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Visão de Rio Branco – o homem de estado e os fundamentos de sua política
Arno Wehling*
A relação do homem de estado com as forças profundas da sociedade tem sido objeto de largas indagações, da filosofia à psicologia�, passando pela análise concreta da sua atuação, propiciada pela historiografia.
Na cultura clássica a relação foi em geral considerada levando em conta valores e atitudes de ordem moral ou religiosa, como encontramos em Tito Lívio ou Plutarco: o heroísmo, a coragem, a astúcia, o favor dos deuses; ou mesmo filosófica, quando Tucídides e Políbio procuram relacionar atitudes e comportamentos a regularidades ontológicas que se desvelariam aos olhos do historiador por uma correta anamnese .
No Renascimento, Maquiavel, inaugurando a via moderna de análise, que nos marca ainda hoje, decretou a autonomia do “político” e, no caso que nos interessa, criou os conceitos de virtù e fortuna para objetivar a interpretação das ações do homem de estado, liberando-o das amarras metafísicas de qualquer natureza.
Na esteira dessa ruptura maquiavélica encontramos, na prática da grande política desde o século XVI, a razão de estado, cuja doutrina Meinecke estudou em sua obra fundamental.� Quanto ao papel do homem de estado, nesse contexto, ele foi percebido num largo espectro, que vai do individualismo romântico de Carlyle – o herói conduz a história – ao mais radical determinismo sociológico, a ponto de alguns historiadores marxistas simplesmente negarem qualquer valor intelectual à biografia.
No entanto, quer na perspectiva da metafísica clássica, quer na perspectiva empirista moderna, o problema colocado é o mesmo: qual a relação entre o homem de estado e as forças profundas?
Entre as várias respostas possíveis, a pesquisa histórica tem demonstrado, no estudo da atuação de homens como Cromwell, Napoleão ou Bismarck, que o sucesso do homem de estado está na correta percepção das forças profundas, externas e internas à sua sociedade, e na sua capacidade de nelas intervir. O diagnóstico pode ser mais intuitivo ou mais racional, não importa, mas os objetivos definidos e os procedimentos traçados para atingi-los precisam desta adequação social.
A falta de sintonia entre o homem de estado e estas forças produz duas opções que o anulam enquanto tal. A oposição a elas o torna anacrônico, como se fora o representante de um “antigo regime”. Ele simplesmente exerce um poder enfraquecido, contestado, freqüentemente efêmero. Talvez fosse o papel de Rio Branco, se tivesse continuado na vida parlamentar – e a sua sobranceira distância da política interna durante o consulado no Itamaraty parece ser indício plausível do acerto desta hipótese.
Por outro lado, a simples adesão às forças profundas o transforma em mero gestor das possibilidades que ensejam, sem sobre elas atuar de modo decisivo. Será um “sociático menor”, mas nunca um Rio Branco.
Assim, apesar de ter tido sua obra diplomática, em geral, e particularmente no Ministério entre 1902 e 1912, bem estudada, restam algumas questões que poderiam ser consideradas sob o ângulo da relação homem de estado -forças profundas.
Os historiadores que trataram da biografia do Barão do Rio Branco ou das questões diplomáticas em que atuou, encontram alguns grandes temas, de modo quase consensual. Sem desejar realizar uma incursão historiográfica, é importante menciona-los para, a partir da identificação de objetivos e procedimentos do Barão do Rio Branco, procurar fixar os fundamentos de sua política.
A delimitação de fronteiras, com ou sem a incorporação de territórios cuja soberania encontrava-se incerta, é o aspecto mais relevante da atuação de Paranhos Jr. , quer no período “ técnico-diplomático”que precedeu à participação no governo, quer no período de seu exercício no Ministério.
Caracterizaram esse aspecto de atuação de Rio Branco, conforme lê-se nos especialistas, o exímio uso de conhecimentos jurídicos, geográficos e históricos para a defesa dos interesses brasileiros, o recurso exaustivo à negociação e, mesmo, quando considerado necessário, o emprego da força militar, como ocorreu no Acre.�
A aproximação com os Estados Unidos constituiu-se outro ponto relevante, devidamente assinalado pela historiografia. A “aliança não-escrita”, como a chamou o brazilinista Bradford Burns,� teve, apesar disso, inúmeros textos escritos e gestos simbólicos a explicitá-la Este foi o caso da denominação do pavilhão brasileiro na exposição de São Luís como “Palácio Monroe”, gesto repetido quando da edificação de seu homólogo no Rio de Janeiro, em 1906, para sediar a terceira Conferência Internacional Americana.� Constituía-se, assim, um daqueles “lugares de memória” estudados pelos especialistas em memória social.�
O cultivo de boas relações bilaterais com os estados hispano-americanos e mesmo a tentativa de acordo mais amplo, como ocorreu com o “ABC”, concomitante à preocupação com o fortalecimento militar do país, foram outros aspectos já bem conhecidos, embora de interpretação mais controvertida, pois esta última política já foi vista por um biógrafo do Barão como “a reconquista da antiga hegemonia política e militar do Brasil”, na América do Sul,� enquanto outros não vêem contradição entre as manifestações de boa-vizinhança e o fortalecimento militar como fiador da soberania.
