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A literatura comparada neste início de milênio tendências e perspectivas

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7
A literatura comparada neste início de milênio:
Tendências e perspectivas
Anselmo Peres Alós
Doutor em Literatura Comparada pelo Programa de Pós-Graduação em 
Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. 
Professor da Universidade Federal de Santa Maria.
Este artigo pretende, através de uma revisitação das 
origens do método comparatista, mapear o estado da 
arte desse campo disciplinar, a partir da evolução de 
diferentes compreensões teóricas e epistemológicas do 
fazer comparatista.
Este artículo busca, a través de una revisitación de los 
orígenes de la metodología comparatista, mapear el estado 
del arte de ese campo disciplinar a partir de la evolución 
de distintas comprensiones teóricas y epistemológicas del 
hacer comparatista.
literatura comparada – teoria literária – historiografia 
literária – epistemologias comparatistas.
Literatura comparada – teoría literaria – historiografía 
literaria – epistemologías comparatistas.
RESUMO: 
RESUMEN:
PALAVRAS-CHAVE: 
PALABRAS-CLAVE:
9Ângulo 130 - Literatura Comparada v.I, jul./set., 2012. p.
REMONTANDO AOS PRIMÓRDIOS
O nascimento da Literatura Comparada como campo 
diferencial nas investigações literárias data do final do século 
XIX e inícios do século XX, com a intenção de, a partir da apro-
ximação das diferentes histórias literárias nacionais, construir 
uma história da literatura universal (CARVALHAL, 1994). Se 
é verdade que a prática comparatista remonta aos inícios do 
século XIX, com o trabalho levado a cabo por Madamme de 
Stäel em De l’Alemmagne, com intenções de compreender e 
divulgar a literatura, a filosofia e a cultura alemãs na França, 
também é mister salientar que o projeto mais amplo de cons-
trução de uma historiografia cosmopolita de alcance universal 
nasce com Goethe e a formulação da categoria Weltliteratur 
(ALÓS e SCHMIDT, 2009).
O comparatismo não se limita a uma simples metodo-
logia de abordagem do fenômeno literário ou de corpora de 
obras específicas; trata-se de um campo disciplinar com uma 
longa tradição institucional. Basta mencionar, neste sentido, a 
criação dos departamentos de Literatura Comparada dentro 
das universidades estadunidenses, como em Columbia, em 
1899, e Harvard, em 1904 (COUTINHO, 2006). Mesmo com 
a sua institucionalização, a literatura comparada estabeleceu, 
desde os seus primórdios, tensas relações com outras aborda-
gens consolidadas dos estudos literários. O campo de atuação 
da história, da crítica e da teoria literária, e as relações dos 
comparatismo com estes campos, de forte tradição em função 
das abordagens herdeiras dos estudos filológicos, sempre foi 
tensa, uma vez que buscava sedimentar suas especificidades 
e sua autonomia em um espaço no qual sempre foi considera-
da secundária. Com relação à tradição de investigação da his-
toriografia literária, por exemplo, a literatura comparada foi 
vista durante longo tempo como disciplina-meio, e não como 
disciplina-fim.
Ao longo do século XX, tornou-se quase um lugar co-
mum a afirmação de três grandes subdivisões ou tendências 
dentro dos estudos comparatistas, as quais convencionalmente 
são referenciadas como as grandes “escolas” do comparatis-
mo: a francesa, a americana e a soviética (CARVALHAL, 1994; 
2004). Ainda que estas correntes não sejam estanques nem res-
peitem à risca suas denominações marcadamente geográficas 
(René Etiemble, apesar de francês, aproxima-se muito da esco-
la comparatista americana, por exemplo), cabe aqui uma breve 
retomada dessa taxionomia que já não dá conta das práticas 
comparatistas realizadas na contemporaneidade.
