcas é exponencial em todo o mundo, o que torna a demora no exame, o chamado backlog, um problema mundial. Os números referentes a pedidos de patentes já ultrapassaram a casa de um milhão em 2011, nos EUA e na China. No Brasil, o INPI recebeu cerca de 32 mil pedidos de patentes e 155 mil pedidos de marcas. O sistema internacional de PI trilha um caminho de cooperação entre os escritórios nacionais responsáveis, na busca de alternativas de solução para o backlog e aceleração do exame de pedidos. Os cinco mais importantes Escritórios do mundo: EUA, Europa, China, Japão e Coréia do Sul, se articulam no chamado IP 5, buscando entendimento de caráter operacional nos campos da classificação, documentação, estatística e procedimentos comuns , bem como de caráter colaborativo. Também proliferam arranjos regionais, a exemplo do ASEAN Group e do Vancouver Group. Mas é na América do Sul que avança rapidamente o projeto de integração denominado PROSUL (PROSUR), que reúne Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador, Paraguai, Peru, Suriname e Uruguai. O objetivo é melhorar os serviços prestados pelas oficinas de PI, por meio do desenvolvimento de uma plataforma comum de integração, um Portal Sul-Americano de Serviços de PI e de Informação Tecnológica da instituição do Registro Sul- Dossie.indd 23 18/09/2012 10:51:09 24 Americano de Marcas e de Indicações Geográficas, bem como do Exame Colaborativo de Patentes. Está sendo criado um ambiente de confiança entre os examinadores de patente da região, onde o ganho é a utilização do trabalho já feito pelo escritório parceiro. Denise Gregory Dossie.indd 24 18/09/2012 10:51:09 25 1 Eduarda Passarelli Hamann é advogada, tem mestrado e doutorado em Relações Internacionais e coordena o Programa de Cooperação Internacional do Instituto Igarapé (www.igarape.org.br). 2 Para o Documento Final de 2005, ver A/RES/60/1 (24 out. 2005), disponível em: <www.un.org/Docs/asp/ws.asp?m=A/ RES/60/1>. O conceito de “R2P” foi criado alguns anos antes, em dezembro de 2001, com o relatório da International Comission on Intervention and State Sovereignty, comissão externa à ONU, integrada por 12 especialistas de diferentes nacionalidades e financiada pelo Canadá (disponível em <responsibilitytoprotect.org/ICISS%20Report.pdf>). Na ONU, as discussões avançaram em dezembro de 2004 com o Painel de Alto Nível sobre Ameaças, Desafios e Mudanças, criado pelo então Secretário-Geral do organismo, Kofi Annan - ver A/59/565 (02 dez. 2004), disponível em: <www.un.org/ secureworld/report.pdf>). A “Responsabilidade de Proteger” e “ao Proteger”: breve histórico e alguns esclarecimentos Eduarda Passarelli Hamann 1 Breve histórico A “responsabilidade de proteger” (R2P) foi oficialmente inserida no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU) por meio do Documento Final da Cúpula Mundial de 2005 (“Documento Final de 2005”), aprovado por consenso por chefes de Estado e de governo2. Uma de suas principais contribuições é pôr fim a algumas discussões da década de 1990 acerca dos limites materiais da intervenção militar por motivações humanitárias. Nele, afirma-se que a R2P se refere a apenas quatro crimes: genocídio, crimes de guerra, crimes contra a humanidade e limpeza étnica. Outra importante contribuição diz respeito à prevenção, princípio que permeia todo o conceito – tanto a responsabilidade que cada Estado tem de proteger populações, como a da comunidade internacional, ao apoiar os Estados no exercício de sua responsabilidade. A “Responsabilidade de Proteger” e “ao Proteger”: breve histórico e alguns esclarecimentos Dossie.indd 25 18/09/2012 10:51:09 26 Coube ao Secretário-Geral da ONU (SGNU) refletir sobre a implementação da R2P em um relatório de 20093 que, entre outras coisas, reorganiza a discussão em três pilares. Tal relatório, além de detalhar o texto do Documento Final de 2005, foi relativamente bem recebido pelos Estados-membros4. Segundo ele, o Primeiro Pilar reforça o entendimento de que cada Estado tem a responsabilidade primária de proteger suas populações. O Segundo Pilar prevê que a comunidade internacional tem a responsabilidade de recorrer a meios diplomáticos, humanitários e outros meios pacíficos que sejam adequados para proteger populações em apoio aos Estados envolvidos. O Terceiro Pilar enfatiza que, quando as autoridades nacionais realmente fracassarem, ou quando os meios pacíficos se mostrarem inadequados, a comunidade internacional poderá recorrer à ação coletiva, de maneira decisiva e