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UNIVERSIDADE FEDERAL DE LAVRAS DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS DOS ALIMENTOS BROMATOLOGIA (GCA-137) AULAS TEÓRICAS PROF. EDUARDO VALÉRIO DE BARROS VILAS BOAS LAVRAS - MG 2014 2 SUMÁRIO Página 1 INTRODUÇÃO.....................................................................................................................................1 2 QUALIDADE........................................................................................................................................4 3 COMPOSIÇÃO QUÍMICA E VALOR NUTRITIVO.........................................................................13 3.1ÁGUA.................................................................................................................................................13 3.2 CARBOIDRATOS.............................................................................................................................19 3.3 LIPÍDEOS..........................................................................................................................................33 3.4 PROTEÍNAS......................................................................................................................................46 3.5 MINERAIS........................................................................................................................................59 3.6 VITAMINAS.....................................................................................................................................67 LITERATURA CONSULTADA E RECOMENDADA.........................................................................78 1 1 INTRODUÇÃO A palavra “Bromatologia” é originária do grego Broma = alimento e Logos = ciência, sendo portanto entendida como a “Ciência dos Alimentos”. A Bromatologia estuda os alimentos sob diferentes perspectivas, a saber: composição química dos alimentos; função destes compostos no organismo; promoção de normas e legislações que visam garantir a qualidade dos diferentes alimentos comercializados, buscando salvaguardar a saúde do consumidor. Desde os primórdios das civilizações até os tempos atuais, a expectativa com relação aos alimentos sofreu uma série de modificações. Os alimentos que eram utilizados, a princípio, fundamentalmente para sobrevivência, em função de sua composição nutricional, são consumidos hoje de acordo com um amplo conceito de qualidade, além da possível conveniência no momento de seu preparo e/ou consumo e seu valor econômico. Atualmente, o homem tem se deparado com dois grandes problemas: a aumento populacional, com conseqüente incremento na demanda por alimentos e a redução de áreas agricultáveis, em função da expansão das áreas urbanas. Mas o que fazer diante dessa situação? O controle da natalidade, ou mesmo o planejamento familiar, o aumento da produção por unidade de área e a minimização de perdas, com o melhor aproveitamento dos alimentos, vislumbram-se como alternativas viáveis. A pesquisa tem investido com sucesso no melhoramento genético de variedades de espécies vegetais e raças animais mais adaptadas a determinadas condições e mais produtivas. Tem também desenvolvido técnicas, das mais simples às mais sofisticadas, que estendem a vida-de-prateleira de diferentes produtos, salvaguardando seus atributos de qualidade, no seu sentido mais amplo. Ainda assim, as perdas de produtos agropecuários, principalmente em países subdesenvolvidos e emergentes, chega a superar a casa dos 50%, em alguns casos. Tamanha perda se reflete numa população desnutrida, com sintomas aparentes de deficiências calórico-protéica, vitamínica e mineral, cada vez mais carente e miserável. Tal retrato é também um reflexo da falta de conhecimentos com relação aos alimentos e seus nutrientes por parte da população e falta de apoio técnico nutricional, o que acaba levando-a a uma alimentação desbalanceada e desequilibrada. A desnutrição pode ainda se dissumular por trás da obesidade, outro problema gerado por uma alimentação desregrada, que normalmente se associa com altos níveis de colesterol no sangue e problemas cardíacos. 2 Os alimentos são produtos de origem vegetal e animal que compõe a dieta do dia-a-dia; podem ser consumidos "in natura" ou na forma processada. Os alimentos constituem-se no principal veículo para aquisição de nutrientes. Sua composição varia em função de espécies, variedades, raças, órgãos e até mesmo entre tecidos e células vizinhas. O processamento pode influenciar substancialmente o valor nutricional dos diferentes alimentos. Os nutrientes constituem-se nos diversos compostos encontrados nos alimentos. São fundamentais à sobrevivência dos seres vivos. Podem ainda ser encontrados em fertilizantes e no solo, d'onde são extraídos e utilizados para o crescimento e desenvolvimento dos vegetais. Os vegetais assumem uma posição de destaque na síntese e transformação de nutrientes e na produção de alimentos uma vez que, absorvem os minerais a partir do solo e através de sua capacidade fotossintética, são hábeis em fixar o CO2 atmosférico, transformar energia do sol em energia química, armazenando-a, a princípio na forma de glucose. Esta glucose serve, então, como ponto de partida para a síntese de todos os compostos orgânicos encontrados na natureza, como os demais carboidratos, ácidos graxos que irão constituir as gorduras, aminoácidos que irão se polimerizar dando origem às proteínas, vitaminas, fenólicos, etc. Esses vegetais servem então como alimento e fonte de nutrientes diretamente ou indiretamente, quando são utilizados na alimentação animal, transformados em carne que é, posteriormente, utilizada na alimentação. Os nutrientes são agrupados em diferentes categorias, de acordo com a natureza das funções que desempenham no organismo. Os carboidratos e gorduras são chamados de nutrientes energéticos, por serem facilmente metabolizáveis. As proteínas são consideradas nutrientes plásticos devido à sua importância na formação e regeneração dos tecidos. As vitaminas, por serem fundamentais no equilíbrio do metabolismo são tidas como nutrientes reguladores. Já os minerais são considerados, ao mesmo tempo, como nutrientes plásticos, uma vez que constituem o esqueleto animal e reguladores do metabolismo. A água, o veículo das reações endocelulares, é essencial à alimentação diária, seja para saciar a sede, diretamente, seja indiretamente na forma de alimentos líqüidos e sólidos. Todos os nutrientes mencionados são imprescindíveis ao metabolismo. Boa parte deles é sintetizado pelo próprio organismo. Entretanto, aqueles que não são sintetizados pelo organismo e que devem ser adquiridos através da alimentação são considerados como essenciais, a exemplo das vitaminas, minerais, alguns aminoácidos e ácidos graxos. A bromatologia é importante do ponto de vista agronômico/zootécnico visto que subsidia profissionais que trabalham em diferentes áreas, tais como: balanceamento de rações - fundamental o conhecimento da composição química e função destes compostos no organismo para um adequado balanceamento dietético; 3 conservação de alimentos diversos – relacionada diretamente com sua composição, sendo que o teor de água dos alimentos assume um papel de destaque na sua conservação. melhoramento genético – a obtenção de produtos melhorados geneticamente com maiores ou menores teores de componentes específicos (animais com menor teor de gordura na carcaça, soja com maior teor de proteína ou óleo, etc) depende do apoio da Bromatologia. Logo, o objetivo do presente texto é o de caracterizara qualidade dos alimentos, com ênfase ao seu valor nutricional, estudando sua composição química, bem como a função destes compostos no organismo. 4 2 QUALIDADE O sucesso do setor agrícola depende, sobremaneira, da geração de produtos de qualidade. A qualidade envolve diferentes aspectos que podem assumir distintos níveis de importância entre o mercado produtor e consumidor e dentro de diferentes segmentos de cada mercado. Normalmente, a qualidade é vislumbrada a partir de aspectos sensoriais, como a aparência, o flavor e a textura, aspectos de segurança, aspectos nutricionais, conveniência e preço. O consumo de produtos vegetais integrais e frescos tem sido estimulado cada vez mais visto que existe uma associação direta entre o consumo de produtos de origem animal e vegetais processados e aumento na incidência de problemas cardiovasculares. Os vegetais integrais se destacam por não veicularem colesterol, por apresentarem, como no caso de frutas e hortaliças, baixos teores de óleos, óleos estes ricos em ácidos graxos insaturados, e como fontes insuperáveis de fibras, além de possuírem um excelente balanço entre vitaminas e minerais. O FDA (Food and drug administration), preocupado com a saúde da população tem investido maciçamente, nos últimos anos, na campanha “five a day” que prega o consumo diário de pelo menos 5 porções de frutas e hortaliças, não se abrindo mão do consumo de pão e cereais, bem como do consumo moderado de produtos de origem animal. Os vegetais se caracterizam, após a colheita, por manterem seu estado vivo. Enquanto ligados à planta mãe, vivem as suas expensas, acumulando fotossintatos. Após serem destacados, continuam respirando, queimando os substratos acumulados. Quanto maior a taxa respiratória, menor a vida pós- colheita. Os vegetais estão sujeitos, na pós-colheita, a uma série de modificações que afetam diretamente sua qualidade. Mudanças na aparência, sabor, aroma e textura, bem como na própria segurança, podem ser observadas durante o seu armazenamento, podendo tais mudanças serem desejáveis, ou não. Em função de seu potencial de armazenamento, geralmente associado à taxa de mundanças que ocorrem na pós-colheita, os vegetais podem ser classificados em perecíveis e duráveis. Os alimentos, veículos de nutrientes para o corpo humano, devem reunir atributos que satisfaçam a exigência do consumidor. A coordenada e harmonica reuniao desses atributos caracteriza a qualidade dos alimentos. A qualidade constitui-se num conceito abrangente que envolve atributos como aparência, sabor, aroma, textura, valor nutritivo, seguranca e conveniência do produto. O comprometimento de qualquer um desses atributos afeta diretamente a qualidade e, conseqüentemente, o valor comercial do alimento. A qualidade deve ser entendida como um conceito subjetivo que pode variar de acordo com o mercado consumidor e suas expectativas e exigências. 