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Reinaldo A. Carcanholo (org.) CAPITAL: ESSÊNCIA E APARÊNCIA V O L U M E I I a edição Expressão Popular Copyright © Editora Expressão Popular Ltda. Revisão Ana Cristina Teixeira e Maria Elaine Andreoti Capa, projeto gráfico e diagram ação Krits Estúdio Impressão Cromosete Dados internacionais de Catalogação-na-Publicação (CIP) C244 Capital: essência e aparência / Reinaldo A. Carcanholo (org.).-1 ,ed.— São Paulo : Expressão Popular, 2011. 176 p. indexado em GeoDados - http://www.geodados.uem.br. ISBN 978-85-7743-177-9 1. Economia. I. Carcanholo, Reinaldo A., org. li. Título. CDD 335.4 Bibliotecária: Eiiane M. S. Jovanovich CRB 9/1250 1a edição: julho de 2011 Edição atualizada de acordo com a nova regra ortográfica. Todos os direitos reservados. Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sem a autorização da editora. Editora Expressão Popular Ltda. Rua Abolição, 201 I Bela Vista I 01319-010 I São Paulo - SP Tel (11) 3105 9500 I 3522 7516 I Fax (11) 3112 0941 livraria@expressaopopular.com.br I www.expressaopopular.com.br SUMÁRIO 7 Apresentação 13 Introdução Reinaldo A . Carcanholo p a r t e i - M e r c a d o r i a , v a l o r e f e t i c h i s m o Reinaldo A. Carcanholo T l Preliminares 29 Capítulo 1 - Mercadoria: Valor de uso e Valor de troca 45 Capítulo 2 - A Expressão do Valor ou as Formas do Valor 69 Capítulo 3 - Complementos sobre a mercadoria e o valor 85 Capítulo 4 - Sobre o fetichismo p a r t e i i - C a p i t a l e m a i s - v a l i a 101 Capítulo 5 - 0 dinheiro: natureza e funções Paulo Nakatani Helder Gomes 123 Capítulo 6 - Sobre o capital e a mais-valia Reinaldo A . Carcanholo Maurício Sabadini 147 Capítulo 7 - 0 trabalho em Marx Sérgio A . M . Prieb Reinaldo A . Carcanholo 163 Bibliografia geral 169 Sobre os autores APRESENTAÇÃO O pensamento de Marx, e em particular sua obra maestra, O capital, está mais vigente que nunca. Ao contrario do que, até alguns anos atrás, muitos dos seus adversários poderiam pensar, sua importancia para o século 21 talvez chegue a ser maior do que no século que passou. A grande crise estrutural do capitalismo que se manifestou na primeira década do novo milênio, e que por sua intensi dade surpreende a todos, talvez seja a prova de que essa afirmação é adequada. A verdade é que a teoria de Marx terá vigência pelo menos enquanto existir o capitalismo, as classes sociais, a exploração do homem pelo homem, a escassez, o consumismo, o individualismo, a forma social que viola a natureza humana e faz das pessoas seres fundamentalmente alienados e infelizes. E, se alguém quiser deduzir dessas palavras que nossa perspectiva é de que M arx seria um humanis ta, a dedução é correta: seu pensamento é profunda e radicalmente humanista. Humanista e revolucionário! E justamente pela vigência e atualidade do pensamento de Marx que faze mos o esforço de preparar este livro e que a Editora Expressão Popular decide publicá-lo. Ele constará de dois volumes, dos quais este é o primeiro. Em con jun to com este lançamento, a editora realiza, simultaneamente, o esforço da pu blicação de uma nova edição d’O capital de Marx em português. Este livro, Capital: essência e aparência, não é para ser lido; na verdade é para ser estudado, pois pretende auxiliar os leitores a entenderem essa obra funda mental de Marx, qual seja, O capital. Mas, atenção, não pretendemos oferecer um manual. Ao contrário. Insistamos em um aspecto: os manuais procuram simplificar as questões, tornando-as aparentemente mais compreensíveis. Mas, na verdade, deformam e escamoteiam as dificuldades e negam aos seus leitores a profundidade que elas possam apresentar. Aqui, de maneira inversa, não se trata disso. As questões são apresentadas, na medida do possível e do necessário, com todas as suas comple xidades, porém utilizando-se de uma redação a mais didática possível. Tampouco este é um livro para iniciados e, como dissemos, não é um sim ples e rasteiro manual sobre economia política marxista. Trata-se de uma cole tânea de textos cujo objetivo é fazer com que seus leitores passem a ter algum domínio sobre os aspectos fundamentais dessa temática, mas, muito mais impor tante que isso, que passem a ter interesse e disposição para a leitura direta de O capital, obra-prima indispensável de Marx. Depois da sua leitura e do seu estudo, espera-se que se sintam mais do que capazes para enfrentar os textos originais 7 desse autor; que se sintam estimulados a isso. A leitura direta e a adequada com preensão de Marx, e particularmente d ’O capital, ao contrário do que se possa pensar, não é factível exclusivamente para intelectuais; é mais do que possível e recomendável para todos aqueles que se disponham, com um pequeno esforço, a entender com profundidade a sociedade capitalista em que vivemos e que te nham como esperança uma sociedade superior, a verdadeira sociedade socialista sem adjetivos. Este livro destina-se a pessoas que tenham uma formação mínima compa rável aos primeiros anos do ensino médio, que tenham ou não estudos formais desse nível. Espera alcançar especialmente os mais diversos tipos de militantes sociais que tenham interesse na temática da Economia Política: dirigentes sin dicais, ativistas de movimentos sociais, religiosos críticos, militantes estudantis, ativistas políticos. Pretende servir também para estudantes do ensino superior que queiram se iniciar ou se aprofundar neste tema. E ste l iv r o e s e u s d o is v o l u m e s Este é o primeiro dos dois volumes que compõem o livro, constituído de ensaios de autores que apresentam uma perspectiva similar sobre o capitalismo e sobre a obra de Marx; e, nesse aspecto, embora escrito por diversas mãos, não se encontrarão divergências de interpretação entre textos aqui reunidos. U m a ou outra repetição poderá ser encontrada, mas divergências não existem. Este primeiro volume está dividido em duas partes, sendo que a segunda foi escrita especialmente para esta coletânea. A prim eira parte, de nossa autoria, está destinada à exposição sobre a mercadoria, o valor de troca e o valor, em um ensaio escrito há m uito tempo. Trata-se de um a espécie de guia de leitura do prim eiro capítulo d’0 capital. A segunda parte, para a qual contribuem vários autores, discute um a variedade de temas: a natureza e as funções do dinheiro, a mais-valia e suas formas e, finalmente, o trabalho produtivo e — um assunto correlato —, a discussão sobre a centralidade do trabalho. Em ambas partes, os temas discutidos apa recem no Livro I d ’0 capital ou estão a ele diretam ente relacionados. Neste sentido, cabe ressaltar que todas as citações, neste volume, do Livro I d ’0 ca pital seguem a edição portuguesa deste livro publicada pela Edições Avante!, em um a cuidadosa tradução de um a equipe coordenada pelo Prof. D outor José Barata-Moura. N o segundo volume serão discutidos temas como o conceito de capital in dustrial, a essência e a aparência no capitalismo, a relação entre valor e preço de mercado, a tendência decrescente da taxa de lucro, capital comercial, capital a juros, capital financeiro, fictício e parasitário, lucros fictícios e renda da terra, grande parte incluída por Marx no Livro III d’0 capital. S o b r e a p r i m e i r a p a r t e d e s t e v o l u m e Nesta primeira parte apresentamos os conceitos de mercadoria, valor de tro ca, valor e também outros a eles relacionados. A extensão deste ensaio se justifica pela relativa dificuldade dessa parte d’O capitai, pelo fato de que ali se concentra implicitamente o central do método marxista; mas, principalmente, porque se criou a falsa ideia de que sua leitura, no original, seria praticamente impossível para “o comum dos mortais”. Por razõesde ordem didática, decidimos manter a redação das “Preliminares” e dos seus dois primeiros capítulos dividida por parágrafos ou pouco mais que isso, numerados sequencialmente, tal como se apresentava na primeira edição do ensaio. A origem da primeira parte - um nosso ensaio denominado “A dialética da mercadoria” - é bastante antiga, embora tenha sofrido ajustes e uma significativa ampliação com os anexos que foram agregados mais ou menos recentemente.1 Sua primeira versão foi escrita em espanhol há muitos anos e, desde então, tem sido usada intensamente em atividades didáticas. Seu texto teve como ponto de partida nossos esquemas de aulas ministradas em Manágua para aqueles que chegaram a ser, logo em seguida, os professores de economia marxista na Universidad Nacional Autónoma de Nicarágua, pouco depois da vitória da revolução sandinista, em 1979. Os mesmos esquemas foram usados por esses professores em suas aulas. A direção sandinista, de então, havia decidido que se ensinasse economia marxista para os alunos de todos os cursos da universidade. Foi justamente a partir desses esquemas que decidimos escrever o texto ori ginal do ensaio em espanhol, em mais ou menos 1980. Em 1982, foi publicado como capítulo de um livro pela Editora Educa de Costa Rica.2 N o prefácio dessa edição, Wim Dierckxsens afirmava: ( ...) A dialética da mercadoria ( ...) o autor apresenta como se fosse simplesmente um guia de leitura. E muito mais que isso, é uma interpretação dos elementos fun damentais da teoria marxista do valor.3 N o Brasil, exceto alguma divulgação mimeografada de uma tradução que elaboramos, foi publicado em uma edição artesanal e de circulação limitada de 1993. Paulo Nakatani, na apresentação, referia-se dessa maneira a esse texto: ( ...) é um roteiro para o estudo do Capítulo I d ’O capital. Nesse sentido não dis pensa, de forma alguma, a leitura do original. Ambos devem ser lidos em paralelo. O primeiro capítulo, considerado dos mais difíceis da obra de Marx, é apresentado 1 Agradecemos a M ário Duayer e a M arcelo D . Carcanholo que tiveram a gentileza de ler e fazer suges tões para sua melhoria. 