oportuna, por meio do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), de acordo com a Carta da ONU, analisando-se cada caso. Esses são os parâmetros previstos pelo Documento Final de 2005, reforçados posteriormente pelo relatório do SGNU. A complexidade do Terceiro Pilar O Terceiro Pilar é o mais controverso e, de maneira incorreta, tem sido frequentemente equiparado, em sua integridade, ao uso da força ou à intervenção militar unilateral5. Uma análise dos documentos que fundamentam a R2P e da própria Carta da ONU demonstra que esse pilar é muito mais abrangente, por pelo menos três razões. Primeiro, a prevenção está presente no Terceiro Pilar com a mesma intensidade que nos outros dois Pilares, o que abre um leque de possibilidades para ação coletiva não-coercitiva sob os Capítulos VI (Art. 33) e VIII (Art. 52) da Cartada ONU. Como exemplos, há missões de investigação, mediação, 3 Ver A/63/677 (12 jan. 2009), disponível em: <www.un.org/Docs/journal/asp/ws.asp?m=a/63/677>. 4 Alguns países em desenvolvimento, inclusive o Brasil, resistem ao uso da força sob o Terceiro Pilar e não ao Terceiro Pilar em sua integridade – por receio de agendas escusas. 5 ICRtoP. “Clarifying the Third Pillar of the Responsibility to Protect: Timely and Decisive Response”. 20 set. 2011. Disponível em: <http://responsibilitytoprotect.org/Clarifying%20the%20Third%20Pillar%20of%20the% 20Responsibility%20to%20Protect_Timely%20and%20Decisive%20Response(1).pdf>. Eduarda Passarelli Hamann Dossie.indd 26 18/09/2012 10:51:10 27 A “Responsabilidade de Proteger” e “ao Proteger”: breve histórico e alguns esclarecimentos bons ofícios, meios judiciais, recurso a organismos regionais e outros arranjos pacíficos à escolha dos envolvidos. A autoridade para fazê-lo não se restringe ao CSNU: outros órgãos do Sistema ONU, organismos regionais (Cap. VIII) ou grupos de Estados podem fazê-lo. Essa abordagem mais abrangente é bastante defendida pelo Brasil6. Segundo, a adoção de medidas sob o Capítulo VII não equivale ao uso da força, tal Capítulo também contém dispositivos como o Art. 41, que versa sobre ações coletivas “menos coercitivas”, a serem aprovadas pelo CSNU. Entre elas, destacam-se a ruptura das relações diplomáticas, a imposição de embargos econômicos e a aprovação de operações de manutenção da paz robustas. Além disso, o emprego de militares tampouco equivale ao uso da força. Com frequência, militares são desdobrados para missões de manutenção ou de consolidação da paz (Cap. VI ou VII) como assessores, analistas e observadores – sempre desarmados. Ou seja, a adoção de medidas não coercitivas e menos coercitivas é uma possibilidade real de operacionalização do Terceiro Pilar e tem sido bem aceita pelo Brasil7. Por fim, há a referência, no Terceiro Pilar, ao uso da força em operações de R2P, ou seja, ao emprego de tropas, em nome da comunidade internacional, para proteger populações dos quatro crimes prescritos pela R2P. Essas, sim, são ações coletivas coercitivas e estão previstas nos Capítulos VII (Art. 42) e VIII (Art. 53) da Carta da ONU. Devem ser analisadas a cada caso e necessariamente aprovadas pelo CSNU, ainda que sejam executadas por um organismo regional ou coalizão. Fica evidente que o uso da força é apenas uma parte do Terceiro Pilar, a que se recorre somente depois de esgotadas todas as outras possibilidades. O Terceiro Pilar, portanto, não pode ser reduzido ao uso da força, sob pena de neutralizar politicamente a R2P e de dificultar o alcance do consenso em relação à sua implementação. Sobre este aspecto, vale destacar que nem o Documento Final de 2005 nem o Relatório do SGNU de 6 Ver, p.ex., os seguintes discursos do Brasil, representados por Gelson Fonseca Jr. (10 jun. 1999), Henrique Valle (31 mar.2004) e Maria Luiza Viotti (23 jul. 2010 e 12 ago. 2010), disponíveis em <www.un.int/brazil/>. 7 Ver, p.ex., os discursos de Maria Luiza Viotti em discussões sobre R2P de 23 jul. 2010, 12 ago. 2010 e 12 jul. 2011, disponíveis em <www.un.int/brazil/>. Ver também Gelson FONSECA JR. “Dever de proteger ou nova forma de intervencionismo?”