Quais seriam, assim, os fundamentos da política de Rio Branco, considerados os diferentes momentos de sua atuação no ministério?
Uma “certa idéia do Brasil”. Como o general De Gaulle abre seu livro de memórias falando de “uma certa idéia da França” que sempre o perseguiu, também o Barão do Rio Branco manifestava uma “certa idéia do Brasil”. Ele a externou em diversas ocasiões, inclusive no discurso pronunciado no Clube Naval, a 1 de dezembro de 1902, dia de sua chegada ao Rio de Janeiro para assumir o ministério , quando afirmou que “chegava para servir ao país, que todos desejamos ver unido, íntegro, forte e respeitado”.�
A clara concepção da razão de estado. Desde os estudos de Ranke sobre os estados renascentistas e as origens da política internacional européia e, depois dele, a análise clássica de Friedrich Meineiche sobre a evolução da razão de estado na história moderna, este conceito passou a constituir chave fundamental para a compreensão das ações estatais no plano externo. Tanto no plano da organização institucional dos estados como no de sua política exterior, a idéia de uma “razão de estado” implementadora da soberania tornou-se largamente difundida, numa época em que o pluralismo das instituições e das formas políticas ainda apresentava resistências ao pleno desenvolvimento das forças centrípedas dos estados.
Presente na formulação dos líderes políticos do Império, tanto nos seus esforços de integração nacional, como na sua política externa, a razão de estado neste último plano teve plena aplicação na gestão de Rio Branco no Itamaraty. Identificar os objetivos e interesses do estado brasileiro, que expressava as superiores finalidades nacionais sobre os aspectos circunstanciais e eventuais de governos, grupos partidários e homens públicos, era o seu norte político, claramente expresso em diferentes momentos de sua presença no Itamaraty.
Essa nítida percepção da razão de estado chegou a leva-lo, em certas circunstâncias bem determinadas e avaliadas a seu passo mais radical, e Realpolitik.
A admissão da Realpolitik . Rio Branco era um intelectual, que possuía vasto conhecimento, sobretudo de história e geografia. Mas não era um teórico, no sentido de que sua perspectiva não era baseada numa percepção doutrinária do real, mas nas condições objetivas de cada situação.
Nesse ponto não há como deixar de associar sua posição à de Bismarck, quando este via “a política como uma ciência das possibilidades a considerar”.� O senso de oportunidade de Rio Branco foi, assim, marca de uma concepção de Realpolitik, que, entretanto, ao contrário de outros exemplos europeus, pautou-se por alguns critérios éticos e jurídicos muito explícitos.Quando promoveu a intervenção militar no Acre, por exemplo, a despeito da doutrina pacifista e arbitrista que defendia para a resolução dos problemas internacionais, na medida que avaliou os riscos de uma negociação circunscrita aos meios diplomáticos.
Quando optou pela aproximação com os Estados Unidos, numa conjuntura de clara preponderância européia, particularmente britânica, na América do Sul. Essa preponderância, que no caso brasileiro significou a continuação da implementação do funding-loan de Campos Sales – Joaquim Murtinho, traduziu-se no caso da Venezuela, no próprio mês da posse de Rio Branco no Ministério, na intervenção militar da Inglaterra, Alemanha e Itália, com o bloqueio do litoral daquele país.� A ação dos Estados Unidos, através dos Protocolos de Washington, de fevereiro do ano seguinte, conseguiu suspender o bloqueio e transferir para o Tribunal de Haia a decisão sobre os direitos creditícios especiais dos três países interventores.