Sob a rubrica de “escola francesa”, aloca-se uma perspec-
tiva de trabalho que enfatiza sobretudo as questões de estudo 
de fontes e influências, seja de um determinado autor sobre 
outro, seja de uma literatura nacional sobre outra. Tania Fran-
co Carvalhal refere-se a esta modalidade de estudos subdivi-
dindo-a em três modalidades, de acordo com a ênfase dada 
ao longo da investigação comparatista: a) estudos cronológicos, 
quando a ênfase recai em textos literários, autores ou literatu-
ras nacionais que funcionam como fontes, influenciando outros 
textos, autores ou literaturas nacionais; b) estudos doxológicos, 
quando se preocupam com o destino de determinadas obras 
literárias fora da tradição nacional na qual foram produzidas, 
bem como das opiniões cristalizadas pela crítica, em um deter-
minado país, com relação a um determinado autor estrangeiro; 
c) estudos mesológicos, quando o objetivo do exercício compara-
tista é a compreensão dos fatores intermediários que funcionam 
como pontos de contato entre duas ou mais literaturas nacionais, 
tais como a circulação de traduções de obras estrangeiras em 
uma determinada literatura nacional (CARVALHAL, 2004).
A denominação “escola americana” passa a circular com 
maior destaque no cenário comparatista internacional a partir 
da polêmica instaurada pelo trabalho “The Crisis of Compa-
rative Literature”, apresentado no II Congresso Internacional 
da ACLA (American Comparative Literature Association), em 
Chapell Hill, no ano de 1958, por René Wellek. No compara-
tismo de orientação americana, a necessidade de se dar conta 
de “duas nações e duas línguas distintas” como conditio sine 
qua non para caracterizar um estudo literário como um estudo 
de natureza comparatista passa a ser questionado, e emergem 
propostas como a de estudos que contemplem duas literaturas 
nacionais, mas apenas uma língua (como estudos de aproxi-
mação da literatura brasileira com a portuguesa e a moçambi-
cana), ou estudos que deem conta de uma única nação e duas 
línguas (como, por exemplo, um estudo hipotético sobre a poe-
sia paraguaia escrita em castelhano e em guarani). A interdisci-
plinaridade passa a ser acolhida no interior do comparatismo, 
seja através de estudos que aproximam diferentes linguagens 
artísticas (envolvendo, por exemplo, literatura e cinema, lite-
ratura e pintura, literatura e escultura) ou diferentes campos 
disciplinares (estudos que dão conta de um determinado cor-
pus de obras literárias, concomitantemente, a partir do ponto 
de vista dos estudos literários e de outro campo de estudos, 
como a antropologia, a filosofia, a sociologia ou a psicologia).
A escola “soviética”, que tem entre seus principais expo-
entes fundadores Victor Zhirmunsky e Dionyz Ďurišin, cos-
tuma julgar a literatura como produto da sociedade na qual é 
produzida, buscando sempre estabelecer correspondências en-
tre a evolução da literatura e a evolução da sociedade na qual 
é produzida, ao longo da história (ZHIRMUNSKY, 1994). O 
princípio subjacente a este tipo de investigação é o de que para 
cada mudança ocorrida no funcionamento social de uma de-
terminada nação correponde uma mudança no continuum da 
literatura, seja no campo das formas, seja no campo dos temas 
abordados. É inegável aqui o impacto do estudo “Da evolu-
ção literária”, de Iuri Tynianov, na estruturação desta corrente 
comparatista. Segundo Tynianov, há uma correspondência en-
tre o que ele denomina como sendo a “série social” (o conjunto 
de acontecimentos e relações de causa e consequência no cam-
po da estrutura social ao longo do tempo) e a “série literária”, 
ou seja, o conjunto de interrelações, fenômenos e mudanças no 
campo da evolução de uma determinada literatura ao longo do 
tempo (TYNIANOV, 1971).
DA CONSOLIDAÇÃO E 
INSTITUCIONALIZAÇÃO 
DO COMPARATISMO
A literatura comparada não é apenas um método ou 
abordagem de análise literária. A partir da segunda metade do 
século XX, o comparatismo consolida-se não apenas como es-
tratégia de aproximação do fenômeno literário, mas como um 
campo disciplinar institucionalizado. Um estudo comparatista 
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strictu sensu demandava do investigador o conhecimento de 
pelo menos duas línguas distintase e de duas tradições literárias 
nacionais distintas.