. Segurança Internacional: perspectivas brasileiras. Nelson Jobim, Sergio Etchegoyen e João Paulo Alsina (orgs.). Rio de Janeiro: FGV, 2010.175-192 (pág. 191). Dossie.indd 27 18/09/2012 10:51:10 28 2009 versam sobre princípios e critérios para orientar ou regular o uso da força em operações de R2P. Coube ao Brasil, no final de 2011, dar o passo inicial nessa reflexão. Operações de R2P sob a égide da “responsabilidade ao proteger” A preocupação com a operacionalização do uso da força sob o Terceiro Pilar fez com que o Brasil apresentasse uma nova expressão à ONU em 2011. A “responsabilidade ao proteger” (RwP), que tem relação intrínseca com a tradição conservadora e com os valores legalistas e multilaterais da política externa brasileira, resgata antigos princípios, parâmetros e critérios, sobretudo da teoria da guerra justa e do Direito Internacional Humanitário, para orientar operações de R2P. Entre eles, destacam-se o “uso da força somente como último recurso”, “proporcionalidade”, “não causar dano ou instabilidade”, “autoridade” (CSNU) e “prestação de contas” (accountability)8. Se, por um lado, essa consideração retira do Brasil parte do crédito pela inserção de um suposto “novo” conceito (que não seria tão novo assim), por outro lado, a escolha de princípios e parâmetros já existentes facilita o consenso quanto à difícil implementação do uso da força em operações de R2P. A RwP, desde que lançada, suscitou várias discussões entre governos, organismos internacionais e organizações da sociedade civil internacional e está em construção. No Brasil, pouco tem sido produzido em termos analíticos, e o debate parece centralizado no Itamaraty, embora haja interesse por parte da Presidência e do Ministério da Defesa, e da sociedade civil especializada, como institutos de pesquisa e universidades. Independente do caminho que venha a trilhar, a reflexão sobre operações de R2P sob a égide da RwP representa uma visão mais sistêmica do direito internacional, como almejado pelo Brasil, e, com ela, o país contribui para a elaboração de novas normas que visam a regular, de maneira mais coerente, ética e responsável, como se deve usar a força, em nome da comunidade internacional, para proteger populações em pleno século XXI. 8 Ver A/66/551–S/2011/701 (11 nov. 2011), disponível em: <www.un.int/brazil/speech/Concept-Paper-%20RwP.pdf>. Eduarda Passarelli Hamann Dossie.indd 28 18/09/2012 10:51:10 29 1 The views expressed here are the authors’ alone and do not reflect their institution. 2 This article is a modified version. The original one can be found in BRICS: The 2012 New Delhi Summit, edited by the BRICS Research Group of the University of Toronto, and published by Newsdesk. 3 Director of Brazilian Center for International Relations 4 Executive Coordinator of the Brazilian Center for International Relations. 5 Study and Debate Coordinator of the Brazilian Center for International Relations. 6 Project Coordinator of the Brazilian Center for International Relations. 7 Assistant to Coordination of the Brazilian Center for International Relations. Understanding Brazil as a Global Trading Partner Understanding Brazil as a Global Trading Partner1 2 Maria de Fatima Berardinelli Arraes de Oliveira3 Adriana de Queiroz4 Leonardo Paz Neves5 Renata Dalaqua6 Andressa Maxnuck7 After a few decades fighting against inflation, a combination of macroeconomic policies implemented since the mid-nineties put Brazil in a different track. Benefiting from a scenario of high international liquidity, the country succeeded well in its plans to redeem its external debt and to interrupt the historical booms and busts behavior of its economic growth path. It was also during this period that Brazil adopted measures to open its economy and liberalize trade. This new situation allowed the success of a sequence of innovative public policies put into practice aiming to improve social and economic indicators, from education to income distribution. Dossie.indd 29 18/09/2012 10:51:10 30 In order to understand the rise of the country in economic terms, one should consider that Brazil has experienced both internal and external favorable momentum8. On the domestic side, Brazil has achieved outstanding numbers in social indicators, although it has presented worse results than other emerging economies, such as the ones in BRICS, in terms of GDP growth9. The country has attained amazing outcomesnot only in social inclusion but also in social mobility – approximately 27 million Brazilians were raised out of poverty and extreme poverty between 2004 and 200910 and 13 million joined the middle class between September 2009 and May 201111 12. Beyond that, household income evolution in Brazil surpasses other countries in BRICS. In result, Brazilian consumption market is not seen anymore as a “potential” market. It has become a reality and foreign companies have already realized that. The soundness