5 2.1 Aparência Embora todos os atributos sejam relevantes do ponto de vista da qualidade, normalmente, a aparência constitui-se no primeiro atributo avaliado pelo consumidor no momento da aquisição de um alimento. Um produto reprovado pela avaliação visual do consumidor, geralmente, não passa por qualquer outro tipo de avaliação, sendo, de imediato, rejeitado. A aparência é um atributo sensorial que sensibiliza a visão do consumidor. O tamanho, a forma, a colaração, o brilho, a presença ou ausencia de defeitos constituem-se em quesitos básicos na avaliação da aparência de um alimento. 2.1.1 Tamanho Atualmente, o tamanho do alimento tem sido um fator decisivo no momento da aquisição de um produto alimentício. Com a redução do numero de pessoas por familia e uma valorização da independencia que leva a opção por se morar sozinho, o consumidor tem preterido alimentos ou unidades de comercialização muito grandes ou pesados por produtos menores, mais adequados a suas exigências imediatas. A aquisição de produtos alimentícios muito grandes ou unidades de comercialização com alto volume consumivel, normalmente, leva ao desperdicio. Tal desperdicio vem de encontro com a concepção ecologica, tao valorizada, alem de pesar no bolso do consumidor. O superdimensionamento do produto vegetal final buscado exaustivamente em trabalhos de melhoramento genetico vem sendo substituido pela obtenção de produtos com o tamanho ideal, do ponto de vista do mercado consumidor. Produtos acondicionados em pequenas embalagens polimericas ou conteineres tem abarcado uma grande fatia do mercado consumidor, tanto pela conveniência e comodidade, quanto pela economia. 2.1.2 Forma O formato do alimento, uma característica genética manipulável pelo processamento após a colheita, desempenha seu papel no valor de comercializaçao dos mesmos. O consumidor tende a associar, em sua mente, formas especificas a produtos especificos. Se o produto colocado no mercado não satisfaz a essa expectativa do consumidor, há uma grande probabilidade deste produto ser rejeitado. Não obstante, a inovação no campo de alimentos in natura ou processados com novos formatos, aliada a um bom trabalho de marketing, tem um grande potencial de exploração. 6 2.1.3 Coloração A cor representa, normalmente, o mais importante determinante da aparência em vegetais, frescos ou processados. De uma forma simples, a cor é o que nós vemos quando olhamos para um vegetal. É uma caracaterística da luz que sensibiliza a retina do olho do observador humano. Luz é energia radiante na faixa visual do espectro eletromagnético que ocorre dentro dos limites de 700 a 400 nm. A reflexão de diferentes comprimentos de onda resulta em diferentes sensações de cor (400 a 500 nm – azul; 550 a 600 nm – amarelo; 600 a 700 nm – vermelho). Se existe igual reflexão de todos os comprimentos de onda a sensação é branca e contrariamente, se existe igual absorção de todos comprimentos de onda a sensação é preta. A absorção e reflexão diferencial de todos os comprimentos de onda resulta na sensação de cor. O grau ao qual a retina do olho é estimulada será dependente não apenas da luz disponível mas também da natureza da superfície reflectiva. Logo, uma maior distinção deve ser reconhecida na diferença entre a aparência brilhante ou fosca de um objeto. Se a luz é refletida de uma superfície lisa, então a aparência é de brilho. Por outro lado, se a superfície é irregular, ela irá refletir a luz em diferentes ângulos, e a aparência do objeto será fosca. Tal distinção pode ser importante em produtos vegetais visto que um certo lustre é uma vantagem em alguns produtos, como morangos frescos. Em outros, contudo, pode ser uma desvantagem, como em cenouras enlatadas. Os pigmentos vegetais, com destaque para as clorofilas, carotenóides e antocianinas, desempenham um papel fundamental na coloração dos vegetais. A coloração se associa diretamente com o frescor e grau de maturação, no caso de frutas e hortalicas in natura. A mudanca na coloração e uma das características mais flagrantes durante o amadurecimento de frutos e senescência de hortalicas. Genericamente, os frutos quando imaturos apresentam uma coloração esverdeada que vai cedendo lugar a outras cores (amarelo, vermelho, azul, violeta) com o amadurecimento. As hortalicas folhosas mantêm sua condição comercializável, normalmente, enquanto mantêm sua tradicional coloração verde. A medida que a hortaliça perde o frescor, ela senesce, tendendo a amarelecer. O escurecimento da alguns vegetais, normalmente catalizado por polifenoloxidases,ocorre em resposta ao armazenamento inadequado ou a um processamento impróprio. Os tecidos vegetais armazenam quantidades apreciáveis de substâncias oxidáveis, como os fenólicos e enzimas oxidativas, em compartimentos separados, que podem ser colocados em contato em função de um desconhecimento no momento do armazenamento e processamento. Indubitavelmente, a coloração impõe a presença de um produto no mercado, por ser um indicativo de seu frescor, ou de sua qualidade, em termos de outros atributos, bem como pela própria 7 tradição do mercado. Variedades de milho branco, com proteína de alta qualidade, encontram barreiras para penetração no mercado face ao tradicional mercado do milho amarelo. Frutos esverdeados são indicativos de frutos insipidos, muito ácidos e/ou pouco doces. Folhosas e forrageiras amarelas trazem a impressào de produtos fibrosos, velhos e inaptos para o consumo. Frutos e hortalicas minimamente processados (pre-cortados) escurecidos sugerem produtos com prazo de validade vencido, inadequados para a comercialização. 2.1.4 Brilho O brilho de muitos vegetais, imposto pela presença de ceras, destaca a coloração original do produto, bem como eleva o seu valor comercial. A camada cerosa que recobre a superficie de uma gama de vegetais e uma barreira natural contra perdas transpiracionais e osmoticas. O brilho dos vegetais pode ser incrementado pela aplicação exógena de ceras, naturais e artificiais. Tal procedimento e utilizado para elevar a aparência do produto, bem como para estender sua vida-de- prateleira, uma vez que as ceras diminuem as perdas hidricas do vegetal, evitando ou pelo menos minimizando seu murchamento ou enrugamento. O enceramento de citros, macas e mangas e um artificio utilizado para melhorar seu valor comercial. 2.1.5 Defeitos A variação é um fator inerente na produção de produtos agrícolas. Devido a variação, algumas porções do total de cada produto a ser colhido desviarão daquilo que é considerado ótimo para um ou mais componentes de qualidade. Produtos nesta condição apresentam defeitos de qualidade. A presença de defeitos em vegetais, como arranhões, machucaduras, desuniformidade de cor, tamanho e forma e corpos estranhos compromete sua qualidade e, logo, seu valor. Desta forma, o estabelecimento de padroes condizentes a determinados nichos de mercado de produtos alimentícios de origem vegetal e um passo fundamental na obtenção de alimentos de alta qualidade. 2.2 Flavor O flavor é uma das mais importantes propriedades dos vegetais do ponto de vista alimentício. É determinado pela estimulação da sensibilidade do consumidor ao aroma e sabor. 