O interesse dos Estados Unidos em passar de ator coadjuvante a principal na América do Sul não passou despercebida à Realpolitik de Rio Branco, que viu nela excelente oportunidade para diminuir a dependência inglesa. O assunto já foi tratado na historiografia brasileira, aliás, como a adesão, sem caráter caudatário, ao sub-sistema norte-americano de poder.� Nesse mesmo sentido Rio Branco também foi apontado como sendo o autor de um novo paradigma face à posição assimétrica do Brasil no quadro das relações internacionais, que teve a abertura para os Estados Unidos como lance mais significativo.� 
Tendo como lance mais importante a criação da primeira embaixada em Washington, a aproximação com os Estados Unidos foi defendida na imprensa pelo próprio chanceler. Como sabemos, sob o pseudônimo de J. Penn, Rio Branco publicou em 12 de maio de 1906 o artigo “O Brasil, os Estados Unidos e o monroísmo”, no qual defendendo-se dos críticos internos, como Eduardo Prado, procurava assinalar a força da tradição das relações brasileiro-norte-americanas desde a independência.� 
Não deixou de citar, aí, a posição de Tavares Bastos na década de 1860 a este respeito, nem de lembrar os riscos representados pela pressão de países sul-americanos em Washington desde 1824 até 1904, com o intuito de afastar os dois países.�
Sem desejar melindrar as chancelarias européias e visando os argumentos de seus adversários internos, justificou a aproximação com tais dados históricos, até certo ponto esvaziando, diplomática ou maquiavelicamente, seu caráter inovador. Chegou a considerar, no discurso de recepção a William Bryan, em 1910, como “natural” a política de aproximação, especialmente depois da República, quando o país – diria, “organizou –se com uma constituição quase inteiramente copiada das vossas leis constitucionais”.�
Uma política de poder e de prestígio. Poder e prestígio eram categorias intimamente associadas desde que a diplomacia européia, matriz desses conceitos em matéria de relações internacionais, constituiu-se como um dos braços da burocracia estatal. Historiador e diplomata, Rio Branco, profundo conhecedor de evolução dos estados europeus após o Renascimento, não poderia ignora-las quando de sua ascensão ao Ministério das Relações Exteriores.
À competente negociação diplomática os estados bem sucedidos deveriam agregar políticos de poder e prestígio. Essa lição, que vinha da diplomacia do Antigo Regime e que se cristalizou na “política de poder” do século XIX, Rio Branco a aplicou à necessidade de fortalecimento do país. Sua decisiva ação no sentido de consolidar exército e marinha correspondeu, na primeira década do século XX, à efetiva entrada do Brasil no exclusivo rol de países que se pautavam por uma política de poder e prestígio que ultrapassava a mera retórica nacionalista. 
Contra esses, afirmava Rio Branco:
“A paz não depende somente da nossa vontade, dos nossos sentimentos de concórdia constantemente demonstrados (...) Depende também e principalmente da vontade de numerosos vizinhos que nos cercam. (...) Para que algum ou alguns de nossos vizinhos se não anime a dirigir-nos afrontas, a ferir os nossos brios e os nossos direitos, é preciso que estejamos preparados para a imediata e eficaz repulsa , e para isso é necessário que estejamos aparelhados com todos os elementos necessários à defesa nacional, não só com o material, mas com uma força perfeitamente instruída e exercitada, contando com reservas numerosas que possam de pronta acudir às fileiras reforçando os efetivos de paz e acudindo rapidamente (...) aos pontos ameaçados nas nossas fronteiras ou no nosso vastíssimo litoral”.�
Inscrita no âmbito da política de poder e prestígio, com fortes reflexos na opinião pública, encontra-se, também, a criação do primeiro cardinalato sul-americano, fruto de gestões diplomáticas bem encaminhadas junto à Santa Sé. �
A consciência do limite das ambições políticas do país. Rio Branco muito conscientemente definiu os limites das ambições políticas do Brasil em matéria de relações externas. Embora o que denominamos de “política de poder e prestígio”do Barão já tenha sido vista como a mencionada “reconquista da antiga hegemonia política e militar do Brasil”�, parece-nos que, antes de uma hegemonia, a política do chanceler visou – e conseguiu – uma preeminência proporcional às dimensões geográficas demográficas, políticas e econômicas do país à época.
O homem de estado bem sucedido costuma: reconhecer seus limites. Por isso – e vale uma vez mais o paralelo – Bismarck recusou aos nacionalistas extremados qualquer esforço pan-germanista de Anschluss da Áustria e manteve a contragosto a Alsácia e a Lorena, cedendo às pressões do Estado Maior.� Acertou, no primeiro caso, pois respeitou o equilíbrio europeu e evitou as reações da Inglaterra, Rússia, França e Itália. Errou, malgré lui, no segundo caso, e provocou o espírito, que temia, da “revanche pour Sedan”.