Entretando, um dos grandes e espinhosos debates ao lon-
go da história do comparatismo foi o que tentava – e tenta, aon-
da hoje – chegar a um ponto pacífico com relação aos métodos 
e ao objeto de investigação deste campo disciplinar. Em defesa 
das abordagens interdisciplinares, Henry H. H. Remak define 
a literatura comparada como “a comparação de uma literatura 
com outra ou outras, e a comparação da literatura com outras 
esferas da expressão humana” (REMAK, 1961, p. 3). De acordo 
com Alfred Owen Aldridge, por sua vez, “a Literatura Compa-
rada pode ser o estudo de qualquer fenômeno literário do pon-
to de vista de mais de uma literatura nacional ou em conjunto 
com outra disciplina intelectual, ou até mesmo várias” (1969, 
p. 1). Estas redefinições do campo de atuação comparatista 
surgem como tentativa de dar conta dos problemas levantados 
por Wellek em “The Crisis of Comparative Literature”. Mes-
mo em trabalhos recentes, como no livro de Susan Bassnett, 
a questão da definição dos limites e da definição do objeto do 
comparatismo são retomados. A autora afirma que, ao fim e ao 
cabo, o que se pode afirmar com segurança é que a Literatura 
Comparada “envolve o estudo de textos entre culturas, que 
ela é interdisciplinar e que ela está voltada para os padrões de 
relações entre as literaturas no tempo e no espaço” (1993, p. 
1). Como resultado destas discussões, o comparatismo sob a 
rubrica de “escola americana” passa a se organizar em torno de 
cinco modalidades relativamente bem diferenciadas, as quais, 
ao serem recuperadas, permitem que melhor se compreenda o 
estado da arte do comparatismo no cenário da academia con-
temporânea:
1) Estudos dos gêneros literários, suas formas e sua evo-
lução ao longo do tempo. Sob a rubrica generalista de estudos 
de poética desdobram-se abordagens específicas e frutíferas, 
tais como em teoria dos gêneros literários e a narratologia. A 
narratologia configura um exemplo pertinente para mostrar 
como uma abordagem inicialmente restrita ao âmbito dos es-
tudos literários acaba estendendo-se a estudos em outros cam-
pos, como a teoria fílmica (AUMONT, 1995) e a análise cultural 
(BAL, 1994, 1997 e 2000).
2) Estudos de temas ou de mitos literários – método que 
remonta à Stoffgeschichte1 de orientação germanófila – , de suas 
recorrências, transformações e deformações ao longo do tem-
po e do espaço, isto é, do tratamento dado a determinados 
conteúdos como elementos constituintes das obras literárias. 
Dentro da tematologia, merece destaque um campo específico: 
a imagologia, que se preocupa em investigar como os textos 
literários de uma determinada literatura nacional projetam 
uma imagem de identidade nacional, e como outras literaturas 
nacionais recebem e absorvem essas representações.
3) Estudos interartes ou interdisciplinares, isto é, aqueles 
que aproximam uma determinada obra ou um determinado 
corpus de obras literárias a uma obra ou corpus de obras artísti-
cas de outra natureza, tal como a música, a pintura, a escultura 
ou o cinema: 
Na fase clássica da disciplina, havia, sem dúvida, uma pene-
tração em áreas distintas do conhecimento, mas o locus de per-
tencimento do estudo era deixado claro. Hoje essas fronteiras 
foram lançadas por terra e o sentido da interdisciplinaridade 
se amplia de tal modo que tende a generalizar-se, sendo mui-
tas vezes substituído pela ideia de cultura (COUTINHO, 2006, 
p. 50).
Uma das evoluções das investigações neste campo, ori-
ginadas dos estudos de recepção, influências de traduções de 
obras estrangeiras em uma determinada literatura nacional, 
abriu margem para o campo dos estudos de traduções semióti-
cas. Neste campo a adaptação de um romance para o cinema, 
por exemplo, é considerada como uma prática de tradução em 
chave ampla.