of Brazilian financial and banking systems couldn’t be let aside when talking about Brazil’s economy. The several measures adopted by the government in the past years were put into test when the international financial crisis arose in 2008. The number of bankruptcies observed all over the world had little impact in the Brazilian financial system. In part due to the existence of an improved regulatory system, the banking and financial sector proved its solidity and consistency enhancing the perception of the country as a safe destiny for foreign investment. On the external side, Brazil has been positioning itself not only as a relevant supplier of commodities − mainly minerals, food and energy related products − but also of a wide range of industrial goods, including even aircrafts. Its highly mechanized agribusiness and outstanding productivity give the country an important role in world food security. 8 This article was written in the beginning of 2012. Thus, these statements refer only to indicators up to 2011. 9 Since 1992, GDP growth indicators in China and India are far better than Brazil. 10 IPEA (2011). “Mudanças Recentes na Pobreza Brasileira”. Brasilia: Comunicados do IPEA n.111: 15 de setembro 11 Neri, M. (2010). “Os Emergentes dos Emergentes: reflexões globais e ações locais para a nova classe média brasileira”. Rio de Janeiro: FGV/CPS. 12 According to OECD, Brazil was the only BRICS member that obtained income inequality reduction in the last 20 years - OECD (2011). “Divided We Stand: Why Inequality Keeps Rising”. Equipe CEBRI Dossie.indd 30 18/09/2012 10:51:10 31 Even though the significant increase in its exports and imports can be interpreted as a sign of the Brazilian economic opening process and the diversification of its trading partners, Brazil’s trade still represents less than 2% of world trade. Traditionally, the most important Brazilian partners have been in the West: US, Europe and South America. However, in 2010, for the first time, China became Brazil’s most important trading partner, outweighing the US situation that is valid until the present moment. At the same time, a continued increase in Brazil’s trading flows with non-traditional partners has been observed. Politically, one could say this would represent a greater independence from traditional powers as well as be considered as a consolidation of new political alliances. Although one may acknowledge that Brazil is very competitive in some sectors, such as agribusiness, it should be said that the country still faces crucial limitations that hamper its competitiveness. Poor infrastructure and its consequences over the logistics costs has been historically a top constraint. Additionally, the complex fiscal structure and a substantial degree of uncertainty in the legal framework increase time and cost of doing business in the country13. Concerning the global rules governing international trade, the Brazilian government has a strong perception that a refurbishment in the regulation of the World Trade Organization (WTO), the appropriate forum for the discussion and support of the multilateral trade system, is necessary to allow trade and development opportunities to be realized to their fullest, increasing trade flows. That is a special concern not only of Brazil, but of Russia, India, China and South Africa, as expressed in the Ministerial Declaration issued by the BRICS Trade Ministers last December: In this process of buttressing the multilateral trade system, we underscore the pressing need to further develop its rules and structure to address in particular the concerns and interests of developing countries 14. Two practices, in particular, reinforce Brazil’s understanding: the concession of prohibited subsidies and the misuse of exchange rates, both with protectionist purposes and resulting in trade distortion. The 13 As an example, the Brazilian government has been criticized for undertaking some protectionist measures in the recent months, as a post crisis defense mechanism. 