2 C A R C A N H O L O , R. Dialéctica de la mercancía y teoría del valor. San José: Educa.1982. 3 DIER CK XSENS, W im . “Presentación”. In: C A R C A N H O L O , op. cit. (tradução nossa). 9 de forma clara nos seus desdobramentos lógicos. Parte da questão fundamental i Ciência Econômica, colocada pelos clássicos, sobre a natureza da riqueza na socii dade capitalista. Apresenta de forma metodologicamente correta a análise de Mai sobre a mercadoria e suas diversas faces, como contradições em movimento. Assin exclui, desde o início, a possibilidade de uma leitura positivista d’O capital. E continua suas considerações: A explicitação da forma mercadoria como essência e aparência permite distingui precisamente o valor do valor de troca e mostra que não é preocupação de Marx a ex plicação dos preços relativos. Além disso, permite demonstrar que a teoria do valor trabalho de Marx não é metafísica: é materialista dialética. A gênese da mercadori; expressa-se através da gênese da sua forma, o valor de troca. Essa forma não é estáti ca, mas a expressão dinâmica das contradições sociais através da forma mercadoria.4 N o Brasil, desde 1983, temos utilizado o mencionado ensaio nas aulas da universidade e isso também foi feito por colegas de outras universidades de diver sos Estados do país: Paraíba, Acre, Rio Grande do Norte, Piauí, Alagoas, Bahia, Goiás, Maranhão, Espírito Santo, Paraná e Rio Grande do Sul (Santa Maria e Ijuí), e não só em cursos de Economia. O texto também já foi utilizado em cur sos de formação de militantes de movimentos sociais (MST, Via Campesina, movimento estudantil etc.). N o entanto, o presente texto sofreu algumas adaptações e foi revisado es pecialmente para esta publicação. U m a nova similar, em espanhol, foi recém- publicada pela Editora Félix Varela, de Havana. U m a das alterações para esta publicação foi o esforço de facilitar ao leitor as referências das citações d ’O capital em edições brasileiras. São duas as principais traduções correntes no Brasil até hoje: a realizada por Reginaldo Sant’anna, pu blicada primeiramente pela extina editora Difel e hoje pela editora Civilização Brasileira; e a tradução coordenada por Paul Singer publicada pela Nova Cultural e depois pela Abril Cultural. Esta última tradução encontra-se hoje esgotada. Ao longo da primeira parte deste volume utilizaremos o seguinte procedimento para indicar as traduções brasileiras dos trechos citados: a. Dentro dos parênteses, em seguida ao nome de Marx, aparecerá o núm e ro da página correspondente à edição da Edições Avante! (Marx, p. ...) b. Logo a seguir, entre colchetes, aparecerá o correspondente à edição de 1998 da Civilização Brasileira [ ] c. Entre chaves, aparecerá o núm ero da página das antigas edições da Coleção dos Economistas { } 4 Sua legítima reclamação, feita em seguida, sobre a ausência da discussão da temática do fetichism o, é atendida neste livro no seu capítulo 4. 10 S o b r e a s e g u n d a p a r t e d e s t e v o l u m e Os textos reunidos na segunda parte deste volume discutem temas como di nheiro, capital e mais-valia, as formas da mais-valia, a centralidade do trabalho e o trabalho produtivo e contam com a colaboração de vários colegas com os quais compartilhamos a interpretação sobre a obra de Marx. São eles: Paulo Nakatani, Sérgio Prieb, Helder Gomes e Maurício Sabadini. E possível que, para alguns dos nossos leitores, a Introdução deste livro — que trata da teoria dialética do valor-trabalho —, apresente alguma dificuldade para ser compreendida em sua plenitude. Assim, se isso ocorrer, sugerimos que abandonem a sua leitura e retornem a ela depois de terem lido pelo menos os seis primeiros capítulos do livro. Verão que o conteúdo da “Introdução” se tornará algo quase transparente. Em Vitória (ES), América Latina, janeiro de 2011. Reinaldo A. Carcanholo 11 I N T R O D U Ç Ã O Reinaldo A. Carcanholo “Definição” de valor: - “Valor é a quantidade de trabalho socialmente necessária para produzir uma mercadoria.” “Entre o valor e o valor de troca não há distinção, são expressões que indicam rigorosamente a mesma coisa.” “Para Marx, os preços de mercado são sempre proporcionais às quantidades de trabalho socialmente necessário para a produção das mercadorias.” I As três afirmações em epígrafe, fáceis de serem encontradas em manuais e em exposições introdutórias de economia marxista, estão rigorosamente erradas; são falsas. Constituem, na verdade, um desserviço ao conhecimento do pensamento econômico marxista e são o resultado de uma perspectiva ingênua e superficial da teoria. Comecemos pela terceira das afirmações. E necessário destacar, de início, que é mais ou menos generalizada a ideia de que a teoria marxista do valor é uma teoria dos preços ou, o que é a mesma coisa, que sua preocupação principal é a explicação de como se determinam os preços das mercadorias em uma econo mia capitalista, ou por que eles são mais ou menos elevados. Nada mais longe da verdade. Ela é, de fato, uma teoria sobre a natureza da riqueza capitalista e, particu larmente, sobre a produção dessa riqueza. Não é por outra razão que o primeiro parágrafo do capítulo sobre a Mercadoria d ’O capital (que é seu primeiro capítu lo) pergunta-se justam ente sobre isso: o que é riqueza capitalista? Qual é a sua natureza? E verdade que a teoria marxista do valor ou, como passaremos a chamá-la, teoria dialética do valor-trabalho, pressupõe a existência de uma relação entre os con ceitos de valor e preço de mercado e essa relação é de tipo quantitativo, mas se trata de uma relação mediada por certas determinações.1 E indispensáveldizer, desde já, que valor e valor de troca são conceitos total e completamente diferentes. Mas, adiantemos neste momento que entre preço 1 Interessante tratamento disso encontra-se em Rosental (s/d), pp. 270 e seguintes. 13 de mercado (o preço que comumente observamos no dia a dia de determinada mercadoria) e valor de troca existe sim uma relação muito mais próxima. O pre ço de mercado é um tipo de valor de troca especial, quando este último envolve uma relação da mercadoria com o dinheiro. Mas, vamos com calma. O Q U E É V A L O R E O Q U E É V A L O R D E T R O C A P A R A M A R X ? O valor de troca de uma determinada mercadoria é a proporção de troca que ela realmente estabelece com outra mercadoria qualquer. N a sociedade mercan til algo desenvolvida e, obviamente, no capitalismo, o valor de troca entre duas mercadorias é normalmente intermediado pelo dinheiro. Assim, a mercadoria não possui somente um valor de troca, mas tantos valo res de troca quantas são as demais mercadorias existentes na sociedade. O preço, ao contrário de certas interpretações equivocadas,2 é simplesmente o valor de troca da mercadoria quando a outra é a mercadoria dinheiro.3 O conceito de valor foi descoberto por Marx a partir de uma observação adequada do valor de troca. O que podemos, então, entender por valor? Trata-se, em um primeiro momento e só num primeiro m omento,4 de uma propriedade, de uma característica intrínseca a cada mercadoria, propriedade essa que é social (não natural) e que consiste no poder de compra, no poder de atração que possui essa mercadoria sobre as demais e que permite que ela tenha aqueles valores de troca determinados e não outros menores ou maiores. Esse poder de compra está relacionado, numa primeira análise, à riqueza mercantil que a sociedade re conhece na sua existência (a quantidade de trabalho socialmente necessário para produzi-la). E aí que fica determinado que a magnitude do valor é a magnitude da riqueza mercantil que foi produzida pelo trabalho social, pelo esforço produtivo da sociedade desviado eventualmente de outros fins. Insistamos que o valor não é uma propriedade natural da mercadoria, isto é, o objeto que constitui a mercadoria não possui por sua própria natureza essa propriedade ou característica; trata-se de uma propriedade social; é-lhe entregue à mercadoria pela sociedade e somente pelo fato de esta última estar organizada de maneira mercantil ou capitalista (que é uma sociedade mercantil mais desen volvida) . Enquanto o valor, então, é uma propriedade social inerente, interior à mer cadoria, expressão nela das particulares relações sociais existentes e, portanto, uma categoria da essência da sociedade capitalista, o valor de troca é sua forma 2 Cf., por exem plo, N apoleon i (1981), p. 147. 3 O surgimento do dinheiro de crédito, que é o que conhecem os nos dias de hoje, complica o assunto, mas não invalida essa afirmação. 