8 O sabor é marcado por quatro sensações básicas: doce, azedo, amargo e salgado, enquanto o aroma é ditado por milhares de compostos voláteis liberados pelos vegetais em diferentes estádios de seu ciclo vital. Espécies e variedades distintas de vegetais produzem diferentes espectros de voláteis que lhes conferem o aroma e flavor intrinsicamente peculiares. Os açúcares conferem o sabor doce aos vegetais, destacando-se a glucose, frutose e sacarose. Pertencem ao grande grupo dos carboidratos. Se enquadram, normalmente, na categoria de mono- e dissacarídeos, sendo solúveis em água e solução hidroalcoólica. Em geral, contribuem com mais que 70% dos sólidos solúveis totais dos vegetais consumidos. O aumento na doçura dos vegetais tende a ser proporcional ao aumento nos teores de seus açúcares. A acidez é conferida pela presença de ácidos orgânicos nos tecidos vegetais. Os ácidos cítrico, málico e tartárico predominam no reino vegetal. O ácido cítrico é proeminente em frutas cítricas, o málico encontrado em abundância em banana e maçã, enquanto o tartárico e característico de uvas. A acidificação de vegetais e uma das alternativas viáveis de extensão de sua vida-de-prateleira, sendo o ácido acético muito utilizado para esse propósito. A acidificação de vegetais inibe o desenvolvimento de microorganismos patogênicos, principalmente as bactérias. Os compostos fenólicos, destacando-se os taninos e os terpenóides desempenham um importante papel no desenvolvimento de amargor dos produtos de origem vegetal. O amargor, em alguns casos, vem acompanhado da adstringência, que é uma sensibilidade tátil das papilas gustativas ao composto em questão, gerando a sensação de “aperto”. Tal sensação e muito comum em caqui e banana imaturos. Os terpenoides são comuns em frutos cítricos gerando a sensação de amargor característica de limas e grapefruits. Os sais minerais conferem peculiaridades de sabor aos vegetais, embora pouco perceptiveis, naturalmente. A sensação proporcionada pelos sais minerais mais conhecida e o sabor salgado gerado pelo NaCl2 (sal de cozinha). A adição de sal de cozinha aos alimentos e realizada com o intuito de se modificar seu sabor e/ou aumentar sua vida-de-prateleira. Não obstante, o excesso de sódio na alimentação tem sido associado com problemas cardiovasculares, devido a característica do sódio de elevar a pressão arterial, o que pode levar ao infarto do miocárdio. Os compostos voláteis que determinam o aroma dos vegetais se enquadram em diferentes categorias de compostos químicos, dentre as quais destacam-se os ésteres, aldeídos, alcoóis, cetonas, lactonas, éteres e ácidos orgânicos. Centenas destes compostos são emanados pelos vegetais em diferentes concentracões, dependendo da espécie, variedade, estádio do ciclo vital e condições ambientais. 9 2.3 Textura A textura é indubitavelmente uma das mais importantes características de qualidade de produtos de origem vegetal e muitos termos têm sido usados na tentativa de se definir a palavra. Enquanto algumas pessoas definem textura com base na morfologia celular, outras se baseiam em características sensoriais associadas a ela. A textura de vegetais é dependente do turgor celular bem como dos tecidos de suporte e çõesividade das células. Pode ainda ser definida como aquelas propriedades do produto detectadas pelos olhos e pela sensibilidade da pele e músculos da boca após a ingestão de algum alimento, sólido ou líquido. Bourne (1980), define as propriedades texturais de um alimento como aquele grupo de características físicas que sensibilizam o toque, são relacionadas à deformação, desintegração e fluxo do alimento sob a aplicação de uma força e são medidas objetivamente pelas funções de força, tempo e distância. O mesmo autor ainda estabelece que textura é composta de várias propriedades texturais que envolvem uma gama de parâmetros. Estas propriedades incluem características mecânicas, como dureza, viscosidade e mastigabilidade, geométricas, como tamanho e forma da partícula e químicas, como teor de umidade e gordura. A textura dos vegetais é determinada pelas organelas celulares e seus constituintes bioquímicos, teor de água ou turgor e composição da parede celular. Logo, qualquer fator externo que afete estas características pode modificar a textura, podendo, portanto, levar a alterações na qualidade final do produto. A mais desejada textura de um vegetal varia com o produto e preferência do consumidor. Algumas pessoas preferem vegetais mais firmes e crocantes que outros. As mudanças texturais ocorrem normalmente durante o crescimento e desenvolvimento acreditando-se estarem envolvidas em mudanças programadas geneticamente na estrutura da parede celular e outros fatores fisiológicos envolvidos no desenvolvimento do órgão vegetal. A maturidade comercial do vegetal é fundamental na determinação da sua textura, ocorrendo em vários estágios do desenvolvimento dependendo da cultura e tecido consumido. A textura dos vegetais se associadiretamente com seu teor de fibras, amido e água. As fibras são constituídas basicamente por compostos da parede celular. A parede celular é um intricado amálgama entre carboidratos (celulose, hemicelulose e substâncias pécticas), lignina, proteíinas, minerais e substâncias incrustantes, como cutina e suberina. Os polissacarídeos da parede celular, principalmente as substâncias pécticas, têm sido os compostos mais associados as modificações texturais de vegetais. 10 O amaciamento e uma característica marcante observada durante o amadurecimento de frutos. O amadurecimento e uma etapa no ciclo vital dos frutos, que os torna aptos para o consumo. A medida que o fruto amadurece, tende a amaciar, face a uma despolimerização e solubilização de compostos de parede celular, destacadamente as pectinas. O processo e mediado por enzimas, dentre as quais destacam-se a Pectinametilesterase (PME), Poligalacturonase (PG) e Beta-galactosidase. O processo bioquímico associado ao amaciamento ainda não está totalmente elucidado, cogitando-se uma complexa e coordenada ação enzimatica. A conversão de amido em açúcares e vice-versa também é considerada importante nas modificações texturais de vegetais. O amaciamento de bananas durante seu amadurecimento é mediado pela hidrólise de amido, modificações nos constituintes da parede celular e perdas transpiracionais e osmóticas de água. O enrijecimento de alguns vegetais está associado, na maioria das vezes, com a lignificação de seus tecidos. A lignina é um polímero fenólico que se deposita sobre a parede celular, impermeabilizando-a, levando a célula à morte. A lignificação é um artifício de proteção utilizado pelos vegetais. A lignificação de forrageiras é um processo natural que ocorre durante o seu envelhecimento e que leva a impermeabilização das células, o que dificulta ou mesmo impede o acesso de enzimas digestivas, diminuindo por exemplo, a digestibilidade das proteínas do alimento. 2.4 Valor Nutritivo O conhecimento do valor nutritivo dos alimentos é de suma importância, visto que as exigências nutricionais do ser humano são satisfeitas a partir de uma alimentação equilibrada. O balanço dietético se sustenta no conhecimento da composição química dos alimentos. Logo, o valor nutritivo dos alimentos é vislumbrado a partir de sua composição química com ênfase nos teores de água, proteínas, lipídeos, glicídeos, fibras, vitaminas e minerais. 2.5 Segurança Ao se colocar um alimento na mesa do consumidor deve se ter em mente que sua saúde deve ser preservada. Um alimento pode responder a todas as expectativas sensoriais do consumidor, mas se não for seguro, não pode ser entendido como alimento de qualidade. A segurança diz respeito a presença ou ausência de compostos tóxicos, naturais ou adicionados, ao alimento. Fatores antinutricionais intrínsicos ao alimento, resíduos de agrotóxicos, metais pesados e microorganismos são exemplos de compostos que podem comprometer a saúde do consumidor. 11 Uma larga variedade de produtos vegetais tem sido associada com doenças causadas por microorganismos. A contaminação do vegetal pode ocorrer durante o crescimento, colheita, distribuição e preparação final. Assim como os produtos agrícolas que devem sofrer um aquecimento (cozimento) antes do consumo, os produtos consumidos frescos, como os frutos e algumas hortaliças abrigam uma gama de microorganismos, incluindo patógenos ocasionais. Na maioria das vezes, o produto é cultivado em locais com acesso a animais, pássaros e insetos que podem veicular patógenos humanos ao produto antes ou durante a colheita. Logo, é de suma importância focalizar a atenção para a redução do risco de contaminação do produto cru onde possível, ao longo de toda cadeia agrícola, do plantio ao consumo. Dados do Centro para Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) indicam que o número de infecções alimentares ligadas a produtos frescos e o número de pessoas afetadas nestas infecções têm aumentado nos últimos anos. Um número de razões é proposto para esta alta associação de infecções com o produto fresco. Desde o início dos anos 70, um significante aumento no consumo de produtos frescos tem sido observado presumivelmente devido, em parte, a ativa promoção de frutos e hortaliças como uma importante parte de uma dieta saudável. Durante este mesmo tempo observou-se um aumento no consumo de alimentos fora de casa e uma popularização dos buffets. Maiores volumes de produtos vegetais estão sendo embarcados de regiões centrais e distribuídos em áreas geográficas muito maiores para muito mais pessoas. Isto, acoplado ao mercado global, potencialmente aumenta a exposição humana a uma grande variedade de patógenos e o risco de toxiinfecções alimentares. Enquanto parte da qualidade do produto pode ser julgada pela aparência externa, textura, sabor e aroma, a segurança não. Inspeções casuais do produto não podem determinar se ele é, ou não, seguro e adequado ao consumo. Água clorada, ozônio, ácidos orgânicos, luz ultra violeta, embalagens antibacterianas e irradiação podem ter seu devido lugar na sanitização de vegetais. Entretanto, uma vez o vegetal esteja contaminado com vírus, bactérias, fungos ou parasitas, nenhum destes métodos irá garantir a segurança do produto. É possível reduzir o número de patógenos do produto pela lavagem com água sanitizada, embora não seja possível, atualmente, eliminá-los através de qualquer das medidas acima. O único tratamento atualmente disponível que completamente elimina patógenos vegetativos é o cozimento. Conseqüentemente, o manejo das condições de crescimento e manuseio é fundamental na prevenção da contaminação do produto fresco com patógenos humanos. Logo, a prevenção da contaminação do produto fresco com patógenos humanos, níveis perigosos de resíduos químicos ou contaminantes físicos é a melhor maneira de se garantir que esses alimentos sejam seguros para o consumo humano. 