14 Ministerial Declaration of the BRICS Trade Ministers – Geneva, 14 December 2011. Understanding Brazil as a Global Trading Partner Dossie.indd 31 18/09/2012 10:51:10 32 Equipe CEBRI first one, the concession of prohibited subsidies on export performance or upon the use of domestic over imported goods – according to the WTO Agreement on Subsidies and Countervailing Measures – is a known and discussed unfair trade practice. However, it is still largely exercised. Many times, it is granted by developed economies, particularly in agriculture, to enhance competitive gains and represents one of the most harmful forms of protectionism and trade distortion. The extinction of the “red box” subsidies is a demand of the developing countries in general – as they may generate food insecurity and deny the potential development or undermine the competitiveness of their agriculture sector. The second is not expressly forbidden by the WTO, whose generic previsions concerning the distortive effects of exchange rate measures to international trade give room for dubious interpretation and loose action15. Brazil raised the discussion on “currency war” in the WTO during 2011, suggesting a working program to debate the subject, being the first seminar scheduled for 201216. Under consideration are not only the impacts of the artificial exchange rate misalignments on trade flows but also on WTO rules effectiveness17. In the last years, Brazilian trade policy has been very much focused on these two demands – that is, a ban on the concession of subsidies and an end to the artificial exchange rate misalignments – and also on seeking the conclusion of the Doha negotiations. These priorities have, to a certain extent, weakened Brazil’s capacity to promote a positive bilateral or regional commercial agenda18. Symptomatically, Brazil has done very little recently to expand its network of free-trade agreements. Conversely, other countries, including its neighboring countries, have enlarged the number of trading partners and signed new agreements. In this sense, a revamped commercial strategy would certainly make Brazil a more significant trading partner as well as a more important global player. 15 Lima-Campos, A. and and Gaviria, J. (2012). “A Case for Currency Misalignments as Countervailable Subsidies”. Journal of World Trade, 46, Issue 5.. 16 WTO (2011). Documents WT/WGTDF/W/53 and WT/WGTDF/W/56. 17 Thorstensen, V., Ramos, D., Muller, C. (2011). “The Most-Favored Nation Principle and Exchange Rate Misalignments”. Draft. 18 An additional constraint is related to the fact that Brazil, as a member of the Southern Common Market (MERCOSUL), has to abide by its rules and negotiate trade agreements together with the other MERCOSUL member states. Dossie.indd 32 18/09/2012 10:51:10 33 1 Ex-Secretário do Meio Ambiente de São Paulo, Ex-Deputado Federal e Consultor da FF Consultores. Avaliação da Participação Brasileira na Rio + 20 Avaliação da Participação Brasileira na Rio + 20 Fabio Feldmann1 “A crise ecológica planetária é muito séria para ser deixada na mão dos diplomatas” Ainda que possam existir visões diferentessobre a Rio + 20, é inegável que os seus resultados foram muito aquém dos desejados. De fato, só o tempo irá fazer um balanço definitivo e, a exemplo do que aconteceu com a Rio + 10 – Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável, realizada em 2002 em Joanesburgo, a Rio + 20 deve entrar no rol daquelas que em pouco tempo são esquecidas. Do ponto de vista de mobilização, a Conferência foi bem sucedida: 3.000 eventos paralelos fora do Riocentro, 500 eventos paralelos no Rio Centro, muitos compromissos voluntários foram assumidos por vários segmentos empresariais, a comunidade científica se reuniu em torno do “Earth Future – research for global sustainability”, a sociedade civil e movimentos sociais na denominada Cúpula dos Povos e as megacidades mundiais se reuniram em torno do C40 Cities – Climate Leadership Group, reafirmando seus compromissos. O documento “O Futuro que Queremos” não passa de uma compilação “com gosto de comida requentada” de documentos anteriores, incluindo a Agenda 21 e o Plano de Implementação da Rio + 10. Inacreditavelmente, apresenta lacunas significativas, a começar pela exclusão do tema ”ciência”, Dossie.indd 33 18/09/2012 10:51:10 34 do capítulo VI – Means of implementation (Meios de implementação), havendo menção apenas à “tecnologia”. Temas contemplados no documento tais como oceanos, novas métricas de desenvolvimento e objetivos do desenvolvimento sustentável foram habilmente adiados sem qualquer certeza de que, de fato, venham a ser implementados. Também não trata da discussão recente do papel da Humanidade em relação ao planeta, valendo lembrar que esse tema ganhou novos contornos com a divulgação do último relatório do IPCC – Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas em 2007 e, mais recentemente, com a discussão do ‘Antropoceno’. Esta expressão foi cunhada pelo