4 C om o qualquer outro conceito da dialética materialista, trata-se de algo que apresenta um desenvol vim ento, isto é, transforma-se ao longo do tem po. 14 de manifestação e aparece na superfície mesma dos fenómenos; por isso, dire tamente observável.5 O valor é poder de comprar, o valor de troca é a compra efetivada ou pelo menos imaginada, com magnitudes definidas das mercadorias envolvidas. Afirmamos, desde o inicio, que a teoria dialética do valor-trabalho é uma teoria da riqueza capitalista e não dos preços. Para ela, a mercadoria é a célula da riqueza nesse tipo de sociedade e o conjunto das mercadorias existentes consti tui a riqueza disponível. De fato, o dinheiro, que hoje aparece desmaterializado e que se apresenta aos nossos olhos como a própria riqueza, nada mais é que um título com poder de comprar mercadorias e por isso se apresenta aos nossos olhos como riqueza. A mercadoria, como se sabe, está constituida por dois aspectos ou dois po los: o valor de uso e o valor. Sendo este último, na sociedade capitalista (mer cantil desenvolvida), o polo dominante, ele constitui, na verdade, através de sua grandeza, a magnitude da riqueza social produzida. Por isso é que podemos asso ciar a riqueza em nossa sociedade com o valor e este, como propriedade de uma determinada mercadoria, representa a riqueza reconhecida pela sociedade como engendrada no momento da sua produção. Mas, ao mesmo tempo em que o valor é a riqueza na época capitalista, con siste no já mencionado poder de compra da mercadoria que o possui. Esse poder pode ser maior ou m enor dependendo da quantidade de trabalho socialmente necessário para produzi-la. N o entanto, a continuidade da análise revelará que o valor não é o seu real poder de compra; esse poder real, embora conformado fun damentalmente pela riqueza que ela representa, encontra-se alterado por certas determinações. Se denominarmos poder de compra original aquele fixado diretamente pela magnitude do valor da mercadoria, podemos dizer que, na verdade, o real poder de compra normalmente se situará em um nivel superior ou inferior, dependendo da mercadoria, de maneira que aquelas com poder inferior em relação ao original compensam as que possuem poder superior. As diferenças entre o poder original e o real existem em razão de determinações estruturais do sistema capitalista e são explicadas pela teoria. Por outra parte, no dia a dia, o poder efetivo de compra de uma mercadoria flutua em torno do poder real e essas flutuações são o resultado de determinações secundárias e conjunturais e caracterizam o que na verdade é o seu preço de mercado (ou melhor, o preço em dinheiro que vemos no dia a dia). Em última instância podemos dizer que as flutuações em torno do real poder de compra de uma determinada mercadoria são determinadas pelo jogo da oferta e da demanda. Assim, dentro desses limites, não seria errado afirmar que, para Marx, os valores de troca e, em particular, o preço de uma mercadoria determi- na-se pela oferta e demanda. 5 Sobre a relação dialética entre essência e fenôm eno, cf. Rosental (s/d), especialmente o capítulo VI. 15 Podemos resumir o assunto afirmando que três diferentes tipos de poder de compra existem em uma mercadoria: o poder original (determinado diretamente pelo valor), o poder real (que difere do anterior por determinações estruturais do sistema) e o poder efetivo (caracterizado pelo preço de mercado) que flutua no dia a dia em torno do poder real em razão de determinações circunstanciais da oferta e da demanda. Poder de compra: 1. original --------------------magnitude do valor 2. real < ---------------- valor + determ inações estruturais 3. efetivo (prego de mercado) ■*---------------- oferta e demanda Assim, reafirmemos que valor e valor de troca são conceitos diferentes; to talmente diferentes, embora relacionados. Enquanto este último, o valor de tro ca, é algo perceptível por meio da observação empírica, aquele, o valor, é uma dimensão da essência. O valor de troca é uma forma de manifestação do valor, forma essa que não é expressão perfeita e nem totalmente adequada deste último. Trata-se assim de dois conceitos relacionados, mas que não podem ser confundi dos: um se refere à essência e o outro à aparência, formando, em conjunto, uma unidade contraditória na qual cada um deles é um de seus poios. Portanto, na teoria dialética, não há uma “lei do valor” que diga que os valo res de troca e os preços estejam determinados diretamente pelas quantidades de trabalho socialmente necessário contido nas mercadorias ou, em outras palavras, que as mercadorias devam ser trocadas na proporção inversa de seus valores (o poder real), como sugerem alguns autores.6 Essa visão equivocada algumas vezes é expressa de outra forma, ou seja, que o valor seria “norm a” de intercâmbio. Se é que na teoria econômica marxista temalgum sentido falar-se em “lei do valor”, com certeza não é no sentido apontado.7 Se imaginássemos uma situação em que o efetivo poder de compra das merca dorias em geral não fosse alterado nem por determinações secundárias e nem por estruturais e se, assim, ele fosse diretamente proporcional às magnitudes dos seus valores, isto é, às quantidades de trabalho socialmente necessário nelas contido, teríamos o que denominamos preços correspondentes aos valores e nesse caso encontraríamos, na equação de troca entre duas mercadorias quaisquer, de am bos os lados, a mesma quantidade de trabalho abstrato (de trabalho socialmente necessário para a produção delas). 6 Cf. por exem plo, N apoleoni (1981), p. 147. 7 Sobre o assunto, cf. Borges (2004). 16 Mas, ao contrário, na realidade vamos encontrar preços que não correspon dem aos valores, de maneira que diferem entre si o poder efetivo e o poder de com pra original (o valor) da mercadoria. Assim, os preços de mercado se distanciam, mais ou menos, desses preços correspondentes aos valores, fazendo com que o poder original de compra não se efetive exatamente. Que implicação tem isso? A consequência é que os produtores de determinada mercadoria se apropriarão de magnitude de valor diferente daquela que produziram. O valor produzido será diferente do apropriado e essa diferença implicará uma transferência: trans ferência de valor de um produtor para outro. Aqueles que consigam preços de mercado superiores aos correspondentes aos valores se apropriarão de mais valor do que produziram, e os com preços inferiores, ao contrário, se apropriarão de menos, compensando o ganho dos anteriores. Daí a necessidade de entendermos os conceitos de produção, apropriação e transferência do valor, tema cuja análise será detalhada no capítulo 3 deste livro. Poderíamos resumir tudo isso dizendo que a magnitude do valor de uma mercadoria determina a grandeza da riqueza social que ela representa e mede a riqueza produzida socialmente no instante de sua produção. N o entanto, a ri queza que ela representa em cada instante para seu possuidor (o que chamamos de real poder de compra), ao contrário, mede-se pela capacidade que a mercadoria possui realmente e em média de, no mercado, apropriar-se de valor sob a forma de outra mercadoria ou de dinheiro.8 Isso significa que uma mercadoria ou certo montante delas representa uma determinada magnitude de riqueza para socie dade e outra diferente para seu possuidor? Em certo sentido isso é correto, mas mais adequado seria dizer que são grandezas diferentes quando considerados os dois pontos de vista possíveis: o da totalidade e o do ato individual e isolado. O primeiro ponto de vista se refere à essência do conceito e o segundo, à aparên cia.9 As diferenças entre produção e apropriação de valor resultantes da diferença entre o poder de compra original e o efetivo, quando derivadas de determinações estruturais, podem e são efetivamente explicadas pela teoria. Algumas delas po demos mencionar aqui: o conceito de preço de produção,10 a existência de m o nopólios e os correspondentes conceitos de preço de monopólio e de renda abso luta de monopólio,11 a intervenção estatal. Quando derivadas de determinações secundárias não constituem objeto teórico, pelo menos não interessam a uma teoria geral sobre o capitalismo. Dessa forma, a diferença entre o poder original e o real é explicado teoricamente; aquela que existe entre o real e o efetivo, por ser circunstancial, está fora da preocupação de uma teoria geral. 8 D entro dos lim ites dos valores individuais extrem os do setor que produz essa mercadoria, essa capa cidade é denominada por Marx valor social ou de mercado. Sobre o assunto, cf. Carcanholo (2003). 9 Recordem os, uma vez mais, que a aparência para a perspectiva da teoria dialética do valor não se refere a um equívoco do observador, mas a uma das dim ensões “verdadeiras” do real. 10 Para mais detalhes c f Carcanholo (s/d e 2000a). 11 Sobre esse conceito cf. Carcanholo (1984). 17 Regressemos à primeira frase da epígrafe, a de que valor se “defme” como quantidade de trabalho. Talvez já tenha ficado claro que a afirmação é duplamen te enganosa. Primeiro porque valor não se define e segundo porque valor não é quantidade de trabalho. Mas, a verdade é que também aqui se aplica a expres são “onde há fumaça, há fogo”. Em muitos textos, especialmente manuais, ele é “definido”, de fato, como a quantidade de trabalho socialmente necessário para a produção de uma mercadoria. Como definição de algo sobre o qual pouco ou nada se entende pode ser excelente, pois é simples, sintética e facilmente memo- rizável. Como algo que chegue a ter alguma significação teórica, essa “definição” é descartável e pouco menos que ridícula. A quantidade de trabalho socialmente necessário determina a magnitude do valor, refere-se à sua dimensão quantitativa, à sua grandeza, mas não à sua na tureza. O valor não é trabalho, embora encontre nele o seu fundamento. Valor, como vimos, aparece inicialmente como uma propriedade social das mercadorias que consiste em certo poder de compra, de magnitude só aproximadamente de terminada. E uma qualidade delas, um adjetivo atribuído objetiva mas socialmen te a elas. E mais: é realmente isso, mas só é isso durante um tempo, um período, uma determinada época. O erro está em confundir a natureza do valor com sua magnitude ougrandeza; com sua dimensão quantitativa. De fato, a magnitude do valor determina-se12 pela quantidade de trabalho socialmente necessário para a reprodução da mercadoria, e esse é um aspecto importante. N o entanto, entender com profundidade o valor em sua natureza mais íntima (como processo de desenvolvimento e mais do que simples propriedade dos produtos do trabalho, como expressão objetivada das relações sociais mercantis) é fundamental para que se entenda o conceito de ca pital e, como consequência, o capitalismo contemporâneo, passando pelo capital fictício, pelo capital financeiro. O valor-capital, ou simplesmente capital como normalmente o chamamos, é, na verdade, um valor; só que um valor desenvol vido e que deixa de ser propriedade da mercadoria e passa a ter existência em si mesmo, algo como um fantasma desmaterializado.13 Reafirmemos que o valor, como qualquer categoria da dialética marxista, não se refere a algo dado, a algo que possa ser definido de uma vez para sempre. O valor é, na verdade, um processo de desenvolvimento que, como qualquer ou tro, possui seu nascimento, desenvolvimento, maturidade, velhice ou senilidade e morte. Se for mais fácil de se entender, podemos dizer que o valor é algo que está em permanente processo de desenvolvimento. Esse processo é, ao mesmo tempo, o desenvolvimento das relações sociais mercantis no seio da humani dade. Como está em permanente desenvolvimento, o que é hoje deixará de ser amanhã e é diferente do que foi ontem, da mesma maneira como ocorre com 12 M ede-se pelo tem po de trabalho. 