12 3.6 Conveniência A conveniência é um atributo de qualidade recentemente incorporado aos alimentos que agrega um grande valor aos mesmos. Os consumidores com cada vez menos tempo para preparar suas refeições clamam por produtos convenientes, sem abrir mão da exigência pela tradicional qualidade. A conveniência tem chegado à mesa do consumidor na forma de vegetais prontos para comer ou prontos para levar ao fogo, tais como os “fresh- cut” ou vegetais minimamente processados. 13 3 COMPOSIÇÃO QUÍMICA E VALOR NUTRITIVO 3.1 ÁGUA Introdução A água é a única substância que ocorre em abundância na natureza, nos três estados físicos. É a substância mais abundante nos sistemas vivos compreendendo 70% ou mais do peso da maioria das formas vivas. A água é essencial à vida como estabilizadora da temperatura do corpo, como carreadora de nutrientes e metabólitos indesejáveis, como reagente e meio de reação, como estabilizadora da conformação de biopolímeros, como um provável facilitador do comportamento dinâmico de macromoléculas, incluindo suas propriedades catalíticas e ainda de outras formas não conhecidas. Do ponto de vista quantitativo, a água é o principal componente do organismo humano, em torno de 60%, representando, ainda, o constituinte mais abundante da maioria dos alimentos no estado natural, que apresentam teores variáveis de umidade. O teor de umidade é variável em função da espécie, variedade, raça, órgãos e até mesmo entre células vizinhas. As condições edafo-climáticas às quais são submetidas diferentes culturas também influenciam os seusteores de umidade, bem como as condições de armazenamento. Em quantidades adequadas, a água é fundamental à vida, influenciando profundamente a estrutura, a aparência, o sabor e a suscetibilidade dos alimentos à deterioração. Visto que os alimentos frescos apresentam quantidades apreciáveis de água, formas efetivas de preservação são necessárias caso se deseje o armazenamento prolongado. É importante enfatizar que a remoção da água, seja pela desidratação convencional seja pela separação localizada na forma de cristais de gelo (congelamento), altera enormemente as propriedades naturais dos alimentos. Além disso, a tentativa de se retornar a água a sua forma original (reidratação ou descongelamento) nunca alcança o sucesso pleno. Características da molécula de água A água apresenta a fórmula molecular H2O e massa molecular 18. A molécula de água, no estado de vapor, é um monômero. No estado sólido (gelo), as moléculas de água estão ligadas entre si por pontes de hidrogênio, o que motiva a formação de um polímero de estrutura cristalina, no qual cada molécula monômera está unida a outras quatro. A distância entre dois átomos de oxigênio é de 0,276 14 nm. A temperaturas inferiores a -183 0 C, todas as possíveis pontes de hidrogênio se encontram unidas; a 0 0 não há mais que 50% e a 100 0 C apenas algumas. Diversos agentes influenciam de modo diferente, a estrutura da água. Os eletrólitos como o Na + , K + , Cl - , fortemente hidratados em solução, diminuem o número de pontes de hidrogênio entre as moléculas de água. A água possui um ponto de fusão, um ponto de ebulição e um calor de vaporização maiores do que a maioria dos líquidos comuns. Este fato indica que há fortes forças de atração entre moléculas de água adjacentes, o que confere à água líquida grande coesão interna. Por exemplo, o calor de vaporização é uma medida direta da quantidade de energia necessária para ultrapassar as forças de atração entre as moléculas adjacentes num líquido, de forma que elas possam escapar umas das outras e passar para o estado gasoso. A estrutura da molécula da água líquida determina uma atração intramolecular muito forte. Cada um dos seus dois átomos de hidrogênio compartilha um par de elétrons com o átomo de oxigênio. A geometria dos pares de elétrons compartilhados proporciona uma forma em V à molécula. Os dois pares de elétrons não compartilhados do átomo de oxigênio fornecem-lhe uma carga localizada, parcialmente negativa, no ápice do V, e a forte tendência de retirar elétrons do oxigênio fornece aos dois núcleos do hidrogênio cargas parcialmente positivas. Embora a molécula da água seja eletricamente neutra, suas cargas parcialmente positivas e negativas são separadas, resultando que a molécula seja um dipolo elétrico. Por causa desta separação de cargas, duas moléculas de água podem se atrair por forças eletrostáticas entre a carga parcialmente negativa do átomo de oxigênio de uma molécula de água e a carga parcialmente positiva do átomo de hidrogênio da outra molécula. Este tipo de atração eletrostática é chamada de ponte de hidrogênio. Devido ao arranjo quase tetraédrico dos elétrons ao redor do átomo de oxigênio, cada molécula de água pode formar, teoricamente, pontes de hidrogênio com até 4 moléculas de água vizinhas. Em qualquer instante, na água líquida à temperatura ambiente, cada molécula de água acredita-se formar uma média de 3,4 pontes de hidrogênio com outras moléculas de água. Como as moléculas de água estão em moção contínua no estado líquido, estas pontes de hidrogênio são constante e rapidamente quebradas e reformadas. No gelo, entretanto, cada molécula de água está fixa no espaço, formando pontes de hidrogênio com um máximo de 4 outras moléculas, produzindo uma estrutura de mosaico regular. Isto explica o ponto de fusão relativamente alto do gelo. A água é um exemplo de líquido polar. Ao contrário, as moléculas dos líquidos não polares, como o benzeno ou o hexano, apresentam relativamente pouca tendência de se atraírem eletrostaticamente. Muito menos energia é necessária 15 para separar as moléculas destes líquidos; por esta razão os calores de vaporização do hexano e do benzeno são muito menores do que o da água. As pontes de hidrogênio comparadas com as ligações covalentes são fracas. Estima-se que as pontes de hidrogênio na água líquida possuam uma energia de ligação (energia necessária para quebrar uma ligação) de apenas 4,5 kcal/mol, comparada com as 110 kcal/mol para as ligações covalentes H-O nas moléculas de água. Não obstante, por causa do seu grande número, as pontes de hidrogênio conferem grande coesão interna à água líquida. Embora em qualquer instante a maioria das moléculas na água líquida esteja formando pontes de hidrogênio, a vida média de cada ponte de hidrogênio é menor do 1 x 10 -9 s. Conseqüentemente, a água líquida não é líquida viscosa mas sim muito fluida. Tipos de água nos alimentos A água presente nos tecidos animais e vegetais pode estar mais ou menos disponível, sendo separada em água livre e ligada. A água livre está fracamente ligada aos substratos, funcionando como solvente. Permite o crescimento de microorganismos e reações químicas e é eliminada com relativa facilidade. A água ligada está fortemente unida ao substrato, sendo mais difícil de ser eliminada; não é utilizável como solvente, não permite o desenvolvimento de microorganismos e retarda a velocidade de várias reações químicas. O estado da água presente em um alimento é tão importante para a estabilidade do mesmo, como seu conteúdo total. Atividade da água O sistema mais fácil para se ter uma medida da maior ou menor disponibilidade da água nos diversos alimentos é a atividade da água (aw), definida pela seguinte equação: Aw = Pw/P o , onde Pw é a pressão parcial de vapor de água de uma solução ou de um alimento e P o é a pressão parcial de vapor de água pura à mesma temperatura. A atividade de água está associada com reações químicas, crescimento microbiano, etc; ela varia de 0 a 1, nos alimentos. É certo que a atividade da água e a estabilidade dos alimentos estão intimamente relacionados em várias situações. A atividade de água abaixo de 0,3 permite apenas oxidação lipídica no alimentos; entre 0,3-0,8, várias reações químicas e acima de 0,8, crescimento microbiano. Quanto menor a atividade da água, maior o potencial de conservação dos alimentos. Origem da água no organismo 16 Para suprir suas necessidades diárias, o homem e os animais recebem água de três origens normais e uma origem acidental. Normalmente, a água pode ser ingerida na forma líqüida, como a água propriamente dita e aquela presente em alimentos líqüidos, como sucos, leite, bebidas em geral; a água de alimentos sólidos, visto que os alimentos, inclusive os classificados como secos, apresentam certa percentagem de água e a água metabólica, que se forma no metabolismo dos materiais alimentícios. Já a água de origem acidental é aquela utilizada por autofagia, que é a destruição dos próprios tecidos do organismo quando este se encontra na ausência de alimentos sólidos e líqüidos. Vias de eliminação de água no corpo Mesmo à temperatura ambiente a água é perdida como vapor pela pele e pulmões, permitindo perda de calor e, portanto, cooperando para a manutenção da temperatura do corpo. Essa perda invisível de água é variável, podendo chegar a 23 mL por kg de peso corpóreo. A perda de água pela pele pode efetivar-se, contudo, de modo