geoquímico Paul Crutzen, que recebeu o Prêmio Nobel de Química em 1995, e refere-se às mudanças no planeta ocasionadas pelo homem a partir da Revolução Industrial. Seguindo essa linha, a Humanidade teria alcançado uma força geológica capaz de colocar o planeta em uma nova era. Nesse sentido, os cientistas indicam que as mudanças climáticas, a erosão dos solos, as ameaças à biodiversidade, a acidificação dos oceanos, dentre outros, são reflexos da ação da Humanidade, o que faz com que essa nova era esteja sendo moldada pelo ser humano. Este assunto foi capa da prestigiada revista The Economist, em 2011 (28/05/2011 – 03/06/2011). A pergunta de difícil resposta é “qual o legado da Rio + 20?” É certo que o Brasil tem enorme responsabilidade pelo resultado da Conferência, não apenas pelo protagonismo sempre reservado ao país anfitrião, mas pelo fato de que em todo o processo negociador ficou claro o déficit de liderança, que na Rio 92 foi exercido, incontestavelmente, por Maurice Strong. Este, que já havia organizado a Conferência de Estocolmo em 1972, não poupou esforços em seu papel articulador com governos e chefes de Estado, bem como com a sociedade civil. Acompanhei o esforço de Maurice Strong nos anos que precederam a Rio 92, buscando desanuviar uma certa hostilidade que existia no Brasil, em decorrência de uma a suposta conspiração contra a soberania brasileira na Amazônia. Fabio Feldmann Dossie.indd 34 18/09/2012 10:51:11 35 Cabe também assinalar o compromisso do ex-presidente Fernando Collor com o sucesso da Rio 92, emprestando-lhe todo apoio político e adotando iniciativas que claramente sinalizavam a sintonia do país com a agenda da Conferência. Destacam-se, entre elas, a demarcação do território dos Yanomamis e a colocação simbólica da pá de cal no programa nuclear bélico brasileiro. Às vésperas da última Conferência, o país transmitiu sinais ambíguos: a discussão sobre as mudanças do Código Florestal, evidenciando os riscos de retrocesso na legislação, com impactos diretos na conservação dos biomas brasileiros. Por outro lado, a divulgação de dados confirmando a redução do desmatamento na Amazônia, em uma demonstração do compromisso brasileiro de reduzir as suas emissões de gases do efeito estufa. Como reflexo de toda essa conjuntura, isto é, da falta de disposição da Presidência da República em assumir uma postura mais agressiva, como aconteceu em 1992, a diplomacia brasileira apegou-se a uma posição de extrema prudência. Assumiu que o melhor papel para o país anfitrião seria o de estar longe de qualquer controvérsia. Com isso, alinhou-se às posições mais conservadoras do G-77 no que tange ao reconhecimento da crise ambiental planetária. E, mesmo em relação à necessidade de mudanças na arquitetura das Nações Unidas no que tange ao PNUMA – Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, ou a algo que possa a vir sucedê-lo, o Itamaraty manteve-se excessivamente silencioso. Esta posição de aversão total a riscos pode comprometer o capital que os negociadores brasileiros adquiriram ao longo dos anos, desde a preparação da Rio 92, passando especialmente pelas negociações no âmbito das COPs (Conferências das Partes) da Convenção do Clima e da Convenção da Diversidade Biológica. No caso da primeira, a liderança brasileira tem sido incontestável, gerando frutos muito positivos como o Protocolo de Kyoto; a oferta de compromissos voluntários de redução de emissão em Copenhague (COP 15) e a ideia de um novo tratado em Durban (COP 17). No que se refere à biodiversidade, vale citar a atuação brasileira em Nagoya, resultando no Protocolo de Nagoya e na criação do IPBES Avaliação da Participação Brasileira na Rio + 20 Dossie.indd 35 18/09/2012 10:51:11 36 Fabio Feldmann – Intergovernmental Platform on Biodiversity and Ecosystem Services. Aliás, pela primeira vez, um brasileiro, Bráulio Dias, assumiu a secretaria geral da Convenção da Diversidade Biológica. É bom lembrar que o próprio Secretário-geral das Nações Unidas, Ban Ki-moon, retratou-se por exigência do Brasil sobre suas críticas à pouca ambição consubstanciada no documento no início da Conferência. E, em resposta às críticas da sociedade civil, da comunidade científica e da mídia, as autoridades brasileiras responderam que a Rio + 20 não era uma Conferência de meio ambiente e sim de desenvolvimento sustentável. Com tais afirmações, paradoxalmente, esvaziaram a grande contribuição das conferências anteriores, que consistiu em colocar na agenda global as temáticas