13 Aliás, com o qualquer fantasma que se preze. U m a análise detalhada disso aparece no capítulo 6 deste livro. 18 qualquer ser orgânico, inorgânico ou social. Por isso, defini-lo de alguma forma é uma completa insensatez. E verdade que o valor, durante certo período pode ser descrito como uma característica, um adjetivo, uma qualidade social. Trata-se de algo que existe no interior da mercadoria e não pode desprender-se dela; a destruição da mercado ria é sua destruição. Mas tudo isso é correto na etapa de seu desenvolvimento anterior à sua maturidade. E essa maturidade é alcançada quando o valor se trans forma em capital, com o surgimento do capitalismo. E isso mesmo! O capital é simplesmente valor, só que um valor mais de senvolvido, que já alcançou sua maturidade. Ele agora é capaz de se reproduzir, produzir seus filhinhos(a mais-valia). Ele, agora, já não é mais uma simples propriedade social ou um simples adjetivo da mercadoria. Ele adquiriu vida pró pria, transformou-se em ser com vida própria. Ele não perece com a mercadoria que lhe porta, ele agora é eterno, ou melhor, pretende ser eterno.14 Ele saiu da infância e adquiriu sua maturidade; é o que Marx chama de “substantivação do valor” (de adjetivo, transformou-se em substantivo) quando o valor se converte em capital.15 O valor-capital, ou simplesmente capital, agora existe em si e para si. Utiliza- se das formas corpóreas das mercadorias e do dinheiro, mas não se confunde com elas. Ele se transforma não só em ser com vida própria: passa a ser o sujeito da sociedade e da história e transforma o ser humano em mero aspecto seu. E o que se pode chamar de inversão do sujeito histórico e social. Seu desígnio de alcançar o posto de sujeito absoluto da história é inalcançável, por encontrar seu oponente, apesar de tudo, na rebeldia inerente, essencial à natureza humana que, por mais que apareça na pré-história da humanidade (isto é, nos nossos dias) como algo embotado, violentado, subjugado, manifesta-se sempre, mesmo que de maneira pouco eficiente ou significativa; na realidade, a rebeldia humana encontra-se, de certa maneira, em todos os momentos da história das sociedades de classe. A existência em si e para si do valor como capital talvez apareça mais clara mente aos nossos olhos nos dias de hoje, com a predominância do que se está chamando de capital financeiro e que melhor ficaria caracterizado como capital fictício ou capital especulativo parasitário. Neste momento de nossas vidas, o capital aparece como um poderoso ser que nem mesmo precisa da materialidade das mercadorias para sua existência. Ele aparece como algo total e absolutamente abstrato, desprovido de substância material, mas que existe realmente e está aqui, ali e em todo lugar, mas não o vemos diretamente. E abstrato, invisível, sem ma terialidade, ubíquo e todo poderoso. O capital hoje não é senão o mesmo conceito anterior de valor, só que agora em um estágio superior de seu desenvolvimento. Superou inclusive sua matu- 14 Por sorte isso é uma impossibilidade teórica e histórica. 15 Cf. Carcanholo e Nakatani (1999). 19 ridade. Alcançou a senilidade16 e, sem dúvida, está hoje mais perto de sua morte como conceito e como ser que organiza a sociedade e dirige nossas vidas e nossas mortes. Que diferente, agora, ele (o valor) se apresenta daquilo que se pretende defi nir simplesmente como quantidade de trabalho socialmente ...! Que insensatez é definir valor de qualquer maneira que seja! A única coisa que podemos pretender fazer é descobrir as leis de seu desenvolvimento; descrevê-las. Essa foi a tarefa de Marx, de sua vida: descrever essas leis em suas linhas mais gerais. E, o que podemos pretender fazer? Descobrir suas especificidades contemporâneas, suas consequências, suas implicações, as potencialidades do seu trajeto futuro. Não é uma tarefa fácil, mas muito do caminho já foi seguido, outro tanto apontado; precisamos percorrê-lo e descobrir por onde continua. Obviamente que, se partíssemos do equívoco mencionado anteriormente de confundir os conceitos de valor e valor de troca, entender o conceito de ca pital seria absolutamente impossível e impediria uma visão aprofundada da teo ria econômica marxista, da teoria dialética do valor-trabalho. Mas por que se apresenta esse equívoco de maneira tão frequente com tão sérias implicações negativas?17 Por que existe tão generalizadamente esse erro? N a verdade, nossa hipótese sobre esse equívoco é de que ele deriva, de certa maneira, da responsabilidade do próprio Marx. Ocorre que esse autor usa um mesmo nome para duas coisas diferentes. Usa o nome de valor de troca para referir-se à aparência do valor e a palavra valor a usa para a sua essência. E, qual é o nome que dá a unidade desses dois poios contraditórios? Como denomina a unidade entre o valor e o valor de troca, entre a essência e a aparência? Para de signar a mencionada unidade utiliza também a palavra valor! Não tem um termo especifico e diferenciado para ela mesma. U m nome para duas coisas diferentes. Algumas vezes, por exemplo, quer se referir à manifestação do valor (ao valor de troca) de uma determinada mercadoria e afirma que o valor dela é igual a certa quantidade de dinheiro. Assim está se referindo ao valor de troca especial (o pre ço), mas fala em valor. Usa a palavra valor pensando na dimensão aparencial da unidade contraditória que une a aparência e a essência. Para finalizar, poderíamos mencionar vários outros aspectos ou afirmações que resultam de incompreensões da teoria de Marx, uns resultantes de maior, outros de m enor ingenuidade. Mas não faremos isso. E só para despertar a curio sidade dos leitores e os induzir à leitura dos próximos capítulos, também a outra afirmação que aparece no epígrafe (a de que “a mais-valia é a diferença entre o valor produzido pelo trabalho e o valor da força de trabalho paga pelo empresá- 16 N ão deve ser por outra razão que Reinaldo Gonçalves, na sua profunda intuição teórica, chama a etapa capitalista atual de senil. Cf. G onçalves (2002). 17 O próprio E. M andei, no seu Tratado de economia marxista (1969), ao usar essas expressões, valor e valor de troca, com o se fossem sinônimas, induz à confusão (cf. páginas 85, 95, 213 e 264). N o entanto, em algumas passagens do seu texto, especialmente quando fala da transferência de valor, a identidade entre esses conceitos parece não estar presente em sua interpretação. 20 rio, pelo capitalista”) deixaremos para discutir depois. Veremos, então, por que ela não é correta, pelo menos não é correta totalmente. II Independente de visões mais ou menos ingênuas, o fato é que a teoria mar xista do valor é muito pouco compreendida pela maioria das pessoas, existindo incompreensão mesmo entre aquelas que possuem algum grau de leitura sobre o assunto. O conceito de valor, referido acima, muitas vezes é visto como algo difícil de ser entendido. Veja-se, por exemplo, o que aparece em um excelente artigo publicado em conceituada revista: Para compreender o capitalismo, precisamos de vários conceitos e teorias. Por exem plo, o dificílimo conceito de valor, o conceito da(s) forma(s) valor e das relações de valor, sobre os quais a doutrina oficial dominante da economia nada quer saber. Sem uma apropriada teoria do valor, sem uma teoria do processo de criação do valor, não podemos formular nenhum conceito de capital (...) (Krátke, 2008, pp. 65-66). A afirmação do autor é correta e extremamente importante, mas em um aspecto não podemos concordar: não estamos de acordo que o conceito de valor seja dificílimo. Não o é! E estamos seguros de que o acompanhamento dos en saios que se apresentam neste livro demonstrará isso. Que razões existiriam para que muitos considerem que o conceito de valor e a teoria do valor de Marx, ou teoria dialética do valor-trabalho, sejam muito difíceis? De fato, alguma complexidade essa teoria do valor realmente apresenta (como se pode comprovar pelas linhas acima), mas muito m enor do que muitos de seus leitores acreditam e menos do que alguns de seus divulgadores querem fazer crer, pelo menos no que se refere aos seus aspectos básicos e indispensáveis para uma leitura adequada e satisfatória d ’O capital. E interessante notar que, apesar dessa nossa compreensão, a verdade é que mesmo alguns leitores qualificados de Marx, tanto no que se refere aos aspec tos mais filosóficos do seu pensamento, quanto particularmente ao seu método dialético, encontram dificuldades ao enfrentarem-se com a teoria do valor. E isso é um aspecto curioso e nos faz pensar que algo de relevante existe em tudo isso. Como é possível