visível pela sudorese; é o que ocorre quando a temperatura ambiental ou do corpo se eleva, por exemplo quando a pessoa executa exercício físico. A perda pelosuor varia e pode chegar a 2 litros ou mais por hora. A perda de água pelas fezes é de 50 a 200 mL por dia, normalmente. A perda de água urinária é variável e depende do volume de líqüido e da quantidade de solutos ingeridos. A ingestão de dieta que fornece grande quantidade de solutos, por exemplo dieta contendo muito sal e rica em proteínas, o que oferece aos rins grandes quantidades de cloreto de sódio e de uréia para serem eliminados, levará a uma maior eliminação diária de urina. Quando a ingestão de água é pequena, o volume urinário diário pode baixar a cerca de 600 mL ainda em situação normal. Em condições habituais, entretanto, a diurese diária é de cerca de 1.200 mL a 1.400 mL. Em condições normais, a perda diária de água pelas diversas vias atinge cerca de 2,5 litros. Balanço de água no homem adulto Quando a quantidade de água perdida pelo organismo em 24 horas é totalmente reposta, diz-se existir balanço equilibrado de água e o teor da mesma no organismo não varia. Cerca de 40% da água perdida é reposta por alimentos sólidos e água de origem metabólica. O volume restante é introduzido sob a forma de líqüidos. O volume desta última porção está relacionado com o mecanismo da sede. Na regulação diária do balanço de água, o estímulo mais importante para o 17 aparecimento da sede é um pequeno decréscimo do volume de água total do corpo. Isso leva a um aumento da concentração de solutos e conseqüente aumento da pressão osmótica no líqüido extracelular. Essa variação causa uma ligeira diminuição do volume de água intracelular. Essas alterações constituem estímulos para centros nervosos localizados no hipotálamo, de onde partem impulsos para o córtex cerebral, determinando o aparecimento da sede. Necessidades de água no organismo Em condições normais, considera-se adequada a ingestão de 1 mL de água para 1 kcal de alimento ingerido. Entretanto, na maioria dos casos, a febre, o aumento da freqüência respiratória devido a doenças ou à atividade excessiva condicionam o aumento da perda de água. Água e conservação de alimentos A conservação dos alimentos está diretamente relacionada com o teor de água dos mesmos. Quanto menor o teor de água maior o seu potencial de armazenamento. Tanto é que o método mais tradicional de consevação de alimentos se baseia na sua desidratação. A água presente nos alimentos atua como reagente e meio de reação, propiciando a atividade de enzimas relacionadas com a senescência e degradação dos alimentos. A presença da água também propicia o desenvolvimento de microorganismos responsáveis pela deterioração dos alimentos. Os alimentos, de acordo com seu potencial de conservação, podem ser divididos em duas categorias: duráveis e perecíveis. Os alimentos duráveis apresentam uma vida de armazenamento potencialmente longa, que varia de meses a anos, como é o caso de grãos de cereais, leguminosas e café secos e armazenados com teor de umidade abaixo de 13%, frutas desidratadas, especiarias secas, feno e produtos de origem animal desidratados. Os alimentos perecíveis se caracterizam pelo seu alto teor de água e vida-de-prateleira relativamente curta que varia de dias a semanas ou meses, como é o caso das frutas e hortaliças “in natura” que apresentam teores de água da ordem de 90% e produtos de origem animal como carne, leite e derivados. Os alimentos duráveis apresentam uma vida-de-prateleira relativamente longa por passarem, normalmente, por um processo de desidratação. Já a vida-de-prateleira de alimentos perecíveis pode ser 18 estendida, considerando-se seus altos teores de umidade, através de diversas técnicas, como refrigeração, manipulação atmosférica, irradiação, tratamentos térmicos, tratamentos químicos, etc. 19 3.2 CARBOIDRATOS Introdução Os carboidratos constituem ¾ do mundo biológico e cerca de 80% da absorção calórica da humanidade. O mais abundante carboidrato é a celulose, o principal componente estrutural dos vegetais. Já o principal ingrediente alimentar consumido pelo homem é o amido, proporcionando 75 a 80% da absorção calórica total. Os carboidratos ocupam posição central no metabolismo das plantas verdes e de outros organismos fotossintetizantes que utilizam a energia solar para sintetizá-los a partir de CO2 e água. Os carboidratos são importantes componentes de alimentos naturais e processados. Os digestíveis, destacando-se o amido, são a principal fonte de calorias da população mundial. Os não digestíveis são os principais componentes da fibra dietária. Os carboidratos, simples e complexos, são de grande importância, não somente como componentes digestíveis ou não da dieta, mas também com respeito ao seu papel na formulação e processamento de alimentos. Os carboidratos, especialmente a sacarose e o amido, proporcionam a massa de absorção calórica para a maioria da população do mundo, e este fato provavelmente não vai mudar, embora o consumo de carboidratos mais complexos às expensas da sacarose tem sido sugerido em recentes guias dietários. O amido e outros carboidratos afetam inexoravelmente os atributos sensoriais dos alimentos. Eles afetam profundamente a consistência, textura e sensasões bucais, através de sua habilidade de influenciar a viscosidade, propriedades coligativas, cristalização do gelo, gelatinização e a estabilidade de dispersões. Também influenciam a cor e “flavor” (sabor + aroma) em função de sua habilidade em sofrer reações de escurecimento com a concomitante produção de “flavors”, sua habilidade em determinar doçura e influenciar a retenção e liberação de “flavor”. Definição O termo carboidrato é derivado do alemão kohlenhydrat e similar ao francês hydrate de carbone que expressam, a princípio a composição Cx(H2O)y, que significa uma composição contendo carbono e água (hidratos de carbono), como no caso da glucose: C6H12O6 = C6(H2O)6; sacarose: C12H22O11 = C12(H2O)11; amido e celulose: (C6H10O5)n = [C6(H2O)5]n. No entanto, baseado neste conceito, um grande número de carboidratos não seriam "hidratos de carbono", como os polióis (ex. glucitol = 20 C6H14O6), ou desoxiaçúcares (ex. ramnose C6H14O5), enquanto outros compostos como o ácido acético H3C—COOH = C2(H2O)2, poderiam ser considerados como tal. Pigman e Horton definem os carboidratos de uma maneira geral e bastante simplificada como poli-hidroxialdeídos, poli-hidroxicetonas, poli-hidroxiálcoois, poli-hidroxiácidos e seus derivados simples e polímeros desses compostos unidos por ligações hemiacetálicas. Origem e distribuição na natureza São formados nos vegetais através da fotossíntese: CO2 + H2O (luz solar & clorofila) carboidratos Os carboidratos são sintetizados a partir da fixação do dióxido de carbono do ar (ciclo de Calvin), que se junta à água do solo, pelo processo de fotossíntese, mediante a conversão da energia solar em energia química, a qual é armazenada nas moléculas do carboidrato. O processo fotossintético ocorre nos cloroplastos (unidades subcelulares que contêm clorofila) contidos no citoplasma da planta. A clorofila, um pigmento da planta que contém magnésio, desempenha um papel chave na fotossíntese devido à capacidade que tem de absorver a energia da luz solar. Os carboidratos são amplamente distribuídos na natureza, tanto no reino vegetal, quanto no animal. Eles constituem cerca de ¾ da matéria seca das plantas, sendo os primeiros produtos da atividade fotossintética. Se depositam nas folhas, galhos, raízes ou sementes das plantas soba forma de açúcar ou polissacarídeo. Nos frutos maduros se encontram, predominantemente, na forma de açúcares, principalmente glucose, frutose e sacarose, dando o sabor adocicado característico dos mesmos. São encontrados como forma de reserva alimentar, como o amido presente nas sementes (arroz, feijão, milho), nos tubérculos (batata), raízes (mandioca) e alguns frutos verdes (banana). Como tecido de sustentação, a exemplo dos constituintes básicos da parede celular: celulose, hemicelulose e substâncias pécticas. O carboidrato predominante das partes lenhosas dos vegetais é a celulose. Como produtos de degradação tal como as gomas e mucilagens. Nos animais destacam-se a glucose como o açúcar sanguíneo, a lactose como o açúcar do leite e o glicogênio como reserva alimentar armazenado no fígado. A ribose é um açúcar constituinte básico dos ácidos nucléicos. Os carboidratos representam a reserva de energia para as plantas, sendo essencial à existência do reino animal. 