4) Os estudos que se focam no diálogo entre a literatura 
comparada e outras abordagens do fenômeno literário: a histo-
riografia, a teoria e a crítica literária. O trabalho de René Wellek 
e Austin Warren com o volume Theory of Literature (1949, p. 
29-56) é um dos trabalhos pioneiros no estabelecimento destas 
relações.
5) Os estudos que dão conta de eras, períodos ou mo-
vimentos literários, dedicando mais atenção às características 
gerais que se fazem presente em uma determinada época do 
que à análise de obras individuais. Esta vertente está fortemen-
te ligada aos pressupostos operantes na historiografia literária, 
apontando para uma vocação mais cosmopolita, ao colocar em 
confronto tradições literárias distintas2. O relatório redigido 
por Charles Bernheimer, acerca do estado da arte do compara-
tismo nas universidades estadunidenes, no seio da American 
Comparative Literature Association (ACLA), e publicado no 
volume coletivo por ele organizado, intitulado Comparative 
Literature In The Age of Globalization, bem como as discus-
sões que se produziram em seu entorno, marcaram o ano de 
1993 como o momento da virada multiculturalista nos estudos 
de literatura comparada. Como em todas as grandes viradas, 
esta reformulação dos rumos epistemológicos da disciplina 
resultou em ganhos e em perdas. Dos ganhos, o maior deles 
foi uma fertilização do campo comparatista, a partir da aber-
tura institucionalizada para os estudos culturais, marcando 
uma tomada de consciência com relação ao papel político da 
literatura no campo mais amplo dos debates acadêmicos das 
ciências humanas. Das perdas, a maior delas foi uma fragili-
zação ainda maior da identidade institucional da literatura 
comparada como campo de investigação, ao assumir seu inte-
resse por objetos de estudo tradicionalmente restritos a outros 
campos disciplinares, tais como a antropologia e a sociologia3. 
O impacto deste relatório foi tal que a Associação Brasileira de 
Literatura Comparada (ABRALIC), em seu VI Encontro Inter-
nacional, ocorrido em 1998, na Universidade Federal de Santa 
Catarina, faz da proposta epistemológica lançada por Bernhei-
mer em 1993 o tema central do evento: “Literatura Comparada 
= Estudos Culturais?”.
O impacto dos estudos culturais britânicos, na tradição 
de nomes como Raymond Williams e Stuart Hall, ao revalori-
zar manifestações culturais das classes subalternizadas, e dan-
do atenção para a cultura popular, impacta de maneira intensa 
os estudos literários, e uma das principais consequências é o 
questionamento das categorias de análise mais basilares para 
a história da literatura comparada, tais como as de nação, lín-
gua nacional e literariedade (este último, uma espécie de “por-
11Ângulo 130 - Literatura Comparada v.I, jul./set., 2012. p.
to seguro” teórico para os estudos literários em cena desde 
o advento do formalismo russo). Na América Latina, merece 
destaque o questinamento feito à noção de literaridade por 
Antonio Cornejo Polar com a sua defesa da heterogeneidade 
(simultaneidade do oral e do escrito) como traço distintivo das 
literaturas andinas.
Um dos traços diferenciadores do pensamento de Cor-
nejo Polar é a sua insistência no fato de que o ponto de parti-
da para o historiador das literaturas latino-americanas é a sua 
interpretação pessoal daquilo que conta como “literatura” em 
sua interpretação e avaliação da herança literária. Para ele, a 
literatura não é apenas um reflexo ou produto da sociedade 
na qual foi gendrada, mas uma força produtiva que contribui 
para o delineamento do perfil cultural desta mesma sociedade. 
Em outras palavras, a literatura não é apenas uma manifes-
tação cultural de caráter derivativo, mas é também produtiva. 
Outro traço importante de seu pensamento é a insistência na 
diferença irredutível que existe entre a temporalidade da tradi-
ção popular e a da tradição letrada das elites latino americanas, 
fortemente marcadas pela herança do pensamento iluminista 
que guiou o processo de formação das naçõeslatino-america-
nas. Isto é de grande monta para que se compreenda a ques-
tão da marginalização das literaturas dos povos originários da 
América Latina (sejam as tradições orais, independentemente 
da língua que utilizam, sejam as manifestações literárias escri-
tas em línguas autóctones, tais como o aimará e o quéchua. 