Na prática de Rio Branco, a consciência desses limites e a necessidade de divulgá-la juntos aos principais interessados – os países limítrofes, notadamente, por suas características e, pelos conflitos anteriores entre os dois estados, a Argentina – fez com que repetisse as intenções de paz , de respeito ao direito internacional e sublinhasse a identidade de interesses. Na visita de Roque Saenz Pena, então presidente eleito da Argentina, em 1910, reiterou: 
“Na ordem política, também não podemos razoavelmente entrar em conflito, porque os nossos ideais são os mesmos, e é idêntico o programa internacional de concórdia e paz por que ambos os governos procuram com empenho regular-se.
(...)
Sem ambição alguma de preponderância política, que alguns adversários nossos injustamente nos têm por vezes atribuído, só anelamos ver correspondidos fraternos e desinteressados sentimentos que nos animam para com todos esses povos...”.�
O desgosto pelo fanatismo nacionalista. Se Rio Branco era um homem da Realpolitik, fazendo uso de seus atributos intelectuais para atingir objetivos políticos claramente identificados, tinha também um perfil psicológico clássico, distante de arroubos emocionais. Ambos os aspectos, aos quais se acrescia a concepção da política externa como representativa da nação como um todo, faziam com que buscasse identificar objetivos, meios e limites da ação nacional e estatal.
Embora preocupado com a afirmação brasileira, estava distante, assim, de qualquer nacionalismo radical e de seus arroubos retóricos. Numa época de acendrado nacionalismo na Europa, cujos reflexos faziam-se sentir, na América do Sul ademais dos fatores locais, soube manter-se numa linha de estrita observância dos interesses nacionais, sem que isso representasse hostilidade ou arrogância em relação aos países limítrofes, especialmente os platinos. E seu discurso sempre procurou deixar claro que a decidida defesa de interesses nacionais não implicava no menosprezo do interesse dos demais estados. 
A jurisdicidade da atuação internacional. O respeito pelo direito internacionale a resolução pacífica de conflitos, preferentemente tendo por instrumento a arbitragem, que aliás era norma acolhida pela Constituição de 1891, caracterizou a ação de Rio Branco na esfera da jurisdicidade. Expressa na sua ação paramericanista, nas questões de limites antes e durante seu ministério ou na Conferência de Haia, a tese da jurisdicidade não era apenas a defesa abstrata de um ponto de vista valorativo, mas uma estratégia pragmática para estados menores que conviviam na selva da grande política internacional de poder. Num mundo retalhado colonialmente pelas potências européias , no qual emergiam os Estados Unidos e a Rússia como novos atores principais e fortemente influenciado pelas grandes corporações da Segunda Revolução Industrial, a margem de atuação de estados como o Brasil foi limitada e certamente um de seus instrumentos era fazer admitir, pelas grandes potências, um mínimo de regras jurídicas.
A compreensão desse condicionamento e o uso hábil das oportunidades que se abriam para isso, como a exposição em encontros internacionais, explicam a atuação do Barão nesta esfera. A defesa da igualdade jurídica entre estados neste mundo dominado por um darwinismo diplomático tão autofágico como o biológico ou o social, é certamente ponto positivo do consulado de Rio Branco no Itamaraty.
A autonomia da política externa. Rio Branco, afastado da política partidária desde 1876,�concebia a política externa, como a maioria dos homens de estado do século XIX, como autônoma e certamente superior à política interna. Entendia-a como representante dos interesses maiores da nação e do estado� e eventualmente comandando a política interna, na medida que este deveria atende-lhe às demandas, como no caso do fortalecimento militar do país.
Nessa perspectiva, os provincianismos e as questiúnculos de aldeia deveriam ceder o passo ao esforço solicitado pela “grande política externa”. Era o “Primat der Aussenpolitik”, de que falava Ranke, ao defender a “necessidade de dispor todas as suas circunstâncias internas em função de sua afirmação frente ao exterior”.�
Essa concepção encontrava-se no ar desde o final do século XIX e parece refletir a primazia que os problemas do “equilíbrio europeu” ou da “balança de poder” adquiriram, em diferentes países, sobre os da política interna. Ela se confirmava, aparentemente, nos lances decisivos das guerras da Revolução Francesa, e, ao longo do século XIX, na política napoleonica, no “Rule Britannia”e na política de alianças bismarckeana. Seu primeiro diagnóstico intelectual apareceu em Dilthey, quando este identificou, na obra historiográfica de Ranke a propósito dos estados da idade moderna, a percepção inicial de que era ao comando da “grande política externa” que se moviam as peças da política doméstica.