21 Classificação Os carboidratos podem ser classificados quanto ao número de unidades básicas de açúcares simples (não hidrolisáveis) na molécula. São, então, classificados em mono-, oligo- e polissacarídeos. Monossacarídeos: são os carboidratos mais simples, constituídos por uma única unidade de açúcar não hidrolisável. São classificados, ainda, em aldoses e cetoses, no caso de serem poi- hidroxialdeídos ou poli-hidroxicetonas, respectivamente. Podem ser caracterizados com relação ao número de átomos de carbono na molécula (triose, tetrose, pentose, hexose - 3, 4, 5 e 6 átomos de carbono, respectivamente). Na natureza são encontrados com maior freqüência, tanto na forma livre como fazendo parte das moléculas de oligo- e polissacarídeos, aldoses com seis átomos de carbono na cadeia, denominadas aldo-hexoses (ex. glucose e galactose), seguidas de aldoses com cinco átomos de carbono denominadas aldopentoses (ex. xilose e arabinose). Entre as cetoses, a única amplamente distribuída na natureza é a frutose, uma cetohexose. O monossacarídeo existente em maior quantidade na natureza é a D-glucose, que além de ser encontrado na forma livre, é o único carboidrato constituinte dos polissacarídeos amido, celulose e glicogênio e dos quais pode ser facilmente obtida. Oligossacarídeos: são polímeros compostos de resíduos de monossacarídeos unidos por ligações hemiacetálicas, neste caso denominadas ligações glicosídicas, em número que variam de duas, até, aproximadamente, dez unidades. São compostos importantes na determinação de estruturas de polissacarídeos. Entre os oligossacarídeos, os mais importantes são os dissacarídeos e entre eles encontram-se a maltose, a celobiose, a lactose e a sacarose, sendo que apenas os dois últimos são encontrados livres na natureza; a maltose e a celobiose são obtidas por hidrólise do amido e celulose, respectivamente. Nos dissacarídeos a ligação entre as unidades de monossacarídeos é uma ligação O-glicosídica, mas na maioria dos casos apenas um grupo hidroxílico hemiacetálico está envolvido na ligação, e neste caso os dissacarídeos são redutores. Quando os grupos hemiacetálicos dos dois açúcares que compõe o dissacarídeo estão envolvidos na ligação glicosídica, o dissacarídeo é não redutor. Polissacarídeos: são macromoléculas naturais constituídas por mais de 10 unidades de monossacarídeos. Ocorrem em quase todos os organismos vivos onde exercem várias funções, muitas das quais não estão ainda bem esclarecidas. São formadoss pela condensação de monossacarídeos ou seus derivados, unidos entre si por ligações glicosídicas. São substâncias de alto peso molecular que podem chegar, em alguns casos, a valores acima de um milhão. Diferem dos 22 oligossacarídeos de alto peso molecular, não só pelo tamanho da molécula, mas também pela maior facilidade de combinações possíveis durante a biossíntese, o que permite a formação de ramificações com diferentes espécies de monossacarídeos unidos por ligações glicosídicas com diferentes configurações. Podem ser de cadeia linear, ramificada e, raramente, cíclica. Os polissacarídeos de menor peso molecular são na sua grande maioria solúveis em água e a solubilidade diminui não só com o aumento de peso molecular, mas também com a maior ou menor facilidade com que as moléculas desses compostos se associam umas às outras. A maior solubilidade dos polissacarídeos se deve à sua facilidade maior de hidratação, com transferência das ligações de hidrogênio intermoleculares entre cadeias de polissacarídeos para ligações de hidrogênio polissacarídeo-água. Os polissacarídeos mais insolúveis são os encontrados nas paredes celulares e sua função nos vegetais é a de reforçar a estrutura dos vegetais, razão pela qual são denominados polissacarídeos estruturais. Os polissacarídeos são geralmente designados pelo sufixo "ana"; assim, glucose dá origem a glucanas, manose a mananas, xilose a xilanas, etc. Quando mais de uma espécie de monossacarídeo participa da estrutura de um polissacarídeo, da nomenclatura do polímero constarão todos esses compostos: xilose e arabinose dão origem às xiloarabinanas, galactose e manose às galactomananas, etc. Para alguns polissacarídeos, nomes tradicionais usados há longo tempo continuam ainda em uso tais como pectina, celulose, hemicelulose, amido, amilose, amilopectina, glicogênio, inulina, xantanas, etc. Os carboidratos podem ainda ser separados em duas grandes frações: fibra e glicídeos, discutidas a seguir. 23 3.2.1 FRAÇÃO FIBRA Também conhecida como fibra dietária, é um importante componente alimentar que consiste do material vegetal não digerível pelo organismo monogástrico, ou seja, resistente à hidrólise pelas enzimas do trato digestivo. É determinada como resíduo que permanece após extrações sucessivas com soluções ácidas e/ou álcalis. Importância Compreende a parte principal do material de construção da parede celular dos vegetais. A parede celular, o arcabouço da célula, é constituída por uma complexa associação entre carboidratos, proteínas, lignina, minerais, água e substâncias incrustantes, como cutina e suberina. A constituição da parede celular está intimamente relacionada com o potencial de conservação pós-colheita dos vegetais, bem como com sua resistência, pré- e pós-colheita, a insetos, patógenos e condições adversas. Na dieta humana é responsável pelo bom funcionamento do intestino, estimulando seus movimentos peristálticos (propriedades laxantes). A fibra dietária apresenta vários efeitos fisiológicos, dependendo das propriedades físicas e químicas das fontes individuais de fibra. Estes efeitos incluem incremento no bolo fecal e estímulo ao funcionamento do intestino grosso com redução no tempo de passagem do bolo alimentar pelo trato gastro-intestinal, decréscimo da disponibilidade de nutrientes, redução dos níveis de colesterol do plasma e diminuição de respostas glicêmicas a um alimento. Algumas fontes de fibra são mais eficazes na elicitação destas respostas que outras, bem como a sua forma física também é importante. Constitui-se em importante fonte de energia para animais ruminantes. A celulose é desdobrada pelos microorganismos do rúmen, formando ácidos graxos voláteis utilizados como fonte de energia por esses animais. Componentes Celulose: composto orgânico encontrado com freqüência na natureza. É constituída por unidades básicas de glucose unidas por ligações 1-4. Constitui a base estrutural do tecido vegetal. É essencialmente insolúvel em água. 24 Hemiceluloses: polissacarídeos complexos encontrados nas paredes de células vegetaisem estreita associação com a celulose e lignina. São constituídas pela interligação de diferentes açúcares neutros, como a ramnose, fucose, arabinose, xilose, manose, galactose e glucose. São solúveis em álcali diluído. Substâncias Pécticas: carboidratos constituídos, principalmente, por unidades básicas de ácido galacturônico, embora possam conter unidades de outros açúcares. São parcialmente solúveis em água, e solúveis, principalmente, em EDTA. Lignina: polímero fenólico, portanto não é um carboidrato. Entretanto, se enquadra na fração fibra. Presente, principalmente, nas partes lenhosas e mais velhas dos vegetais (sabugos, cascas, palhas, etc). Age no fortalecimento e proteção da parede celular ao ataque químico, físico e biológico. Não é digerível nem pelo organismo ruminante. Outros Componentes: as beta-glucanas são polímeros de glucose contendo ligações 1-3 e 1- 4 em várias proporções dependendo da fonte, o que as torna menos lineares que a celulose e mais solúveis em água. Outros polissacarídeos, não estruturais, incluem várias gomas e mucilagens produzidos em resposta à injúria ou na prevenção à dessecação. Alimentos de origem vegetal contêm vários outros componentes que não os polissacarídeos e lignina. Embora estes componentes possam não se encaixar na definição clássica de fibra dietária, eles possuem atividades fisiológicas que são importantes no entendimento das respostas fisiológicas a dietas ricas em alimentos contendo fibras. Alguns destes incluem compostos fenólicos, ácido fítico, inibidores de enzimas digestivas, compostos de Maillard e amido resistente à digestão. Fontes de Fibras Produtos de origem vegetal como cascas, talos, folhas, bagaços e polpa de vegetais. O processamento, normalmente, reduz substancialmente o teor de fibras dos vegetais. A Tabela 1 apresenta o teor de fibra de alguns alimentos. 25 Tabela 1 Teor de fibra de alguns alimentos ALIMENTOS % FIBRA CAPIM NAPIER VELHO 50 CAPIM NAPIER JOVEM 24 COUVE 8,9 REPOLHO 5,3 COCO 4,1 ARROZ BRANCO (POLIDO) 0,2 CENOURA 1,1 BETERRABA 0,7 TOMATE 4,0 COUVE FLOR 0,9 ALFACE 0,6 Carência O interesse inicial de clínicos, nutricionistas, e cientistas da área de alimentos a respeito da fibra como um importante constituinte dietário foi estimulado por estudos epidemiológicos que associaram a carência de fibra na dieta a desordens crônicas tais como constipação, hemorróidas, úlceras, câncer do intestino grosso, bem como obesidade, doenças cardiovasculares e diabete, prevalecentemente em países desenvolvidos. Estes estudos têm comparado diferenças nos padrões patológicos entre populações que vivem no meio rural, em regiões menos desenvolvidas e aquelas que vivem nas áreas urbanas, economicamente desenvolvidas. A correlação entre a dieta e padrões patológicos pode ser relacionada à substituição de vários vegetais utilizados integralmente na alimentação por alimentos refinados e o incremento no consumo de produtos de origem animal, à medida que as populações se deslocaram para áreas mais desenvolvidas. Como com a maioria dos dados epidemiológicos, a relação entre dieta e doença deve ser revista à luz da complexidade dos dados. Estes dados provam, não conclusivamente, uma relação entre causa e efeito. Dietas ricas em fibras são tipicamente mais pobres em proteínas e gorduras, e a digestibilidade geral e disponibilidade de nutrientes é, provavelmente, diferente das dietas ricas em produtos animais. As diferenças entre regiões desenvolvidas e sub-desenvolvidas do mundo adicionam uma nuança a 26 mais à interpretação de estudos epidemiológicos. Face a estas complexidades, a etiologia pela qual a fibra absorvida e os padrões patológicos são relacionados permanece incerta. Várias organizações têm feito recomendações a respeito da absorção de fibra dietária pela população. Recomenda-se que adultos consumam 5 ou mais refeições diárias de frutas e hortaliças e 6 ou mais de pães, cereais e legumes. Recomenda-se o consumo de alimentos contendo fibras antes que suplementos fibrosos. Esta recomendação é suportada por estudos epidemiológicos em que a relação entre a redução do risco de doenças é obtida com padrões dietários contendo alimentos ricos em fibras, não com frações isoladas de fibras. Os cientistas ainda se defrontam com o dilema de como adequar a absorção de fibra para um indivíduo ou uma população, como um todo. Até que se tenha uma melhor compreensão do papel que a fibra desempenha na regulação das funções gastrointestinais, será difícil se recomendar uma absorção ótima de fibra pelas populações. Enquanto isso, uma melhor informação sobre o teor de fibra dos alimentos e como ela é afetada pelo processamento dos alimentos é necessário. 