que alguém, com compreensãoprofunda sobre a dialética marxista e, em particular, com capacidade para entender a dialética presente n’O capital não consiga apropriar-se adequadamente da teoria do valor ali exposta? Isso é muito mais grave ainda pelo fato de que essa teoria do valor não se constitui em aspecto de menor significação. A apresentação feita por Marx sobre 21 o tema não se limita ao primeiro capítulo d ’O capital; encontra-se desenvolvida, em sua totalidade, no conjunto dessa obra, ao longo de suas diferentes partes. Assim, os capítulos do seu livro III, por exemplo, pelo menos a grande maioria, são fundamentais para a teoria dialética do valor. Poderíamos ir mais longe e dizer que essa teoria se confunde mesmo com a teoria econômica do capitalis mo, exposta n ’O capital, e que conceitos desenvolvidos em capítulos avançados dessa obra, inclusive os do livro III, são meros aspectos seus. Conceitos como os de capital, mais-valia, capital comercial, capital a juros, capital fictício, renda da terra não passam de elementos dentro da teoria do valor, conceitos mais desen volvidos do próprio valor. Não entender o significado do valor é não entender a verdadeira natureza de cada um desses conceitos. Em resumo podemos dizer que a teoria marxista do valor, ou teoria dialética do valor-trabalho, é, ela mesma, a teoria de Marx sobre a sociedade capitalista, incluindo seus aspectos chamados econômicos e também os não econômicos. Destaquemos aqui também os seus aspectos não econômicos! Não temos uma resposta definitiva para a questão apresentada: a dificulda de que se apresenta para muitos em entender a mencionada teoria. Poderíamos pensar que a razão estivesse na existência de muitas interpretações equivocadas e contrapostas sobre ela, divulgadas por vários meios. Sem embargo, em última instância, isso não resolveria o problema. Muitas vezes tais interpretações não resultam de uma deliberada intenção de seus autores em deformá-la, mas são fruto de verdadeiro equívoco de seus autores. Assim, essas interpretações defor madoras não seriam a causa, mas consequência da dificuldade da mencionada compreensão teórica. E verdade que existem deformações deliberadas e o exemplo mais emble mático é, talvez, a de Steedman (1985), mas é mais correto pensar que a maioria provém de equívocos de seus formuladores. Nossa hipótese preliminar é a de que a dificuldade tem como origem a con taminação que a teoria marxista sofre com elementos, convicções, formulações e conclusões provenientes de concepções científicas diferentes, em particular, provenientes da teoria ricardiana do valor,18 mas não só dela. Indiscutivelmente a teoria dialética do valor-trabalho aparece contaminada com elementos estranhos, em grande parte originados das interpretações dis poníveis. Essa contaminação aparece tanto em textos de divulgação com caráter didático (em particular os famosos manuais), quanto em trabalhos com carac terísticas científicas que pretendem criticar ou aprofundar teoricamente certas questões. Pior que tudo isso é o fato de que essas interpretações contaminadoras, em particular as expressas em textos com caráter mais científico, induzem muitos pesquisadores marxistas ou paramarxistas, na tentativa de solucionar as dificul 18 Para conhecer a nossa interpretação sobre a teoria do valor de Ricardo, cf. Carcanholo e Teixeira (1992) e Carcanholo (2002). 22 dades ou as supostas dificuldades teóricas que apareceriam no texto de Marx, a trilhar caminhos complexos, multifários, contrapostos.19 O resultado disso é que terminam mais confundindo que levando à solução das dificuldades teóricas existentes ou sugeridas. As interpretações contaminadoras, ao mal interpretar as palavras de Marx e, como consequência disso, ao apontar dificuldades teóricas inexistentes ou a expressá-las de modo inadequado, levam à improdutividade muitos esforços sérios. Entre os paramandstas estão, inclusive, aqueles que já não consideram rele vante a teoria marxista do valor. Pior ainda, não atribuem significação alguma a qualquer teoria do valor ou qualquer preocupação com ela. Esse tipo de teoria, para eles, constituiria uma espécie de pecado de juventude de qualquer estudio so e a conclusão seria de que, em sua maturidade, insistir nela implicaria pura ingenuidade. E verdade que esses paramandstas, que em quase todos os aspectos são irmãos dos antimarxistas, não causam maior dano, pois, ao abandonarem a preocupação com tal teoria, não a seguem contaminando com influências estra nhas ou diversionistas. Sofrem seus discípulos, aos serem condenados à ignorân cia de seus mestres, mas, pelo menos, a teoria permanece isenta das contamina ções que poderiam produzir. Dificuldade maior causam muitos marxistas ou os paramandstas que ainda consideram relevante a questão. Sua legítima preocupação científica de enfren tarem os problemas e dificuldades existentes ou criados, ao formularem as in terpretações multifárias e contrapostas, só produzem “ruídos” que dificultam a compreensão adequada da teoria e fazem-na parecer muito mais difícil do que realmente é. Essas dificuldades que terminam criando funcionam como se fos sem “ruídos estáticos” que prejudicam as comunicações por ondas de rádio. Isso ocorre com muita frequência no que se refere à problemática da transformação do valor em preço de produção. A teoria de Marx dos preços de produção, na dificuldade de que se explique por que o lucro total não é igual à mais-valia total (problema que também é apresentado de outras maneiras20) constitui o objeto privilegiado de análise por parte dessas multifárias interpretações. Assim, as péssimas influências produzidas pelo ecletismo e o ruído resul tante das tentativas multifárias podem, muito bem, ser a explicação da questão apresentada desde o início. Sem dúvida, esses elementos influenciam de maneira decisiva as tentativas de exposição didática da teoria, em particular nos manuais. Como eles se constituem em referência obrigatória para todos aqueles que en frentam dificuldades ao estudar a teoria do valor, o trajeto está concluído: ecletis mo mais ruído teórico, elaboração de manuais, incompreensão da teoria, resis tência em realizar um esforço de superação das dificuldades. A teoria marxista do 19 Originais, sim , mas pouco prom issores no que se refere ao seu resultado concreto. 20 Essa dificuldade, nas form ulações ainda mais diversionistas, é apresentada com o a impossibilidade da existência das duas identidades fundamentais (o chamado “lem a” de Marx) ou ainda com o a “absur da” existência de duas diferentes taxas média de lucro (uma em valor, outra em preço de produção). N ossa interpretação sobre a problemática aparece em Carcanholo (s/d e 2000). 23 valor aparece, pelo menos para alguns, como a matemática para aqueles que têm dificuldade com ela: basta uma equação qualquer, a mais elementar que seja, e o leitor já não entende mais nada. Poder-se-ia argumentar que essa nossa perspectiva e todas as considerações anteriores padecem do defeito de que consideramos equivocadas todas as inter pretações diferentes da que professamos e que só ela seria, na verdade, a correta. E esse argumento em grande parte é correto. Consideramos adequada, em suas linhas básicas, nossa perspectiva sobre a teoria marxista do valor ou teoria dia lética do valor-trabalho, sujeita obviamente a discussões e aperfeiçoamentos em alguns de seus aspectos, mas não em sua perspectiva mais geral. Esperamos que as próximas páginas sejam suficientes para fazer com que as dificuldades aparen tes da teoria possam ser superadas. 24 PARTE I M ERCADORIA , V A L O R E F E T I C H I S M O 1 Reinaldo A. Carcanholo “Sente-se na própria essência do dinheiro algo da essência da prostituição.” G. Simmel “Se o dinheiro, segundo Augier, vem ao mundo com uma mancha natural desangue numa de àuas faces, o capital, ao surgir, escorrem-lhe sangue e sujeira por todos os poros, da cabeça aos pés.” K. Marx 1 Agradeço os com entários de M ário Duayer e de M aurício Sabadini. PRELIMINARES 1. A teoria do valor de Marx é, na verdade, muito mais ampla do que se tende a pensar. Em primeiro lugar, não se trata de uma teoria que se preocupe simplesmente em especificar os fatores que determinam os preços relativos ou o nivel dos preços no mercado. Ela não é isso. Seus objetivos são muito mais am plos e complexos e seu ponto de partida é a determinação teórica da natureza da riqueza capitalista. Em segundo lugar, ela não se limita ao que se encontra desenvolvido no primeiro capítulo d’O capital, mesmo que complementada por aqueles dedicados ao problema da transformação dos valores em preços de produção. Os conceitos de capital e mais-valia, capital industrial, capital fictício, por exemplo, são as pectos fundamentais da mencionada teoria do valor, sem os quais ela não estaria completa e seria incompreensível. N a verdade, tais conceitos não são mais que formas desenvolvidas do valor e, portanto, os capítulos e seções d’O capital de dicados a eles são indispensáveis para a referida teoria; eles aparecem discutidos ao longo de toda a mencionada obra, em seus três diferentes livros. Capital, por exemplo, é o próprio valor em fase avançada de seu desenvolvimento. Assim, poderíamos dizer, sem nenhum exagero, que a exposição da teoria marxista do valor encontra-se no conjunto da obra econômica de Marx e, em particular, em seu livro maior: O capital. 2. Talvez essa seja uma das razões para que, desde sempre e até hoje, tenha existido exagerada incompreensão sobre a teoria de Marx sobre a sociedade capi talista, inclusive entre muitos daqueles que se consideram iniciados nesse tema. Essa incompreensão, além disso, tem como fundamento o fato de que muitos tratam de encontrar ali, de maneira imediata, resposta a perguntas não pertinen tes ou, pelo menos, mal formuladas. 