No Brasil da “política dos estados” e do coronelismo municipal - leiam-se os textos de Silvio Romero sobre a política nacional desta década – a “grande política externa”de Rio Branco efetivamente contrastava com o quotidiano da pequena política regional. 
E aqui o homem de estado conseguiu forçar até o limite do suportável as “forças profundas”, fazendo adotar uma política de defesa e segurança que se contrapunha, entre outros, ao fortemente difundido pacifismo positivista, que via nos exércitos uma sobrevivência de estágios históricos superados e que fora dos principais responsáveis pelo desapreço voltado às forças armadas desde o fim do Império.
A suma desta doutrina, que não era apenas de Rio Branco mas de várias gerações de diplomatas oitocentistas, encontra-se no discurso do Clube Naval, quando disse: “não venho servir a um partido político: venho servir ao nosso Brasil”.�
Pelo pressuposto que embaçavam a atuação de Rio Branco no Itamaraty, parece claro que o chanceler, nas relações com as “forças profundas” que o condicionavam, soube diagnosticar com objetividade as potencialidades e os limites de sua ação. Não foi um caudatário dos condicionamentos, nem um voluntarista visionário que a eles se opôs; conseguiu identificar com invulgar precisão sua margem de atuação, com o fim de atender àquela finalidade que se propôs no discurso de chegada: servir o Brasil, otimizando suas possibilidades no plano internacional.
* Presidente do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
� Jean Baptiste Duroselle, A Europa de 1815 aos nossos dias, São Paulo Pioneira, 1989, p.145 ss. Jean Baptiste Duroselle e Pierre Renouvin, Introdução à história das relações internacionais, São Paulo, Difel, 1982, p.382 ss.
� Friedrich Meinecke, Die idee des Staatsrason in die neurer Geschichte, Munique, Oldenburg, 1955, p.5ss.
� Os temas foram estudados pelos biógrafos de Rio Branco, como Alfredo de Carvalho, Aluízio Napoleão, Álvaro Luiz, ªG.de Araújo Jorge e Luiz Viana Filho.
� E.Bradford Burns, The unwriten alliance: Rio-Branco and Brazilian-American relations. New York: 
 Columbia University Press, 1966.xiv, 305p.
� Barão do Rio Branco, Discursos, in Obras Completas, Rio de Janeiro, MRE, 1945, vol.IX, p.143.
� Arno Wehling e Maria José Wehling, Memórias e história: convergências e divergências, in Arno Wehling e Maria José Wehling, Memória social e documento, Rio de Janeiro, UNI-Rio, 1997, p. 5ss.
� A.G.de Araújo Jorge, Introdução às Obras do Barão do Rio Branco, in Obras Completas, Rio de Janeiro, MRE, 1945, p.210
� Barão do Rio Branco, Discursos..., op.cit., p.52. Este aspecto foi também lembrado em Rúbens Ricupero, Rio Branco. O Brasil no mundo, Rio de Janeiro,Contraponto, 2000, p.10ss.
� Friedemann Bedurftig, Taschenlexikon Bismarck, Munique, Piper, 1998, p.177.
� Alejandro Contreras Rodriguez, Relaciones exteriores de Venezuela, in Manuel Rodriguez Campos (ed.) Diccionario de Historia de Venezuela, Caracas, Polar, 1997, vol.III, p.869.
� Clodoaldo Bueno, Política exterior de Rio Branco: o Brasil e o sub-sistema norte-americano de poder (1902-1912), São Paulo, Ática, 1977, p.113.
� Rubens Ricupero, op.cit.p.15ss.
� Barão do Rio Branco, O Brasil, Os Estados Unidos e o Monroísmo, in Estudos Históricos, Obras Completas, vol. VIII, p.129 ss.
� Idem, p.151.
� Barão do Rio Branco, Discursos..., op.cit, p.233.
� Idem, p.222
� Francisco Vinhosa O Barão e o Cardinalato in Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1996, nº 391, p.301.
� A.G.Araújo Jorge, op cit , p.210.
� Allan Palmer, Bismarck, Brasilia, UNB, 1982, p.143 ss.
� Barão do Rio Branco, Discursos..., op.cit., p.251-252.
� Idem, p.52.
� Concepção já comentada por Gilberto Freire; Gilberto Freire, Ordem e Progresso, Rio de Janeiro, José Olímpio, 1958, vol.1, p.182.
� Leopold von Ranke, Politisches Grespräch, Hamburgo, Hoffmann Campe, 1949, p.97.
� Ibidem.
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