27 3.2.2 Fração Glicídica É também chamada de sacarídeos, E.N.N. (extrato não nitrogenado) ou fração nifext (nitrogen free extract). A sua determinação pode ser realizada com relativa facilidade pelo “método da diferença”: Fração glicídica (%) = 100 - (umidade + lipídeos + proteínas + fibras + cinzas) Importância Apresenta-se como importante fonte de energia de baixo custo. Confere, no caso dos açúcares como glicose, frutose e sacarose, sabor doce aos alimentos. São utilizados como substratos na obtenção de produtos fermentados e destilados (vinhos, aguardente). Assumem função de engrossar e geleificar os alimentos, como no caso da maisena, produto à base de amido. Principais Alimentos Ricos na Fração Glicídica Alimentos contendo amido, como cereais, leguminosas, tubérculos, raízes, além de seus respectivos produtos industrializados (farinhas de trigo, milho e mandioca; fubá; polvilho; maisena). Alimentos Açucarados, como açúcar comum (sacarose), alimentos elaborados à base de sacarose (doces, balas, geléias e outros) e mel. Frutos e Hortaliças, sendo que os açúcares predominantes são a glucose, frutose e sacarose que variam de quantidades traças até cerca de 30%, dependendo da espécie (variedade, cultivar) e estádio de maturação. O sabor adocicado característico destes produtos está em função do tipo e teor de açúcares. Leite e Outros, considerando-se a lactose, constituída da associação entre glucose e galactose, como o açúcar predominante no leite. 28 Amido É a reserva glicídica de maior representatividade dos vegetais. Cada vegetal possui grânulos de amido característicos e identificáveis ao microscópio. O amido é uma mistura de dois componentes, a amilose e a amilopectina. Cada grânulo de amido contém 25% de amilose e 75% de amilopectina. A hidrólise total do amido é representada no esquem a seguir. amido dextrina maltose glucose Define-se o amido como um polissacarídeo constituído de moléculas de glucose unidas por ligações 1-4, na amilose e 1-4 e 1-6, na amilopectina. A amilose é um polissacarídeo de cadeia reta formado por unidades de glucose, unidas por ligações 1-4. Quando tratada com iodo desenvolve coloração azulada. Apresenta grânulos de estrutura resistente e alta tendência à retrogradação. A amilopectina é um polissacarídeo de cadeia ramificada constituído por unidades de glucose unidas por ligações 1-4 e 1-6, estas nas ramificações. Quando tratada com iodo exibe coloração avermelhada. Caracteriza-se por grânulos frágeis e géis com dificuldade de sofrer retrogradação. Algumas espécies vegetais trabalhadas geneticamente apresentam o amido ceroso, um amido constituído exclusivamente de amilopectina,portanto de maior interesse para a indústria de alimentos. As propriedades da amilose e amilopectina são diferentes em função das diferenças em suas estruturas e o conhecimento destas propriedades é importante no entendimento do comportamento do mesmo. A gelatinização e a retrogradação (cristalização) são as principais propriedades do amido. A gelatinização é o entumescimento do grânulo do amido quando exposto ao aquecimento em água. É a máxima absorção de água pelos grânulos do amido, ficando as moléculas em estado amorfo, desorganizado e instável. O grau de gelatinização está relacionado com a quantidade de água no sistema. No grânulo de amido da farinha de trigo, a gelatinização se processa numa temperatura entre 52 e 62 0 C. O amido é transformado em uma pasta, com parte da amilose sendo projetada para fora dos grânulos, o que ocorre durante o assamento dos pães. A retrogradação ou cristalização do amido é o seu reordenamento em função da perda de água do sistema, também chamada de sinérese. No alimento rico em amido que esteja cozido ou assado, os grânulos de amido estão entumescidos e circundados de lipídeos, proteínas, etc. O amido desta forma encontra-se num estado amorfo, desorganizado e instável. Com o resfriamento, o gel de amido começa 29 a formar uma estrutura mais ordenada. As moléculas vão se alinhando e se ligando por pontes de hidrogênio, expulsando a água do sistema (sinérese). Trata-se de um sistema complexo envolvendo muitos fatores, sendo atribuído como o principal, a velocidade de cristalização da amilose e amilopectina. A amilose, devido à sua linearidade, associa-se (cristaliza-se) muito rapidamente. A amilopectina também se cristaliza, porém numa velocidade bem menor, tornando-se mais significativa durante o armazenamento. A cristalização do amido é a principal reação do envelhecimento do pão, responsável pelo aumento de sua firmeza. Os fatores que afetam a velocidade de cristalização ou retrogradação são o tempo e temperatura. A cristalização do amido é um processo irreversível, que pode trazer prejuízos às indústrias, embora não afete o valor nutritivo do produto. A cristalização do amido afeta substancialmente a aparência do produto, um atributo de qualidade determinante no seu valor comercial. Dextrinas As dextrinas são produtos resultantes da degradação parcial do amido. São moléculas grandes, porém, menores que as de amido, formadas tanto pelo processo de preparação dos alimentos como durante a digestão do amido. Se a hidrólise continua, as dextrinas produzem maltose e, finalmente, glucose. No organismo, a glucose é o produto final da digestão do amido. As dextrinas são encontradas em pequenas quantidades na farinha de trigo, arroz, mel, amendoim, milho e feijão. Glicogênio O glicogênio é encontrado no fígado e nos músculos dos animais. Sua presença no fígado foi detectada em 1856 pelo francês Claude Bernard, que verificou a importante relação entre o glicogênio do fígado e o açúcar presente no sangue. A molécula de glicogênio é um polímero de cadeia ramificada, com 6.000 a 30.000 unidades de glucose. Sob hidrólise, produz moléculas de glucose. O organismo tem pouca capacidade para armazenar glicogênio; o total é de 350 g aproximadamente. O glicogênio muscular, que representa cerca de dois terços da reserva total, é uma fonte de energia somente para os processos que ocorrem no interior das células musculares, enquanto a glucose do glicogênio hepático serve como fonte de energia para qualquer tipo de célula do organismo. O glicogênio não constitui uma fonte dietética importante de carboidratos. Quando os animais são abatidos, a pequena quantidade de glicogênio do organismo é rapidamente transformada; pouca quantidade resta quando a carne é preparada para consumo humano. 30 Açúcares Açúcares tais como glucose, frutose, maltose, sacarose e lactose têm em comum as seguintes propriedades em graus variáveis: 1. Apresentam sabor doce sendo comumente conhecidos pela sua doçura; 2. São solúveis em água e formam xaropes facilmente; 3. Quando a água é evaporada das soluções desses açúcares eles formam cristais, sendo esta a maneira pela qual a sacarose é obtida do caldo de cana-de-açúcar; 4. São facilmente fermentados por microorganismos; 5. Em concentrações elevadas previnem o crescimento de microorganismos podendo, pois, ser usados como conservadores em alimentos; 6. Sob aquecimento, adquirem cor escura ou caramelizam. A doçura relativa de alguns açúcares em comparação com o mel é apresentada na Tabela 2: Tabela 2 Doçura relativa de alguns açúcares em comparação com o mel AÇÚCARES DOÇURA RELATIVA FRUTOSE 115 SACAROSE 100 MEL 87 GLICOSE 61 LACTOSE 30 Funções dos carboidratos A principal função dos carboidratos consiste em fornecer energia para o organismo. Parte é usada como glucose, para preencher as necessidades energéticas imediatas; outra parte se deposita na forma de glicogênio no fígado e nos músculos; o resto é convertido em gordura, sendo armazenado como tecido adiposo. O combustível usado para a contração muscular são os carboidratos. O glicogênio contido na célula muscular é suficiente somente para períodos curtos de trabalho e este carboidrato usado pelo músculo eventualmente origina-se do açúcar sanguíneo. Se o esforço físico for severo e prolongado, o nível do açúcar sanguíneo poderá cair abaixo do normal e, nessas condições, aumenta a utilização da 31 proteína corporal como fonte de energia. A proteína é degradada (o que se reflete no aumento da eliminação do nitrogênio na urina) e convertida em carboidrato, sendo a gordura também usada como fonte de energia através de sua degradação (representada pelo nível de corpos cetônicos - produtos intermediários da combustão da gordura - no sangue e na