3. Nosso objetivo, neste trabalho, é construir um roteiro de estudos sobre os aspectos básicos da teoria marxista do valor; sobre aqueles aspectos que apare cem desenvolvidos no primeiro capítulo d’O capital. Para isso seremos obrigados a apresentar nossa interpretação sobre o tema. 4. Devemos advertir imediatamente sobre uma importante característica d’O capital. Não vamos encontrar nesse livro a exposição dos resultados finais de uma pesquisa terminada; algo assim como um resumo das conclusões. De certa maneira, o que ali se expõe é a trajetória da pesquisa, os passos metodológicos necessários para ir descobrindo progressivamente cada nova categoria. Veremos que, ao lermos atenta e ordenadamente cada um dos seus sucessivos parágrafos, 27 estaremos sendo conduzidos de mãos dadas pelo autor. Ele nos levará da obser vação sistemática e metódica da realidade, ao descobrim ento das categorias; des tas e de um a nova observação do real, nos guiará para o descobrim ento de novas categorias. Com eçarem os logo a sentir-nos com o os verdadeiros descobridores das mesmas. Aceitemos o convite do autor, cam inhemos sob sua condução durante al gum tem po, nos passos mais simples ou nos mais difíceis. N ão tardará m uito e nos daremos conta de que, em alguns passos, já não necessitaremos sua mão; poderem os cam inhar sozinhos. 5. N o entanto, com o estamos acostumados a exposições sobre resultados fi nais, sobre conclusões, inicialmente não entenderem os o convite do autor. Suas palavras soarão com o afirmações conclusivas. Nossa intenção nos próximos parágrafos é, em relação exclusivamente ao prim eiro capítulo, dem onstrar ao leitor que o autor d ’O capital efetivamente en tregou-nos o referido convite e dar os passos mais importantes ali explicitados, aceitando as duas mãos de Marx. Em algumas oportunidades nos atreveremos a dar alguns passos sem sua ajuda; nesse m om ento estaremos convidando o leitor para que nos acompanhe. 6. Antes de entrarm os diretam ente no tema, é indispensável um a última observação. N a verdade, a exposição d ’O capital não expressa de maneira com pleta o cam inho de um a verdadeira pesquisa. Esta, na realidade, tem caminhos tortuosos; há m om entos de êxito e tam bém de fracassos; às vezes as perguntas formuladas são corretas, outras vezes é necessário começar de novo; um a ação específica pode resultar produtiva ou deve ser abandonada antes de terminar. A pesquisa, por m elhor projetada que seja, não transcorre por um a linha reta, como poderia se pensar inicialmente; em outras palavras, ela não é um processo que possa ser totalmente planificado a priori. É certo que se encontrará em O capital a exposição do processo de pesquisa científica, mas não do processo real, tal como efetivamente se deu. O processo de pesquisa científica que ali se explicita é ideal, no sentido de que se abstraem os erros, os fracassos, as ações realizadas, em bora improdutivas; ali o processo apa rece com o se transcorresse por um a linha reta previamente traçada. As categorias vão sendo descobertas um a depois das outras; não existe lugar para a intuição, para a imaginação e a criação. Q uem se tenha dedicado a um a verdadeira pesqui sa científica saberá que aquele processo descrito como linear não é mais do que um a caricatura. N o entanto, o procedim ento expositivo usado por M arx é ade quado: aos novos pesquisadores no tema, só é necessário com unicar os aspectos produtivos da pesquisa realizada e não os seus cam inhos equivocados. Assim, a posteriori, é possível e correto fazer a exposição como se ela houvesse transcorrido por um a linha reta, sem desvios. 28 C A P ÍT U L O 1 MERCADORIA: VA L O R DE USO E V A L O R DE TROCA A R IQ U E Z A C A P IT A L IS T A 7. Aceitemos o objeto de estudo assinalado pelo autor em O capital, já no seu primeiro parágrafo: a riqueza capitalista, isto é, a riqueza na época de domínio do capital. O nosso problema é identificar a natureza dessa riqueza. Em outras pala vras, nossa pergunta é: o que é riqueza na época capitalista? 8. O autor diria que, para responder a essa pergunta, não temos outro ins trum ento científico senão a observação da realidade: “A riqueza das sociedades nas quais domina o modo de produção capitalista aparece como um ‘imenso acúmulo de mercadorias (...)”.1 Em outras palavras, observamos que a riqueza capitalista é um “imenso acu- mulamento de mercadorias”; aparece como uma imensa quantidade de mercado rias. Não se trata de uma definição;2 riqueza capitalista é mercadoria. Trata-se de uma constatação, a partir da simples observação da realidade. Seria possível, aqui, dizer que riqueza é dinheiro, em vez de mercadoria. N o entanto, esse simples e sujo pedaço de papel (embora muito complexo e miste rioso do ponto de vista teórico) e que constitui pelo dinheiro só pode ser consi derado riqueza por ser capaz de comprar mercadorias; qualquer mercadoria. 9. Assim, se quisermos conhecer a riqueza capitalista e se olharmos a socie dade em que esse regime de produção rege, veremos que tal riqueza está forma da por mercadorias e, portanto, não teremos outra coisa a fazer senão observar3 a mercadoria mais de perto. Isso é o que diz implicitamente o nosso autor. 10. Se observarmos a mercadoria, nos daremos conta de que ela apresenta duas características que possui dois aspectos imediatamente observáveis. Ela é, “antes de mais, um objeto exterior, uma coisa, que, por meio das suas proprie dades, satisfaz necessidades humanas de qualquer espécie. A natureza dessas ne cessidades, quer surjam, p. ex., do estômago ou da fantasia, em nada modifica a questão” (Marx, p. 45) [57]{45}. Em segundo lugar, ela é um objeto capaz de intercambiar-se com outros, com outras mercadorias; ela é capaz de compraroutras mercadorias. 1 MARX, K. O capital. Crítica da economia política. Lisboa: Edições Avante, livro 1,1.1, 1990 ,, p. 45. 2 N ão se trata de definição é extrem amente importante. N a teoria de Marx, ao contrário do que esta m os acostumados, não existem definições. 3 A observação da realidade é o primeiro passo do m étodo científico da dialética materialista, caracterís tica do pensam ento de Marx. 29 11. Essas duas características da mercadoria não são produto da imaginação do autor d ’O capital, pois são facilmente observáveis por qualquer um de nós. O que M arx fez foi dar nom es a tais características, criar term os relativos a esses aspectos. A mercadoria é um valor de uso pela sua capacidade de satisfazer neces sidades, e é um valor de troca (ou tem valor de troca) devido a sua capacidade de com prar outras mercadorias. Assim, podem os dizer que a mercadoria (M) é valor de uso (V ) e é valor de troca (V ); é a unidade desses dois aspectos. 12. N ossa pesquisa não tem outro cam inho a seguir senão observar mais de perto os dois aspectos da mercadoria. Aqui, não analisaremos o valor de uso, um a vez que este não nos interessa por ora. C orrem os o risco, no entanto, de que se pense que esse aspecto da m ercadoria tem um papel secundário na teo ria de Marx, o que é, evidentem ente, incorreto. A verdade é que destacar aqui sua im portância implicaria demasiado espaço, mais do que poderíam os dispor neste lugar.4 DO V A L O R D E T R O C A A O V A L O R 13. O que é valor de troca de um a mercadoria? Valor de troca é a “relação quantitativa, a proporção na qual os valores de uso de um a espécie se trocam por valores de uso de outra espécie5” (Marx, p. 46-47) [58]{46}, é a proporção em que se trocam valores de uso de um tipo por valores de uso de outro. 4 Afirmemos, no entanto, que, se a teoria de M arx for entendida adequadam ente, em toda a sua pro fundidade, seu conceito de utilidade pouco tem a ver com o m esm o conceito neoclássico. Enquanto para os autores dessa corrente a utilidade se esgota em um a relação subjetiva entre indivíduo e objeto, na teoria marxista essa relação subjetiva deve ser entendida com o m era aparência. O estudo adequado dos esquemas da reprodução (livro II d ’O capital) perm ite entender que a utilidade, em sua essência, refere-se às necessidades do capital e não de cada indivíduo, pois o sujeito social no capitalismo so fre um a inversão (o ser hum ano é substituído pelo capital, no papel de sujeito econôm ico e social). Assim, a utilidade para os neoclássicos está m uito longe da utilidade para Marx. E é natural que isso ocorra, pois estamos frente a duas teorias: a primeira com um a perspectiva unidim ensional da realida de, e a outra, dialética. Observe-se que, para Marx, a afirmação de que a utilidade seja um a relação sub jetiva indivíduo/objeto não constitui erro ou engano; ela é correta, mas insuficiente, pois a aparência é um a das duas verdadeiras dimensões da realidade. O erro ocorreria se pensássemos que a utilidade é só isso, que tem apenas essa dimensão; o engano está constituído pela crença na unidim ensionalidade do real. Para mais informações sobre a im portância do valor de uso na teoria econômica de Marx, cf. Rosdolsky (2001), Cap. 3, pp. 75-92, cf. tam bém M arx (1966), pp. 719-720. 5 Tampouco, aqui, se trata de definição. Frente a um a das características da mercadoria, M arx atribui um nom e. 30 Isso significa que uma mercadoria não tem um valor de troca, tem valores de troca. Quantos? Por exemplo: 1 kg de trigo = 5 kg de milho = 0 ,5 kg de carne = 2 1 de leite = 6 kg de mandioca = 3 kg de feijão etc. Poderíamos dizer, assim, que uma mercadoria tem tantos valores de tro ca quanto existam mercadorias diferentes dela no mercado e possam, portanto, intercambiar-se consigo. 