ambientais. De positivo, devem ser assinaladas algumas inovações importantes, introduzidas nessa Conferência, especialmente a ideia de incorporar as vozes da sociedade civil e de personalidades no evento oficial: os diálogos sustentáveis. Embora a iniciativa seja louvável, a falta de algum mecanismo mais efetivo de incorporação dessas mensagens no documento final gerou o repúdio da sociedade civil, tornando a iniciativa bem intencionada, mas ineficaz. Concluindo, o Brasil perdeu a oportunidade de exercer uma liderança efetiva na Rio + 20, assegurando que esta Conferência pudesse se tornar um ponto de inflexão incontestável na busca de um novo paradigma da relação da Humanidade com o planeta. Para tanto, era necessário se avançar na arquitetura atual das Nações Unidas, com o propósito de que esta possa exercer efetivamente um papel formulador de novas políticas públicas no âmbito do Desenvolvimento Sustentável. Dossie.indd 36 18/09/2012 10:51:11 37 1 Mestre em Economia Internacional e Direito Internacional pela Universidade de Harvard. É professor da FAAP e é Membro do Conselho Curador da FUNCEX e do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI). A Reforma das Instituições Multilaterais A Reforma das Instituições Multilaterais Georges D. Landau1 É evidente que os organismos internacionaiscriados no imediato pós-guerra, ou pouco depois, ou seja, há seis décadas, carecem de modernização para adequá-las às novas realidades da convivência global. O caso emblemático é o do Conselho de Segurança das Nações Unidas (CSNU), que reflete uma estrutura de poder absolutamente ultrapassada, mas que se eterniza, mercê das tremendas dificuldades geopolíticas para a reforma da Carta de São Francisco. Seria necessário adequar o Conselho às novas realidades, incluindo a participação nele de potências intermédias, como o Brasil, a Turquia, a Indonésia e a Nigéria. Para obviar as deficiências do CSNU, criaram-se novas instâncias multilaterais, como o G-20, os BRICS e a IBSA, mas nenhuma delas tem o alcance do CSNU para a governança global. O novo contexto, porém, é de escassez de recursos, e quaisquer novas iniciativas multilaterais devem ser avaliadas à luz desses parâmetros essenciais. Dão testemunho disso as dificuldades institucionais com que nos defrontamos, na Rio + 20, para a criação de uma agência das Nações Unidas para o desenvolvimento sustentável, ou sequer para a consolidação de um programa já existente, o PNUMA. Ainda no âmbito das Nações Unidas, houve intentos de modernização institucional. Deles emana a criação do Conselho de Direitos Humanos, reflexo da importância crescente deles no relacionamento multilateral. Já o ECOSOC parece excessivamente esclerosado para desincumbir-se das suas responsabilidades quanto à promoção do desenvolvimento sustentável, através da rede de Organismos Dossie.indd 37 18/09/2012 10:51:11 38 Especializados, cuja contribuição efetiva à causa do desenvolvimento é, em vários casos, pelo menos questionável. Um dos pontos para os quais haveria de atentar, numa eventual reforma do ECOSOC, seria o da função do Conselho de interagir com a sociedade civil, trazendo para o âmbito multilateral os anseios desta. No caso das instituições financeiras de Bretton Woods, vem-se verificando algum progresso, ainda que tímido, no sentido de torná-las mais representativas das economias emergentes, o que beneficiará inclusive o Brasil, que tem militado nests sentido. Entretanto, a proliferação de bancos sub-regionais permite inferir que subsistem, nesse nível, necessidades não satisfeitas pelos grandes bancos multilaterais de vocação universal. A convergência entre instituições de vocação universal, como as Nações Unidas, e outras de âmbito mais restrito ao perímetro regional ou sub-regional, merece análise mais detida. Busca-se obter sinergia, evitando-se a duplicação de esforços e orçamentos. Um exemplo relativamente bem sucedido de articulação entre um organismo mundial e outro de vocação regional é o da relação, na América Latina e Caribe, entre a Organização Mundial da Saúde (WHO) e a Organização Pan-americana de Saúde (PAHO). Talvez fosse possível institucionalizar esse modelo. Por outro lado, com o avanço acelerado da globalização em que as principais questões que preocupam os estadistas são hoje de âmbito universal, é lícito se questionar a validez, quando não a necessidade, de instituições de âmbito regional. Pareceria, pois, haver uma tendência à progressiva eliminação destas. Seria possível inventariar outras