urina) e conversão em carboidrato. Quando um exercício vigoroso é precedido ou acompanhado por uma grande ingestão de carboidratos, há um aumento mínimo na eliminação de nitrogênio e formação de cetonas. Esse efeito do carboidrato exemplifica sua ação anticetogênica e economizadora de proteína. O sistema nervoso central depende inteiramente da glucose como sua fonte de energia. Pouco glicogênio é depositado no tecido nervoso e, mesmo assim, parece não ser utilizado. A hipoglicemia (baixo nível de glucose sanguínea) prolongada resulta na danificação funcional do tecido do cérebro. O glicogênio hepático, além de funcionar como combustível, exerce uma ação de proteção e desintoxicação, tornando o fígado mais resistente às toxinas de origem bacteriana que outros órgãos com porcentagem menor de glicogênio. Certos carboidratos desempenham algumas funções especiais no organismo. A lactose facilita a absorção de cálcio; a ribose é um constituinte do importante composto RNA e a desoxirribose do DNA. Embora os carboidratos possam ser sintetizados no organismo a partir de certos aminoácidos e da porção glicerol dos lipídeos, sugere-se incluir carboidratos preformados na dieta para evitar a ocorrência da cetose (acúmulo de grande quantidade de corpos cetônicos nos tecidos e nos fluidos) e para que as proteínas não necessitem ser usadas extensivamente como uma fonte de energia. Foi verificada que 50 a 100g de carboidratos diários previnem a cetose, que acompanham as dietas ricas em gorduras e o jejum. As principais funções dos carboidratos são resumidas a seguir: Combustíveis celulares (glicose) Substâncias de reserva (amido, nos vegetais e glicogênio, nos animais) Constituintes da parede celular (celulose, hemicelulose e substâncias pécticas) Precursores de outros compostos (ácido nucléicos, lipídeos, proteínas,vitaminas, outros carboidratos) 32 Problemas relacionados com o consumo de carboidratos Um problema relacionado com o grande consumo de açúcar, doces e bolos é o de que esses alimentos satisfazem ao apetite, embora permaneça o desejo de se comer alimento que provêem os nutrientes essenciais. Os alimentos doces fornecem energia, porém, quase nada além disso. Logo, a ingestão de açúcar se relaciona diretamente com a obesidade. A melhor hora para ingerir doces é logo após a refeição. O consumo de açúcar está relacionado com a incidência da cárie dentária. O consumo de açúcar entre as refeições produz mais cáries dentárias que a mesma quantidade consumida nas refeições. A forma como o açúcar é consumido influencia em grande parte seu dano aos dentes. O açúcar em solução é menos prejudicial que na forma granular. As cáries dentárias resultam da produção ácida sobre a superfície dos dentes levando à dissolução do esmalte. Sabe-se, ao certo, que os carboidratos facilmente metabolizáveis são os fatores causais das cáries, sendo a sacarose o açúcar de maior potencial cariogênico. As cáries dentárias, uma doença periodontal superficial, resultam da produção ácida e crescimento de microorganismos formadores de placas que são habitantes comuns da boca. Estes microorganismos metabolizam a sacarose, consumindo a frutose e transformando a glucose, pela ação da transferase sobre a sacarose, em uma cadeia ou polissacarídeo de cadeia ramificada (dextrana). Esta substância se adere ao esmalte, protegendo o microorganismo e proporcionando condições anaeróbicas nas quais boa parte dos açúcares é convertida aos ácidos lático, pirúvico e acético, principalmente. O resultante abaixamento do pH promove uma severa dissolução localizada do esmalte. Quanto mais velha e mais dura a placa, maior a sua patogenicidade. O flúor inibe a enolase e conseqüentemente a formação de D-glucose-6-fosfato, o que compromete o estabelecimento dos microorganimos. Carboidratos que não são metabolizados, ou o são levemente, resultam em menor desenvolvimento de placas, o mesmo sendo observado para os alimentos sem sacarose. O açúcar D-xilitol, desenvolvido na Finlândia, é muito doce, embora não contribua para a formação de placa. 33 3.3 LIPÍDEOS Introdução Os lipídeos consistem de um vasto grupo de substâncias que são, geralmente, solúveis em solventes orgânicos, mas apenas levemente solúveis em água. São os principais componentes do tecido adiposo, e juntamente com as proteínas e carboidratos, constituem os principais componentes estruturais de todas as células vivas. Os ésteres de ácidos graxos com o glicerol, que constituem cerca de 99% dos lipídeos de origem vegetal e animal, têm sido tradicionalmente chamados de óleos e gorduras. Baseado apenas em se o material é sólido ou líquido à temperatura ambiente, a distinção entre um óleo e uma gordura é de pouca importância prática e os dois termos são usados intercambiavelmente. As principais fontes de energia utilizadas pelo homem se encontram entre os lipídeos: as gorduras fornecem em peso 2,3 vezes mais calorias do que os carboidratos e as proteínas e apesar desses dois últimos grupos de compostos se transformarem em gorduras no organismo humano, alguns lipídeos têm funções biológicas específicas. Os lipídeos dos alimentos são consumidos na forma de gorduras "visíveis", separadas da fonte animal ou vegetal original, por exemplo, manteiga, banha ou óleos de saladas, ou como constituintes de alimentos básicos, tais como o leite, queijo ou carne. As principais fontes de óleos vegetais são a soja, a semente de algodão, o amendoim, o milho, a palma, o coco e a oliva. Os lipídeos nos alimentos exibem propriedades físicas e químicas únicas. A composição, estrutura cristalina, ponto de fusão e solidificação e associação com água e outras moléculas não lipídicas são especialmente importantes no que diz respeito às várias propriedades texturais que eles impõe e à sua funcionalidade em diferentes alimentos. Eles sofrem mudanças químicas complexas e reagem com outros constituintes, produzindo numerosos compostos desejáveis ou não à qualidade dos alimentos. Os lipídeos dietários desempenham um importante papel na nutrição. Fornecem calorias e ácidos graxos essenciais, agem como carreadores de vitaminas e aumentam a palatabilidade dos alimentos, embora por décadas tenham sido o centro de controvérsias com respeito à toxicidade e doença. 34 Nomenclatura A nomenclatura lipídica pode ser entendida mais facilmente se a simples nomenclatura das várias classes dos compostos orgânicos for revista primeiro. Ácidos graxos Este termo se refere a qualquer ácido monocarboxílico alifático que possa ser liberado por hidrólise a partir de gorduras de ocorrência natural. De uma maneira geral, todos os ácidos encontrados na natureza são de alto peso molecular, normalmente, de cadeia linear, saturados e insaturados. Poderão também ter substituintes na cadeia, como grupos metílicos, hidroxílicos ou carbonílicos. Os principis ácidos graxos saturados são o láurico, o palmítico e o esteárico e insaturados o oléico, linoléico e o linolênico. Gorduras de animais e vegetais terrestres apresentam ácidos com cadeias de dezesseis a dezoito átomos de carbono, com predominância destes últimos. Ácidos com vinte ou mais carbonos são comuns em gorduras de animais marinhos. A grande maioria dos ácidos graxos encontrados em gorduras naturais apresentam número par de carbonos na cadeia, e quando insaturados, na maioria das vezes, encontram-se na configuração cis. Todos esses ácidos existem na natureza, principalmente, na forma de ésteres do glicerol ou de álcoois alifáticos de cadeia longa, embora possam ocorrer em quantidades menores na forma de ésteres da vitamina A, de esteróis ou de outros compostos cíclicos e ainda, em quantidades negligenciáveis, na forma de ácidos livres. 1. ácidos graxos saturados: São ácidos monocarboxílicos constituídos de uma cadeia hidrocarbonada saturada, ou seja, com todas as valências do carbono ligadas a átomos de hidrogênio. Quanto maior o tamanho da cadeia hidrocarbonada maiores serão o peso molecular, o ponto de fusão e a insolubilidade do ácido graxo ou do lipídeo que o contenha e menor sua volatilidade. Os ácidos graxos podem ser denominados de cinco maneiras diferentes. 1.1 os ácidos são denominados de acordo com hidrocarbonetos de mesmo número de átomos de carbono (CH3 substituído por COOH). A letra terminal o no nome do hidrocarboneto é substituída com oico, por exemplo, alcano = alcanóico, hexano = hexanóico. Se o ácido contém dois grupos carboxílicos o sufixo torna-se dióico, por exemplo exanodióico. O carbono carboxílico terminal é considerado como carbono número 1. 35 1.2 Os ácidos podem ser numerados com base no grupo carboxílico como um substituto do hidrocarboneto correspondente (H substituído por COOH) e o sufixo ácido carboxílico é usado, por exemplo pentano = ácido 1-pentanocarboxílico. Neste sistema o carbono número 1 é o carbono adjacente ao grupo carboxílico terminal. Esta convenção corresponde ao uso das letras gregas , , , , etc no qual o -carbono é aquele adjacente ao carbono carboxílico. 1.3 Os ácidos podem ser designados pelo nome comum, como o butírico, esteárico e oléico. 1.4 Os ácidos podem ser representados por uma designação numérica dando-se o número de átomos de carbono e o número de duplas ligações, por exemplo, 4:0, 18:1, 18:3. 1.5 Para uso em abreviações em triacilglicerol, a cada ácido pode ser dado uma letra padrão, tal como P para palmítico e
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