14. Tomemos agora um particular valor de troca de uma mercadoria qual quer. Essa proporção ou relação quantitativa, que é o valor de troca, “muda cons tantemente com o tempo e o lugar” (Marx, p. 47) [58]{46}. Em outras palavras, se observarmos no mercado o valor de troca de uma mercadoria com outra qualquer, veremos que essa proporção não permanece invariável: ela muda com o tempo. Entretanto, se no mesmo momento obser varmos diferentes mercados, distantes uns dos outros, veremos distintos valores de troca de uma mercadoria em relação à outra determinada. 15. Essa variabilidade, em relação ao tempo e ao espaço, pode sugerir que o valor de troca tem a casualidade como uma de suas características. 16. N o entanto, o valor de troca de uma mercadoria, como proporção que é, muda conforme a outra mercadoria com a qual se troca a primeira. 17. A variabilidade do valor de troca de uma mercadoria, dependendo da outra mercadoria com a qual se intercambia, determina naquele a característica de relatividade. O valor de troca é uma característica relativa a ambas mercadorias que participam de uma relação de intercâmbio. 18. Em conclusão, a observação sistemática do mercado permite, ao nosso autor, descobrir duas características imediatamente observáveis do valor de troca: a variabilidade e a relatividade. A variabilidade, característica facilmente visível, faz com que Marx manifeste suspeita sobre a possibilidade de que o valor de troca seja casual. A variabilidade sugere, assim, a possibilidade da casualidade. O valor de troca parece, por isso, ser algo de casual e puramente relativo, um valor de troca interior à mercadoria, imanente (yaleur intrinseque), portanto, [parece] uma contradictio in adjecto (Marx, p. 47) [58] {46}. Em outras palavras, parece um contrassenso pensar a existência de um valor no próprio interior da mercadoria. 19. Então, a conclusão do nosso autor é a seguinte: a) se é certo que o valor de troca é relativo e se ele possuísse uma explicação científica, esta não se en- 31 contraria na mercadoria (“imanente” a ela); ela deveria ser encontrada em am bas mercadorias em conjunto: na que está à esquerda e na que está à direita da igualdade; b) no entanto, se o valor de troca fosse puramente casual (parágrafo 18), não teria nenhum sentido buscar uma explicação para ele; as coisas casuais não têm explicação científica, exceto por meio da lei das probabilidades, o que na verdade não é o que interessa aqui. 20. N o entanto, esse aparente contrassenso de buscar uma explicação para o valor de troca e, além do mais, de buscá-la no próprio interior da mercadoria, e não na sua relação com outra, não leva nosso autor a renunciar à busca de uma teoria do valor. Veremos que a conclusão de que não tem sentido buscar essa explicação, isto é, buscar o valor, é resultado exclusivo da observação imediata, preliminar da realidade, da superfície dos fenômenos reais. 21. Não existe outra maneira de superar essa conclusão preliminar - de su perar o nível aparencial — senão a própria observação dos fenômenos. É por isso que o nosso autor afirma que a existência de um valor intrínseco parece uma contradição em termos: “um valor de troca interior à mercadoria, imanente (•valeur intrinsequé), portanto, [parece] uma contradictio in adjecto. Consideremos a questão mais de perto” (Marx, p. 47) [58] {46}. 22. Vejamos, então, a coisa mais de perto. A aparente casualidade do valor de troca era consequência do fato da sua variabilidade no tempo e no espaço. Eliminemos as mudanças que ocorrem no tempo e no espaço; se dessa maneira encontrarmos alguma regra sistemática à qual atenda o valor de troca, então po deremos concluir que, na verdade, ele não é casual e que, portanto, se pode e se deve encontrar uma explicação científica causal para ele. Observemos que, encontrada um a única regularidade em um fenômeno que supomos ser casual, a casualidade deve ser afastada. Basta considerar o exemplo desorteios de loteria, se, na observação dos seus resultados sucessi vos, encontrarmos uma única regularidade que permaneça por tempo mais ou menos prolongado, em algum m om ento chegaremos à conclusão de que algo está interferindo de maneira deliberada nos resultados; de que não pode ser algo casual. Assim, procuremos um a regularidade no valor de troca; uma única j regularidade. 23. Como dissemos, eliminemos as variações no tempo e no espaço. Observemos de novo o mercado e suponhamos que encontramos ali que: 1 kg de trigo = 5 kg de milho = 0 ,5 kg de carne = 2 1 de leite = 6 kg de mandioca = 3 kg de feijão etc. 32 Perguntemos agora qual seria o valor de troca, neste instante e neste lugar, de 2 litros de leite em termos de mandioca. Não é necessário buscar muito essa resposta, pois o mesmo mercado nos indica: 2 litros de leite = 6 kg de mandioca E, se quiséssemos saber o valor de troca dessa quantidade de leite em termos de todas as demais mercadorias, a resposta seria: 2 litros de leite = 6 kg de mandioca = 5 kg de milho = 0 ,5 kg de carne = 3 kg de feijão e tc.6 24. O que significa o anterior? Dados os valores de troca do trigo, os valores de troca do leite não são casuais, mas estão determinados. Entretanto, se tivésse mos partido do valor de troca do leite, o valor de troca do trigo não poderia ser qualquer um, ele já estaria determinado e, portanto, não seria casual. A casualida de, como característica do valor de troca, era puramente da aparência. Devemos então buscar a explicação do valor de troca. 25. Tomemos outra vez as diferentes expressões do valor de troca de 1 kg de trigo: 5 kg de m ilho, 0 ,5 kg de carne, 2 1 de leite, 6 kg de mandioca, 3 kg de feijão. Podemos ver que todas essas quantidades de diferentes mercadorias são in- tercambiáveis entre si no mesmo mercado e no mesmo momento já assinalado, exatamente no volume ali indicado. Isso significa que elas são, no mercado, todas iguais entre si. Todos os diferentes valores de troca da mercadoria trigo são iguais entre si, e quem afirma isso é o próprio mercado. Isso constitui uma regularidade. E verdade que isso ocorre em um mercado e em um determinado momento, isto é, eliminando-se as variações de espaço e tem- 6 Este raciocínio poderia ser vítima de uma crítica baseada no fato da existência de lucro do intermediário. Para evitar mais discussões, basta indicar que o que nos interessa aqui é somente chegar à conclusão de que os diferentes valores de troca da mesma mercadoria são todos iguais entre si e que essa igualdade é determinada pelo próprio mercado. Para demonstrar isso, talvez fosse suficiente argumentar que, com as quantidades especificadas das diferentes mercadorias, qualquer possuidor poderá adquirir sempre a mesma quantidade da mercadoria trigo, isto é, daquela cujo valor de troca estamos estudando. 33 po, como dissemos anteriormente. Mas também é verdade que é um fato no inte rior de qualquer mercado e em qualquer instante do tempo, trata-se de uma regu laridade que sempre ocorre, o que nos permite descartar a ideia da casualidade. 26. Vejamos novamente as expressões de troca de 1 kg de trigo e pergunte mos: o que fazem todas essas coisas iguais entre si, do lado direito da igualdade? Em outras palavras, o que obrigou que todas essas quantidades de diversas mercadorias fossem iguais? O que impõe a existência da igualdade de todas elas só pode ser uma carac terística da própria mercadoria trigo. Quem atrai para si as demais mercadorias é o trigo, e as atrai em quantidades que as fazem iguais entre si. Assim, não pode ser de outra maneira: alguma propriedade interior ao trigo é a responsável. Essa propriedade imanente à mercadoria, descoberta por meio da observação sistemá tica, é denominada, pelo nosso autor, valor.1 27. Resumamos todas as considerações anteriores com as extremamente suscintas palavras de Marx: U m a certa mercadoria, um quarter de trigo, p. ex., troca-se por x de graxa ou por y de seda ou por z de ouro etc., em suma, por outras mercadorias nas mais diversas proporções. Portanto, o trigo tem múltiplos valores de troca, em vez de um único. Porém, como x de graxa, assim com o y de seda, assim como z de ouro etc. têm o valor de troca de um quarter de trigo, então x de graxa, y de seda, z de ouro etc. têm de ser valores de troca substituíveis entre si ou de igual magnitude entre si. Segue-se daí, primeiro, que os valores de troca vigentes de uma mesma mercadoria expres sam algo de igual; segundo, porém, que o valor de troca, em geral, apenas pode ser o modo de expressão, a “forma fenoménica” [Erscheinungsform] de um conteúdo dele [valor de troca] diferenciável (Marx, p. 47) [58-59] {46}. 28. Assim, o valor de troca de uma mercadoria é a maneira de expressar-se, a forma de manifestação, a expressão, a forma fenoménica de um conteúdo da (algo imanente à) mercadoria. Essa substância que se pode distinguir do valor de troca tem um nome dado por Marx: mlor.s 7 Algo similar ocorre com o magnetismo. U m ímã atrai outros objetos de ferro devido à sua propriedade interior chamada magnetismo. D e maneira similar (nesse aspecto), o valor é uma propriedade imanente às mercadorias que não pode ser observada diretamente. Só sabemos da sua existência devido às suas manifestações: os valores de troca. Podemos olhar um ímã por todos os seus lados, jamais saberemos da existência de sua imantação a não ser por sua manifestação: a atração de outros objetos de ferro. Da mesma maneira com o a imantação transforma um objeto de ferro em ímã, em um objeto que era mais ou m enos misterioso antigamente, o valor transforma os valores de uso, produtos do trabalho humano, em mercadorias, objetos total e absolutamente misteriosos até hoje. Talvez, mais hoje do que ontem . 