Para ele, a tradição latino-americana forma uma totalidade 
marcada por uma natureza contraditória entre seus diferentes 
setores e subsistemas, dos quais o confronto mais visível é o 
embate entre as tradições orais autóctones e a tradição escrita 
trazida pelos europeus: 
De fato, como literaturas produzidas por classe e etnias do-
minadas, [as literaturas latino-americanas de expressão 
autóctone] estão atomizadas e não-comunicantes: formam, 
na realidade, verdadeiros arquipélagos, e não está claro se 
constituem sistemas independentes ou se, em alguns casos, 
são subsistemas que convergem para um determinado eixo 
unificador (CORNEJO POLAR, 2000, p. 29).
A importância de se recontextualizar o potencial semió-
tico da literatura ao produzir sentidos em diferentes contextos 
históricos coloca o comparatista, já de antemão, em uma postu-
ra de leitura dupla, levando em conta simultaneamente o con-
texto de produção e o de recepção de uma obra: “a História Li-
terária passa a ser a história da produção e recepção de textos, 
e, para o historiador, esses textos constituem ao mesmo tempo 
documentos do passado e experiências do presente” (COUTI-
NHO, 2003, p. 77). Cornejo Polar, em outros termos, coloca a 
mesma questão, ao afirmar que “reconhecer um passado como 
nosso próprio passado supõe um certo modo de definir o pre-
sente e de identificar a índole do futuro” (CORNEJO POLAR, 
2000, p. 52). Tomar a chegada dos espanhóis, por um lado, ou a 
tradição pré-colombiana, por outro, como ponto de origem das 
tradições literárias da América Latina denuncia dois posiciona-
mentos bastante distintos com relação à valoração da tradição 
herdada e ao que se projeta como possibilidade para o futuro.
Partindo do caminho já aberto pelo comparatista pales-
tino Edward W. Said em Orientalism (1978), Cornejo Polar 
salienta que a Europa, ao mesmo tempo em que “inventa” a 
América, “inventa-se” também a si mesma (e até com maior 
eficácia do que “inventa” a América). Imaginar o outro é um 
gesto interpretativo bastante produtivo na tarefa de figurar a 
si mesmo. Não se deve, em nenhum momento, subestimar o 
poder da imagem sobre aquilo que é imaginado:
[...] cada sujeito decide a história que lhe corresponde, à qual 
pertence e à qual se deve. [...] muitos hispanistas imaginam 
que as nações andinas começaram com a conquista, e todos 
os indigenistas encontram as raízes nacionais muito antes, na 
época pré-hispânica (CORNEJO POLAR, 2000, p. 57). 
O PRESENTE E O FUTURO 
DO COMPARATISMO
Como resultado destas reflexões e indagações ao lon-
go do desenvolvimento da Literatura Comparada entendida 
como campo disciplinar, os cânones revelam-se como os maio-
res esteios de uma tradição euro/falocêntrica e racista, que pri-
vilegiou certas vozes em detrimento de outras na construção 
dos paradigmas de referência e de valoração estética. O texto 
literário passa a ser avaliado em suas relações com outras ma-
nifestações culturais, sem o privilégio concedido pela literarie-
dade, e os critérios valorativos/judicativos passam a oscilar a 
partir do locus de enunciação do investigador comparatista. Isso 
não implica na falência da crítica literária, da história da lite-
ratura, ou do próprio comparatismo, mas sim na tomada de 
consciência de os valores que entram em cena nestes campos 
disciplinares e não são absolutos. Como consequência salutar, 
são problematizados os pressupostos paradigmáticos da teo-
ria da literatura, fazendo com que o trabalho de produção de 
conhecimento acerca dos fenômenos literários redefinam-se 
como um exercício metacrítico (isto é, “uma crítica da crítica”).