instâncias de colaboração entre organismos de âmbito global e outros com jurisdição regional. A grande dificuldade em harmonizar as suas atuações reside, porém, em que os mesmos governos, que participam em umas e outras, se pronunciam de modo diferente, e não raro antagônico, em foros distintos. Cada organismo multilateral conta com a sua própria constituency nacional, e cada uma delas funciona como um grupo de pressão próprio, promovendo uma rede de interesses criados, o que dificulta enormemente a busca pela sinergia. Se já é difícil, no seio de cada Georges D. Landau Dossie.indd 38 18/09/2012 10:51:11 39 governo, harmonizar as políticas, os programas e as prioridades de diferentes ministérios, imagine-se a dificuldade de fazê-lo com uma plêiade de organismos internacionais formados por Estados soberanos, rivalizando entre si por jurisdições abrangentes e orçamentos escassos. Pode-se cogitar de dois enfoques convergentes: na coordenação de políticas, melhor que a existente, ao nível nacional, e uma atuação proativa das Nações Unidas visando a harmonizar e coordenar os esforços dos organismos multilaterais. Em que pese à existência de mecanismos formais de coordenação, entretanto, até agora esses esforços revelaram-se basicamente infrutíferos. Em resumo, a reforma das instituições multilaterais passa por uma manifestação dinâmica de vontade política no seio de organismos de governança global, como o G-20. Até agora, ests foro se absteve de enfocar o assunto, que constituiria um imenso desafio à sua capacidade. É de se esperar, porém, que em breve surgirá uma constelação de oportunidades que engendrem o necessário consenso. A humanidade progride graças às suas crises cósmicas, mas se poderá cogitar de um sistema com patamares concêntricos, geográficos e funcionais, tendo o CSNU no topo da pirâmide. A Reforma das Instituições Multilaterais Dossie.indd 39 18/09/2012 10:51:11 40 1 Mestre em Direito da Propriedade Intelectual pelo Franklin Pierce Law Center e sócio do escritório Dannemann Siemsen. Propriedade Industrial e Importação Paralela no Ordenamento Jurídico Brasileiro Gustavo Piva de Andrade1 No livro “O Mundo é Plano”, o escritor Thomas Friedman apresenta a interessante teoria de que o planeta se achatou. Citando eventos como a queda do muro de Berlim e a criação da Internet, ele argumenta que diversas forças contribuíram para o desaparecimento de barreiras entre os países e geraram o desenvolvimento de uma verdadeira economia global. Isso possibilita, por exemplo, que um computador fabricado na Ásia, com componentes advindos de diversos países, seja oferecido em um estabelecimento da América do Norte apenas dois dias depois. Segundo Friedman, este é um dos muitos exemplos que denotam o encolhimento e o achatamento do mundo, reforçando a sua tese de que tudo está conectado. Essa nova ordem cria enormes desafios para o comércio internacional. Nesse contexto, torna-se fundamental examinar a questão da livre circulação de bens entre diferentes países, o que, no escopo do presente artigo, será feito à luz dos direitos de propriedade industrial e da prática conhecida como importação paralela. A “importação paralela” se dá quando um produto que incorpora marcas, patentes ou desenho industrial alheio é introduzido em determinado país, à margem do sistema de distribuição administrado pelo titular do direito de propriedade industrial. Trata-se, pois, de produtos genuínos, mas que são Gustavo Piva de Andrade Dossie.indd 40 18/09/2012 10:51:11 41 incorporados ao mercado daquele território sem autorização do titular do direito exclusivo ou do seu licenciado. A questão é se, baseado nas regras da legislação brasileira e dos tratados internacionais, o titular do direito de propriedade industrial pode ou não coibir esse comércio paralelo. Na seara da propriedade industrial, existe um importante princípio chamado “exaustão de direitos”. Tal princípio consagra o entendimento de que a prerrogativa do titular de impedir a circulação do produto que incorpora a sua marca ou patente esgota-se com a primeira venda. A partir daí, entende- se que o titular já foi devidamente remunerado, não podendo proibir ou reivindicar participação em vendas subsequentes daquele exemplar específico. Como direitos de propriedade industrial são territoriais, sua exaustão pode se dar nos âmbitos nacional ou internacional. Na exaustão nacional, o direito do titular da marca ou patente esgota-se apenas no país
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