8 Identificar valor de troca e valor, o que equivale a confundir valor e preço, é um erro absolutamente primário; trata-se de identificar essência e aparência. O que é mais surpreendente é a frequência com que podem os nos encontrar com essa equivocada interpretação. Mais adiante verem os que o próprio Marx tem algo de culpa ao induzir seus leitores m enos atentos a esse engano; e não foi intencional (cf. parágrafo 51 mais adiante). O que é inegável é que, em muitas passagens d’O capital, não fica a m enor dúvida de que se trata de conceitos diferentes, embora relacionados. 34 29. Façamos uma breve pausa neste momento e vejamos, nos parágrafos ante riores, o processo metodológico utilizado para chegar aos resultados encontrados. Já havíamos destacado que o ponto de partida do nosso autor é sempre a realidade, e não conceitos criados pela sua própria imaginação, por seu pensamento; seu mé todo de investigação científica é a observação sistemática dessa realidade.9 Vejamos a referência do próprio autor sobre essa questão: (...) eu nunca parto dos “conceitos”, nem portanto do “conceito de valor” (...) Eu parto da forma social mais simples na qual se corporifica o produto do trabalho na sociedade atual, que é a mercadoria. Analiso-a e o faço fixando-me especialmente na forma sob a qual ela se apresenta. Descubro, assim, que “mercadoria” é, por um lado, na sua forma material, um objeto útil ou, em outras palavras, um valor de uso; e, por outro, encarnação do valor de troca e, desde este ponto de vista, “valor de troca” ela própria. Sigo analisando o “valor de troca” e descubro que ele não é mais do que uma “forma de manifestar-se”, uma maneira especial de aparecer o valor contido na mercadoria, razão pela qual procedo à análise deste último.10 O V A L O R 30. Portanto, como vimos, o valor é uma qualidade, um atributo, uma pro priedade da mercadoria.11 Essa qualidade ou propriedade da mercadoria consiste na sua capacidade de comprar (de intercambiar-secom) outras mercadorias - to das as demais mercadorias - sem exceção. Até agora, não sabemos muito sobre ele, praticamente nada. Só sabemos que se trata de um determinado poder de compra. Observemos, então, a coisa mais de perto. 31. A propriedade valor da mercadoria não aparece (não se expressa) por si, não aparece como tal propriedade, mas sim por meio de sua manifestação: o valor de troca. Por isso, o valor de troca é a forma necessária, imediata, de manifestação do valor. 32. Essa propriedade-valor que as coisas possuem na sociedade mercantil não é natural a elas. Em outras palavras, as coisas não têm valor por serem coisas; só possuem valor porque encontram-se dentro de uma sociedade mercantil. E essa sociedade, ao igualar o trigo com o milho no mercado, que confere ao trigo sua propriedade de ser valor; ela e só ela lhe confere o poder de comprar. 9 O m étodo utilizado por Marx, e im plícito desde o com eço, poderia ser resumido da seguinte maneira: formular uma questão, observar, descobrir, descrever o descoberto, dar nom e; em seguida, se neces sário, observar mais de perto antes de uma nova questão. 10 M ARX, K., 1966, pp. 717-718 (tradução nossa). 11 O valor não será uma simples propriedade da mercadoria para sempre. C om o qualquer outro conceito da teoria de Marx, ele se refere não a algo dado, mas a um processo de desenvolvimento. Ele chegará a trans formar-se de simples propriedade adjetiva em realidade substantiva, em ser com vida própria. E o que se chama substantivação do valor. Para melhor compreensão disso, c f Carcanholo e Nakatani (1999). 35 33. Então, o valor é uma qualidade entregue às coisas pela sociedade, mas não por qualquer sociedade, exclusivamente pela sociedade mercantil. Logo, o valor é uma qualidade social e histórica das coisas. 34. Algo, quando é produto do trabalho humano, adquire valor porque na sociedade ocorre intercâmbio mercantil. Este é resultado da existência de deter minado tipo de relações sociais entre os produtores, de relações entre produtores formalmente independentes e autônomos, que produzem uns para os outros, para a troca. Portanto, o valor não é mais que a expressão, nas coisas, das particulares rela ções sociais de produção existentes na sociedade mercantil. Assim, as relações mercaníis de produção expressam-se nas coisas, como uma qualidade social des tas: como valor. 35. O valor é uma espécie de carimbo que a sociedade estampa sobre a mate rialidade física de cada valor de uso, transformando-o em mercadoria. Essa marca indelével, impressa na face da mercadoria, diz: Valor. Indelével, mas invisível. Ele é algo similar, na mercadoria, à nacionalidade de uma pessoa. A nacionalidade indica, em geral, o local de nascimento do indivíduo: “sou brasileiro”, por exem plo. O valor revela que o valor de uso que o possui provém de (ou é originário de, foi produzido sob) relações sociais mercantis de produção. O valor é uma espécie de passaporte que confere ao seu possuidor (a mercadoria) o poder de comprar (de trocar-se por) suas similares (isto é: outras mercadorias). Muitas vezes se diz que o valor é uma relação social. Esta não é uma afir mação rigorosamente correta. O valor é, na realidade, a relação social mercantil expressa nas coisas produzidas pelo trabalho como uma propriedade (ou qualidade específica delas), propriedade que consiste num determinado poder de compra sobre as demais coisas. 36. Portanto, o valor não tem materialidade física, mas, ao mesmo tempo, não é uma simples ideia, um simples pensamento. O valor é real e tem materia lidade, só que materialidade social e histórica. V a l o r e t r a b a l h o 12 37. Qual é o mecanismo que a sociedade utiliza para estampar nas coisas o carimbo Valor, a característica valor? 12 A relação entre valor e trabalho hum ano, isto é, o fato de que este seja a fonte do valor, não nos pa rece que tenha recebido, n ’0 capital, o tratamento mais adequado e suficiente. Provavelmente isso se explica pelo fato de que, na época de sua redação, pelo m enos entre os grandes autores, o assunto não era tão controvertido. A verdadeira razão que perm ite a M arx sustentar ser o trabalho hum ano o que produz valor é, na verdade, diferente do que aparece no capítulo sobre a mercadoria. N o s dias atuais, quando m uito se discute o assunto, é indispensável um tratamento diferente. Por isso, deixaremos para discutir mais cuidadosamente o assunto no Capítulo 3 deste livro. 36 E sse m ecan ism o é o trabalho hum an o. 38. O m ercado, ao igualar duas m ercadorias quaisquer, em certas quantida des, por ex em p lo trigo e ferro, x trigo = y ferro ao m esm o tem p o nos diz que o trabalho do produtor de trigo, incorporado a esse bem , e o que prod u ziu o ferro são iguais. N o entanto, é ev idente que esses dois trabalhos são objetivam ente d iferen tes entre si e, então, não é que eles sejam iguais n o m ercado; este os faz iguais, os iguala, abstrai suas diferenças. 39. A ssim , da m esm a m aneira que a m ercadoria é a unidade de dois aspectos (valor de uso e valor), o trabalho m ercantil (na sociedade m ercantil por exce lên cia, q u e é a sociedade capitalista) é ao m esm o tem p o trabalho concreto (ou útil) e trabalho abstrato. E trabalho concreto (ou útil) na m edida em que prestam os atenção nas suas propriedades específicas, as que p erm item distinguir entre u m e outro tipo de trabalho. É trabalho abstrato na m edida em que o consideram os co m o sim ples trabalho h u m an o, in d istin tam en te.13 Se agora não olharm os ao valor de uso do corpo das mercadorias, apenas lhes resta um a propriedade, a de produtos de trabalho. N o entanto, tam bém o produto de tra balho se nos transform ou já na mão. Se abstrairmos do seu valor de uso, abstraímos tam bém das formas e com ponentes corpóreas que fazem dele [produto de trabalho] um valor de uso. Ele já não é mesa, casa ou fio ou qualquer outra coisa útil. Todas as suas qualidades sensíveis se apagaram. Ele tam bém já não é o produto de trabalho do m arceneiro ou de trabalho de construção ou de trabalho de fiação ou de qualquer outro trabalho produtivo determ inado. Juntam ente com o caráter útil dos produtos de trabalho desaparece o caráter útil dos trabalhos neles expostos [dargesellt]e desapa recem, portanto, tam bém as diversas formas concretas desses trabalhos, que já não se diferenciam, antes se encontram reduzidas, no seu conjunto, a trabalho hum ano igual, trabalho hum ano em abstrato14 (Marx, p. 48-49)[60]{47}. 40. A ssim , o trabalho m ercantil capitalista tem duas faces ou , em outras pa lavras, é a unidade de dois aspectos (ou poios): trabalho concreto (ou útil) e tra balho abstrato. , , .. . / trabalho concreto trabalho humano = ( V trabalho abstrato 13 “Se abstrairmos da determinidadc da atividade produtiva e, portanto, do caráter útil do trabalho, o que nele permanece é o fato de ser dispêndio de força de trabalho humana. Costura e tecelagem, embora atividades produtivas qualitativamente diferentes, são ambas dispêndio produtivo de cérebro, músculos, nervos e mãos humanos etc., e, neste sentido, são ambas trabalho humano” (Mane, p. 55) [66] {51}. 14 Outras traduções possíveis de “trabalho humano em abstrato” seriam “trabalho humano abstrato” ou simplesmente “trabalho abstrato”. 37 É ju stam en te por possuir esse duplo aspecto que ele é capaz de produzir u m a m ercadoria, isto é, produzir duas coisas ao m esm o tem po: valor de u so e valor. C o m o trabalho con creto (útil), o trabalho cria valores de u so ;15 co m o traba lh o abstrato, produz valor: E nquanto cristais dessa substância social com um , eles são valores - valores de merca dorias. (...) U m valor de uso ou bem, portanto, apenas tem um valor porque
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