A problematização das visões lineares e teleológicas da 
História faz-se presente nas discussões sobre periodização 
e historiografia literárias, para se pensar a tradição literária 
não como o mero acúmulo da produção de tetos ao longo da 
história, mas como um processo constante de reescritura do 
passado a partir de problemas do presente, estabelecendo, nos 
estudos comparatistas, uma verdadeira dialética entre passa-
do e presente4. A relativização dos processos de constituição 
dos cânones nacionais abre um espaço importante para grupos 
minoritários que dele se viram excluídos ao longo da história. 
Assumindo suas próprias vozes e reivindicando tradições cul-
turais próprias, estes grupos passal a lutar pela constituição de 
outros cânones, ou então, pela flexiblização dos parâmetros do 
cânone com vistas a abrir espaço para outras obras. As críticas 
feministas passam a dedicar esforços aos trabalhos de “arque-
ologia literária”, recuperando a produção das mulheres deixa-
das à margem da historiografia literária “oficial” e canônica. 
Um importante exemplo deste trabalho no contexto brasileiro 
é dado pelos dos volumes da antologia Escritoras brasileiras 
do século XIX (MUZART, 1999, 2004 e 2009), nos quais são res-
gatados dos arquivos esquecidos os nomes de mais de cento e 
cinquenta escritoras brasileiras deixadas à margem dos manu-
ais de historiografia literária brasileira, todos eles sintomatica-
mente escritos por homens.
Discutir e relativizar o cânone viabiliza o abalo de tradi-
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ções e sistemas de valores instituídos pelos centros de poder. 
A literatura comparada articula, no presente, um importante 
papel nestas discussões. Enquanto as nações periféricas rela-
tivizam os critérios estéticos impostos pelas metrópoles, os 
países centrais são assolados pelas reivindicações de grupos 
subalternizados, nos quais mulheres, negros e homossexuais 
reivindicam parâmetros alternativos para a avaliação da pro-
dução cultural em um importante gesto de descolonização do 
imaginário. Tais discussões não deslocam apenas nossa com-
preensão acerca de noções como “literatura”, “identidade” e 
“valor estético”, mas contribuem para uma discussão mais am-
pla sobre o universal e o particular, instaurando novas possi-
bilidades éticas que invocam a alteridade como conceito-chave 
na crítica cultural. Redimensionar os regimes de representação 
das comunidades humanas, preocupação comum à Literatura 
Comparada e aos Estudos Culturais neste início de século, é 
o primeiro passo para que se construam novas possibilidades 
de relacionamento no campo social. Atrevo-me aqui a afirmar 
que o papel do comparatismo no cenário atual dos estudos li-
terários e culturais pode ser definido como o de viabilizar a 
constituição de um espaço pós-disciplinar permeado simulta-
neamente pelo saber e pelo poder articulados sobre a diferença 
cultural.
NOTAS
Stoffgeschichte é um termo de origem alemã, de difícil tradução para 
outras línguas, em especial para as línguas latinas. Trata da história de 
um determinado tema (como o amor ou os oceanos) ou mito (como o de 
Narciso ou o de Don Juan) ao longo do tempo, em diferentes tradições 
literárias. A tradução mais recorrente para esta ideia, no campo dos 
estudos comparatistas, seria “tematologia”.
2 A sistematização dessas cinco áreas de estudo comparatista dentro da 
era clássica da “escola americana” e sua importância para a compreen-
são do campo dos estudos comparatistas no presente é apresentanda 
por Eduardo Coutinho (2006, p. 45).
3 A importância dada aqui a este relatório institucional não deve ser 
lida como um ato de subserviência ao colonialismo cultural estadu-
nidense, mas sim como o reconhecimento da envergadura da ACLA, 
uma importante associação comparatista que em muito contribuiu para 
a constituição da Associação Internacional de Literatura Comparada.
4 Para evidenciar isto,pode-se pensar, como exemplo ilustrativo, no 
trabalho de reescritura do romance Robinson Crusoe (de Daniel Defoe) 
por Michel Tournier em Vendredi ou les limbes du Pacifique, no qual a 
missão colonialista de Crusoe sobre a ilha deserta (e sobre a subjetivi-
dade de Sexta-Feira) é explicitada.
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